Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1207/20.0T8PTM.E1
Relator: ANA MARGARIDA CARVALHO PINHEIRO LEITE
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
OCUPAÇÃO DE IMÓVEL
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
REQUISITOS
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A situação de perigo que releva, para efeitos do preenchimento do requisito do periculum in mora de que depende o decretamento da tutela cautelar, deverá ser atual e iminente;
II – Visando a providência requerida – desocupação pelos requeridos de determinado imóvel pertencente aos requerentes – evitar que a demora inerente à normal tramitação de ação, destinada a obter a restituição desse bem, venha a impedir o efeito útil da decisão a proferir, não se verifica a atualidade do periculum in mora se os requerentes, tendo tomado conhecimento no início de julho de 2019 da ocupação do prédio pelos requeridos e das limitações daí decorrentes, se conformaram com estes factos, só tendo intentado o presente procedimento cautelar cerca de um ano depois, inexistindo qualquer elemento superveniente suscetível de alterar a descrita situação. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Juízo Central Cível de Portimão
Tribunal Judicial da Comarca de Faro

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

B… e F… e mulher, L…, requereram procedimento cautelar comum contra P… e mulher, A…, e S…, pedindo se dispense o contraditório dos requeridos e se decrete a imediata desocupação pelos mesmos do bem imóvel que identificam.
A justificar o pedido, alegam, em síntese, que são donos do prédio urbano que identificam – o qual habitualmente usam em períodos de férias e arrendam a terceiros durante o verão –, bem que decidiram vender, para o efeito tendo contratado uma agência de mediação mobiliária; sustentam que os requeridos, em finais de junho de 2019, invadiram o imóvel, o qual se encontrava vedado, tendo forçado e danificado o mecanismo do portão automático, acedido ao interior da propriedade e aí estacionado uma autocaravana, colocando uma corrente no portão, impedindo o acesso ao imóvel, o que obrigou os requerentes a realojar os seus hóspedes e a assumir os respetivos encargos; acrescentam que, no mesmo verão, os requeridos provocaram a destruição da vedação na parte em que confronta com um prédio do qual são proprietários, o esvaziamento total da piscina, o corte de eletricidade e o arrombamento da fechadura da porta de aceso ao anexo onde se encontra instalado o sistema de abastecimento de água, bem como estabeleceram ligações ilegais de água e de eletricidade entre o prédio dos requerentes e a mencionada autocaravana; mais alegam que constataram, em novembro de 2019, que os requeridos haviam invadido novamente o prédio, tendo soldado o respetivo o portão, danificando-o e impedindo o acesso à propriedade; sustentam que apresentaram queixa crime contra os requeridos em 04-07-2019 e que vieram a ter conhecimento, a 02-03-2020, que os mesmos passaram a ocupar o prédio a título permanente, impedindo a entrada dos requerentes e de terceiros e recusando abandonar o imóvel; afirmam que se encontram impedidos de usar a casa desde julho de 2019, tendo procedido ao cancelamento das reservas que tinham garantidas para o verão de 2019 e à suspensão do contrato de mediação imobiliária que haviam celebrado com vista à venda da propriedade, sendo que a permanência dos requeridos no prédio os impede de arrendar o imóvel no verão de 2020, o que lhes causa prejuízo de dezenas de milhares de euros; alegam, ainda, que o respetivo prédio tem vindo a ser destruído pelos requeridos, encontrando-se o jardim sem manutenção ou rega, perdendo a vegetação que tinha, e a piscina sem água, em risco de abrir fissuras, como tudo melhor consta do requerimento inicial.
Por despacho de 15-06-2020, foram os requerentes convidados ao aperfeiçoamento do articulado.
Os requerentes apresentaram requerimento, no qual alegam, em síntese, o seguinte: não existem reservas para 2020, em virtude de se encontrarem impedidos de promover o arrendamento do imóvel; as visitas destinadas à venda do imóvel foram suspensas em 2019 e o imóvel retirado do mercado, face à respetiva ocupação pelos requeridos, identificando três pessoas que contactaram a agência imobiliária entre julho e agosto de 2019; face ao valor das rendas dos cancelamentos de 2019, no montante de cerca de € 11 000, o valor relativo a 2020 será de igual montante ou possivelmente superior, atenta a procura crescente de moradias com piscina privativa; a destruição do imóvel operada pelos requeridos importa a realização de reparações cujo custo previsível ascende a largos milhares de euros.
Por despacho de 29-06-2020, foi indeferido liminarmente o procedimento cautelar e os requerentes condenados nas respetivas custas.
Inconformados, os requerentes interpuseram recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Os Recorrentes intentaram o procedimento cautelar comum não especificado com vista à desocupação imediata da sua propriedade, o qual foi liminarmente indeferido, por não terem sido alegados “factos que permitam concluir que se trate de lesão grave e dificilmente reparável”;
2. A Mm.ª Juíza a quo reconhece, contudo, a existência e actualidade dos danos no jardim e piscina;
3. A reparação da piscina e a recuperação do jardim será na ordem dos milhares de euros, estando os Recorrentes impedidos de aceder ao prédio e solicitar orçamento de reparação que lhes permita concretizar, nesta fase, esse valor;
4. A inexistência de reservas de arrendamento para o Verão de 2020 decorre da ocupação ilegítima da propriedade, a qual obrigou os Recorrentes a retirar o imóvel do mercado de arrendamento e venda;
5. Os cancelamentos das reservas de arrendamento em 2019, consubstanciados nos valores que os Recorrentes deixaram de receber (constantes do Doc. 4 junto ao requerimento inicial) servem de bitola ao prejuízo que a indisponibilidade do imóvel para o mercado do arrendamento em 2020 representa para os Recorrentes;
6. Desde a data da entrada do procedimento cautelar (12/06/2020) até ao final da época (31/10/2020), os Recorrentes arriscam um acréscimo no prejuízo, já vasto, de € 40.500,00 (18 semanas x €2.250,00) caso a posse do imóvel não lhes seja restituída de imediato;
7. Não obstante os diversos danos provocados na propriedade desde Junho de 2019, que impediram o seu arrendamento ou venda, a ocupação do imóvel apenas veio ao conhecimento dos Recorrentes em Março de 2020;
8. Remeter os Recorrentes para a acção declarativa (naturalmente demorada) é votá-los à ruina do seu património imobiliário, bem como de todos os proveitos, económicos e pessoais, que o mesmo poderia proporcionar-lhes e que são, ainda, evitáveis.
9. Os Recorrentes não conhecem nem têm como conhecer da condição económica dos Requeridos, desconhecendo-lhes qualquer actividade profissional, pelo que receiam que com o avultar dos prejuízos, que já não são poucos, os Requeridos nunca venham a ressarci-los cabalmente.
10. Todos os factos atrás indicados, alegados em sede de Requerimento inicial, constituem uma lesão grave para os Recorrentes que, com a delonga do processo declarativo, passará a ser uma lesão de (mais) difícil reparação.»
Admitido o recurso, foi ordenada a citação dos requeridos, nos termos previstos no artigo 641.º, n.º 7, do Código de Processo Civil.
Citados, os requeridos deduziram oposição.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão do preenchimento, pela factualidade alegada, dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Apreciação do objeto do recurso

Os apelantes impugnam o despacho que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar, com fundamento no disposto no artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por se ter entendido que o pedido formulado se mostra manifestamente improcedente.
Considerou a decisão recorrida que não resulta da factualidade alegada pelos requerentes um fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito que invocam, motivo pelo qual se concluiu não se encontrar preenchido um dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida.
No que respeita aos motivos pelos quais se considerou não preenchido o indicado requisito, extrai-se da decisão recorrida o seguinte:
(…)
no caso concreto em apreço, constata-se que a generalidade da alegação é sustentada em danos já ocorridos, não se vendo fundado receio de novos danos -salvo no jardim e piscina propriamente dita.
De facto, note-se que quanto às reservas de 2020 as mesmas são inexistentes, não se vendo, por isso, que a alegada ocupação possa importar qualquer concreto prejuízo/dano futuro, o mesmo se dizendo quanto à pretensa venda do imóvel.
Quanto ao mais, poderia dizer-se que há fundado receio de lesão, considerando a alegada anterior factualidade apontada aos requeridos – actos de destruição.
Porém,
não resulta da factualidade alegada factos que permitam concluir que se trate de lesão grave e dificilmente reparável.
Desde logo, cumpre assinalar que é aos requerentes que cabe alegar a gravidade e dificuldade de reparação da lesão. Entendendo-se que não basta fazê-lo de modo genérico/conclusivo, como sucede no caso em apreço, por mero apelo a milhares de euros – que não concretizam (podem ser €1.000,00 ou €999.999,99) -, nem dizer que não sabem se haverá possibilidade de exigir dos requeridos o ressarcimento, pois que além da casa onde vivem, não lhes conhecem quaisquer bens ou rendimentos.
Ora, mesmo que, como sucede alegado no caso em apreço, possa tratar-se de danos de natureza patrimonial, não se vê se mostre alegada qualquer factualidade que permita concluir que os danos são de impossível ou de difícil reparação, não podendo dizer-se que concorra para tal conclusão qualquer demora no decurso de qualquer acção que venha a ser proposta.
Note-se que os requerentes são conhecedores da situação em apreço pelo menos desde final de Junho do ano passado (2019), tendo esperado um ano inteiro para agora se socorrer de um procedimento judicial de carácter urgente, mais a mais requerendo a dispensa de citação prévia, quando na verdade podiam (e deveriam), até para evitar o alegado agravamento dos danos, já ter intentado anteriormente procedimento cautelar ou mesmo acção declarativa correspondente.
Acresce a isto que, face ao alegado, não é possível determinar da gravidade da lesão futura, mesmo considerando a demora normal de acção declarativa, nem fazer um juízo de certeza quanto à necessária “difícil reparação da lesão”, pois que o alegado pelos requerentes, não basta no nosso entender para ter tal pressuposto por preenchido. Aliás, os próprios requerentes alegam que não sabem se haverá possibilidade de exigir dos requeridos o ressarcimento, limitando-se ademais a alegar que não lhes conhecem bens ou rendimentos, o que não é o mesmo que dizer que os requeridos não possuem quaisquer bens ou rendimentos e, por conseguinte, possibilidade de ressarcimento.
(…)
No que respeita ao ónus de alegação e prova, o mesmo, recai, nos termos do disposto no art. 342º CC sobre aquele que invocar um direito – no caso os Requerentes.
Ora, os Requerentes não lograram como lhes incumbia (art. 342º CC) alegar sequer factos que possam subsumir-se ao conceito de lesão grave e dificilmente reparável.
Sibi imputet.
Assim, no caso concreto, ainda que resultasse provada toda a matéria de facto alegada, não seria possível concluir pela verificação de um dos requisitos previstos no disposto no art. 362.º NCPC, não podendo assim concluir-se pelo fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, o qual é também pressuposto do decretamento da providência requerida, pelo que sempre seria julgada improcedente.
O controlo adequado do preenchimento dos pressupostos deve, no nosso entender, orientar-se por, respeitando o direito de acesso à justiça, evitar abusos na utilização infundada dos procedimentos cautelares, aferindo de entre o mais do grau de gravidade e ressarcibilidade dos prejuízos alegados, sendo que no caso em apreço não se vê preenchido, como já apontado, o pressuposto da gravidade e dificuldade de reparação, desde logo por ausência de alegação concreta a esse fim.
(…)
Discordando deste entendimento, defendem os recorrentes que a matéria de facto alegada preenche o aludido requisito do decretamento da providência requerida.
Sustentam os apelantes que o custo da reparação dos danos existentes no jardim e na piscina ascende a milhares de euros, não lhes sendo possível obter um orçamento que permita concretizar tal montante por se encontrarem impedidos pelos requeridos de aceder ao prédio; acrescentam que os valores que deixaram de recebem em consequência dos cancelamentos das reservas de arrendamento em 2019 permitem aferir o prejuízo que representa a indisponibilidade do imóvel para ser arrendado em 2020, afirmando que a delonga de uma ação declarativa levará à ruína do seu património imobiliário, elementos dos quais entendem decorrer o risco de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito de propriedade sobre o bem imóvel em causa.
Vejamos se lhes assiste razão.
Estando em causa um procedimento cautelar comum, no qual é requerido o decretamento de providência cautelar não especificada, cumpre atender ao regime constante dos artigos 362.º a 375.º do Código de Processo Civil.
O artigo 362.º, sob a epígrafe Âmbito das providências cautelares não especificadas, dispõe o seguinte: 1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. 2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor. 3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte. 4 - Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.
Por seu turno, sob a epígrafe Deferimento e substituição da providência, dispõe o artigo 368.º, além do mais, o seguinte: 1 - A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. 2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (…).
Destas normas têm a doutrina e a jurisprudência sistematizado os requisitos do decretamento de providências cautelares não especificadas, a saber: a probabilidade séria da existência do direito invocado; o fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave e de difícil reparação; a adequação da providência solicitada à situação de lesão iminente do aludido direito; a não existência de providências específicas para acautelar esse direito; não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar.
Não obstante requererem os apelantes a inversão do contencioso, com a consequente dispensa do ónus de propositura da ação principal, extrai-se do requerimento inicial apresentado que o presente procedimento cautelar visa acautelar o efeito útil de ação a intentar, na qual, com fundamento no direito de propriedade dos requerentes sobre o bem imóvel que identificam e na ocupação abusiva do mesmo pelos requeridos, venha a ser peticionado o reconhecimento de tal direito de propriedade e a consequente condenação dos requeridos a desocuparem o imóvel e a procederem à respetiva entrega aos requerentes.
Destina-se a providência requerida – imediata desocupação pelos requeridos do bem imóvel que identificam – a evitar que a demora inerente à normal tramitação da ação a intentar, desde a respetiva propositura até ao trânsito em julgado da decisão final, venha a impedir o efeito útil de tal decisão.
Porém, da factualidade alegada decorre que a ocupação do imóvel pelos requeridos se iniciou em finais de junho de 2019, ocasião em que forçaram o portão e entraram no prédio, após o que colocaram uma corrente do portão, passando a impedir o acesso ao imóvel, o que obrigou os requerentes a realojar os respetivos hóspedes, a cancelar as reservas que tinham para o verão de 2019 e a suspender um contrato de mediação imobiliária que haviam celebrado com vista à venda da propriedade; alegam os requerentes que, ainda no verão de 2019, os requeridos provocaram a destruição de parte da vedação, o esvaziamento da piscina, o corte de eletricidade e o arrombamento da fechadura da porta do anexo onde se encontra instalado o sistema de abastecimento de água, tendo estabelecido ligações ilegais de água e de eletricidade entre o prédio dos requerentes e uma autocaravana que nele estacionaram; sustentam que apresentaram queixa crime contra os requeridos em 04-07-2019 e que se encontram impedidos de usar a casa ou de a arrendar desde julho de 2019, bem como de promover a venda do imóvel ou a respetiva manutenção, situação que se mantém.
Pretendendo os requerentes obter a desocupação do imóvel que alegam pertencer-lhes e encontrar-se ocupado pelos requeridos, conhecendo aquela ocupação e as limitações daí decorrentes desde, pelo menos, o início de julho de 2019, poderiam ter intentado anteriormente a ação judicial em causa, o que não fizeram, recorrendo ao presente procedimento cautelar cerca de um ano depois, a 12-06-2020, sem que invoquem qualquer facto recente com a virtualidade de alterar as circunstâncias anteriormente existentes, designadamente algum elemento objetivo que justifique o receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito.
Não tendo os requerentes, ao longo de cerca de um ano, intentado ação declarativa destinada a obter a desocupação e entrega do prédio que alegam encontrar-se ocupado pelos requeridos, não poderá considerar-se justificado o receio, que agora invocam, de que a eventual demora na decisão de tal tipo de ação lhes cause lesão grave e de difícil reparação, o que afasta a verificação do periculum in mora, requisito de que depende o decretamento da providência cautelar requerida.
O periculum in mora, conforme explica Marco Carvalho Gonçalves (Providências Cautelares, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 196-197), “constitui um requisito processual de natureza constitutiva da providência cautelar concretamente requerida – já que a falta desse requisito obsta, por via de regra, ao decretamento efetivo da providência – e traduz-se no prejuízo que pode advir para o requerente em consequência da demora na tutela definitiva do seu direito”; acrescenta o autor (ob. cit., p. 197-198) que “o periculum in mora refere-se ao perigo no retardamento da tutela jurisdicional, procurando-se evitar que, por causa do tempo necessário para o julgamento definitivo do mérito da causa, o direito que se pretende fazer valer em juízo acabe por ficar irremediavelmente comprometido”, esclarecendo que cabe “ao requerente provar que não pode aguardar a decisão do processo principal sem sofrer um prejuízo de consequências graves e irreparáveis”.
Em anotação ao artigo 362.º do CPC, explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 8) que “não basta a prova sumária no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer ação; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”.
No caso presente, não decorre da factualidade alegada qualquer elemento demonstrativo de que a demora inerente à normal pendência da ação a intentar seja suscetível de lesar de forma grave e dificilmente reparável o direito de propriedade dos requerentes sobre o imóvel em causa. Não se encontra alegado qualquer facto recente, o qual tenha agravado a situação existente desde há cerca de um ano, período durante o qual não foi intentada pelos requerentes qualquer ação tendente o obter a restituição do aludido imóvel.
A situação de perigo que releva, para efeitos do preenchimento do aludido requisito de que depende o decretamento da tutela cautelar, deverá ser atual e iminente, o que não se verifica no caso presente.
Afirmam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 420) que “a situação de perigo contra a qual se pretende defender o lesado deve ser atual”. No que respeita à iminência do perigo, Marco Carvalho Gonçalves (ob. cit., p. 202-203) distingue dois tipos de situações: “o evento danoso já se verificou, mas os seus efeitos prolongam-se no tempo, agravando a lesão do direito do requerente; o evento danoso ainda não se verificou, mas é previsível que venha a verificar-se mediante um conjunto de indícios que demonstram a iminência da lesão”; afirma este autor (loc. cit.) que “a providência cautelar deve ser indeferida, porque injustificada, nos casos em que o requerente se tenha conformado com a situação de perigo que ameaça afetar o seu direito, assumindo uma conduta inerte e passiva perante esse facto”, acrescentando que “só assim não sucederá se se tiver verificado alguma superveniência objetiva ou subjetiva que, pela sua natureza ou pelas consequências dela resultantes para a esfera jurídica do titular do direito ameaçado, justifique a adoção urgente de uma providência cautelar”.
No caso presente, em que os requerentes, tendo tomado conhecimento em, pelo menos, inícios de julho de 2019, da ocupação do prédio pelos requeridos e das limitações daí decorrentes, conformaram-se com estes factos, só tendo intentado o presente procedimento cautelar cerca de um ano depois, inexistindo qualquer elemento superveniente suscetível de alterar a descrita situação, dúvidas não há de que não se encontra demonstrada a atualidade do periculum in mora.
Como tal, não decorrendo da factualidade alegada pelos requerentes o preenchimento de um dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, cumpre concluir que a pretensão deduzida se mostra manifestamente improcedente, considerando que a factualidade alegada não permite extrair o efeito jurídico pretendido, pelo que, conforme esclarece José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 183), “é inútil produzir prova sobre os factos alegados, visto que eles nunca serão suficientes para a procedência do pedido”.
Assim sendo, mostrando-se o pedido manifestamente improcedente e determinando o artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que tal vício conduz ao indeferimento liminar do requerimento inicial, mostra-se acertada a decisão recorrida.
Nesta conformidade, improcede totalmente a apelação.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.

Évora, 10-09-2020
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Cristina Dá Mesquita
(1.ª Adjunta)
José António Moita
(2.º Adjunto)