Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
949/22.0T8SLV.E2
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
MONTANTE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
COMODATO
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – A sanção pecuniária compulsória visa o cumprimento das decisões judiciais, pelo que deve ser estabelecida em montante adequado a produzir esse efeito.
2 – As nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, correspondendo a vícios formais do silogismo judiciário, não podendo ser confundidas com eventuais erros de julgamento, de facto ou de direito.
3 – Não havendo razões decisivas para alteração que emerjam da reapreciação da prova levada a cabo pelo tribunal superior, deve manter-se o julgamento da matéria de facto feito na primeira instância.
4 – Estando findo o contrato de comodato, os comodatários ficam adstritos à obrigação de restituir a coisa, como decorre do art. 1135º, al. h), do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
O requerente AA, residente na Rua …, S. Bartolomeu de Messines, Silves, instaurou a presente providência cautelar comum contra BB e CC, residentes no sítio do …, São Bartolomeu de Messines.
Alegou o Requerente, em síntese, que é dono de um prédio misto, destinado a habitação, sito em …, concelho de Silves, o qual os requeridos estão a ocupar, em parte na sequência de um contrato de comodato, que o requerente entretanto já resolveu, e noutra parte por ocupação abusiva.
Acontece que os requeridos recusam restituir-lhe o prédio, apesar de interpelados, e para além de terem nele provocado já múltiplos danos, que o requerente enuncia, como os relativos a obras ilegais e não autorizadas, e degradações várias, colocam sérios riscos de provocarem outros danos, uma vez que instalaram no prédio muitos animais, nomeadamente numa pocilga, galinheiros e cavalariças, que criam riscos sanitários, para a saúde pública, e são adequados à contaminação da água do depósito e furo existentes na parte urbana e rústica do prédio, com o consequente prejuízo.
Concluiu o requerente que existe perigo grave e iminente de contaminação, quer do solo, quer da água do furo existente na parte rústica do prédio em causa, e com estes fundamentos, melhor descritos no petitório inicial, juntamente com o restante alegado, pede, além do mais, que os requeridos sejam condenados a devolver-lhe o imóvel, de forma a evitar que os prejuízos alegados se prolonguem e outros se consumem.
Tendo o procedimento percorrido os seus trâmites, com contraditório por parte dos requeridos, e produzida a prova, veio a ser proferida decisão, que julgou parcialmente procedente o procedimento cautelar, decidindo-se o seguinte.
“1) Os Requeridos, BB e CC procedam à entrega ao Requerente AA da parte rústica do prédio identificado no ponto 1 dos factos dados como provados, livre e devoluta de pessoas, animais e, bens.
2) Procedam a remoção de todos os animais existentes no prédio misto (nomeadamente do logradouro do prédio urbano), destinado a habitação, sito em …, concelho de Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º … e, inscrito na matriz predial, a parte urbana sob o Art. … º e, a parte rústica sob o Art. …º, da Secção …, propriedade do Requerente.
3) Determinar a imposição aos Requeridos de uma sanção pecuniária compulsória, no montante diário de €100,00 (cem euros) por cada dia que incumpram com o determinado supra no inciso 1) e 2).
4) Absolver os Requeridos do demais peticionado.
*
II – O RECURSO DO REQUERENTE
Inconformado, o requerente impugnou o decidido, interpondo recurso de apelação em que apresentou as seguintes conclusões (desnecessariamente prolixas e repetitivas):
“A) O Recorrente requereu o presente procedimento cautelar contra os Recorridos, requerendo que:
a) Seja declarado o incumprimento contratual culposo dos Requeridos;
b) Reconhecida e declarada a resolução contratual operada pela notificação do Requerente aos Requeridos e, a ilicitude da ocupação do mesmo pelos Requeridos, em virtude da resolução contratual, por incumprimento culposo dos Requeridos;
c) Sejam os Requeridos condenados a reconhecer a resolução contratual e, que a mesma é eficaz e que operou os seus efeitos em 18.01.2022 e, em consequência serem condenados a proceder à imediata desocupação da parte do prédio objecto do contrato de comodato e, a entregá-la livre e, devoluta de pessoas, animais e, bens;
d) Seja declarada a ilicitude da ocupação, pelos Requeridos, das partes urbanas/anexos do prédio identificado no ponto 1, que não fazem parte do contrato de comodato e, em consequência serem condenados a proceder à sua imediata desocupação e, a entregá-las livres e, devolutas de pessoas, animais e, bens;
e) Seja declarada a ilicitude da ocupação, pelos Requeridos, da parte rústica do prédio identificado no ponto 1, e, em consequência serem condenados a entregá-la livre e, devoluta de pessoas, animais e, bens e, a remover a rede de vedação;
f) Sejam os Requeridos, solidariamente, condenados no pagamento ao Requerente na quantia diária de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a título de sanção compulsória por cada dia de atraso na desocupação do prédio misto em causa com efeitos desde 16.02.2022, até efectiva desocupação e entrega.
B) Para tanto alegou, em síntese, nos termos supra referidos, que aqui se dão por reproduzidos, nos termos e para os devidos efeitos legais, considerando que existe um sério, fundado e legitimo receio de que os Requeridos continuem a causar lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito de propriedade relativamente ao imóvel sub judice, sendo certo que da situação em causa decorrem elevados prejuízos para si, de muito difícil reparação e, os quais não são ainda susceptíveis de total/completa avaliação.
C) O Recorrente considera, que a delonga da competente acção principal a instaurar, é incompatível com o justo receio e os prejuízos que para si advêm da conduta dos Requeridos, motivo pelo qual, intentou a presente providência cautelar, como forma de evitar a continuação e o agravamento dos prejuízos e, a degradação do imóvel, procurando assim assegurar a efectividade dos seus direitos, mediante a imediata desocupação e entrega do imóvel em causa, por decisão judicial.
D) A conduta dos Recorridos é, claramente, violadora quer das obrigações contratualmente assumidas, quer das obrigações legais, enquanto comodatários, na medida em que fazem uma utilização do imóvel, além de imprudente e desconforme com o contratualmente acordado, também ilegal, o que ficou indiciariamente provado.
E) Os Recorridos não estão a conservar o imóvel, mas sim a deteriorá-lo e a utilizá-lo para fim diverso daquele a que se destina, em claro incumprimento do contrato de Comodato em causa, por facto que lhes é totalmente imputável, o que ficou indiciariamente provado.
F) O Recorrente juntou vários documentos para prova dos factos que alegou, para lançar mão da presente providência cautelar e, bem assim como fundamento para o pedido que na mesma formulou e, arrolou prova testemunhal que foi devidamente produzida.
G) O Tribunal a quo considerou que, as questões a decidir consistem em saber se da análise dos factos indiciariamente dados como provados, os mesmos, em concreto, consubstanciam os requisitos necessários para o decretamento de providência que condene os Requeridos a devolver ao Requerente o prédio identificado no ponto 1 da P.I.
H) Conclui o Tribunal a quo e, bem que, caso concreto, estão indiciariamente provados factos que integram os requisitos legais aplicáveis; contudo decidiu não decretar a providência cautelar requerida, na íntegra, mal em nosso entender.
I) Realizada a audiência de discussão julgamento, o Tribunal a quo considerou indiciariamente provados os seguintes factos transcritos supra e, que aqui se dão por reproduzidos nos termos e para os devidos efeitos legais.
J) A matéria de facto alegada pelo Recorrente, para intentar o presente procedimento cautelar foi quase na íntegra dada como provada e, bem pelo Tribunal a quo, com base quer na prova documental, quer na prova testemunhal carreada para os autos pelo mesmo.
K) Realizada a audiência de discussão julgamento, o Tribunal a quo considerou que não se provaram outros factos com relevância para a decisão de mérito a proferir e, que, designadamente, não se provou que:
“a) Os Requeridos, ocuparam, sem o seu conhecimento e/ou consentimento partes do prédio referido em 1) que não fazem parte do objecto do acordo referido em 2, nomeadamente os anexos existentes, constituídos por uma cozinha, uma despensa e, uma casa de banho, bem como o prédio rústico.
b) Os Requeridos não realizaram no imóvel quaisquer obras de conservação, nem quaisquer benfeitorias, de modo a manter as condições de habitabilidade do mesmo.
c) O telhado está em risco de queda.
L) O Recorrente considera que a matéria de facto julgada como não provada está incorrectamente julgada, desde logo porque está em contradição com matéria de facto julgada provada e, porque a prova documental e testemunhal produzida nos autos impunha que tal matéria de facto fosse dada como provada, como se demonstra infra.
M) A matéria de facto dada como provada e, bem, sob o ponto 7 da douta Sentença – “Sucede que, até à presente data, os Requeridos não procederam ao arranjo do telhado” - impunha que a matéria de facto dada como não provada sob a alínea c) dos “Factos Não Provados”, fosse dada como provada.
N) Não o tendo sido, tal consubstancia uma contradição substancial, geradora de nulidade da Sentença na parte em que da mesma se recorre, o que aqui se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais.
O)- A prova documental carreada para os autos pelo Recorrido, designadamente as fotografias que constituem os Doc. 5, 6, 7, 16 e 17 permitem constatar de forma clara, directa e, objectiva que o telhado em causa, a cujo arranjo os Recorridos se obrigaram contratualmente (VIDE Doc 4, cláusula terceira, da P.I.), tal como provado e, bem sob o ponto 5 dos “Factos Provados”, está, de facto em risco de queda, porque os mesmos não o arranjaram ao longo de todos estes anos, incumprindo o contrato a que, livre e conscientemente, se vincularam, de acordo com as declarações de parte do Recorrente, AA, prestadas na Audiência de Discussão e julgamentododia07.12.2022, gravado no sistema de gravação integrado na aplicação do Tribunal desde as 14h37m até às 17h20, o depoimento da testemunha DD, prestado na Audiência de Discussão e julgamento do dia 09.12.2022 e, o depoimento da testemunha EE, prestado na Audiência de Discussão e julgamento do dia 09.12.2022, gravado no sistema de gravação integrado na aplicação do Tribunal desde as 13h45m até às 14h50, cujas passagens das declarações fundamentam o presente recurso se transcreveram, na parte que se considera relevante e, que aqui se dão por reproduzidas nos termos e para os devidos efeitos legais.
P) Os Recorridos juntaram aos autos o Doc. 7 da Oposição, pretendendo com o mesmo demonstrar que procederam ao arranjo do telhado, porém nenhuma das testemunhas que arrolaram produziu qualquer prova sobre tal documento, não conseguindo sequer identificar o telhado representado nesse documento, conforme depoimentos das mesmas (com excepção do testemunho de FF, pai da Recorrente, cujo depoimento está totalmente inquinado, não só pelo conteúdo em si, claramente inverosímil, como e em especial pelo facto de ter omitido ao Tribunal o seu grau de parentesco, sendo que, tal como é referido na Sentença, o seu depoimento não é, de facto credível, pois é claramente comprometido com a versão dos factos apresentada pelos Recorridos), para os quais se remete na íntegra, uma vez que dos mesmos absolutamente nada resulta que prove que o telhado foi arranjado e/ou que o telhado não está em risco de ruir.
Q) O telhado representado no Doc 7 da Oposição representa a água norte do telhado do prédio urbano em causa, que fora arranjado pelo Recorrido, correspondente à parte do imóvel habitada pelos Recorridos, sendo que a parte do telhado que carecia e, continua a carecer de arranjo, é da água virada a sul, correspondente ao antigo palheiro, representado nos Doc 5, 6, 7, 16 e 17 da P.I., que evidenciam o risco de queda e, nesse sentido, depuseram as testemunhas DD e EE, cujos depoimentos se transcreveram supra, bem como as declarações de parte do Recorrente, que aqui se dão por reproduzidos nos termos e para os devidos efeitos legais.
R) Atento o supra exposto resulta claro que a decisão proferida quanto à matéria de facto não provada sob a alínea c) além de encerrar a contradição acima alegada e, evidenciada, reflecte um incorrecto julgamento de tal matéria de facto.
S) O Recorrente discorda da fundamentação tecida pelo Tribunal a quo quanto à decisão da alínea c) dos Factos não Provados, porque de facto as testemunhas em causa, DD e EE, foram claras em afirmar que foi contratualmente acordado que os Recorridos arranjariam o telhado do palheiro e, mesmo que se considere que destes depoimentos não resulta que o referido telhado está em risco de ruína, do que se discorda, sempre a prova documental o demonstra sem margem para dúvida – DOC 5, 6, 7, 16 17 da P.I: demonstram objectiva e, claramente que o telhado está abaulado, sem sustentabilidade e em risco de queda.
T) Os concretos meios de prova supra indicados, constantes do processo e, de gravação nele realizada, impunham que tivesse sido considerado indiciariamente provado que “O telhado está em risco de queda”, pelo que impugna-se assim, nos termos e para os devidos efeitos legais a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria de facto em causa.
U) Atenta a matéria de facto dada como provada sob o ponto 5, 7, 8, 9 17, 18, 19, 20, 21 23, 24 e 33 dos “Factos Provados”, a matéria de facto constante da alínea b) dos “Factos Não Provados”, devia ter sido dada como provada, sendo certo que não foi produzida qualquer prova que permita concluir que os Recorridos tenham realizado no prédio qualquer obra de conservação e/ou benfeitoria de modo a manter as condições de habitabilidade do prédio; muito pelo contrário e, não o tendo sido, tal consubstancia uma contradição substancial, geradora de nulidade da Sentença, o que aqui se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais.
V) Nesse sentido as declarações de parte do Recorrente, AA, prestadas na Audiência de Discussão e julgamento do dia 07.12.2022, gravado no sistema de gravação integrado na aplicação do Tribunal desde as 14h37matéàs 17h20, o depoimento da testemunha DD, prestado na Audiência de Discussão e julgamento do dia 09.12.2022, gravado no sistema de gravação integrado na aplicação do Tribunal desde as 10h36m até às 12h30, o depoimento da testemunha EE, prestado na Audiência de Discussão e julgamento do dia 09.12.2022, gravado no sistema de gravação integrado na aplicação do Tribunal desde as 13h45m até às 14h50, cujas passagens das declarações fundamentam o presente recuso e, que se transcreveram, na parte que se considera relevante e, que aqui se dão por reproduzidas nos termos e para os devidos efeitos legais.
W) Nesse sentido ainda os Doc. 5 a 19 da P.I., referentes à parte urbana do imóvel objecto do contrato de comodato sub judice, bem como os Doc 26 a 34 da P.I., referente aos anexos e, parte rústica do imóvel, ilegalmente ocupados pelos Recorridos, através dos quais se pode constatar de forma clara, directa e, objectiva que os Recorridos não levaram a cabo quaisquer obras de conservação do mesmo, de modo a manter as suas condições de habitabilidade; Nem sequer uma pintura exterior levaram a cabo, em todos estes anos, mais exactamente em 7 (sete) anos!
X) A sua conduta foi a de descuido total, abuso, desrespeito e destruição do imóvel, quer da parte objecto do contrato em causa, quer dos anexos e parte rústica que ilegalmente ocupam, utilizam e, têm vindo a destruir, o que se provou indiciariamente.
Y) O Recorrente ainda não tem conhecimento da total extensão dos danos causados pelos Recorridos, porque estes se negaram a dar-lhe acesso ao imóvel objecto do contrato de comodato, como provado e, bem sob os pontos 12, 13 e 14 dos “Factos Provados”.
Z) Quanto às alegadas obras levadas a cabo pelos Recorridos no interior da parte urbana cedida em comodato, que o Recorrido desconhece, alegadamente representadas nos Doc. 1 a 6 a 11 da Oposição, as mesmas não consubstanciam nem melhoramentos e/ou benfeitorias necessárias para a conservação do imóvel e, para manter as suas condições de habitabilidade.
AA) São obras de alteração interior do imóvel, desnecessárias, não consentidas e, desconhecidas pelo Recorrente, como tal ilícitas e ilegais, quer na parte objecto do contrato em causa, quer na parte excluída e, ilegalmente ocupada, como ficou provado sob os pontos 8, 10, 17, 18, 19, 20, 21, 23 e 33 dos “Factos Provados”.
AB) Provou-se e, bem que as obras levadas a cabo pelos Requeridos, além do mais, danificaram o imóvel e, contribuíram para a sua deterioração e desvalorização – Vide ponto 8, 9, 10, 17 a 21, 23, 27 e 33 dos “Factos Provados”.
AC)-A decisão proferida sob a alínea b)dos Factos Não Provados está em clara contradição com a Matéria de facto Provada, referida nos pontos 44 e 45 supra, o que, nos termos legais, uma contradição substancial, geradora de nulidade da Sentença na parte em que da mesma se recorre, o que aqui se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais.
AD) A decisão proferida quanto à matéria de facto não provada sob a alínea b) além de encerrar a contradição acima alegada, evidenciada e reflecte um incorrecto julgamento de tal matéria de facto.
AE) Os Recorridos, tendo já visto o imóvel pelo qual se interessaram, decidiram procurar o proprietário e, antes da assinatura do contrato e, de tomaram posse do mesmo, visitaram-no tendo-se inteirado das suas condições de habitabilidade que aceitaram e, consideraram adequada e suficientes para o seu agregado familiar, composto ainda por dois filhos menores.
AF) Nesse sentido o depoimento da testemunha DD, prestado na Audiência de Discussão e julgamento do dia 09.12.2022, gravado no sistema de gravação integrado na aplicação do Tribunal desde as 10h36m até às 12h30 e, o depoimento da testemunha EE, prestado na Audiência de Discussão e julgamento do dia 09.12.2022, gravado no sistema de gravação integrado na aplicação do Tribunal desde as 13h45m até às 14h50, cujas passagens das declarações fundamentam o presente recurso se transcreveram supra, na parte que se considera relevante e, aqui se dão por reproduzidas nos termos e para os devidos efeitos legais.
AG) O depoimento das testemunhas GG, HH e II, o facto de os mesmos afirmarem que foram efectuadas obras e, este último, que forneceu areia e brita, não permite dar como não provada a matéria da alínea b) dos Factos não Provados; nenhuma das obras que referiram, com bastante hesitação e, manifesta falta de isenção, era necessária, nem à manutenção da casa, nem ao melhoramento das suas condições de habitabilidade.
AH) Provou-se que os Recorridos realizaram obras ilegais e, não consentidas pelo Recorrente, designadamente no prédio rústico, onde construíram umas enormes cavalariças, como se provou pelo depoimento da testemunha DD, supra transcrito e, para o qual se remete, para as quais certamente foi necessária muita areia e brita, dada a respectiva envergadura – Vide documentos juntos na sessão de dia 09.12.2022, da audiência de discussão e julgamento
AI) São obras desnecessárias, quer à conservação da parte do imóvel cedida em comodato, quer à manutenção das suas condições de habitabilidade!! Como é o caso flagrante da casa de banho, que além de ter alterado a disposição interna das divisões da casa, foi feita porque os Recorridos destruíram a que existia nos anexos, que era completa e ampla e, em boas condições e, cuja utilização lhes fora autorizada; para essas obras é, de facto necessário areia e brita, pelo que o depoimento da testemunha II, no limite, apenas pode permitir dar como provado que foram feitas obras e, nada mais, muito menos o teor da alínea b) dos Factos Não Provados”!!!!
AJ) Os concretos meios de prova supra indicados, constantes do processo e, de gravação nele realizada, impunham que tivesse sido considerado indiciariamente provado que “Os Requeridos não realizaram no imóvel quaisquer obras de conservação, nem quaisquer benfeitorias, de modo a manter as condições de habitabilidade do mesmo”, pelo que se impugna-se assim, nos termos e para os devidos efeitos legais a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria de facto em causa.
AK) O Recorrente discorda ainda da decisão proferida sob aalínea a) dos “Factos Não Provados”, atenta quer a prova documental carreada para os autos, quer a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, na medida em que o contrato de comodato – Doc 4 da P.I. – é bem claro quanto ao seu objecto, trata-se de um prédio misto, do qual foi cedida gratuitamente aos Recorridos a parte urbana, para dela se servirem única e exclusivamente para fins habitacionais e, do mesmo não fazem parte nem a parte rústica, nem os anexos. – Vide Cláusula Primeira e Terceira –
AL) Do Doc 1 e 2 da P.I., resulta de forma clara e objectiva que a parte urbana do prédio em causa, cedida em comodato, destinada a habitação, é composta por uma casa térrea, com quatro divisões.
AM) Provou-se indiciariamente, que o Recorrente não autorizou, por qualquer forma, a ocupação de tais anexos e da parte rústica pelos Recorridos, sendo que autorizou os Recorridos a utilizar a casa de banho existente nos anexos, mas isso não equivale a tê-los autorizado a ocupar e destruir os anexos e a própria casa de banho para depois fazerem uma na parte habitacional cedida em comodato que, além do mais representa, como se provou, uma alteração interna não consentida!!
AN) Nesse sentido as declarações de parte do Recorrente, AA, prestadas na Audiência de Discussão e julgamento do dia 07.12.2022, gravado no sistema de gravação integrado na aplicação do Tribunal desde as 14h37m até às 17h20 e, também nesse sentido, os depoimentos das testemunhas DD e EE, cujas passagens das declarações fundamentam o presente recuso se transcreveram supra e, se dão por reproduzidas nos termos e para os devidos efeitos legais, os quais foram claros e inequívocos ao afirmar que os anexos e, a parte rústica não faziam parte do contrato de comodato e, não foi autorizada a sua ocupação pelo Recorrido.
AO) O Recorrente desconhecia que os Recorridos ocupavam tais anexos e, parte rústica, bem como desconhecia a utilização que lhes davam, não tendo dado autorização para tal e, não daria caso lhe tivesse sido solicitada, pelo que lhes notificou a sua oposição a tal ocupação não consentida e, lhes solicitou que desocupassem tais partes do prédio (para além da resolução do contrato de comodato) e, para procederam à sua limpeza, desocupação, reposição e, entrega, como se provou e bem, nos pontos 10, 11, 15 a 21, 23, 25, 26, 27 a 33 dos “Factos Provados” e, o demonstram os Doc 1, 2 e 4 da P.I..
AP) Assim, a matéria de facto dada como não provada sob a alínea a) está absolutamente incorrectamente julgada, atenta a prova produzida que levou a que fosse dada como provada a matéria de facto dos pontos 10, 11, 15 a 21, 23, 25, 26, 27 a 33 dos “Factos Provados”, com os quais está em clarividente contradição, o que gera a nulidade da decisão na parte em que da mesma se recorre, o que aqui se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais!!
AQ) Os concretos meios de prova supra indicados, constantes do processo e, de gravação nele realizada, impunham que tivesse sido considerado indiciariamente provado que “Os Requeridos, ocuparam, sem o seu conhecimento e/ou consentimento partes do prédio referido em 1) que não fazem parte do objecto do acordo referido em 2, nomeadamente os anexos existentes, constituídos por uma cozinha, uma despensa e, uma casa de banho, bem como o prédio rústico”, pelo que se impugna-se assim, nos termos e para os devidos efeitos legais a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria de facto em causa.
AR) Dos autos constam documentos que, por si só e/ou complementados com a prova testemunhal e, a posição das partes, impunham diferente decisão quanto à matéria de facto que supra de deixa impugnada, nos termos aí defendidos e, referidos, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao decidir como não provada a matéria de facto em causa, pois existe nos autos, à saciedade, prova que permite e impõe que seja considerada indiciariamente provada.
AS) O Recorrente, discorda igualmente da fundamentação de direito que levou à absolvição dos Recorridos quanto ao demais peticionado para além da e) do pedido formulado pelo Recorrente.
AT) Devia o Tribunal a quo ter declarado a ilicitude da ocupação da parte rústica do prédio em causa, como infra se demonstrará e, bem assim ter declarado o incumprimento contratual por parte dos Recorridos, bem como a ilicitude da ocupação da parte urbana e anexos do prédio em causa, como infra se demonstrará e, consequentemente ter ordenado a sua limpeza, desocupação e entrega ao Recorrente.
AU) O Tribunal a quo considera que, no caso concreto se verificam todos os requisitos legais do procedimento cautelar intentado pelo Recorrente, porém, considera que o pedido formulado pelo Recorrente não deve proceder na sua totalidade, tendo apenas ordenado a entrega da parte rústica do prédio sub judice, livre e devoluta de pessoas, animais e bens, argumentando que a providência cautelar não é um meio para criar ou definir direitos, nem para antecipar a decisão final a proferir na acção principal de que depende, visando apenas acautelar o direito invocado, de modo a evitar, durante a pendência da acção principal, que se produzam danos graves e dificilmente reparáveis, visando assim apenas uma composição provisória do litígio.
AV) Embora considerando que se provou que o prédio está descuidado e negligenciado, considera que tal não consubstancia prejuízo de difícil ou impossível reparação e, que seria radical ordenar a desocupação do prédio urbano que constitui casa de morada de família, com base em prova indiciária, contudo fê-lo e, bem, quanto à parte rústica, do que se discorda, pois provou-se indiciariamente que os Recorridos ocupam a parte rústica sem autorização e/ou consentimento do Recorrente, nos termos supra alegados, que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais, pelo que, considera que deveria igualmente ter sido declarada a ilicitude de tal ocupação.
AW) Ao não o fazer, o Tribunal a quo, além da contradição com a matéria de facto provada – pontos 2, 3, 4, 9, 10, 11, 21, 23, 28, 29, 30, 31, 32 e 33 – faz uma errada interpretação do Art. 362º n.º 1 e 2, Art. 368º n.º 1 ambos do CPC, que assim viola.
AX) Devia o Tribunal a quo ter declarado a ilicitude da ocupação da parte rústica do imóvel em causa pelos Recorridos, uma vez que se provou indiciariamente que não têm qualquer título que legitime a sua ocupação, nem a recusa de restituição e o mesmo e, pelos mesmos fundamentos, se defende quanto aos anexos, atenta matéria de facto provada sob os pontos 3, 4, 9, 11, 17, 18, 19, 25, 26, 27, 28 a 33 da matéria de facto indiciariamente provada, cuja ocupação e utilização ilegal devida ter sido declarada e, ordenada a sua restituição aos Recorrentes.
AY) Ao não o fazer, o Tribunal a quo, além da contradição com a referida matéria de facto provada, faz uma errada interpretação do Art. 362º n.º 1 e 2, Art. 368º n.º 1 ambos do CPC, que assim viola.
AZ) A matéria de facto provada permite considerar preenchido o conceito de justa causa de resolução do contrato de comodato e, que perante a mesma, levada a cabo pelo Recorrente, os Recorridos não têm qualquer título que legitime a recusa de restituição, desde logo porque não está legitimada a sua posse sobre o mesmo, pelo que foi considerado e bem que está preenchido o primeiro requisito de que depende o decretamento da providência, ou seja: a probabilidade séria da existência do direito ameaçado, no nosso entendimento, quanto à totalidade do imóvel, como supra alegado e, como não pode deixar de ser atenta matéria de facto provada sob os pontos 1 a 21, 23 a 33 e, considerando ainda que a matéria de facto não provada está incorrectamente julgada, devendo ser dada como provada.
AAA) A fundamentação de direito que subjaz à decisão de que se recorre, aludida nos pontos 168, 169, 170 e 171 supra, que aqui se dão por reproduzidos, para os devidos efeitos legais, não colhe quanto à não verificação do receio de um prejuízo de difícil reparação, enquanto não for decidida a acção principal, quanto à parte urbana e anexos do prédio em causa.
AAB) À semelhança do caminho trilhado para ordenar a desocupação e restituição da parte rústica, que passou por não se pronunciar quanto à questão da ilicitude da ocupação, estribada na decisão proferida na alínea a) dos Factos não Provados, considerando que não se provou a falta de consentimento, embora considerando que se provou que o Recorrente desconhecia tal ocupação e utilização e, que à mesma e opôs e, que os Recorridos disso estão notificados, impunha-se igual decisão quanto aos anexos e, à parte urbana e, anexos do prédio, uma vez que, quanto a ambos, está indiciariamente provado o preenchimento dos requisitos legais de que a lei faz depender o decretamento da providência, como aliás, o Tribunal a quo reconhece e, afirma.
AAC) O argumento da desproporcionalidade não colhe também quanto aos anexos, desde logo porque os Recorridos apenas os utilizam para amontoar lixo, sendo que os destruíram por completo, incluindo a casa de banho cuja utilização lhe foi permitida pelo Recorrente, como está devidamente provado – ponto 17, 18, 19, 20 do Factos Provados e, DOC 20, 24, 25, 26, 27 da P.I e, prova testemunhal supra aludia e, aqui se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais.
AAD) Tal como provado, dificilmente o Recorrente poderá recuperar os anexos nos exactos termos em que se encontravam, desde logo no que aos materiais se refere, pois eram antigos e actualmente com valor comercial e, para este com especial valor sentimental, o que se traduz num prejuízo de difícil reparação através da reconstituição natural ou de indemnização.
AAE) Verificados que estão os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar, poderia e deveria o Tribunal a quo ter ordenado aos Recorridos a desocupação e entrega ao Recorrente, dos anexos, devidamente identificados, limpos e, devolutos de pessoas, animais e, bens, impondo-lhes a peticionada sanção pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento de tal decisão.
AAF) Ao não o fazer, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação dos Art. 362º n.º 1 e 2 e, o Art. 368º n.º 1, ambos do CPC, que violou.
AAG) Atenta a matéria de facto indiciariamente provada, estão preenchidos os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar quanto à parte urbana, ainda que o Tribunal a quo decidisse não se pronunciar quanto ao incumprimento contratual culposo.
AAH) Está indiciariamente provada a falta de título que legitime a ocupação da parte urbana objecto do contrato de comodato – pontos 7, 8 13 a 16, 28, 29, 32 e 33 dos Factos Provados e, DOC 17, 18, 19 da P.I. .
AAI) O imóvel encontra-se num estado de total descuido, negligência e deterioração, por fora, sendo que por dentro, uma vez que os Recorridos impediram o Recorrente de aceder ao interior, apenas se sabe o que se provou, ou seja:
- que fizeram obras de alteração interior do imóvel, não consentidas e, do desconhecimento do Recorrente;
- que substituíram portas e janelas antigas de qualidade e, de elevado valor comercial e, sentimental para o Recorrente, por outras de inferior qualidade;
- que removeram portas interiores de madeira maciça, cujo paradeiro o Recorrente desconhece;
- que removeram o pavimento antigo e, de elevado valor comercial e, sentimental para o Recorrente, substituindo-o por ordinária tijoleira;
- que fizeram obras ilegais que alteram a fachada do prédio (Vide DOC 9, 14 da P.I.)
- que ao longo de 7 (sete) anos nunca, sequer pintaram o prédio, (Vide DOC 9, 12, 13, 14 da P.I.)
AAJ) A desvalorização que esse descuido e negligência provocam no prédio, consubstancia um prejuízo de difícil ou impossível reparação, não só pela impossibilidade de encontrar os elementos de valor removidos pelos Recorridos, como pelo facto de não estar sequer indiciado que a via da indemnização seja adequada a salvaguardar estes danos já causados e, os que os Recorridos venham a causar na pendência da acção principal, desde logo porque não está sequer indiciado que disponham de património que permita tal indemnização.
AAK) Os Recorridos estão devidamente notificados da resolução contratual e, da oposição à ocupação da parte rústica e, anexos desde 18.01.2022 – ponto 15, 16 25, 28 da matéria de facto provada – ou seja: há quase um ano e meio, pelo que, tiveram os Recorridos tempo mais do que suficiente para procurar um outro lugar para do mesmo fazer a sua morada de família.
AAL) À data da audiência de discussão e julgamento, que decorreu no início de Dezembro de 2022, a conduta dos Recorridos mantinha-se idêntica e, tinham até construído mais umas cavalariças, já depois de notificados da oposição do Recorrente. - Vide ponto 33 dos Factos Provados - pelo que é perfeitamente expectável que a sua permanência na parte urbana do prédio e, seus anexos seja exercida nos mesmos termos, continuando assim o descuido, negligência e, consequente desvalorização do prédio do Recorrente, o que se traduz numa lesão de difícil ou impossível reparação do seu direito.
AAM) Considerando que estão preenchidos, quanto à parte urbana do prédio e, anexos, os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar, deveria ter sido proferida decisão que ordenasse a entrega pelos Recorridos ao Recorrente da parte urbana do prédio e, anexos, devoluta de pessoas, animais e, bens.
AAN) A lesão que se pretende evitar com o decretamento de uma providência cautelar comum tem que ser séria, real e eminente; no caso concreto a lesão do direito existiu, existe e, continuará a existir, pelo que, o direito do Recorrente merece, desde já, uma tutela mais efectiva e abrangente, que a decisão proferida não assegura, sendo que o justo receio do Recorrente resulta objectivamente da matéria de facto que alega e, que se provou, quer atravésda prova documental, quer da prova testemunhal.
AAO) Estão verificados os requisitos legais de que depende o seu decretamento, sendo que, para tal verificação não é necessário que se prove a efectiva lesão do direito invocado e, a dificuldade de reparação, bastando que tal se demonstre, de forma indiciária, o que, salvo devido respeito, o Recorrente fez, à saciedade.
AAP) O que está em causa não é a reparação da lesão, nem a responsabilização pelo prejuízo provocado e, alegado, mas sim que essa lesão e, esse prejuízo se continue a verificar, sendo que, no caso concreto, tal como alegado, os Requeridos, além de devidamente notificados da resolução contratual e, de notificados da oposição à ocupação dos anexos e parte rústica do prédio, não desocuparam nem entregaram o imóvel e, ao invés, mostram sinais de continuar a provocar a sua degradação e desvalorização,
AAQ) O tempo que medeia entre a propositura da acção declarativa comum e, obtenção de sentença transitada em julgada que reconheça ao Recorrente o seu direito e a lesão do mesmo e, determine a sua reparação, os Recorridos continuarão a praticar os actos descritos, objectivamente adequados a continuar a lesar o seu direito e propriedade e, em última instância, a tornar objectivamente impossível a sua reparação.
AAR) O Tribunal a quo, além de ter feito uma errada interpretação da matéria de facto indiciariamente provada, o que se consubstanciou na incorrecta decisão quanto aos Factos não provados fez ainda, tábua rasa da matéria de facto indiciariamente provada supra indicada, que impunha que tivesse ordenado a desocupação do prédio objecto do comodato uma vez que se provou indiciariamente a resolução contratual por parte do Recorrente, o que gera uma ocupação ilegal e, por outro lado, o mesmo quanto aos anexos.
AAS) Ao não decretar a providência cautelar requerida sob as alíneas a), b) c) e d) o Tribunal a quo violou o disposto no Art. 362º n.º 1 e, Art. 368º n.º 1 do CPC, o disposto no Art. 342º n.º 1 do Código Civil, o disposto no Art. 615º n.º 1 alínea b) c), d) 1ª parte do CPC.
AAT) É indiscutível o direito de propriedade do Recorrente sobre o prédio misto em causa; é indiscutível que a conduta dos Recorridos, supra descrita, contrária, quer a lei, quer às obrigações contratuais que assumiram, é lesiva do direito de propriedade do Recorrente sobre o referido prédio, de forma grave e, dificilmente reparável.
AAU) Ao Recorrente assiste pois, o direito à resolução do contrato de Comodato sub judice, em virtude do incumprimento contratual por parte dos Recorridos e, consequentemente ser restituído à posse do imóvel objecto do mesmo, direito esse que exerceu, assistindo-lhe o direito à desocupação imediata, pelos Recorridos, das partes do prédio urbano excluídas do referido contrato, bem como aos referidos anexos e, à parte rústica do prédio em causa relativamente às quais estes não dispõem de qualquer título que legitime a ocupação que têm vindo a fazer, sem o conhecimento e/ou consentimento daquele e, consequentemente a ser restituído à sua posse.
AAV) O Tribunal a quo considerou e, bem que:
- dúvidas não existem de que se encontra efectivamente preenchido o requisito legal da verificação da probabilidade séria da existência do direito tido por ameaçado certo que o Requerente beneficia da presunção registral decorrente da inscrição, a seu favor, da aquisição do prédio em causa (artigo 7.º do Código do Registo Predial);
- em face de tal resolução levada a cabo pelo Recorrente, os Recorridos não detêm qualquer título que legitime a recusa de restituição do imóvel ao Recorrente;
- o requisito legal do fundado receio da sua lesão grave e de difícil reparação do direito também se encontra preenchido, uma vez que a conduta dos Recorridos se traduz numa lesão grave no património do Recorrente, estando iminente essa lesão e danos dificilmente reparáveis verificando-se prejuízos materiais que, no caso, são de difícil reparação através da reconstituição natural ou de indemnização, pelo que se verifica o justificado receio de um prejuízo de difícil reparação caso não sejam adotadas medidas cautelares, enquanto não for decidida a ação principal.
AAW) Pelo que devia ter ordenado a desocupação e entrega da arte urbana e anexos, pois a sentença proferida não assegura, atenta a matéria de facto indiciariamente dada como provada, a efectiva tutela jurisdicional no caso concreto e, não garante, de todo, o efeito útil da acção e, não é, de todo, adequada a remover o periculum in mora.
AAX) O argumento da casa de morada de família não colhe, nem o argumento de que apenas a contaminação dos solos é que representa um dano de difícil reparação também não colhe, pois, os danos já causados na restante parte do imóvel também são de difícil e, até impossível reparação, não existindo qualquer prova indiciária de que a via da indemnização seja minimamente efectiva, pois aos Recorridos não é conhecido património que o assegure.
AAY) Os próprios Recorridos confessam não ter capacidade financeira e económica, na medida em que vieram recorrer do quantitativo da sanção pecuniária compulsória em que foram condenados, alegando não terem “…grande capacidade económica para fazer face sequer a um dia de incumprimento, €100,00 (cem euros)” pugnando por uma sanção compulsória de € 25,00 (vinte e cinco euros) por cada dia de incumprimento. – VIDE parágrafo 8 e 13 das Alegações e, ponto 4 das Conclusões – sendo certo que litigam nos presentes autos munidos de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de Patrono e, dispensa de pagamento das custas com o processo, pelo que, claramente, a via da indemnização para do ressarcimento do actual e, futuro prejuízo do Recorrente é um mero eufemismo e, a decisão proferida não assegura a efectiva tutela jurídica do direito do Recorrente.
AAZ) Urge, pois, a desocupação e entrega do prédio na sua totalidade, estando indiciariamente provada matéria de facto que, à saciedade, o impõe.
AAAA) Não está em causa um despejo, ao contrário do que é alegado em sede de fundamentação de direito, pelo que também por essa via não colhe a invocação de que o prejuízo para os Recorridos é superior aos prejuízos que a sua manutenção na posse do imóvel representa para o Recorrente.
AAAB) Estamos perante um contrato de comodato, legalmente resolvido pelo Recorrente, mediante o incumprimento dos Recorridos indiciariamente provado e, cuja gravidade é elevada e, indiciariamente comprovativa da lesão efectiva e de difícil reparação do direito do Recorrente, pelo que a capa da “casa de morada de família” não colhe.
AAAC) A sanção pecuniária em que os Recorridos foram condenados é claramente insuficiente e, inadequada à efectividade da providência, quer decretada, quer que se pretende seja decretada mediante a procedência do presente recurso, violando assim a Sentença o disposto no Art. 829º-A, n.º 2 do CPC.
AAAD) A conduta desrespeitosa dos Recorridos para com o direito do Recorrente, procedendo a mais construções ilegais no prédio rústico – cavalariças – mesmos depois de ter conhecimento do presente procedimento cautelar – é reveladora de que € 100,00 a título de sanção compulsória não irão dissuadir os Recorridos de persistir na sua conduta.
AAAE) O Tribunal a quo não fundamenta a sua decisão nesta matéria o que, ao abrigo do disposto no Art. 615º n.º 1 alínea b) do CPC gera a nulidade da sentença, que aqui se invoca, nos termos e para os devidos efeitos legais.
Termos em que nos demais de direito que V.Exs. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido e, julgado procedente por provado, devendo ser a decisão proferida ser anulada na parte de que se recorre e, substituída por decisão que condene os Recorridos a entregar ao Recorrente a parte urbana e anexo do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados, devolutas de pessoas, bens e animais e, que os condene na sanação pecuniária compulsória de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de atraso na desocupação e, entrega do prédio, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça.”
*
III – O RECURSO DOS REQUERIDOS
De igual modo, não se conformando em parte com o decidido, os requeridos intentaram também recurso de apelação, apresentando no final as seguintes conclusões:
1 - Os Recorrentes não concordam com a decisão tomada pelo Tribunal a quo que determinou “a imposição aos Requeridos de uma sanção pecuniária compulsória, no montante diário de €100,00 (cem euros) por cada dia que incumpram com o determinado supra no inciso 1) e 2).”
2 - A sentença violou o princípio da razoabilidade ao impor uma sanção pecuniária compulsória elevada, excessiva, desproporcional e irrazoável.
3 - O artigo 829.º-A, n.º 2 do CPC determina que a “sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.”
4 - Os Recorrentes têm fracos rendimento, sendo isso notório e perceptível pela concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça.
5 - Considerando o salário mínimo nacional de €760,00 (setecentos e sessenta euros), em que o valor diário se cifra em €25,00 (vinte e cinco euros), a imposição de sanção diária de €100,00, representa três vezes mais esse valor.
6 - A crise económica mundial, tem agudizado os preços dos bens alimentares e de consumo, retirando todo o rendimento mensal das famílias portuguesas, e uma sanção deste montante é excessiva, pois que dos rendimentos familiares já nada sobra… tudo será um sacrifício.
7 - O princípio da razoabilidade (proporcionalidade) determina que um particular não pode ficar numa situação de sacrifício intolerável.
8 - A sanção compulsória deve ser determinante para que se cumpra integralmente as decisões judiciais, mas nunca poderá colocar em causa a subsistência básica de uma família.
9 - Pelo que se considera razoável e perfeitamente proporcional a determinação de uma sanção compulsória de €25,00 (vinte e cinco euros) por cada dia de incumprimento.
Nestes termos e nos demais de Direito se requer a V,ª Ex.ª que se digne dar provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente, e consequentemente altere a decisão do Tribunal a quo para “a imposição aos Requeridos de uma sanção pecuniária compulsória, no montante diário de €25,00 (25 euros) por cada dia que incumpram com o determinado supra no inciso 1) e 2).”
*
IV – Não foram apresentadas contra-alegações, em relação a qualquer dos recursos interpostos.
*
V - No despacho que admitiu ambos os recursos o tribunal recorrido deu cumprimento ao disposto no art. 617º, n.º 1, do CPC, sustentando a inexistência de nulidades da sentença, arguidas no recurso do requerente.
*
VI - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram declarados indiciariamente provados os seguintes factos considerados relevantes para a decisão da causa:
1. O prédio misto, destinado a habitação, sito em ..., concelho de Silves, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º … e, inscrito na matriz predial, a parte urbana sob o Art. …º e, a parte rústica sob o Art. …º, da Secção … a favor do Requerente, AA.
2. No dia 15 de Janeiro de 2016, o Requerente celebrou com os Requeridos acordo que denominaram “contrato de comodato”, pelo período de dois anos, renovável por iguais períodos, se não for denunciado por qualquer das partes, sendo que passados 10 (dez anos), as partes acordaram que os Requeridos passariam a pagar uma renda mensal.
3. O referido acordo foi celebrado tendo por objecto apenas a parte urbana - Art. …-, destinada a habitação, do prédio misto supra melhor identificado, à data propriedade do Requerente e, de sua mãe, Sr.ª JJ e, actualmente apenas propriedade do Requerente, por partilha de herança.
4. Nos termos do disposto na Cláusula Segunda do referido acordo, o Requerente cedeu, gratuitamente, aos Requeridos, a parte urbana do referido prédio, para da mesma se servirem, única e exclusivamente, para fins habitacionais.
5. Nos termos do disposto na Cláusula Terceira do referido acordo, os Requeridos constituíram-se na obrigação de executar, na parte do imóvel cedida, os melhoramentos e benfeitorias necessários para a sua conservação, de modo a manter as condições de habitabilidade, nomeadamente arranjos do telhado e, tudo o que mais necessário for necessário para a conservação do mesmo.
6. Nos termos do disposto na Cláusula Quarta do referido acordo, ficou acordado que, todas as despesas inerentes à utilização, manutenção e investimentos no prédio objecto do mesmo, são da responsabilidade dos Requeridos e, que todas as melhorias efectuadas ficam a fazer parte integrante do mesmo, não lhes assistindo qualquer direito de indemnização pelas mesmas.
7. Sucede que, até à presente data, os Requeridos não procederam ao arranjo do telhado.
8. Com efeito, o Requerente constatou que:
- na parte de trás do prédio, no seu interior, é visível a existência de lixo e entulho, até ao telhado;
- a pintura exterior do imóvel encontra-se deteriorada;
- à volta do prédio existe lixo variado, por todo o lado, bem como objectos espalhados e amontoados pelo chão, quer dentro, quer fora do prédio, num estado de total desordem e, falta de cuidado, higiene e limpeza e, de falta de manutenção e de conservação;
- encontram-se três cães presos por correntes, sem quaisquer condições, estando tudo sujo à sua volta
- na parte da frente do prédio e, mesmo ao lado do depósito de água aí existente, os Requeridos instalaram uma pocilga, a céu aberto, onde fazem criação de suínos.
- Os Requeridos executaram obras de construção ilegais e, não consentidas pelo Requerente, na fachada lateral do prédio, consubstanciadas no fecho de uma porta para o exterior e, eliminação da escada em alvenaria e, na colocação de um tubo e chaminé, em alumínio, nessa mesma fachada;
- substituíram a porta de entrada do imóvel, que era de madeira, por uma porta de alumínio;
9. O local está descuidado e negligenciado o que, além de contribuir para a deterioração do prédio, desvaloriza-o.
10. Existe risco de contaminação da água do depósito existente no logradouro frente à casa, onde os Requeridos instalaram a pocilga e, fazem criação de dezenas de suínos, em desrespeito, pelo contratado com os Requerentes.
11. O Requerente desconhecia a utilização que os Requeridos estão a fazer do prédio, para a qual não deu, nem daria o seu conhecimento, caso lhe tivesse sido solicitado.
12. Aquando da deslocação do Requerente ao local, no dia 7 de Janeiro de 2022, os Requeridos recusaram-se a facultar-lhe o exame do interior do imóvel objecto do acordo referido em 2.
13. Nesse dia, os Requeridos estavam no interior do imóvel, tendo os carros estacionados no exterior e, ouviram o Requerente bater à porta e a chamá-los em voz alta e bem audível.
14. Contudo, recusaram-se a responder e, a abrir a porta, não lhe permitindo o acesso ao interior do imóvel.
15. O Requerente procedeu à resolução do mesmo, mediante carta datada de 12.01.2022, registada com aviso de recepção enviada aos Requeridos em 14.01.2022 e, por estes recebida em 18.01.2022, encontrando-se o aviso de recepção assinado pela Requerida.
16. Nos termos da referida missiva, o Requerente, procedeu à resolução do acordo referido em 2. e, solicitou aos Requeridos que procedessem à desocupação do mesmo sua limpeza e entrega, no prazo de 30 (trinta) dias, do envio da mesma, ou seja: até 16.02.2022.
17. Os Requeridos sem o consentimento do Requerente retiraram o chão da cozinha do anexo, arrancaram os azulejos da cozinha, que estava completa e, devidamente construída, deixando-a destruída, sem chão, sem bancada, sem lava louça, com as paredes todas picadas e, cheia de lixo e de entulho, além de suja e imunda.
18. O mesmo fizeram da despensa e casa de banho aí existentes, que transformaram num armazém que também se encontra sujo e, cheio de lixo e de entulho.
19. Os Requeridos danificaram um portão de garagem, excluída do contrato de comodato em causa, que utilizam sem a autorização e/ou consentimento do Requerente.
20. As referidas partes do prédio, encontram-se destruídas e deterioradas, cheias de lixo, entulho e, sem quaisquer condições de higiene e limpeza, sendo totalmente impossível fazer das mesmas o uso a que se destinam.
21. Os Requeridos procederam à construção de umas cavalariças, sem o conhecimento e/ou consentimento do Requerente e, sem autorização camarária.
22. Requerente e Requeridos acordaram que os segundos poderiam apanhar os frutos do prédio rústico identificado em 1, tendo sido condição imposta pelo Requerente, que limpassem as árvores e, só ao fim de dois anos é que queria metade do produto da venda dos frutos.
23. Os Requeridos procederam sem o conhecimento e/ou autorização do Requerente à vedação da parte rústica do prédio em causa, que passaram a ocupar com vários animais, tais como galinhas, perus, patos, cavalos e porcos, existindo no local uma pocilga e galinheiro a céu aberto, sendo que os Requeridos criam suínos para venda.
24. Em virtude da situação supra descrita, designadamente da pocilga e galinheiro, existe risco de contaminação, quer do solo, quer da água do furo existente na parte rústica do prédio em causa.
25. Na missiva referida em 15., o Requerente solicitou ainda aos Requeridos, que procedam à imediata desocupação e limpeza dos referidos anexos e, da parte rústica do prédio em causa, repondo a situação anteriormente existente, sua desocupação e entrega.
26. Sucede que até à presente data, os Requeridos, apesar de notificados, também não procederam à desocupação e entrega dos referidos anexos, nem da parte rústica do prédio em causa.
27. Em face da situação supra descrita o Requerente procedeu já à denúncia da mesma, nos termos e para os devidos efeitos legais, ao SEPNA - Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente.
28. Desde o dia 18.01.2022, que os Requeridos estão notificados para proceder à limpeza, desocupação e, entrega do imóvel em causa, na sua totalidade.
29. Que, até à presente data, não fizeram.
30. Desde o dia 18.01.2022, que os Requeridos estão devidamente notificados da oposição do Requerente à ocupação da parte rústica do prédio objecto do contrato de comodato e, bem assim, para proceder á sua limpeza, desocupação e entrega.
31. O que, até à presente data, não fizeram.
32. Até à presente data, os Requeridos não procederam, nem à desocupação nem à entrega para que se encontram notificados, encontrando-se assim na posse contra a vontade do Requerente, da totalidade do imóvel melhor identificado no ponto 1 supra.
33. Acresce que, o Requerente tomou agora conhecimento que, ao invés de procederem à desocupação e entrega do imóvel, os Requeridos procederam à construção de mais umas cavalariças, na parte rústica do prédio, uma vez mais, sem o seu conhecimento e/ou consentimento e, bem sabendo que o mesmo não o consentia.
*
Na sentença revidenda foram ainda declarados não provados os seguintes factos, alegados pelo requerente, com eventual interesse para a decisão da causa:
a) Os Requeridos, ocuparam, sem o seu conhecimento e/ou consentimento partes do prédio referido em 1) que não fazem parte do objecto do acordo referido em 2, nomeadamente os anexos aí existentes, constituídos por uma cozinha, uma despensa e, uma casa de banho, bem como o prédio rústico.
b) Os Requeridos não realizaram no imóvel quaisquer obras de conservação, nem quaisquer benfeitorias, de modo a manter as condições de habitabilidade do mesmo.
c) O telhado está em risco de queda.
*
*
VII – O OBJECTO DOS RECURSOS
1 - Como se sabe, o objecto de um recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso presente, as questões colocadas ao tribunal de recurso sintetizam-se no seguinte:
A - No respeitante ao recurso do requerente, são suscitadas várias questões:
- a eventual nulidade da sentença;
- a reapreciação do julgamento da matéria de facto, quanto aos factos não provados;
- O mérito da decisão proferida na parte em que não atendeu as pretensões do requerente;
- o montante da sanção compulsória, que o requerente entende que deve ser fixada em €250/dia.
B - Em relação ao recurso dos requeridos, a única questão colocada tem a ver com o montante da sanção compulsória determinada na sentença, que foi de €100 por dia e os recorrentes pretendem que seja fixada em €25 por dia.
Sublinha-se a este propósito que na sua tarefa de julgar não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelos recorrentes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
*
VIII – DO RECURSO DO REQUERENTE
*
A - DAS NULIDADES DA SENTENÇA
Em diversos passos das suas conclusões o requerente alude à existência de nulidades da sentença recorrida, invocando o disposto no art. 615º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Vista a sua argumentação, constata-se que o requerente menciona contradições que inquinariam a sentença (designadamente, “contradição substancial” entre factos provados e não provados) e também no final a falta de fundamentação do decidido.
Parece assim apontar para o preenchimento das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 615º (a falta de fundamentação da decisão, e a oposição entre os fundamentos e a decisão).
Porém, afigura-se como evidente que em qualquer dos casos em que alude a contradições, no decurso das suas alegações, o recorrente está a falar de eventuais erros na apreciação da prova, alude a erros de julgamento, e não a vícios da sentença.
As suas observações situam-se sempre ao nível da impugnação do julgamento da matéria de facto, e não são susceptíveis de se enquadrar na al. c) do n.º 1 do CPC quando este preceito faz referência a oposição entre fundamentos e decisão (da sentença, obviamente, não de julgar provado ou não provado este ou aquele facto).
Como tem sido repetidamente salientado, as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, previstos taxativamente no nº 1, do art. 615º, do CPC, correspondendo a vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com eventuais erros de julgamento, de facto ou de direito.
Diga-se, aliás, que a simples distinção entre julgamento dos factos e julgamento de Direito, que no anterior direito processual era notório, basta para iluminar a questão, afastando do campo dos vícios da sentença aquilo que respeita ao julgamento da matéria de facto.
De igual forma não se descortina o vício da falta de fundamentação (que o recorrente imputa v. g. à fixação do montante da sanção compulsória).
Na realidade o art. 615º do Código de Processo Civil dispõe que é nula a sentença, nomeadamente, quando esta não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b) do n.º 1).
Porém, sempre tem sido entendido que o dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, diz respeito à falta absoluta de fundamentação, como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687):
Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Assim, a nulidade contemplada nesse preceito só ocorre quando não se especifiquem os fundamentos em que se funda a decisão, e explica-se por razões de ordem prática, uma vez que os sujeitos processuais necessitam conhecer os motivos da decisão, desde logo a fim de impugnar o respectivo fundamento, em caso de recurso.
A mera deficiência da fundamentação não integra a causa de nulidade da decisão prevista no artigo 615º, nº 1, al. b) do C.P.C.
Não é o caso da decisão recorrida. Esta, mesmo para quem dela discorde, indica suficientemente os fundamentos em que se apoia, de forma compreensível e impugnável pelos destinatários.
Não é possível confundir este vício com o eventual erro de julgamento, quanto aos factos ou quanto ao direito, e na verdade o que se encontra nas alegações do recorrente é a discordância em relação ao decidido.
Rejeita-se, pois, a nulidade invocada com esse enquadramento jurídico.
Em suma, a sentença recorrida não padece de nulidades, estas ou outras.
*
B – SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
O requerente/apelante vem impugnar o julgamento da matéria de facto que foi feito na primeira instância, concretamente na parte respeitante a factos considerados não provados, pretendendo que estes sejam agora dados como provados.
Como é sabido, a pretendida impugnação da matéria de facto tem a sua previsão legal fundamentalmente no artº 640º do CPC.
A aludida norma legal dispõe, quanto a ónus do recorrente, e com interesse para o caso presente, o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
(…)
No caso, entende o apelante que a prova disponível, devidamente apreciada, levaria a que fosse dado como provado que:
a) Os Requeridos, ocuparam, sem o seu conhecimento e/ou consentimento partes do prédio referido em 1) que não fazem parte do objecto do acordo referido em 2, nomeadamente os anexos aí existentes, constituídos por uma cozinha, uma despensa e, uma casa de banho, bem como o prédio rústico.
b) Os Requeridos não realizaram no imóvel quaisquer obras de conservação, nem quaisquer benfeitorias, de modo a manter as condições de habitabilidade do mesmo.
c) O telhado está em risco de queda.
Uma vez que, vistas as conclusões e a motivação do recorrente, mostram-se cumpridos satisfatoriamente os ónus de impugnação a seu cargo, estabelecidos no citado art. 640º do Código de Processo Civil, importa conhecer da impugnação deduzida.
A sentença revidenda fundamentou a resposta a estes pontos da matéria de facto, pelo seguinte modo:
“A factualidade não provada resultou de nenhuma prova, suficientemente convincente do seu conteúdo, ter sido produzida em audiência.
Com efeito, resultou das próprias declarações de parte do Requerente que autorizou que os Requeridos utilizassem a casa de banho existente no anexo, sendo que o esquentador estava na cozinha desse mesmo anexo.
Ademais resultou das declarações de DD que Requerente e Requeridos acordaram que estes últimos poderiam apanhar os frutos do prédio rústico identificado em 1, tendo sido condição imposta pelo Requerente, que limpassem as árvores e, só ao fim de dois anos é que queria metade do produto da venda dos frutos.
Além disso, as testemunhas GG e HH afirmaram que foram efectuadas obras – nomeadamente no interior do prédio urbano -, sendo que a testemunha II não obstante desconhecer o conteúdo das obras foi perentório ao afirmar que forneceu areias e britas para os Requeridos e o prédio aqui e questão razão pela qual se deu como não provado o facto contante da alínea b).
Finalmente, e não obstante do depoimento das testemunhas DD e EE resultar que ficou acordado que os Requeridos procederiam ao arranjo do telhado de um dos palheiros que integram o prédio urbano da prova produzida não se pode extrair que o telhado que os Requeridos se comprometeram arranjar está em risco de ruína, daí que se tenha dado como não provada a alínea c).”
Em face do conteúdo das alegações apresentadas, constata-se que a pretensão do recorrente a este respeito baseia-se numa diferente valoração da prova testemunhal produzida, a mesma prova analisada na decisão recorrida, e numa alegada contraditoriedade entre a factualidade dada como provada e aquela que ficou não provada (ou, dizendo de outro modo, com a decisão de dar esta por não provada).
Diremos desde já que esta contraditoriedade não existe, de modo algum; a realidade descrita nos factos dados como provados é perfeitamente compatível com a falta de prova daqueles que foram dados como não provados (por ex., a circunstância de ser dado como provado que os requeridos não procederam à conservação do telhado não implica que seja dado como provado que o telhado está em risco de queda, como consta da al. c) dos factos não provados).
E no respeitante à apreciação dos depoimentos testemunhais e das declarações de parte, que segundo o entendimento do recorrente deveriam levar a que fossem dados como provados os factos em questão, é forçoso lembrar que estamos no domínio da livre apreciação da prova.
Só estão subtraídos à livre apreciação do julgador os factos para os quais a lei exija formalidade especial (é o que acontece com a exigência de documentos ad substantiam ou ad probationem), valendo no caso presente na sua plenitude o princípio consagrado na primeira parte do n.º 5 do art.º 607.º do Código de Processo Civil – o juiz aprecia livremente as provas existentes.
Ora o que o recorrente efectivamente pretende é fazer valer a sua visão particular sobre a prova e afastar aquela que foi afirmada pelo tribunal, no exercício das suas funções.
Não se deduz da sua argumentação, e nos meios de prova por ele referidos, que existam meios probatórios que imponham resposta diversa daquela a que chegou o tribunal.
E o que a lei exige é precisamente a indicação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
O rigor da expressão legal “impunham” explica-se pelas vantagens que a imediação confere ao julgador da primeira instância: não havendo razões decisivas que emerjam da reapreciação da prova levada a cabo pelo tribunal superior deve dar-se posição de primazia, relativamente à apreciação da credibilidade dos depoimentos e dos outros elementos probatórios, ao julgador a quo, que deteve a possibilidade de ouvir, perante si, os relatos das pessoas inquiridas, de confrontar os seus depoimentos com os outros elementos existentes nos autos, isto não obstante a valoração diferente que possa ser dada aos mesmos por terceiros, nomeadamente pela recorrente, que lhes possibilita chegar a conclusões divergentes das do julgador a quo (cfr. Ac. do TRE de 23/09/2004 no processo 1027/04-2, disponível em www.dgsi.pt).
Como sublinha Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil II, Almedina, 4ª edição, 266: “Existem aspectos comportamentais ou reacções do depoente que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia”.
Dito isto, verificada a fundamentação constante da sentença recorrida, e examinada a prova disponível, afigura-se que a pretensão do recorrente não é procedente.
Na verdade, a posição tomada pelo julgador, devidamente explicada na fundamentação, afigura-se aquela que resulta logicamente dos elementos de prova a considerar, e não é contrariada pelas razões invocadas no recurso.
E acrescente-se que, examinada toda a prova acima referida, acompanhamos nesta instância de recurso a convicção afirmada no primeiro grau.
Conclui-se, portanto, não haver motivo para censurar o julgamento a que chegou a primeira instância.
O recorrente limitou-se a exprimir a sua valoração própria dos meios de prova analisados, mas não pode a mesma sobrepor-se à convicção formada pelo julgador, a quem compete fazer esse julgamento.
Consequentemente, por tudo o que fica dito, julga-se improcedente a impugnação deduzida, mantendo inalterado o julgamento feita na primeira instância em matéria de factos.
*
C – SOBRE A DECISÃO IMPUGNADA
O recorrente veio peticionar por esta via de recurso que a decisão proferida na primeira instância seja anulada na parte de que se recorre e substituída por nova decisão que condene os recorridos a entregar ao recorrente a parte urbana e anexos do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados, devolutas de pessoas, bens e animais, e que os condene na sanção pecuniária compulsória de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de atraso na desocupação e entrega do prédio.
No respeitante ao pedido de anulação, julgamos que ficou prejudicado pelo que acima ficou dito a propósito da inexistência de nulidades, pelo que nada mais se dirá a esse respeito.
A questão a apreciar e decidir, atento o pedido deduzido, traduz-se em saber se, atenta a factualidade disponível, deve ser determinado que os recorridos entreguem ao recorrente também a parte urbana do imóvel identificado nos autos, para além daquilo que já foi determinado na sentença sobre a parte rústica.
Em segundo lugar, procedendo esse pedido, decidir sobre eventual sanção pecuniária compulsória que os possa compelir ao cumprimento das determinações judiciais que lhes forem impostas.
Vejamos então o que consta da sentença em apreço.
Depois de uma dissertação inicial sobre as providências cautelares, nomeadamente sobre as suas finalidades e requisitos, que nos dispensamos de reproduzir, até por não ser controvertida, considerou o julgador da primeira instância o seguinte:
“Tendo presente o enquadramento e os ensinamentos jurídicos que antecedem, não podemos deixar de concluir que, todos os requisitos se verificam no caso dos autos.
Quanto ao primeiro requisito acima referido, dúvidas não existem de que se encontra efectivamente preenchido, certo que o Requerente beneficia da presunção registral decorrente da inscrição, a seu favor, da aquisição do prédio em causa (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
Resulta dos factos assentes que Requerente e Requeridos celebraram um contrato de comodato, mediante o qual, o Requerente cedeu, gratuitamente, aos Requeridos, a parte urbana do prédio identificado em 1), para da mesma se servirem, única e exclusivamente, para fins habitacionais.
O comodato, como contrato típico e nominado que é, encontra a sua previsão e disciplina nos artigos 1129 a 1141 do Código Civil, sendo que o primeiro dos artigos define-o como um contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega a outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela com a obrigação de a restituir.
E mais adiante:
O comodato pode ainda (mesmo no caso de estar sujeito a prazo convencionado) cessar ou extinguir-se por resolução do contrato por parte do comodante, caso ocorra justa causa.
Na verdade, estipula o artigo 1140.º que “não obstante a existência de prazo, o comodante pode resolver o contrato, se para isso tiver justa causa”.
O legislador, porém, não definiu o conceito de justa causa, deixando para o julgador a concretização desse conceito, numa visão ou perspectiva casuística, ou seja, numa aferição de perante cada caso concreto. [vide Marques de Matos, in “Ob. cit. págs. 69/70, o prof. Menezes Leitão, in “Ob. cit. pág. 384” e os Profs. Pires Lima e A. Varela, in “Ob. cit. pág. 598, nota 2”]
A tal figura extintiva do contrato de comodato, são também aplicáveis as disposições dos artºs 432 e ss.
A justa causa será, assim, todo o facto susceptível de determinar a inexigibilidade ética e jurídica da subsistência do contrato; tal facto tanto pode consistir numa violação das obrigações legais do comodatário como numa violação de deveres laterais de protecção fundada na confiança e na boa-fé, estes naturalmente reforçados pela natureza gratuita do contrato.
No caso sub judice, e não obstante o contrato de comodato ter prazo, o Requerente resolveu o contrato por justa causa.
Ora, em face dos factos dados como provados mostra-se preenchido o conceito de justa causa para a resolução do contrato de comodato.
Com efeito, com a sua conduta os Requeridos violaram desde logo as obrigações legais constantes do artigo 1135.º al. a), b) e d) do Código Civil.
Ora, em face de tal resolução os Requeridos não detêm qualquer título que legitime a recusa de restituição do imóvel ao Requerente.
Encontra-se verificado o primeiro requisito de que depende o decretamento da providência, ou seja, a probabilidade séria da existência do direito ameaçado.
Também o segundo requisito se encontra devidamente preenchido.
Como resultou provado os Requeridos instalaram uma pocilga no logradouro frente à casa existindo risco de contaminação da água do depósito existente nesse logradouro. Ademais, os Requeridos procederam ainda, sem o conhecimento e/ou autorização do Requerente à vedação da parte rústica do prédio em causa, que passaram a ocupar com vários animais, tais como galinhas, perus, patos, cavalos e, porcos, existindo no local uma enorme pocilga e galinheiro a céu aberto existindo risco de contaminação dos solos e da água.
O que se traduz numa lesão grave no património do Requerente, estando iminente essa lesão e danos dificilmente reparáveis verificando-se prejuízos materiais que, no caso, são de difícil reparação através da reconstituição natural ou de indemnização.
Verifica-se, assim, o justificado receio de um prejuízo de difícil reparação caso não sejam adotadas medidas cautelares, enquanto não for decidida a ação principal.
Por outras palavras, e em termos simples, o julgador deu por assente que os requeridos entraram na posse do prédio identificado nos autos por força de um contrato de comodato e que este se encontra validamente resolvido (note-se que esta conclusão, obviamente afirmada pelo requerente, não é sequer questionada pelos recorridos).
Assim, torna-se compreensível, e diríamos inevitável, a conclusão exarada na sentença: os requeridos não detêm qualquer título que legitime a recusa de restituição do imóvel ao requerente.
Como é notório, essa conclusão aplica-se a todo o imóvel, e não apenas à sua parte rústica (que foi mandada entregar, e que aliás não constava do contrato de comodato).
Em face da matéria de facto apurada, concordamos inteiramente com a posição assim expressa pela primeira instância.
Apresenta-se realmente como bem fundado o direito alegado pelo requerente, e sérios e justificados os receios afirmados por ele de que venham ainda a agravar-se os prejuízos resultantes da conduta ilícita dos requeridos, que prolongando-se no tempo se somarão aos já consumados.
Ora as providências cautelares visam, naturalmente, a prevenção de lesões futuras cuja ameaça se perfile como séria e credível, e a cessação de situações danosas já em curso.
A providência peticionada pelo requerente mostra-se idónea pelo menos a evitar o agravamento e o arrastar dos prejuízos por ele sofridos com a situação.
Julgamos, por isso, que deve satisfazer-se o seu pedido em relação à parte urbana do imóvel, tal como foi decidido em relação à parte rústica.
Essa providência não esgota, de modo algum, a utilidade e finalidade próprias da acção principal a propor, visto que os prejuízos consumados só poderão ser ressarcidos por via da indemnização respectiva, e toda a matéria pertinente terá que ser objecto da acção principal.
Mas, em sede do procedimento cautelar, afigura-se que não existe objecção alguma à procedência do pedido do requerente (nem os recorridos, a bem dizer, levantaram alguma objecção de natureza jurídica à entrega peticionada).
Assente que ficou que só o comodato permitia aos recorridos permanecer na parte urbana do imóvel identificado, e que esse comodato cessou, resta aos recorridos a obrigação de restituir a coisa, como decorre do art. 1135º, al. h), do Código Civil.
Na parte controvertida da sentença em causa veio a fundamentar-se a recusa em determinar a entrega da parte urbana do imóvel, pese embora a factualidade apurada e os considerandos tecidos a esse respeito, por alegadamente a desocupação do prédio urbano em questão equivaler a um despejo de casa de morada de família (essa parte urbana constituiria a casa de morada de família dos recorridos) e tal resultado não poder ocorrer em sede de providência cautelar, dada a provisoriedade deste meio processual.
Todavia, ainda que se concordasse com a tese, no que não nos alongaremos, afigura-se que tal asserção assenta aqui, neste concreto, num equívoco facilmente detectável.
Na realidade, dos factos provados não consta que os requeridos tenham instalada a sua casa de morada de família no local. O que pode verificar-se nessa factualidade é simplesmente que em Janeiro de 2016 “o Requerente cedeu, gratuitamente, aos Requeridos, a parte urbana do referido prédio, para da mesma se servirem, única e exclusivamente, para fins habitacionais.
Não é o mesmo, não sabemos se efectivamente eles ali instalaram e ali mantêm instalada a sua casa de morada de família. Tal facto teria que ser alegado e provado, a fim de ser considerado na decisão.
A verdade é que o conjunto dos factos provados, nomeadamente pontos 7 e seguintes, justifica fundadas dúvidas sobre que assim aconteça; e (neste caso sem qualquer dúvida) de nenhuma forma o facto surge comprovado.
Assim sendo, julga-se que procede a pretensão do requerente, e deve ser ordenada a entrega do imóvel, todo ele, sem distinguir a parte urbana da parte rústica.
Estão reunidos, diríamos que de forma exuberante, visto o conjunto dos factos provados, todos os pressupostos necessários para em sede de providência cautelar seja decretada a medida referida, nos termos pedidos.
*
D) DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
O requerente/recorrente sustenta ainda que a sanção pecuniária em que os recorridos foram condenados é claramente insuficiente e inadequada à efectividade da providência, quer a decretada quer a que ele pretende que seja decretada mediante a procedência do presente recurso.
Pede por isso que seja determinada a condenação dos recorridos na sanção pecuniária compulsória de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de atraso na desocupação e entrega do prédio.
A imposição dessa sanção compulsória tinha sido inicialmente pedida pelo requerente, e sobre isso considerou o julgador da primeira instância o seguinte:
“A lei processual prevê que é sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efectividade da providência decretada – cf. artigo 365.º n.º2 do Código de Processo Civil e artigo 829º-A do Código Civil.
A medida tem de ser requerida pelo interessado (requisito formal) e visa-se, com a sua aplicação nos procedimentos cautelares, acautelar não só os interesses do requerente mas também garantir o respeito pelas decisões emanadas por um órgão de soberania, reforçando a sua autoridade e prestígio e potenciar a credibilidade e a celeridade da justiça -cf. António Geraldes, Temas da Reforma, III, 2.ª Ed., p. 155; e Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 430.
Atento o exposto e por forma a compelir os Requeridos a observar as determinações do tribunal, julga-se adequado impor-lhes uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de €100,00 por cada dia que passe e que incumpram com o abaixo determinado.”
Esta disposição surge em óbvia ligação ao que foi determinado nos pontos 1 e 2 do dispositivo proferido, no qual ficou determinado que:
“1) Os Requeridos, BB e CC procedam à entrega ao Requerente AA da parte rústica do prédio identificado no ponto 1 dos factos dados como provados, livre e, devoluta de pessoas, animais e bens.
2) Procedam a remoção de todos os animais existentes no prédio misto (nomeadamente do logradouro do prédio urbano), destinado a habitação, sito em …, concelho de Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º … e, inscrito na matriz predial, a parte urbana sob o Art. …º e, a parte rústica sob o Art. …º, da Secção …, propriedade do Requerente.”
Como decorre do que ficou dito sobre o recurso do requerente, o objecto da condenação dos requeridos, em termos materiais, sai notoriamente alargado e agravado, em consequência do presente recurso, desde logo porque em lugar da obrigação de entrega da parte rústica de um prédio ficam agora obrigados à entrega da totalidade.
Compreende-se, portanto, que, fazendo corresponder o montante da sanção compulsória ao agravamento da obrigação imposta, esse montante seja nesta sede também agravado.
A este propósito, importa ter presente que o art. 829º-A do Código Civil, no seu n.º 2, alude expressamente a critérios de razoabilidade, ao referir que a sanção pecuniária compulsória será fixada segundo critérios de razoabilidade, e sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
Estes critérios de razoabilidade terão que ser harmonizados com as finalidades próprias do instituto em causa, que são consensualmente apontadas: levar ao cumprimento das determinações judiciais em causa.
Assim resulta do n.º 2 do art. 365º do CPC: no âmbito do procedimento cautelar, a fixação da sanção pecuniária compulsória deve ter como referência aquela “que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência decretada”.
Não deve ser menos do que o necessário para convencimento dos obrigados a cumprir, de modo a não encorajar o incumprimento.
Mas também não deve ser mais do que o necessário a essa finalidade, sob pena de então poder-se eternizar uma situação por conveniência dos requerentes (se o montante compensar estes podem ser tentados a prolongar a situação, sem fazer uso dos outros meios processuais a que poderiam normalmente lançar mão, nomeadamente para concretizar a entrega).
Ou seja, é necessário encontrar um ponto de equilíbrio, quanto ao montante a fixar.
Recordamos que não está aqui em causa discutir a aplicação de sanção pecuniária compulsória, visto que não foi impugnado esse segmento decisório, transitando nessa parte o decidido.[1]
Do que se trata é apenas de fixar o quantitativo.
Ora a sanção deve ser fixada num montante que seja suficientemente dissuasor, para que o devedor cumpra a obrigação o mais rapidamente possível, e obste ao prolongar das condutas danosas.
Tudo ponderado, apresenta-se como adequado o montante de €150 euros/dia, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na entrega determinada, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão.
*
IX – SOBRE O RECURSO DOS REQUERIDOS
Como decorre do que foi dito quanto ao recurso do requerente, designadamente quanto ao montante da sanção compulsória, a apelação interposta pelos requeridos apresenta-se irremediavelmente comprometida.
Com efeito, os requeridos impugnaram apenas o decidido quanto ao montante da sanção pecuniária compulsória fixada para os compelir a dar cumprimento às obrigações em que ficaram condenados, e sobre essa questão já ficou consignada a posição do tribunal, incompatível com a pretensão dos requeridos.
Recordamos apenas que os requeridos, procurando apoio no art. 365º, n.º 2, do CPC, quando este prevê a fixação nos termos da lei civil “da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência decretada”, vieram argumentar que será perfeitamente proporcional e razoável a determinação de uma sanção compulsória de €25,00 (vinte e cinco euros) por cada dia de incumprimento, sendo a fixação da sanção nesse montante o único pedido deduzido no seu recurso, o que seria justificado porque os recorrentes “têm fracos rendimento, sendo isso notório e perceptível pela concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça”.
Porém, assim sendo, cabe lembrar que foi para assegurar que dessem cumprimento ao determinado, em segmentos decisórios que eles não impugnaram, que foi fixada a sanção referida, com vista a compeli-los ao cumprimento do que lhes foi judicialmente determinado.
Consequentemente, diremos que o invocado princípio da razoabilidade nunca poderia conduzir à fixação de tal montante.
Com efeito, a fixação dessa sanção compulsória no montante de €25 por dia significaria na prática o estabelecimento de uma espécie de “renda” (€750 por mês) que permitiria a continuidade de uma situação que a decisão judicial proferida considerou ilegítima (os requeridos mantêm-se na posse material de um imóvel onde, na sua parte rústica, e de acordo com a factualidade apurada, desenvolvem actividade económica, designadamente criação de suínos para venda).
Se a sentença proferida ordenou a entrega e desocupação de um certo bem imóvel, e os requeridos nem questionam judicialmente essa decisão, mal se compreende que intentem reduzir de tal modo as consequências do seu incumprimento (a não ser que o fim visado seja precisamente o desacatamento da decisão judicial pelo mais baixo custo possível).
Por outras palavras, com o estabelecimento do montante pretendido pelos requeridos as finalidades compulsórias do instituto ficariam frustradas, resultando daí um verdadeiro incentivo ao incumprimento.
Como salientam os próprios recorrentes, a sanção compulsória deve ser determinante para que se cumpram integralmente as decisões judiciais – e a forma de obstar aos efeitos gravosos dessa sanção está precisamente no cumprimento almejado, que se pensaria estar na mente dos requeridos ao não impugnarem as obrigações resultantes da decisão proferida.
Concluindo, julgamos improcedente o recurso de apelação instaurado pelos requeridos.
*
X - DECISÃO
Por tudo o que ficou exposto, julgamos totalmente improcedente a apelação interposta pelos requeridos, e procedente nos termos sobreditos a apelação interposta pelo requerente, pelo que em consequência alteramos a decisão recorrida, que substituímos pelo seguinte dispositivo:
1 - Os Requeridos, BB e CC, ficam obrigados a proceder à entrega ao Requerente AA de todo o prédio que está identificado no ponto 1 dos factos dados como provados, livre e devoluto de pessoas, animais e bens (prédio misto, destinado a habitação, sito em …, concelho de Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º … e inscrito na matriz predial a parte urbana sob o Art. …º e a parte rústica sob o Art. …º, da Secção …).
2) Os Requeridos ficam ainda condenados a proceder à remoção de todos os animais existentes no prédio misto em causa, nomeadamente no respectivo logradouro.
3 - Os Requeridos ficam ainda condenados ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no montante diário de €150 (cento e cinquenta euros) por cada dia que incumpram com o determinado nos pontos 1) e 2), a contar do trânsito em julgado do presente acórdão.
4 – Confirma-se, no mais, o decidido na sentença da primeira instância.
*
As custas devidas por ambos os recursos ficam a cargo dos requeridos, como parte vencida (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).
*
*
Évora, 12 de Julho de 2023
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso

__________________________________________________
[1] Razão pela qual, independentemente da bondade da decisão, não pode este Tribunal apreciar da aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória ao caso.