Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
654/13.8PALGS-A.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
COMETIMENTO DE NOVO CRIME
JUÍZO DE PROGNOSE
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Perante o cometimento de novo crime no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão, pelo qual o arguido veio a ser condenado, ainda que em pena privativa da liberdade, impõe-se indagar se o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou, no sentido de por meio dela, o condenado se afastar da prática de outros crimes, ficou, definitiva e inexoravelmente infirmado.
II - No caso de se concluir positivamente, deverá ser revogada a suspensão.
III - Diversamente, se, não obstante, o cometimento de novo crime, tendo em conta as particularidades do caso concreto, nomeadamente, as circunstâncias em que o condenado voltou a delinquir e a evolução das suas condições de vida, se concluir que não se frustraram total e irremediavelmente as expetativas e finalidades que, por via da suspensão da execução da pena, se pretendeu fossem alcançadas, decidindo, nesse caso, o tribunal, pela extinção da pena (artigo 57.º do Código Penal) ou, no caso de ser admissível, pela imposição das medidas previstas no artigo 55.º do Código Penal.
IV - «O critério material da decisão do tribunal de revogar, ou não, a suspensão da pena é exclusivamente preventivo, reportando-se ao momento em que o tribunal aprecia a situação e não ao momento do cometimento do crime».
V - É certo que a prática pelo arguido/condenado de um novo crime de detenção de arma proibida, durante o período de suspensão da execução da pena única de prisão por que foi cominado nestes autos, entre outros, por crime da mesma natureza, abalou o juízo de prognose favorável que o tribunal da condenação efetuou acerca do seu comportamento futuro, quando decidiu pela aplicação daquela pena de substituição, concluindo que a ameaça da pena seria suficiente para o afastar da prática de novos crimes, o que não aconteceu.
VI - Contudo, tendo em conta a diversa natureza das armas em causa, numa e noutra das situações – respeitando o novo crime a uma soqueira –, a evolução das condições de vida do arguido/condenado e considerando que o cumprimento da pena de sete meses de prisão na qual foi cominado pelo cometimento do novo crime, terá sido o seu primeiro contato com o meio prisional, admitindo-se que possa, de uma vez por todas, ter interiorizado a censurabilidade da conduta assumida, conhecedor, agora, das condicionantes inerentes ao cumprimento de pena privativa da liberdade, não se mostra irremediavelmente preterido o juízo de prognose favorável que fundou a suspensão da pena de prisão aplicada nestes autos. E como tal não deve ser revogada a suspensão, antes se impõe declarar a extinção da pena, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º do Código Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos autos de processo comum n.º 654/13.8PALGS, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3, por acórdão proferido em 28/10/2016, transitado em julgado a 28/11/2016, foi o arguido AA condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão [pela prática, em 06/10/2013, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, n.º 2, al. b), 73º e 131º, n.º 1, todos do Código Penal, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, alíneas c) e d), por referência ao artigo 2º, n.º 1, al. x), 3º, n.º 2, al. l) e 4º, n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro], suspensa na respetiva execução, por igual período de tempo.
1.2. Decorrido o período da suspensão da execução da pena de prisão, foi junto aos autos CRC atualizado do condenado.
1.3. Resultando do teor do CRC que em 06/09/2020, no decurso do período de suspensão da execução daquela pena, praticou um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, por que foi condenado, por sentença proferida, no âmbito do processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, transitada em julgado em 16/03/2022, na pena de 7 (sete) meses de prisão, teve lugar a audição do condenado, ao abrigo do disposto no artigo 495º, n.º 2, do CPP.
1.4. Por despacho proferido em 01/03/2023 foi revogada a suspensão da execução da aludida pena de 5 (cinco) anos de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, al. b) do Código Penal e determinado o respetivo cumprimento pelo condenado.
1.5. Inconformados com o assim decidido, o Ministério Público e o condenado interpuseram recurso para este Tribunal da Relação, apresentado a respetiva motivação e extraindo dela as seguintes conclusões:

1.5.1. O Ministério Público:
«1. O Ministério Público interpõe o presente recurso, por não concordar com a decisão proferida nos presentes autos no dia 1 de Março de 2023, nos termos da qual, foi decidido revogar a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão a que AA foi condenado e, consequente, determinação do cumprimento efectivo daquela.
2. No âmbito dos presentes autos, AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado no dia 28 de Novembro de 2016, na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática dos crimes de homicídio na forma tentada, previsto e punido nos artigos 131.º, 22.º e 23.º, todos do Código Penal; detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e de ameaça, previsto e punido no artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal.
3. Sucedeu que, no decurso do período da suspensão, AA foi condenado no processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, por sentença transitada em julgado no dia 16 de Março de 2022, na pena de 7 meses de prisão (efectiva), pela prática no dia 06/09/2020 de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
4. Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal:
“1- A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
5. Todavia, tal condenação em pena de prisão efectiva não impõe automaticamente a revogação da suspensão da pena, sendo, pois, necessário que o Tribunal efectue um juízo sobre as finalidades que estiveram na base da suspensão foram ou não alcançadas.
6. A este propósito anotaram [Cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-04-2014, cujo relator foi o Exm.º Desembargador Renato Barroso e que se mostra disponível em texto integral em www.dgsi.pt] Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques [Código Penal Anotado, volume I, 4.ª edição, Rei dos Livros, 2014, p. 823] o seguinte:
“Donde que a revogação da suspensão tenha que ser olhada como um expediente in extremis e sempre subordinada a apertadas limitações, (...).
(...).
As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.
Aliás, (...) o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão.”
7. Na situação em apreço, verifica-se que, por um lado, AA voltou a sofrer uma condenação no decurso do período da suspensão pela prática do crime de detenção de arma proibida, todavia, os factos em causa nesta última condenação ocorrem no dia 06/09/2020, ou seja, quase quatro anos após o trânsito em julgado da condenação sofrida nos presentes autos.
8. Por outro lado, em causa estava a detenção de armas cujo grau de perigosidade é diverso (o que se reflecte em termos de moldura penal abstractamente aplicável), pois que, nos presentes autos estava em causa a detenção de uma arma transformada e munições, sendo que, no âmbito do processo n.º 534/20.0PALGS, reporta-se à circunstância de AA ter em sua posse uma soqueira e um “spray”.
9. Acresce ainda que, num quadro de vida estruturado ao nível familiar e pautado por hábitos de trabalho (cfr. relatório social), afigura-se-nos ser possível sustentar um juízo positivo em relação ao futuro de AA, nomeadamente, quanto ao afastamento por parte deste da criminalidade e da sua recuperação e, daqui decorre que, no nosso modesto entendimento, não se deverá prescindir de lhe conceder a oportunidade de o mesmo continuar em liberdade.
10. De resto e, conforme se concluiu no relatório elaborado pela DGRSP:
«Não parece ser um indivíduo propriamente mal referenciado no meio, contando com condições e apoio familiar normativo, quer da família constituída, quer da família de origem, mas apresenta propensão para fases mais desreguladas, nas quais recai em hábitos aditivos e se desorganiza em termos funcionais.
A prisão tem sido sentida com penosidade em meio familiar, designadamente pelo impacto negativo da mesma no filho de 14 anos, havendo a disposição para que uma vez em meio livre se reorganizem juntos, como antes.
Embora sem um apoio médico específico, é notória uma condição física debilitada em meio prisional, que AA associa aos seus antecedentes de problemas a este nível e bem assim à gravidade do processo infecioso que o manteve internado vários meses em finais de 2021.
De momento, embora tenda a uma atribuição causal externa dos seus comportamentos e conflitos, parece denotar uma atitude mais conscienciosa face ao respeito por obrigações estando em causa o confronto com o sistema de administração da justiça penal.».
11. Termos em que, por o Tribunal a quo ter interpretado incorrectamente os artigos 36.º, n.º 1, alínea b) e 57.º, n.º 1, ambos do Código Penal, deverá o despacho sob censura ser revogado e substituído por outro que declare extinta a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada nos presentes autos a AA (cfr. artigo 57.º do Código Penal e 175.º do Código de Processo Penal).
CONTUDO, V.ªS EX.ªS FARÃO COMO SEMPRE JUSTIÇA!».

1.5.2. O condenado:
«1 - O Douto despacho recorrido violou por erro de aplicação e de interpretação o pugnado no artigo 56º do Código Penal, que estabelece que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação social ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - Porquanto, a violação grosseira de qua fala o Art.º 56º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, deverá, no nosso entender, ser entendida como uma indesculpável actuação em que “bonus pater famílias” não incorre, não merecendo ser tolerada, nem desculpada; uma atitude de total e leviano desvalor face às regras jurídicas e às decisões dos Tribunais.
3 - Tal ocorre quando o condenado, de forma deliberada e leviana, se nega a respeitar as injunções impostas, se inibe de procurar viver segundo as regras sociais, se furta a respeitar as Decisões impostas pelo Tribunal, único Órgão de Soberania que importa considerar neste âmbito e nesta vertente.
4 - Aquando da audição do arguido pelo tribunal “a quo”, o mesmo referiu contar com apoio familiar quer da família por si constituída, quer da família de origem para refazer a sua vida.
5 - Demonstrou arrependimento pelos factos por si praticados, justificando os mesmos com a premente necessidade de se defender das agressões e ameaças contra si perpetradas pelos seus vizinhos, num período de grande fragilidade, com que o mesmo se defrontava, encontrando-se doente, o que culminou com o seu internamento, durante vários meses no ano de 2021,
6 - pois tendo recorrido à justiça, apresentando queixa crime contra os agressores e à Câmara Municipal, solicitando que lhe fosse atribuída habitação social noutro local, por forma a não se cruzar com os agressores, nada foi feito.
7 - Entende-se, em suma, que o comportamento do condenado terá sido somente motivado pelo “medo” e pelo seu estado de fragilidade,
8 - pelo que julga-se, por isso, que não é possível afirmar que a sua actuação tenha invalidado definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão, efectuado aquando da prolação da decisão final condenatória,
9 - encontrando-se, por ora, asseguradas, no essencial, as exigências preventivas que motivaram tal suspensão, mesmo porque,
10 - o aqui recorrente já sofreu pena de prisão efectiva, por ter praticado o crime, que originou o Processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, tendo conhecimento das consequências nefastas que tal situação causou ao seu filho, com 14 anos de idade e da penosidade que a sua prisão causou na sua família,
11 - sendo forte a intenção do aqui arguido de uma vez por todas “arrepiar caminho” e adoptar um caminho conforme o direito,
12 - o que nos leva a considerar que, neste momento, uma eventual revogação da suspensão das pena seria nefasta e perversa em termos de (re)integração social do arguido.
13 - Pelo que se impõe a este tribunal “ad quem” decidir pela não revogação da suspensão da pena de prisão em que o mesmo foi condenado nos presentes autos e uma vez que a mesma se encontra finda, decretar a extinção da pena.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Ex.as Doutamente suprirão, deverá o presente recurso merecer provimento e em consequência deverá o douto Despacho recorrido ser anulado e substituído por outro que decida pela não revogação da suspensão da pena de prisão em que o aqui Recorrente foi condenado nos presentes autos e uma vez que a pena se encontra finda, decrete a extinção da mesma ou, se assim não se entender, deverá o douto Despacho recorrido ser substituído por outro que opte pela prorrogação do período da suspensão da pena de prisão em que o aqui Recorrente foi condenado nos presentes autos.
PORÉM VOSSAS EXª.S DECIDIRÃO COMO FOR DE JUSTIÇA!»

1.6. Os recursos foram regularmente admitidos.

1.7. O Ministério Público junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso interposto pelo condenado, tendo, a final, formulado as seguintes conclusões:
«1. O condenado AA interpôs recurso da decisão proferida nos presentes autos, nos termos da qual, foi decidido "revogar a suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão, nos termos do disposto no artigo 56º, nº 1, al. b) do Código Penal, determinando-se o cumprimento da mesma.", alegando, em síntese, o seguinte:
a) O despacho sub judice ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão, violou por erro de aplicação e interpretação o artigo 56.º, do Código Penal;
b) O recorrente AA praticou os factos pelos quais foi condenado no âmbito do processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, em virtude da necessidade premente de se defender das agressões e ameaças contra si dirigidas, sendo certo que, não obstante ter apresentado queixa-crime relativamente a tais factos, certo é que, a situação não se alterou;
c) Em face do seu arrependimento e da inserção social, deveria a pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada nos presentes autos ter sido declarada extinta, ou, caso assim não se entenda, deverá ser prorrogado o período da suspensão.
2. O Ministério Público interpôs (no interesse de AA) recurso relativamente à decisão em causa, pugnando pela extinção da pena de prisão suspensa na sua execução que foi aplicada àquele, razão pela qual, se dá aqui por integralmente reproduzidos os argumentos ali expendidos e que ora se dispensa de reproduzir.
3. Sem embargo do acima referido e, em reforço dos recursos interpostos (pelo Ministério Público e pelo ora recorrente), volta-se a sublinhar dois pontos.
4. Primeiro: os factos em causa na condenação sofrida por AA no âmbito do processo abreviado n.º 534/20.0PALGS (que esteve na base da decisão que determinou a revogação da suspensão), ocorreram no dia 06/09/2020, ou seja, quase quatro anos após o trânsito em julgado da condenação sofrida nos presentes autos.
5. Segundo: num quadro de vida estruturado ao nível familiar e pautado por hábitos de trabalho (cfr. relatório social), afigura-se-nos ser possível sustentar um juízo positivo em relação ao futuro de AA, nomeadamente, quanto ao afastamento por parte deste da criminalidade e da sua recuperação e, daqui decorre que, no nosso modesto entendimento, não se deverá prescindir de lhe conceder a oportunidade de o mesmo continuar em liberdade.
6. Em síntese conclusiva: o Ministério Público entende, por um lado, ser ainda possível efectuar um juízo de prognose favorável em relação ao futuro de AA, tanto mais que, a pena sofrida pelo mesmo no âmbito do processo n.º 534/20.0PALGS foi já declarada extinta pelo cumprimento e, bem ainda que, por outro, o Tribunal a quo efectuou uma incorrecta interpretação dos artigos 56.º, n.º 1, alínea b) e 57.º, n.º 1, ambos do Código Penal, razões porque, salvo melhor entendimento, deverá ser declarada extinta a pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada nos presentes autos.
7. Termos em que, deverá o despacho sob censura ser revogado e substituído por outro que declare extinta a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada nos presentes autos a AA (cfr. artigo 57.º, do Código Penal e 475.º, do Código de Processo Penal).»

1.8. Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos e, consequente manutenção do despacho recorrido e cujo teor aqui se reproduz:
«O Ministério Público e o arguido recorrem nos autos, em consonância, do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão aplicada ao arguido.
A revogação da suspensão da pena teve por fundamento a prática dos fatos em 6.09.2020, pelos quais foi condenado na pena de 7 meses de prisão efetiva por crime de detenção de arma proibida (e também em coima).
Neste processo, ao optar pela pena de prisão efetiva o julgador teve em consideração do julgado e a condenação do processo em que agora se recorre.
E foi com base na prática destes fatos dentro do período de suspensão da execução da pena que o tribunal no despacho recorrido revogou a suspensão da pena por entender que desta prática se concluía se ter gorado o juízo de prognose positiva efetuado sobre o comportamento futuro do arguido com a simples ameaça da pena.
Ora, os recorrentes vêm dizer que a prática do novo ilícito foi próximo do limite do prazo de suspensão ou mesmo já fora do mesmo…
Atente-se que não é assim, pois o prazo da suspensão começa a correr após o trânsito em julgado da decisão que aplica a suspensão e importam os fatos praticados no decurso desse prazo e não a data em que são julgados. Logo os fatos que levaram à aplicação dos 7 meses de prisão ocorreram em 6.09.2020 e o prazo de suspensão da pena nos autos do presente recurso terminava em 28.11.2021.
Termos em que discordamos dos recursos do Ministério Público e do arguido e concordamos com o despacho judicial recorrido.
Diga-se que em lado algum foi dado como assente que o arguido detinha as armas para se defender de ameaças eminentes. Ora no processo dos autos foi condenado pela posse e utilização de armas proibidas, como é que a nova posse que determinou a condenação em prisão efetiva não violou o juízo de prognose da suspensão da execução da pena de prisão ou como é que este poderá ser mantido (sem uma completa incoerência de julgados)?!...
Termos em que pugnamos pela improcedência dos recursos.»
1.9. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.
1.10. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Como é sabido, as conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o respetivo objeto do recurso (cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
No caso vertente, atentas as conclusões dos recursos, a questão suscitada é a de saber se, ao invés do decidido no despacho recorrido, não deve ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o recorrente foi condenado no processo referenciado.

2.2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Por acórdão transitado em julgado em 28.11.2016, foi o Arguido AA, condenado pela prática de um crime de Homicídio na forma tentada, previsto e punido nos artigos 131.º, 22.º e 23.º, todos do Código Penal; um crime de Detenção de Arma Proibida, previsto e punido no artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e de um crime de Ameaça, previsto e punível pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Do Certificado de Registo Criminal do Arguido e da certidão junta a fls. 500 e ss. resulta que o mesmo foi condenado no Processo Abreviado n.º 534/20.0PALGS, por sentença transitada em julgado no dia 16.03.2022, na pena de 7 meses de prisão (efectiva), pela prática no dia 06.09.2020 de um crime de Detenção de Arma Proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Do Relatório Social do Arguido (fls. 549 e ss.), consta, em conclusão, que:
“(…) embora ciente da condenação ocorrida no âmbito do 654/13.8PALGS, e período de 5 anos de SEP a contar da data do transito em julgado de 28/11/2016, AA manteve a sua vida sem ter grandemente em conta a situação.
Não parece ser um indivíduo propriamente mal referenciado no meio, contando com condições e apoio familiar normativo, quer da família constituída, quer da família de origem, mas apresenta propensão para fases mais desreguladas, nas quais recai em hábitos aditivos e se desorganiza em termos funcionais.
A prisão tem sido sentida com penosidade em meio familiar, designadamente pelo impacto negativo da mesma no filho de 14 anos, havendo a disposição para que uma vez em meio livre se reorganizem juntos, como antes.
Embora sem um apoio médico específico, é notória uma condição física debilitada em meio prisional, que AA associa aos seus antecedentes de problemas a este nível e bem assim à gravidade do processo infecioso que o manteve internado vários meses em finais de 2021.
De momento, embora tenda a uma atribuição causal externa dos seus comportamentos e conflitos, parece denotar uma atitude mais conscienciosa face ao respeito por obrigações estando em causa o confronto com o sistema de administração da justiça penal”.
O Arguido foi ouvido (fls. 536 a 538), tendo declarando, em síntese, que:
- compreendeu a condenação sofrida nos presentes autos; e
- vive em bairro social, tendo sido alvo de agressão várias vezes, pelo que adquiriu a soqueira e o spray na internet para se defender.
O Ministério Público pronunciou-se conforme consta de fls. 555 e ss., pugnando pela extinção da pena de prisão aplicada nos presentes autos.
Notificada, veio a Defesa alegar, no essencial, que:
- o período da suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos finalizou em 28 de Novembro de 2021;
- o aqui arguido foi condenado, no Processo abreviado nº. 534/20.0 PALGS, por Sentença transitada em julgado, já após o termo da suspensão, a saber em 16 de Março de 2022, e por factos ocorridos, já praticamente no fim desse prazo, em 06.09.2020 e por factos de natureza diversa daqueles pelo quais sofreu condenação no decurso da suspensão;
- a escolha de uma pena efectiva de prisão resulta, do facto de o arguido já ter sido condenado nestes autos e do facto de o arguido não ter comparecido na audiência de julgamento para poder explicar os seus actos e demonstrar o seu arrependimento;
- já tendo sido duramente condenado, mediante o cumprimento da pena de prisão em que foi aí condenado;
- aquando da audição do arguido por este tribunal, o mesmo referiu contar com apoio familiar quer da família por si constituída, quer da família de origem para refazer a sua vida;
- demonstrou arrependimento pelos factos por si praticados, justificando os mesmos com uma permanente necessidade de se defender das agressões e ameaças contra si perpetradas pelos seus vizinhos,
- num período de grande fragilidade, com que o mesmo se defrontava, encontrando-se doente, o que culminou com o seu internamento, durante vários meses no ano de 2021.
Conclui pela não revogação da suspensão da pena de prisão em que o mesmo foi condenado nos presentes autos e pela extinção da mesma.
Nos termos do artigo 56º, nº 1, do Código Penal
“A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
Contudo, a suspensão da execução da pena não é automaticamente revogada.
No caso da violação de deveres impostos ao arguido, o artigo 55º do Código Penal permite ao tribunal fazer uma advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações, impor novos deveres ou regras de condutas ou prorrogar o período de suspensão, até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º.
É ainda necessário que a nova condenação sofrida pelo arguido revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, através dela, ser alcançadas.
No caso em apreço, após o trânsito em julgado da decisão condenatória nos presentes autos e no período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, o Arguido voltou a praticar um crime de Detenção de Arma Proibida, demonstrando, com isso, não ter interiorizado os objectivos subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, desvalorizando as consequências dos respectivos comportamentos.
Com efeito, os crimes por que havia sido condenado nos presentes autos são graves e foram cometido com o uso de armas ilegais, acreditando-se, então e ainda assim, que a mera ameaça do cumprimento de uma pena de prisão efectiva bastaria para manter o Arguido afastado da prática de futuros crimes.
Tal não sucedeu, vindo o Arguido a praticar, no período da suspensão, crime de idêntica natureza, sendo condenado em prisão efectiva no âmbito do Processo Abreviado n.º 534/20.0PALGS.
Note-se que, o que releva, não é a data da condenação sofrida posteriormente, mas sim da prática do crime.
E, como é obvio, a condenação sofrida nos presentes autos pesou na determinação da medida de pena de prisão que lhe veio a ser aplicada no referido processo, bem como na decisão de não suspender a sua execução atenta a falência do juízo de prognose favorável de que já havia beneficiado. Não olvidemos que tal decisão veio a ser confirmada em sede de recurso.
Por outro lado, a justificação aventada pelo Arguido para a posse das armas pela qual foi condenado no Processo Abreviado n.º 534/20.0PALGS, apenas vem revelar um padrão de comportamento tendente à conflitualidade e o recurso a meios potencialmente agressores.
Entende-se, pois, que a conduta ilícita do Arguido posterior e pela qual veio a ser condenado, revela uma indiferença pela condenação de que foi alvo nos presentes autos, "infirmando definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, da esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade" (Fig. Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 357).
De referir ainda que a inserção e apoio familiar de que goza não têm logrado manter o Arguido afastado da prática de ilícitos penais, apresentando o mesmo, até a nível pessoal “propensão para fases mais desreguladas, nas quais recai em hábitos aditivos e se desorganiza em termos funcionais”.
Não restam, deste modo, dúvidas que as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena aplicada nos presentes autos não foram alcançadas com a mesma e que a revogação da suspensão constitui o único meio de atingir tais finalidades
Pelo exposto, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão a que o Arguido AA foi condenado, nos termos do disposto no artigo 56º, nº 1, al. b) do Código Penal, determinando-se o cumprimento da mesma.
Notifique e, após trânsito, emita de mandados de detenção do Arguido ao EP.»

2.3. Apreciação do mérito dos recursos
Como supra referimos a questão suscitada nos recursos em apreciação é a de saber se, ao invés do decidido no despacho recorrido, não deve ser revogada a suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão, a que foi condenado o arguido. no processo em referência.
Defendem os recorrentes – Ministério Público e condenado – que não deve ser revogada a suspensão da execução da referida pena de prisão, pugnando para que esta última seja declarada extinta, por, na sua ótica, não se mostrar definitivamente infirmado o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão.
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, por seu lado, emitiu parecer no sentido de não merecer censura a decisão recorrida, pugnando para que seja mantida.
Apreciando:
Sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o artigo 56º, n.º 1, do Código Penal: «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas
Decorre da citada disposição legal e, no relevante para o caso dos autos, que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, com base na previsão da al. b), exige a verificação de dois requisitos, quais sejam: a prática, pelo condenado, durante o período da suspensão da pena, de crime pelo qual venha a ser condenado; e se constate que as finalidades na base da suspensão não foram atingidas.
Assim, perante o cometimento de novo crime no decurso do período de suspensão da execução da pena, por que venha a ser condenado, ainda que em pena privativa da liberdade, impõe-se indagar se o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou, no sentido de por meio dela, o condenado se afastar da prática de outros crimes, ficou, definitiva e inexoravelmente infirmado.
No caso de se concluir positivamente, deverá ser revogada a suspensão.
Diversamente, se, não obstante, o cometimento de novo crime, tendo em conta as particularidades do caso concreto, nomeadamente, as circunstâncias em que o condenado voltou a delinquir e a evolução das suas condições de vida – num juízo reportado ao momento em que importa decidir –, se concluir que não se frustraram total e irremediavelmente as expetativas e finalidades que, por via da suspensão da execução da pena, se pretendeu fossem alcançadas, decidindo, nesse caso, o tribunal, pela extinção da pena (artigo 57º do Código Penal) ou no caso de ser admissível, pela imposição das medidas previstas no artigo 55º do Código Penal.
O primeiro dos enunciados pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, encontra-se demonstrado nos autos, tendo o aqui recorrente AA sido condenado, no âmbito do processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, por sentença transitada em julgado, pela prática, em 06/09/2020, durante o período de suspensão da execução da pena única de 5 (cinco) anos de prisão, em que foi cominado no processo 654/13.8PALG – período esse que decorreu entre 28/11/2016 e 28/11/2021 –, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão.
A questão está em saber se o cometimento do enunciado crime durante o período de suspensão da execução da pena única aplicada no processo 654/13.8PALGS, revela que as finalidades que estiveram na base dessa suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Os recorrentes pretextam uma resposta negativa a tal questão, ancorados nos seguintes argumentos:
- O Ministério Público: (i) o crime por que foi condenado foi praticado quase 4 anos após o trânsito em julgado da condenação sofrida nestes autos; (ii) estava em causa a detenção de armas cujo grau de perigosidade é diverso, nos presentes autos tratava-se de uma arma de fogo transformada e munições e no processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, da posse de uma soqueira e de um “spray”; (iii) o condenado apresenta um quadro de vida estruturado ao nível familiar e pautado por hábitos de trabalho.
- O arguido/condenado: (i) conta com o apoio familiar para refazer a sua vida; (ii) aquando da sua audição, pelo Tribunal a quo, demonstrou arrependimento por ter praticado os factos/crime por que foi condenado no processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, justificando a sua conduta, pela «premente necessidade de defender das agressões e ameaças contra si perpetradas pelos seus vizinhos, num período de grande fragilidade, com que o mesmo se defrontava, encontrando-se doente, o que culminou com o seu internamento, durante vários meses no ano de 2021»; (iii) tendo sofrido pena de prisão efetiva, no âmbito do processo abreviado n.º 534/20.0PALG, tem conhecimento das consequências nefastas que tal situação causou ao seu filho, com 14 anos de idade, sendo forte a sua intenção de, uma vez, por todas, adotar um caminho conforme ao direito.
O Tribunal a quo, no despacho recorrido, considerou estar definitivamente infirmado o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado, decidindo, por isso, revogar a suspensão, determinando o cumprimento da prisão.
Para decidir nesse sentido, sopesou o Tribunal a quo, a circunstância de o crime de detenção de arma proibida cometido pelo arguido, durante o período de suspensão da execução da pena, ser da mesma natureza de um dos crimes por cuja prática fora condenado nos autos em apreço; que a explicação aventada pelo arguido para a posse das armas por que foi condenado no processo abreviado n.º 534/20.0PALGS apenas vem «revelar um padrão de comportamento tendente à conflituosidade e o recurso a meios potencialmente agressores» e que a inserção e apoio familiar de que beneficia «não têm logrado manter o Arguido afastado da prática de ilícitos penais, apresentando o mesmo, até a nível pessoal “propensão para fases desreguladas, nas quais recai em hábitos aditivos e se desorganiza em termos funcionais”».
Que dizer?
É certo que a prática pelo arguido/condenado de um novo crime de detenção de arma proibida, durante o período de suspensão da execução da pena única de prisão por que foi cominado nestes autos, entre outros, por crime da mesma natureza, abalou o juízo de prognose favorável que o tribunal da condenação efetuou acerca do seu comportamento futuro, quando decidiu pela aplicação daquela pena de substituição, concluindo que a ameaça da pena seria suficiente para o afastar da prática de novos crimes, o que não aconteceu.
Também é certo que tendo sido condenado, no processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, em pena de prisão efetiva, aí foi arredado o juízo de prognose favorável acerca do comportamento futuro do arguido, considerando-se necessária a execução da pena de prisão para que se alcançassem as finalidades da punição.
Neste contexto, deverá ser revogada a suspensão da execução da pena?
Sem perder de vista que, neste domínio, o juízo formulado não é de certeza, mas de probabilidade razoável, pois, trata-se de um juízo de prognose acerca do futuro comportamento do condenado, entendemos, pese embora ter sido cometido um novo crime, não ser de concluir que se frustraram, irremediavelmente, as finalidades na base da decisão de suspender a execução da pena de prisão pela qual o arguido foi condenado nos presentes autos e, designadamente, de estar definitivamente afastada a expetativa de o condenado não voltar a delinquir e, nessa medida, não será de revogar a suspensão.
Como faz notar Paulo Pinto de Albuquerque[1] «o critério material da decisão do tribunal de revogar, ou não, a suspensão da pena é exclusivamente preventivo, reportando-se ao momento em que o tribunal aprecia a situação e não ao momento do cometimento do crime».
No âmbito do processo abreviado n.º 534/20.0PALGS, o arguido foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, estando em causa a detenção de uma soqueira/boxer, de alumínio, com 11,5 cm, que o arguido transportava consigo, na via pública, no bolso dos calções que trajava.
Importa fazer notar que no tocante à embalagem/spray que o condenado detinha, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, não integrando a prática de crime – mas de uma contraordenação, p. e p. pelo artigo 97º, n.º 1 da Lei n.º 5/2006, por que foi condenado –, não pode essa condenação ser aqui considerada.
O condenado conta com apoio familiar, quer da família constituída, quer da família de origem e revela hábitos de trabalho. Contudo, apresenta algumas fragilidades, propendendo, em fases mais desreguladas da sua vida, a desorganizar-se em termos funcionais e a recair em hábitos aditivos, tendo, no ano de 2021, enfrentado problemas de saúde, designadamente, complicações por COVID e uma infeção bacteriana grave, que o manteve, durante vários meses, em situação de internamento hospitalar.
O cumprimento da pena de sete meses de prisão que lhe foi aplicada no referenciado processo abreviado, iniciado em 02/05/2022, terá sido o primeiro contato do condenado/recorrente com o meio prisional, com o impacto negativo particularmente sentido pelo filho do condenado, adolescente, com 14 anos de idade.
Neste quadro, admitindo-se que o condenado, possa, de uma vez por todas, ter interiorizado a censurabilidade da conduta assumida, conhecedor, agora, das condicionantes inerentes ao cumprimento de pena privativa da liberdade, em que voltará a incorrer, caso torne a delinquir, entendemos não se mostrar irremediavelmente preterido o juízo de prognose favorável que fundou a suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado/recorrente, nestes autos.
Por todo o exposto, entendemos não dever ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão, em que o condenado/recorrente foi cominado nestes autos e antes deve a mesma pena ser declarada extinta, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57º, o que se decide.
Procedem, pois, os recursos, revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, declarando-se a extinção da pena.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido/condenado AA, revogando-se o despacho recorrido e declarando-se a extinção da pena aplicada no processo n.º 654/13.8PALGS.

Sem tributação.


Notifique.
Évora, 12 de setembro de 2023
Fátima Bernardes (relatora)

Beatriz Marques Borges

Carlos de Campos Lobo

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[1] In Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição, Universidade Católica Editora, pág. 235