Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
175/16.7T8EVR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: No caso da trabalhadora e a empregadora terem celebrado por escrito um aditamento ao contrato de trabalho em que acordam que aquela presta a sua atividade em regime de isenção de horário de trabalho, em virtude das suas funções, a empregadora não pode retirar esta isenção sem o consentimento da trabalhadora.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Procedimento cautelar n.º 175/16.7T8EVR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: BB (requerida).
Apelada: CC (requerente).

Tribunal Judicial da comarca de Évora, Évora, Instância Central, Secção Trabalho, J1.

1. A requerente intentou procedimento cautelar não especificado contra a requerida e pediu que fosse decretado o procedimento e em consequência decretada a providência cautelar conservatória do contrato de trabalho celebrado entre a requerente e a requerida em 2001, com a manutenção da mesma categoria profissional, conteúdo funcional, isenção do horário de trabalho e remuneração.
Foi ordenada a citação da requerida, a qual deduziu oposição alegando em síntese que a requerente nunca foi contratada ou exerceu as funções de diretora de serviços.
Tal categoria profissional na prática só carece de sentido para entidades públicas e não para instituições particulares.
Nunca foi nem é intenção da requerida desqualificar a requerente ao nível de categoria profissional ou ao nível remuneratório.
A questão da isenção do horário de trabalho decorre da própria impossibilidade legal de a mesma se manter nas atuais circunstâncias.
Conclui pedindo a improcedência da providência cautelar.
Realizou-se a audiência final e foi proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto, julgo procedente por provado o presente procedimento cautelar, e consequentemente:
a) Julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide atenta a matéria de facto aceite pela requerida no ponto 6 dos factos provados.
b) Determino a manutenção do acordo de isenção de horário de trabalho celebrado em 1 de janeiro de 2011.
c) Custas pela requerida.

2. Inconformada, veio requerida interpor recurso de apelação que motivou, com as conclusões que se seguem, após aperfeiçoamento, na sequência de convite do relator:
I - Foi a requerente que pugnou, após deixar de desempenhar as funções de Diretora Técnica, por ver reconhecida categoria - Diretora de Serviços - que se integra no universo dos Trabalhadores Administrativos;
II) A requerida reconheceu, na sequência da prova produzida, que a categoria profissional é, e tão só, de Diretora de Serviços, mas não de funções técnicas (no caso, como trabalhadora social);
III) Alterando-se as funções que vinha exercendo enquanto Diretora Técnica, nada impede que a entidade patronal revogue unilateralmente o acordo quanto à isenção de horário de trabalho, sem que a trabalhadora se lhe possa opôr;
IV) Da prova produzida, quer documental quer das testemunhas DD e EE, cujos depoimentos deverão ser reapreciados, resultam factos importantes para a apreciação do mérito da causa e que o tribunal a quo não fixou, mas que deverão ser fixados em sede de recurso.
V) Tais factos são os seguintes:
a) Que a contabilidade e processamentos de salários são efetuados externamente;
b) Que o quadro de pessoal administrativo é reduzido;
c) Que a equipa técnica (área social) garante o funcionamento normal da instituição quer de semana quer ao fim de semana;
d) Que a organização da requerida é de pequena dimensão, sendo o universo de utentes de trinta e dos quais só vinte e três em regime de internamento;
VI) Tais factos determinam de forma clara que em nada se justifica a manutenção de isenção de horário de trabalho para a função de Diretora de Serviços exercida pela requerente;
VII) A revogação da isenção de horário de trabalho integra o poder da direção da entidade patronal.
VIII) A decisão sob recurso faz incorreta aplicação do disposto nos art.ºs 129.º n.º 1, alínea d) e 218.º do CT.
Termos em que a decisão recorrida deverá ser revogada, substituindo-se por uma outra que julgue válida a retirada da isenção de horário de trabalho efetuado pela requerida.

2. A requerente respondeu e concluiu do seguinte modo:
1. O presente recurso foi interposto no dia 27 de abril de 2016, sendo que, estando perante uma decisão proferida no âmbito de um procedimento cautelar, o prazo é de dez dias; mesmo considerando-se (tese que infra se impugnará) que o recurso versa sobre a reapreciação de matéria de facto nos termos do artigo 80.º, n.º 3, do CPT, o prazo terminou no dia 26 de abril de 2016 – não foi cumprido o estipulado no artigo 139.º n.º 5 do CPC, com as legais consequências.
2. Salvo respeito por melhor opinião, não estamos perante uma decisão final, porquanto, e pese embora ter-se decretado a inversão do contencioso, sempre assistirá à recorrente a prerrogativa prevista no artigo 371.º do CPC, logo não estamos perante uma decisão final, mas exclusivamente perante uma decisão tomada no âmbito de um procedimento cautelar, sendo de dez dias o prazo para interpor recurso.
3. A recorrente faz-se valer do n.º 3 do artigo 80.º do CPT; no entanto, salvo o devido respeito, e após ter ouvido a gravação dos depoimentos e estes confrontados com a decisão, parece-nos que a recorrente não pretende a reapreciação da prova gravada, uma vez que, pese embora faça essa referência, não identifica quais os concretos pontos da matéria de facto que pretende colocar em crise. Na realidade a recorrente introduz factos novos e pretende a sua confrontação com os depoimentos prestados pelas testemunhas, como patente nas alegações III, IV, V e VI, e ponto V das conclusões; não estamos, pois, perante um caso de reapreciação da prova gravada por a mesma impor eventualmente decisão diversa, mas antes a intenção de confrontar a prova gravada com novos factos que não constavam na composição do litígio. A este propósito, o douto ac. do TRE que afirma «Na verdade, a autora, aqui apelante, não atacou o que foi decidido quanto a qualquer um dos pontos de facto sujeitos a julgamento, pelo que, inexoravelmente, não poderá entender-se que tenha recorrido da decisão proferida sobre os factos. Assim sendo, é nosso entendimento que não funciona em seu favor o alargamento, em 10 dias, do prazo para apresentação das alegações, o qual pressupõe uma efetiva e concreta impugnação da decisão quanto à matéria de facto. Deste modo, atentas as razões supra referidas, forçoso é concluir que - “in casu” - o prazo para a interposição de recurso e apresentação das alegações por parte da autora, ora apelante, é de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 638.º do C.P.C., não beneficiando ela do acréscimo de 10 dias a que alude o n.º 7 do supra citado preceito legal.»
4. Das conclusões decorre claramente que a recorrente não impugna a matéria de facto, mas se limita a introduzir factos novos, pelo que tendo em conta o acima exposto, deve o recurso ser rejeitado, por extemporâneo.
5. Do exposto também decorre que existe uma violação do ónus da recorrente ao impugnar a decisão relativa à matéria de facto, uma vez que nos termos do artigo 640.º n.º 1, do Código de Processo Civil, a recorrente, sob pena de rejeição, deveria ter especificado os concretos pontos de facto que considera julgados; os concretos meios de prova que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e/ou a decisão que deveria no seu entender ser proferida sobre questões de facto impugnadas;
6. No ponto V das suas conclusões, a recorrente introduz factos novos, sem nunca impugnar um único ponto da matéria provada. Não existindo um único ponto da matéria dada como provada que seja realmente impugnado, verifica-se, assim, a violação do dever de impugnação previsto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, o que determina a rejeição do recurso, ainda para mais quando, no seu recurso, a apelante, mesmo quanto aos novos factos, se limita a considerações genéricas. A propósito do citado artigo, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que afirma que «Com efeito, os recorrentes não indicam concretamente e de forma precisa os segmentos dos depoimentos que demonstrariam a alteração pretendida. Com efeito, esta norma impõe ao recorrente o dever de especificar com exatidão tais elementos. Trata-se assim de afastar impugnações com caráter “genérico” que não traduzem uma divergência concretizada da decisão.»
7. Em suma, a recorrente pretende utilizar a presente apelação não para impugnar pontos da matéria de facto, mas simplesmente para introduzir novos factos que pretende que sejam agora apreciados tendo em vista uma decisão diferente. Tal implica, como acima exposto, a rejeição do recurso. Mas ainda que assim não se entenda,
8. A apelante vem resumir o seu pedido a que a decisão ora recorrida seja substituída por outra que julgue válida a retirada da isenção de horário de trabalho. Esta é uma questão de direito: nos termos do artigo 218.º n.º 1 do CT e da Cláusula 32.ª do CCT, BTE 35, 2015, o trabalhador que exercer cargos de administração ou direção pode acordar por escrito na isenção de horário de trabalho; pese embora a ora apelante reconheça que a recorrida é diretora de serviços, revogou unilateralmente o acordo de isenção de horário de trabalho; é nosso entendimento que, continuando a trabalhadora a exercer um cargo de direção, tal acordo só poderia cessar por mútuo acordo entre as partes. A este propósito, Pedro Romano Martinez escreve «Ajusta-se, normalmente, a isenção atendendo a situações temporárias ou durante um período estipulado, mas se assim não for, na dúvida, deve dar-se prevalência ao acordo das partes, que só pode ser alterado por mútuo consenso.” (sublinhado nosso) — termos em que, por tudo quanto foi exposto, não assiste razão à apelante e a decisão ora recorrida não merece censura.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis e com o mui douto e sempre necessário suprimento de VV. Venerandas Ex.as, deve o presente recurso de apelação improceder, mantendo-se a decisão proferida.
4. O Ministério Público junto desta relação deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento parcial, devendo o acordo de isenção de horário de trabalho prevalecer até 07.01.2016, face aos pontos 6 a 9 da matéria de facto dada como provada.
Não foi apresentada resposta.

5. O relator admitiu o recurso interposto, o qual não foi objeto de reclamação.
Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir consistem em apreciar a impugnação da matéria de facto e apurar se deve manter-se a isenção de horário de trabalho da requerente.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Factos dados como provados na decisão recorrida:
1 - A requerente celebrou com a requerida em 21 de março de 2001 um contrato de trabalho a termo certo para o desempenho das funções de Psicopedagoga e Coordenadora do Centro de Atividades Ocupacionais, com um horário de 35 horas semanais e um vencimento base de 135.600$00 ilíquidos, acrescido de 600$00 a título de subsídio de refeição por cada dia efetivo de trabalho.
2 - Em 1 de janeiro de 2011 requerente e requerida celebraram, em aditamento ao contrato de trabalho, um acordo de isenção de horário de trabalho por as funções desempenhadas, correspondentes à categoria de Diretora de Serviços lhe exigirem um horário de trabalho variável, em função das necessidades da requerida.
3 – Pela isenção de horário de trabalho foi estipulada a quantia mensal de € 231,00.
4 – Por carta de 7 de janeiro de 2016, entregue em mão à requerente, foi esta informada que por decisão da direção da requerida que "... deixará de exercer as funções de Diretora Técnica da Residência/Lar a partir do dia 31 do corrente mês de janeiro, passando assim a desempenhar apenas as funções de Psicopedagoga ... Estamos certos que esta decisão não impedirá a sua melhor colaboração, quer nos procedimentos de transição dos dossiers e restantes processos para a nova direção técnica, quer nas tarefas ou atividades que, no futuro, a mesma lhe solicitar no âmbito das suas funções e competências ... Por falta de fundamento legal (artigo 218.º do Cód. do Trabalho) e de necessidade funcional, cessará também em 31 de janeiro próximo o acordo referente à isenção de horário de trabalho ...".
5 – A requerente aufere atualmente a retribuição base mensal de € 1.195,00 acrescida de um subsídio mensal de alimentação de € 86,00.
6 – Em audiência final realizada no dia 18.3.2016 foi dito pela requerida que " ... A requerida reconhece que a categoria profissional da requerente é a de Diretora de Serviços sendo a mesma reintegrada nessas funções a partir da próxima segunda - feira, dia 21 de março de 2016 ...".
7 – A requerida não aceita a isenção do horário de trabalho.
8 – A atual diretora técnica do Lar está lá todos os dias da semana com exceção do fim de semana.
9 – Aos fins de semana existe um sistema de rotatividade entre todos os técnicos que são atualmente em número de sete.

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir consistem em apreciar a impugnação da matéria de facto e apurar se deve manter-se a isenção de horário de trabalho da requerente.

B1) A impugnação da matéria de facto
A apelada e conclui que não deve ser conhecida a impugnação da matéria de facto, porquanto a apelante não cumpriu os ónus prescritos no art.º 640.º do CPC e quer que sejam apreciados factos novos não alegados,
A apelante pretende que se deem como provados factos que não foram alegados por qualquer uma das partes. A reapreciação da matéria de facto tem por objeto os factos dados como provados ou como não provados, ou outros que tenham sido alegados, mas que não tenham sido considerados na decisão recorrida.
Nesta conformidade, não pode este tribunal de recurso reapreciar os factos referidos pela apelante nas conclusões, razão pela qual não se conhece desta parte da apelação e se mantém inalterada a resposta à matéria de facto dada pelo tribunal recorrido.

B) A isenção de horário de trabalho
O art.º 218.º n.º 1 do Código do Trabalho prescreve que por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:
a) Exercício de cargo de administração ou direção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos;
b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efetuados fora dos limites do horário de trabalho;
c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de atividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico.
O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho pode prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho (n.º 2 do mesmo artigo).
A cláusula 32.ª do CCT publicado no BTE n.º 35, volume 82, de 22.08.2015, é igual ao prescrito no art.º 218.º do CT que já citamos.
No caso dos autos, a isenção de horário de trabalho foi acordada com fundamento na alínea a) do n.º 1 do art.º 218.º do CT.
A requerente e a requerida fizeram um aditamento ao contrato de trabalho no qual acordaram por escrito a prestação da sua atividade em regime de isenção de horário, com direito a uma retribuição especial e cujo valor definiram na altura, devido ao facto da trabalhadora desempenhar funções como diretora de serviços, as quais lhe exigem um horário de trabalho variável, em função das necessidades da requerida (aditamento ao contrato de trabalho de fls. 25, que não foi impugnado).
A empregadora pode fazer cessar a situação de isenção de horário de trabalho unilateralmente apenas nos casos em que a mesma não consta do contrato de trabalho celebrado ou de um seu aditamento.
A isenção de horário de trabalho foi acordada por escrito entre as partes como aditamento ao contrato de trabalho. Desta forma, as partes manifestaram inequivocamente a intenção de fazerem perdurar esta situação enquanto estiver em vigor o contrato de trabalho que celebraram. A alteração do regime de isenção de horário de trabalho só pode ser alterada com o consentimento da trabalhadora, a qual, todavia, se opõe à pretensão da empregadora.
Nesta conformidade, julgamos a apelação improcedente e decidimos confirmar a decisão recorrida.

Sumário: no caso da trabalhadora e a empregadora terem celebrado por escrito um aditamento ao contrato de trabalho em que acordam que aquela presta a sua atividade em regime de isenção de horário de trabalho, em virtude das suas funções, a empregadora não pode retirar esta isenção sem o consentimento da trabalhadora.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e decidem confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 22 de novembro de 2016.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Alexandre Ferreira Baptista Coelho