Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
10/19.4PATMR.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O crime de resistência e coacção sobre funcionário é um crime de perigo, pelo que se não mostra necessário para o seu preenchimento a efectiva lesão do bem jurídico que lhe está subjacente, mas apenas a possibilidade ou a probabilidade da correspondente conduta típica vir a afectar os interesses protegidos
Ou seja, a consumação do crime exige apenas a prática da acção coactora adequada a anular ou comprimir a capacidade de actuação do funcionário ou afim, sendo que o conceito de violência enunciado no tipo legal de crime abrange as modalidades de ameaça grave e ofensa à integridade física (não tendo esta de ser grave).

II - Integra o conceito de “violência” agarrar os agentes da PSP pela camisola, de seguida agarrar-lhes os braços e puxá-los com tal energia que os fizeram deslocar-se da respectiva posição, bem como o desferir de um pontapé visando atingir o corpo de um deles.

E, o de “ameaça grave” a actuação do arguido que, ao visualizar o agente da PSP empunhar a arma de fogo que lhe estava distribuída, se afasta dirigindo-lhe, em tom sério, as palavras: “puxaste pela tua pistola, espera aí que eu vou buscar a minha”, encaminhando-se, de seguida e em passo de corrida, para a sua residência, o que, de acordo com as regras da experiência comum, não podia deixar de significar dar a conhecer (independentemente de a esta comunicação corresponder ou não a realidade) que era possuidor de uma arma de fogo e pretendia utilizá-la contra os agentes da PSP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o NUIPC 10/19.4PATMR, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foram os arguidos AA, BB e CC condenados, por sentença de 29/06/2022, nos seguintes termos:

AA, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº 1, do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão;

AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, na pena 8 meses de prisão.

Após cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 18 meses de prisão.

BB, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº 1, do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão.

CC, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº 1, do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

2. Os arguidos AA e BB não se conformaram com a decisão e dela interpuseram recurso.

Não se transcrevem as conclusões da motivação de recurso por impossibilidade de edição do respectivo texto, quer da peça constante da plataforma “CITIUS”, quer do enviado em formato “Word” pela Ilustre mandatária, após solicitação deste Tribunal.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Enquadramento jurídico-penal da conduta dos recorrentes.

Nulidade da sentença por não ponderação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação/verificação dos pressupostos de aplicação do regime.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1.No dia 21 de Junho de 2019, pelas 15h20m, na Rua …, em …, o arguido AA conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula … sem estar para esse efeito habilitado com a respectiva carta de condução.

2.O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que não era titular de carta de condução que o habilitasse validamente a conduzir tal veículo na via pública, apesar de ter conhecimento que necessitava daquela para o efeito.

3.Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei, bem como que ao praticar os factos acima descritos incorria em responsabilidade criminal.

4.Nas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas, DD e EE, agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) de …, circulavam num veículo automóvel descaracterizado e que pertencia à PSP, quando se aperceberam que o arguido AA conduzia o referido veículo automóvel de forma errática, em ziguezague.

5.Pelo que, após o arguido imobilizar o aludido veículo no parque de estacionamento na Rua …, em …, nas imediações da residência onde os três arguidos à data viviam, DD e EE imobilizaram o seu veículo, saíram para o exterior, dirigiram-se ao arguido AA e, após se identificarem como agentes da PSP, pediram-lhe para lhes facultar os seus documentos pessoais, bem como os documentos relativos ao veículo.

6.O arguido AA estava ciente de que iria ser detido por estar a conduzir sem carta de condução e de que tinha praticado este facto durante o período da suspensão de execução de penas de prisão que lhe tinham sido aplicadas nos processos n.ºs …, … e …, correndo por isso o risco de ver essas suspensões revogadas e, consequentemente, de ter que cumprir penas de prisão efectivas.

7.Tal como também temia ter mandados de detenção e/ou pedidos de notificação pendentes à ordem desses e de outros inquéritos, que os agentes da PSP se apercebessem desse facto e, apos, cumprirem imediatamente tais mandados e/ou pedidos.

8.Pelo que logo gizou um plano no sentido de tentar que os seus familiares se deslocassem ao local da forma mais célere possível e, em comunhão de esforços e vontades com estes, conseguir impedir os agentes da PSP de cumprirem a sua função, nos termos e para os efeitos acima concretizados.

9.Em face do que, em acto contínuo e na execução desse plano, o arguido AA recusou-se a apresentar qualquer um dos referidos documentos e logo começou aos gritos com os dois agentes da PSP, dizendo-lhes que eles já sabiam que ele não tinha carta de condução, tudo de forma a que os seus familiares e os aqui arguidos, que viviam nas imediações, o conseguissem ouvir e se deslocassem rapidamente ao local.

10.Os dois agentes da PSP comunicaram ao arguido AA que estava detido e que teria que os acompanhar ao Posto da PSP de …, local onde seria elaborado o expediente relacionado com a detenção e cumpridos todos os formalismos legalmente necessários.

11.Nesse momento, os arguidos BB e CC chegaram ao local acompanhados por mais cerca de 3 (três) indivíduos cuja identidade não foi concretamente apurada.

12.Os arguidos BB e CC tinham ouvido os gritos do arguido AA e logo se aperceberam de que este ia ser detido por estar a conduzir sem carta de condução.

13.Os arguidos BB e CC estavam também cientes de que o arguido AA tinha praticado tal facto (conduzir veículo automóvel sem ser titular de carta de condução) durante o período da suspensão de execução de penas de prisão que lhe tinham sido aplicadas em vários processos, correndo assim o risco de ver essas suspensões revogadas e de ter que cumprir pena de prisão.

14.Tal como também temiam que o arguido AA tivesse mandados de detenção e/ou de notificação pendentes à ordem de outros processos criminais, que os agentes da PSP se apercebessem desse facto e que cumprissem tais mandados e/ou pedidos.

15.Em face do que logo decidiram dirigir-se apressadamente ao local onde se encontrava AA e tentarem impedir que os agentes da PSP de levarem a cabo a detenção daquele arguido.

16.Logo que BB e CC chegaram ao local, acompanhados pelos referidos indivíduos, a arguida CC dirigiu-se ao agente DD, agarrou-o pela camisola e, após, agarrou-se aos braços de DD e puxou-o com força, de tal forma que o conseguiu afastar do arguido AA.

17.Por seu turno, o arguido BB dirigiu-se ao agente EE, agarrou-o pela camisola e, após, agarrou-se ao braço esquerdo de EE e também o puxou com força, de tal forma que também o conseguiu afastar de AA.

18.Nesse momento, o arguido AA, aproveitando-se do facto de os outros dois arguidos terem conseguido afastar um pouco os dois agentes da PSP, tentou desferir um pontapé no corpo de EE, mas não lhe conseguiu acertar pelo facto de EE se ter conseguido desviar.

19.O agente EE conseguiu libertar-se por um breve instante e logo aproveitou para sacar da sua arma de fogo (pistola), empunhando-a e exibindo-a aos arguidos e aos restantes indivíduos que os acompanhavam, tudo de forma a tentar fazer cessar as condutas acima descritas e, juntamente com o agente DD, conseguir finalmente formalizar a detenção do arguido AA, transportando-o para o Posto Policial, nos termos e para os efeitos acima indicados.

20.Todavia, o arguido AA começou a correr em direcção à sua residência e fugiu do local.

21.E o arguido BB, ao ver o agente a sacar da pistola, afastou-se deste e disse-lhe em voz alta e em tom ameaçador: “puxaste a tua pistola. Espera aí que eu vou buscar a minha”.

22.Ao que começou também a correr em direcção à sua residência, fazendo os dois agentes acreditarem que ele iria regressar dentro de breves minutos, munido com pelo menos uma pistola.

23.Considerando os actos de violência acima descritos e levados a cabo pelos três arguidos, bem como o facto de se encontrarem em inferioridade numérica, os dois agentes da PSP não puderam correr atrás dos arguidos AA e BB, vendo-se assim impossibilitados de formalizar a detenção do arguido AA, transportando-o para o Posto da PSP, elaborando e assinando o expediente, bem como não puderam cumprir as diligências acima referidas (averiguando da existência de mandados e pedidos de notificação contra o arguido e, em caso de resultado positivo, cumpri-los).

24.Alguns minutos depois chegaram ao local mais agentes da PSP, sendo que nesse momento apenas já aí se encontrava a arguida CC, tendo os outros indivíduos fugido do local.

25.Em consequência directa e necessária do agarrão e do puxão que lhe foi desferido pelo arguido BB, o agente EE sofreu traumatismo do braço esquerdo, ficando com a seguinte lesão nesse membro superior esquerdo: equimose arroxeada no 1/3 médio na face anterior do braço com 6,5x4,5cm de extensão, bem como ferida com crosta com a 1m de extensão na mesma região.

26.Lesões que foram causa directa e necessária de 7 (sete) dias de doença, sendo um dia com afectação da capacidade de trabalho geral.

27.Ao actuarem da forma acima descrita, os três arguidos estavam cientes de que:- EE e DD eram agentes da PSP e se encontravam no exercício de funções;- EE e DD tinham acabado de comunicar ao arguido AA que estava detido, por este ter conduzido um veículo automóvel sem ser titular de carta de condução, bem como que teria que ser transportado ao Posto da PSP de ….

28.Ao actuarem da forma acima descrita, perpetrando os golpes acima descritos nos dois agentes e proferindo as palavras acima referidas, no tom de voz em que o fizeram, fazendo-se rodear de pelo menos mais três indivíduos, os arguidos AA, BB e CC actuaram sempre em comunhão de esforços e de vontades, com o propósito de, através dos actos que cada um deles levou, conseguirem impedir que: - Os agentes formalizassem a detenção de AA, transportando-o para o Posto da PSP e aí elaborando (e assinando) todo o expediente relacionado com essa detenção, comunicando posteriormente tais factos às autoridades judiciárias, que poderiam determinar a revogação da suspensão da execução das penas de prisão que tinham sido aplicadas ao arguido nos processos já acima identificados;- Os agentes da PSP pudessem pesquisar se existiam mandados de detenção pendentes contra o arguido e/ou pedidos de pendentes no âmbito de outros inquéritos e, em caso de resultado positivo, os pudessem cumprir.

29.O que os três arguidos tudo quiseram e tudo conseguiram fazer.

30.Ao proferir as palavras acima indicadas para o agente EE (referindo que ia buscar uma pistola), o arguido BB estava ciente de que proferia palavras que eram de molde a amedrontar EE, fazendo-o temer pela sua vida, o que o arguido quis e conseguiu.

31.Ao agarrar e puxar o agente EE da forma acima descrita, o arguido BB actuou com o propósito de molestar o corpo e a saúde do agente EE, o que o arguido quis e conseguiu.

32.Ao agarrar e puxar o agente DD da forma acima descrita, a arguida CC actuou com o propósito de molestar o corpo e a saúde do agente DD, o que a arguida quis e conseguiu.

33.Ao actuarem da forma acima descrita, os três arguidos também estavam cientes de que faltavam ao respeito e consideração devidas aos aludidos dois agentes de Polícia de Segurança Pública, que se tinham identificado nessa qualidade profissional e que eram legalmente obrigados a intervir na situação acima relatada, estando a praticar actos conexos com o exercício das suas funções, como os arguidos bem sabiam.

34.Os três arguidos actuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo cada um deles que a sua conduta era proibida e punível por lei.

35.No âmbito do processo n.º …, que correu termos no Juízo Local Criminal de …, o arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado a 14/05/2019, pela prática de 1 (um) crime de roubo, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

36.No âmbito do processo n.º …, que correu termos no Juízo Local Criminal de …, o arguido AA foi condenado, por sentença transitada em julgado a 01/10/2018, pela prática de 1 (um) crime de dois crimes de furto qualificado e um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

37.No âmbito do processo n.º …, que correu termos no Juízo Local Criminal de …, o arguido AA foi condenado, por sentença transitada Processo Comum (Tribunal Singular) em julgado a 01/10/2018, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano.

38.No âmbito do processo n.º …, que correu termos no Juízo Central Criminal de …, o arguido BB foi condenado, por Acórdão transitado em julgado no dia 21/02/2019, pela prática de 5 crimes de roubo (quatro na forma consumada e um na forma tentada), na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

38.AA encontra-se preso desde 19-07-2021 à ordem do Processo …, no qual tinha sido condenado na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na execução e subordinada a regime de prova. Para além desta condenação também terá de cumprir 12 meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, decisão imposta no Processo ….

39.O processo de desenvolvimento psicossocial de AA decorreu junto dos pais e irmãos na Cidade de ….

40.A sustentabilidade da família foi assegurada pelos pais em trabalhos agrícolas sazonais que conciliavam com a venda ambulante em diversas localidades da região de …, atividade que tiveram de abandonar devido ao facto de o pai não ser detentor de habilitação legal para a condução.

41.Tal situação teve forte impacto na economia familiar dada a inatividade dos pais, que passaram a beneficiar da prestação social do Rendimento Social de Inserção.

42.O arguido descreve um ambiente familiar afetivo.

43.O percurso escolar de AA ficou marcado pelo insucesso devido a dificuldades de aprendizagem, desmotivação e absentismo, tendo terminado a frequência escolar com 14/15 anos, sem concluir o ensino básico.

44.Posteriormente frequentou o ensino recorrente em horário noturno, do qual desistiu sem concluir o ensino básico, pelo que permanece iletrado.

45.Posteriormente, através do Instituo de Emprego e Formação Profissional iniciou um curso de jardinagem, do qual também desistiu devido às suas dificuldades de aprendizagem.

46.O arguido tinha 17 anos de idade quando iniciou a relação marital com a companheira, FF.

47.Desta união tem cinco descendestes: quatro meninos com idades compreendidas entre os 7 e os 2 anos de idade e uma menina nascida no passado mês de abril.

48.Ao nível laboral, embora o arguido estivesse inscrito no centro de emprego local, a sua iliteracia, a ausência de recursos internos e de hábitos de trabalho dificultaram a sua integração na vida ativa.

49.Deste modo, a sustentabilidade do agregado familiar tem sido assegurada com prestações sociais do Rendimento Social de Inserção e abono de família dos menores, assim como alguma ajuda por parte de familiares da companheira.

50.O primeiro contacto de AA com o Sistema da Justiça remonta a 2012, no âmbito de pena de multa de 60 dias à taxa diária de 5.00€

51.Depois desta condenação, AA foi alvo de novas condenações em penas de prisão, suspensas na sua execução e subordinadas a regime de prova, pela prática de crimes contra o património e condução sem habilitação legal.

52.Contudo, a prática reiterada de condução sem habilitação legal implicou a revogação da suspensão da execução da pena imposta no Processo ….

53.A análise efetuada ao percurso vivencial de AA remete para uma história criminal e diversificada na tipologia, decorrente da ausência de integração em atividades estruturadas e da baixa responsabilidade pessoal perante a intervenção da justiça, no sentido da motivação para não delinquir.

54.À data dos factos mencionados nos presentes autos, AA residia com a sua companheira e filhos numa casa abarracada, sem condições de habitabilidade, contígua à dos seus pais, situada no Bairro … na Cidade de …, habitado maioritariamente por famílias da cultura Cigana.

55.O arguido encontrava-se a desempregado, motivo pelo qual a subsistência era assegurada com as prestações sociais do Rendimento Social de Inserção (RSI) e abono de família dos menores.

56.A prestação social do RSI chegou a estar suspensa devido a incumprimentos resultantes das constantes mudanças de residência entre … e …, onde residem os familiares da companheira.

57.Na atualidade, a família constituída do arguido reside no Bairro … na mesma cidade e a sustentabilidade deste agregado continua a ser assegurada através do RSI no valor de 550.00€, acrescido de abono de família dos menores de 450.00€

58.No contexto familiar, apesar da existência de laços afetivos entre todos elementos da família de origem e uma dinâmica familiar caracterizada pela coesão e entreajuda, destacam-se familiares diretos, designadamente, os pais e irmãos com práticas criminais, o que remete para baixa modelagem positiva de comportamentos e ausência de ascendência pró-social.

59.AA não é referenciado pelo consumo de estupefacientes, embora em contexto de diversão, os dados disponíveis remetam para exceder-se na ingestão bebidas alcoólicas.

60.As suas características pessoais relacionadas com dificuldades em lidar com situações complexas potenciam uma tendência para agir de modo impulsivo e inconsequente.

61.Na abordagem do comportamento criminal AA adota uma atitude diferente perante os factos em que já foi condenado.

62.Assim, perante os crimes de condução sem habilitação legal alega situações urgentes para recorrer a tal prática, designadamente o transporte dos filhos a unidade de saúde, revelando tendência para agir de um modo desfavorável às convenções sociais.

63.Quanto aos crimes de natureza patrimonial remete para terceiros a responsabilidade pelas situações criadas, anulando-se como agente ativo na gestão dos seus comportamentos.

64.Em meio prisional, apesar de evidenciar um discurso rígido perante determinadas circunstâncias como por exemplo, a necessidade de iniciar a frequência escolar, manifesta uma atitude humilde para com todos intervenientes do regime penitenciário.

65.Ao nível familiar, AA tem vindo a beneficiar de visitas da sua companheira.

66.Quanto a perspetivas futuras, o arguido tenciona reintegrar o seu agregado familiar constituído, composto pela companheira e filhos.

67.Apesar do discurso desculpabilizante da companheira e da sua intenção para proporcionar-lhe apoio incondicional, aquela reconhece a necessidade dela própria encetar algumas mudanças, mormente, a de cumprir os pressupostos inerentes à atribuição do RSI.

68. AA denota dificuldades para identificar os bens jurídicos protegidos, assim como o impacto de condutas idênticas para possíveis vítimas e para a sociedade em geral.

69.Relativamente à atual situação jurídica, AA encontra-se num cumprimento sucessivo de duas penas de prisão. O 1/2 do somatório das penas está previsto para 18-11-2023, os 2/3 para 28-08-2024 e o termo para 18-03-2026.

70.No Processo …, AA foi condenado pela prática de um crime de roubo na pena 3 anos de prisão, suspensa na execução por igual período e subordinada a regime de prova, decisão que transitou em julgado 14-05-2019, pelo que o período de suspensão terminou a 14-05-2022.

71.O Plano de Reinserção Social (PRS) foi elaborado em fevereiro de 2020, quando ainda se encontrava em liberdade, homologado a 12-03-2020.

72.Na sequência da sua prisão procedeu-se a alterações relativamente aos objetivos do PRS a cumprir, designadamente a frequência escolar do EFB1 ou integrar o programa “Estrada Segura” direcionado para reclusos com condenação pela prática de crimes estradais.

73.Todavia, até ao final da medida probatória não aderiu a nenhuma destas atividades e ocupa o tempo em meio prisional com caminhadas e jogo de cartas com outros reclusos.

74.Não obstante a preocupação que o arguido tem manifestado para cumprir o quadro normativo a que está sujeito, a atitude de apatia que demonstra para aderir a atividades de valorização pessoal, indicia baixa motivação para empreender um processo de mudança atitudinal e comportamental.

75.Ao nível familiar, a presente situação jurídico-penitenciária e processual tem essencialmente impactos emocionais para sua companheira, que tem procurado conciliar a prestação de cuidados aos filhos com visitas regulares em meio prisional.

76.O processo de desenvolvimento de AA decorreu num contexto familiar em que vários elementos registam ligações com o Sistema da Justiça, o que dificultou a assimilação de valores sociojurídicos.

77.Por outro lado, as suas dificuldades de aprendizagem também inviabilizaram a sua integração em atividades estruturadas.

78.O arguido surge-nos como um indivíduo com necessidades de intervenção ao nível pessoal, remetendo o seu discurso e percurso prisional para a tendência para sobrepor interesses pessoais nos processos de tomada de decisão, em determinadas circunstâncias, alheando-se das convenções sociais estabelecidas.

79.Para além destas características pessoais, a sua iliteracia e a inexistência de rotinas laborais constituem-se como fatores, que a manterem-se, poderão comprometer seriamente o seu processo de reinserção social.

80.O arguido dispõe de suporte familiar proporcionado pela companheira. No entanto, este enquadramento familiar não se constituiu no passado como fator protetor no sentido pró-social.

81.BB encontra-se preso desde 22-07-2020 e foi afeto ao E.P….. a 07-08-2020, proveniente do E. P. de ….

82.O processo de desenvolvimento psicossocial de BB decorreu junto dos pais e irmãos na Cidade de ….

83.A sustentabilidade da família foi assegurada pelos pais em trabalhos agrícolas sazonais, que conciliavam com a venda ambulante em diversas localidades da região de …, atividade que abandonaram dado o pai não ser detentor de habilitação legal para conduzir.

84.Tal situação teve forte impacto na economia familiar, passando a beneficiar do Rendimento Social de Inserção.

85.O arguido descreve um ambiente familiar protetor e afetivo.

86.BB concluiu o 2.º ciclo do ensino básico.

87.Depois do abandono escolar passou a colaborar com familiares na venda ambulante de um modo irregular e não desempenhou outro tipo de tarefas, facto que inviabilizou a aquisição de hábitos de trabalho.

88.BB apresenta um percurso criminal caracterizado pela precocidade, reiteração e diversificação, com especial ênfase em delitos de natureza patrimonial.

89.Vivencia presentemente a primeira experiência de reclusão.

90.Foi anteriormente sujeito a intervenção de âmbito tutelar-educativo e também condenado numa pena de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, por factos cometidos aos 17 anos de idade, cumprida entre janeiro de 2014 e fevereiro de 2015, com sucesso e atitude colaborante.

91.BB iniciou aos 19 anos uma relação de namoro com GG, com quem casou segundo os costumes da cultura Cigana.

92.Desta união tem três filhas com idades compreendias entre 7 e os 2 anos.

93.BB tem para cumprir duas penas de prisão: a imposta no Processo … - 5 anos e 6 meses; e no processo … - 3 anos 6 meses. Apesar destes processos terem sido objeto de cúmulo jurídico realizado no último processo, que fixou a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, o arguido continua ligado ao primeiro processo, segundo informação transmitida pelos Serviços de Execução da Pena do E.P…..

94.À data dos factos mencionados nos presentes autos, BB residia com a companheira e as duas filhas do casal numa barraca de madeira contígua à dos seus pais, constituída por uma única divisão de pequenas dimensões, subdividida em quarto e cozinha/sala, com condições de habitabilidade insuficientes.

95.O meio de residência, com características urbanas, correspondia a um acampamento instalado na margem do Rio …, habitado por diversas famílias de cultura Cigana.

96.O mesmo é referenciado negativamente na comunidade devido, por um lado, à associação a práticas de marginalidade / delinquência e, por outro, a outras questões sociais e culturais associadas àquela comunidade.

97.A situação económica afigurava-se precária, decorrendo das fontes de receita do rendimento social de inserção (RSI) e do abono de família, no montante global aproximado de 280,00€, bem como de alguns proveitos variáveis resultantes da venda ambulante.

98.O agregado era ainda apoiado por familiares, bem como pelas instituições sociais locais aos níveis alimentar e de vestuário, o que permitia minorar as parcas condições de subsistência.

99.O arguido encontrava-se inscrito no centro de emprego, mas sem conseguir inserir-se no mercado de trabalho, dado o baixo perfil habilitações escolares e profissionais.

100. No meio vicinal era aceite, por ser referenciado como respeitador e afável, não se percecionando animosidade e/ou hostilização explícita à sua presença, embora com algumas reservas, tendo em conta as ligações ao Sistema da Justiça do próprio e de familiares.

101.BB ocupava os seus tempos livres em atividades pouco estruturadas, tais como jogar play station em casa ou frequentando cafés da área de residência, onde habitualmente jogava cartas ou snooker, ou convivia com os seus pares.

102.Ao nível pessoal, o arguido revela conhecimento das normas e valores de convivência social, capacidade de reconhecimento de algumas consequências dos seus atos, bem como alguma flexibilidade em equacionar perspetivas diferentes.

103.Ainda assim, da avaliação efetuada ao seu percurso vivencial e criminal sobressaem dificuldades de responsabilização, de autocontrolo e de pensamento consequencial e alternativo, com tendência para atuar de forma preponderantemente centrada nas suas necessidades e interesses, em detrimento do respeito pelos direitos de terceiros ou das regras que regem a vida em sociedade.

104.A sua capacidade de resolução de problemas tem vindo a ser influenciada, quer por crenças de exclusão decorrentes do sentimento de pertença a uma minoria étnica quer por alguma permeabilidade a influências e pressões externas negativas, provindas de um contexto familiar e social que, desde precocemente, se revelou banalizador e legitimador de determinados comportamentos desviantes.

105.Atualmente, ao nível familiar assinala-se a circunstância de o casal ter tido, entretanto, mais uma filha, nascida 3 meses antes da prisão do arguido.

106.As duas filhas mais velhas encontram-se integradas em estruturas escolares / educativas.

107.No decurso de 2021 o agregado constituído do arguido foi realojado numa habitação social de tipologia T3, implantada num bairro social da Cidade de …, descrita como proporcionadora de boas condições de habitabilidade cuja renda mensal é de 5.80€.

108.Na proximidade reside o agregado familiar do irmão, AA.

109.Também os pais do arguido já haviam encetado uma alteração habitacional, residindo atualmente em ….

110.Em termos económicos continua a ser referida uma situação precária, mantendo-se a família dependente do RSI e dos abonos das menores, embora em moldes (…) avaliados como mais ajustados à satisfação das necessidades básicas, auferindo o montante global de 1.000,00€.

111.A reinserção social de BB mantém-se projetada em função da reintegração no agregado constituído que, tal como a família alargada, se tem mostrado solidário e apoiante, sendo esse suporte concretizado em visitas frequentes em meio prisional, em contactos telefónicos e no apoio económico que lhe prestam.

112.Ao nível laboral inexistem projetos concretos imediatos, vislumbrando o próprio a expectativa de adquirir conhecimentos e aptidões em meio prisional, que lhe facilitem a futura empregabilidade.

113.A disponibilidade da família para apoiar a reinserção social do próprio constitui um aspeto positivo a considerar, embora não deixe de assinalar-se a incapacidade anteriormente revelada para contrariar os fatores desviantes do arguido, bem como os comportamentos que determinaram o respetivo envolvimento com o Sistema da Justiça Penal.

114.Estes aspetos remetem para baixa ascendência sobre o seu comportamento e tomadas de decisão. Salienta-se, exemplificativamente, o envolvimento de diversos familiares pai, irmão com o Sistema da Justiça, assim como com o regime penitenciário.

115.BB denota dificuldades para identificar os bens jurídicos protegidos e, consequentemente, para ponderar o impacto de condutas idênticas em possíveis vítimas e na sociedade em geral.

116.Na atualidade verbaliza arrependimento face às práticas criminais pelas quais foi condenado, cuja censurabilidade social e impacto para os lesados reconhece.

117.Ainda assim, apresenta perante as mesmas uma atitude tendencialmente desculpabilizante pela irreverência própria da idade e vontade de afirmação social perante as responsabilidades familiares então assumidas, denotando alguns défices de reflexão crítica quanto aos impactos para as vítimas e para a sociedade em geral.

118.Tal, remete ainda para uma maior necessidade de interiorização do dano e de desenvolver competências de avaliação consequencial.

119.Em meio prisional tem evidenciado capacidades de adequação comportamental, não registando, até ao momento, qualquer anomalia disciplinar.

120.Os testes de despistagem ao consumo de estupefacientes a que tem sido sujeito têm revelado resultados negativos para todas as substâncias.

121.A par da preocupação para cumprir o quadro normativo a que está sujeito, também apresenta motivação para rentabilizar construtivamente o período de reclusão.

122.No momento frequenta curso de dupla de certificação na área de mecânica auto com equivalência ao 9.º ano de escolaridade e tenciona prosseguir a frequência escolar.

123.Ainda não iniciou o processo de reaproximação ao meio livre através de medidas de flexibilização da pena.

124.No percurso existencial de BB salienta-se o processo de socialização inserido num contexto familiar gratificante ao nível afetivo, mas frágil em termos de contenção, supervisão e transmissão de normas e valores socialmente aceites, percecionando-se, no mesmo, alguma banalização de comportamentos desviantes.

125.O arguido revelou a nível escolar um percurso incipiente e pouco investido, do qual desistiu precocemente, após a conclusão do 2.º ciclo do ensino básico.

126.Posteriormente manteve um contexto vivencial maioritariamente pautado pela ausência de atividades estruturadas, de tipo escolar / formativo ou laboral.

127.Neste quadro de pertença adotou um estilo de vida tendencialmente desfavorável às convenções.

128.Envolveu-se precocemente com o Sistema da Justiça Juvenil e, na maioridade legal, com o Sistema da Justiça Penal, ocorrências que não parecem ter contribuído para alterações comportamentais consistentes, apesar do ajustamento comportamental que evidenciou ao longo da execução das reações judiciais a que foi anteriormente sujeito.

129.Nos últimos anos de vivência em liberdade, entre a prática dos factos por que está condenado e a reclusão, é referido o desenvolvimento de competências pessoais, especialmente em matérias de responsabilização e de adequação comportamental à desejabilidade social, contextualizadas na maturação emocional e na interiorização de responsabilidades familiares.

130.Concomitantemente, é referido um maior investimento a nível laboral como vendedor ambulante, embora num registo avaliado como pouco rentável economicamente, continuando o seu agregado a subsistir essencialmente de apoios sociais.

131.A privação da liberdade aparenta constituir-se enquanto experiência penalizadora e potenciadora de mudanças comportamentais.

132.Para além de estar a promover introspeção quanto às suas características pessoais e às consequências das suas condutas desviantes, assinalam-se, no decurso da mesma, capacidades de ajustamento comportamental, bem como interesses de valorização pessoal pela via escolar.

133.Tal, associado às perspetivas de suporte familiar que mantém, apesar de as mesmas se afigurarem pouco supervisoras do seu comportamento, constituem aspetos que poderão promover mudanças em sentido mais ajustado.

134.Enquanto necessidades de intervenção subsistentes, assinala-se a necessidade de evolução da interiorização da gravidade e consequências da sua conduta criminal, bem como da sua formação escolar e/ou profissional e desenvolvimento de hábitos e rotinas laborais.

135.CC é natural de …, sendo a mais velha de uma fratria de 9 filhos, de um casal da comunidade cigana que se dedicava a atividades rurais por conta de outrem e nos meses em que não havia trabalho nessa área, dedicavam-se à atividade de feirante avaliando as suas condições económicas como passíveis de satisfazer suficientemente as necessidades básicas dos vários elementos constitutivos do agregado, tendo-se assim desenvolvido no seio de uma família funcional, normativa, protetora e afetiva.

136.Não frequentou a escolaridade, é analfabeta, por ser a mais velha e ter ficado com a incumbência de cuidar dos irmãos e das tarefas domésticas.

137.Aos 14 anos de idade foi viver maritalmente / união de facto com o atual companheiro e pai dos seus filhos para a localidade de … (…/…), onde viviam os sogros.

138.Iniciou atividade profissional no campo tal como a família do cônjuge e em simultâneo a vender roupa de cama em localidades vizinhas.

139.Posteriormente foi residir para … e para …, onde viveu até há cerca de um ano e meio, altura em que veiro residir para ….

140.O casal tem sete filhos.

141. CC reside numa casa “tipo barracão” que apresenta deficientes condições de habitabilidade, localizada numa zona da cidade conotada negativamente, onde se verificam problemática sociais e criminais e onde residem elementos da mesma família.

142.De acordo com a técnica do RSI, o agregado ainda não reúne os critérios para lhe ser concedida habitação social, uma vez que ainda não reside neste concelho há pelo menos dois anos.

143.O agregado familiar na atualidade é constituído pela arguida, pelo marido, … anos e pelos netos menores de idade (entre os dois e dezasseis anos), filhos de uma filha que está reclusa.

144.O companheiro apresenta alguns problemas de saúde, necessitando de apoio. É descrita uma relação intrafamiliar coesa e de apoio mútuo. verificando-se afetividade e sentimentos de pertença.

145.A nível económico, são referidas algumas limitações. O agregado beneficia do RSI e das prestações familiares, num montante aproximado a setecentos e cinquenta euros.

146.Não foram identificadas despesas fixas relevantes.

147.No meio, na cidade de …, a arguida é associada ao bairro onde vive. Não obstante não se observam sentimentos explícitos de hostilidade para com ela.

148.O seu quotidiano é passado em casa dedicando-se às tarefas domésticas e educacionais.

149.Não frequenta nenhuma atividade ocupacional estruturada/ou laboral.

150.Já regista condenações, cujas medidas foram supervisionadas pela DGRSP tendo a mesma colaborado na sua execução.

Quanto aos factos não provados, considerou inexistirem.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

Para a formação da convicção do Tribunal no tocante aos factos praticados pelo arguido foi determinante a conjugação e análise crítica de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, designadamente, testemunhal e documental, tendo os arguidos optado por exercer o seu legítimo direito ao silêncio com excepção do arguido AA, no que concerne apenas ao crime de condução sem habilitação legal, que confessou integralmente e sem reservas, negando-se a prestar declarações sobre os outros factos.

DD chefe PSP …, referiu que em Junho de 2019 estava ao serviço num carro descaracterizado (à civil mas foram reconhecidos, pois são conhecidos dos arguidos) com EE e aperceberam-se da viatura conduzida pelo arguido a ziguezaguear na Estrada, entretanto estacionou e reconheceram o arguido, pediram lhe os documentos (mesmo os documentos de identificação o arguido negou) e começou a gritar, com os braços no ar, dizendo que os agentes sabiam que ele não tinha carta, isto segundo o Chefe da PSP, para chamar a atenção dos familiares, que logo se aproximaram, (minutos depois, a testemunha refere que lhe pareceram 2m) e foi-lhe dada voz de detenção, sendo que, quando chegaram os familiares, os agentes já estavam a agarrar o arguido, estando este aos empurrões.

Chegaram, entretanto, os familiares e a arguida puxou-lhe pela camisola e agarrou-lhe os braços, procurando afastá-lo do filho AA.

O outro arguido BB agarrou-o outro agente da PSP, EE, pelo braço e puxou-o deixando com hematoma no braço, note-se que há prova pericial da lesão, nada tendo feito este arguido ao Chefe. O AA desferiu um pontapé, tentando acertar no EE, mas ele desviou-se, entretanto, EE puxou a arma e apontou para o chão (o Chefe da PSP teve a preocupação de agarrar a sua arma pois estava rodeado de pessoas e sentiu receio pela sua integridade física) e o arguido AA fugiu para a barraca.

O BB começou a dizer que já que o EE tinha puxado da arma, também iria buscar a sua e saiu do local. A arguida depois foi conduzida à esquadra.

A testemunha EE descreveu os factos em consonância com as declarações da testemunha anterior, em total consonância com tal relato, corroborando que os factos ocorreram em conformidade com os factos descritos na acusação. Precisou que, quando estavam a proceder à detenção do arguido AA, em simultâneo, a arguida agarrou o Chefe, enquanto o arguido BB agarrou o braço a esta testemunha, tentando evitar a detenção (do arguido AA) o que lhe provocou um hematoma no braço, seguido da tentativa do arguido AA o atingir com um pontapé. Descreveu o que sucedeu de seguida, tendo retirado a arma e a ameaça, perpetrada pelo arguido BB, de que também iria buscar uma arma, precisou também que conheciam os arguidos e que estes bem sabiam que eram agentes da PSP sendo que o Chefe identificou-se, inicialmente, ao arguido AA. A situação terminou, com a condução da arguida à esquadra.

Da conjugação de todos os elementos probatórios, mormente, dos depoimentos consistentes e credíveis dos agentes da PSP resultam inequivocamente provados os factos constantes da acusação porquanto, não há margem para qualquer dúvida razoável quanto ao seu cometimento, face à isenção e coerência dos depoimentos ora valorados.

Apreciemos.

Enquadramento jurídico-penal da conduta dos recorrentes

O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença sob recurso.

No entender dos recorrentes, os factos que se mostram provados não integram a prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário por que foram condenados, com fundamento em que é inerente ao exercício das suas funções que aqueles agentes (policiais, entenda-se) se encontrem habilitados para assegurar a detenção de cidadãos que, perante a iminência ou a execução da detenção, tenham manifestações moderadas de resistência e hostilidade, tal como verificado no caso presente.

Estabelece-se no artigo 347º, do Código Penal:

“1 - Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido (…)”.

O bem jurídico protegido por esta norma é a autonomia intencional do Estado, ainda que tenha reflexamente repercussões ao nível da protecção do funcionário – neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo III (2001), pág. 339 – ou, no dizer de Lopes da Mota, Crimes Contra a Autoridade Pública, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, 1998, Centro de Estudos Judiciários, vol. II, pág. 421, “incrimina-se uma actividade dirigida ao agente de autoridade, traduzida numa atitude de oposição à execução de um acto ou numa atitude de constrangimento para a prática de um acto de poder público, mediante actos de coacção física (uso da força física) ou psíquica (ameaça de acto material e violento com o fim de impedir o agente de autoridade de exercer as suas funções) perturbadores da segurança e tranquilidade ou mediante a exteriorização de uma vontade de fazer nascer um mal sério, geralmente imediato, de natureza a influenciar a acção legal do agente da autoridade”.

E, ainda, segundo o entendimento da referida autora, trata-se de um crime de perigo, pelo que se não mostra necessário para o seu preenchimento a efectiva lesão do bem jurídico que lhe está subjacente, mas apenas a possibilidade ou a probabilidade da correspondente conduta típica vir a afectar os interesses protegidos – cfr. Acs. R. do Porto de 22/02/2006, Proc. nº 0515856 e 26/11/2008, Proc. nº 0815669; Acs. R. de Coimbra de 08/09/2010, Proc. nº 9/09.9GBCNT.C1, 12/01/2011, Proc. nº 397/08.4JAAVR.C1 e 08/05/2013, Proc. nº 509/10.8TAVNO.C1; Ac. R. de Évora de 18/02/2014, Proc. nº 538/12.7PCSTB.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Ou seja, a consumação do crime exige apenas a prática da acção coactora adequada a anular ou comprimir a capacidade de actuação do funcionário ou afim, sendo que o conceito de violência enunciado no tipo legal de crime abrange as modalidades de ameaça grave e ofensa à integridade física (não tendo esta de ser grave).

“Verifica-se a ameaça grave sempre que a ação afete a segurança e a tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado pretendido. Por outro lado, a violência a que se alude no corpo do artigo 347º nº 1 do CP não tem que consistir numa agressão física, bastando a simples hostilidade idónea a coagir, impedir ou dificultar a atuação legítima do funcionário”, sendo que a “violência” deve surgir como pré-ordenada e idónea a coagir, a impedir ou dificultar a actuação legítima do funcionário ou equiparado, devendo a adequação do meio ser aferida por um critério objectivo, tendo sempre em conta as específicas circunstâncias de cada caso, como se elucida no Ac. R. de Évora de 16/12/2021, Proc. nº 47/21.3GAFFZ.E1, consultável em dgsi.pt.

Ora, integra o conceito de “violência” agarrar os agentes da PSP pela camisola, de seguida agarrar-lhes os braços e puxá-los com tal energia que os fizeram deslocar-se da respectiva posição, bem como o desferir de um pontapé visando atingir o corpo de um deles.

E, o de “ameaça grave” a actuação do arguido BB que, ao visualizar o agente da PSP EE empunhar a arma de fogo que lhe estava distribuída, se afasta dirigindo-lhe, em tom sério, as palavras: “puxaste pela tua pistola, espera aí que eu vou buscar a minha”, encaminhando-se, de seguida e em passo de corrida, para a sua residência, o que, de acordo com as regras da experiência comum, não podia deixar de significar dar a conhecer (independentemente de a esta comunicação corresponder ou não a realidade) que era possuidor de uma arma de fogo e pretendia utilizá-la contra os agentes da PSP.

Assim, tais acções, atento as circunstâncias em que foram praticadas, estando os recorrentes acompanhados pela arguida e por outros, pelo menos três, indivíduos (ao todo seriam, no mínimo, seis pessoas), mostram-se idóneas a atingir, de facto, os seu destinatários (dois agentes da PSP, que estavam perfeitamente identificados), ou seja, a impedi-los de concretizar a actividade visada de detenção de AA, que era o desiderato dos arguidos e acompanhantes, sendo por isso aptas à perturbação da prática desse acto relativo ao exercício da sua função, como aliás veio a acontecer, pois os recorrentes ausentaram-se do local.

Mesmo admitindo as especiais qualidades dos agentes de autoridade intervenientes na ocorrência, no que tange à capacidade de cada um deles suportar/gerir pressões e determinadas situações de confronto, próprias do exercício da sua profissão, como assinalam os arguidos, vero é que o número de oponentes, considerada a desproporção, as neutralizavam.

Dúvidas não restam, pois, que os recorrentes utilizaram violência/ameaça grave sobre membros de uma força de segurança, a fim de os impedir de exercer as suas funções, sendo certo que não constitui sequer elemento típico do crime que estes se tenham efectivamente sentido atemorizados com a situação.

Assim, com esta sua actuação, os arguidos colocaram em causa a autoridade do Estado, concretizada na acção policial e agiram de forma livre, deliberada e consciente, com conhecimento que a conduta era proibida por lei.

Mostram-se, pois, atenta a factualidade que provada se encontra, preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos (pois agiram dolosamente) do tipo de crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo nº 1, do artigo 347º, do Código Penal, por que foram condenados, improcedendo o recurso nesta parte.

Nulidade da sentença por não ponderação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação/verificação dos pressupostos de aplicação do regime

Sustentam ainda os arguidos que a sentença revidenda enferma de nulidade, em seu entender a enunciada no artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP, por se não ter ponderado a aplicação do regime de permanência na habitação.

Há omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença quando, nos termos da disposição legal referida, “(…) o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”, sendo que, “omitir pronúncia sobre determinada questão é, simplesmente, nada dizer sobre a mesma, não tomar sobre essa concreta questão, substantiva ou processual, qualquer posição, expressa ou implícita, mas claramente entendível, a não ser que resulte claramente prejudicada pela decisão de outras, como cabalmente elucida o Ac. do STJ de 16/02/2022, Proc. nº 333/14.9TELSB.L1-A.S1, consultável no referenciado sítio.

Consagra-se no artigo 43º, do Código Penal:

“1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º (…)”.

A propósito da aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, elucida-se na sentença sob crítica:

Já os dois arguidos não podem beneficiar da suspensão por se encontrarem a cumprir pena de prisão efectiva, sendo que, neste contexto, a suspensão redundaria, na prática, numa autêntica ausência de pena, gerando sentimentos de impunidade. Ademais, uma vez que estão a cumprir pena de prisão efectiva, obviamente a ameaça de pena revela-se manifestamente insuficiente para demover os arguidos da prática de ilícitos. Ora, pese embora esta fundamentação seja bem parca, mesmo no limite da sua suficiência, ainda assim resulta, implicitamente, que a adequação e suficiência do cumprimento da pena no regime de permanência na habitação foram equacionadas pelo tribunal a quo, sendo claro da decisão recorrida que se impõe o cumprimento pelos arguidos da respectiva pena em meio prisional, por estarem já a cumprir pena de prisão efectiva, pelo que o seu afastamento se mostra justificado.

Não padece, assim, a sentença da assinalada nulidade por omissão de pronúncia.

Verificação dos pressupostos de aplicação do regime de permanência na habitação

Mas, entendem ainda os arguidos que estão verificados os pressupostos de aplicação do referido regime.

A pena de prisão em que cada um dos arguidos foi condenado (18 meses e 14 meses, respectivamente) preenche o pressuposto formal.

Mas, necessário ainda se torna que o tribunal conclua que, por via desse regime, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

Pois bem.

O arguido AA sofreu já as seguintes condenações:

Por sentença transitada em julgado aos 01/10/2018, pela prática de dois crimes de furto qualificado e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

Por sentença transitada em julgado a 01/10/2018, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.

Por acórdão transitado em julgado aos 21/02/2019, pela prática de cinco crimes de roubo na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Por sentença transitada em julgado aos 14/05/2019, pela prática de um crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

Encontra-se em cumprimento de penas sucessivas.

O arguido BB está sob reclusão desde 22/07/2020, tendo para cumprimento sucessivo as penas de 5 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 6 meses de prisão.

Atendendo às elevadas necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir, decorrentes das condenações sofridas pelos arguidos e das penas aplicadas em tais condenações, as quais, como é evidente, se revelaram insuficientes para os ressocializar, aliadas à ausência de hábitos regulares de trabalho, entendemos que o cumprimento da pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação nos termos do artigo 43º, do Código Penal, não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, que são a defesa da sociedade e prevenção da prática de crimes, devendo orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, no dizer do artigo 42º, do mesmo Código ou, de acordo com o artigo 2º, nº 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12/10, a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade.

Em face do exposto, não se mostra adequada a opção pela aplicação do regime de permanência na habitação aos arguidos/recorrentes.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA e BB e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC, para cada um deles.

Évora, 14 de Março de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).

________________________________________

(Artur Vargues)

_______________________________________

(Nuno Garcia)

_______________________________________

(António Condesso