Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
116/13.3TBENT-A.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: ISENÇÃO DE CUSTAS
ESPECIAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (art.º 6.º, n.º 7, RCJ).
Decisão Texto Integral: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

Proc. n.º 116/13.3TBENT-A.E1 - 2.ª secção

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Nos presentes autos de processo especial de revitalização em que são devedores (…) e marido (…) foi apresentado plano de recuperação tendo-se decidido em 1.ª Instância recusar a homologação do plano de recuperação apresentado.

Interposto recurso para esta relação veio o mesmo a ser julgado procedente tendo sido homologado o plano de recuperação conducente à revitalização dos recorrentes.

Vieram os devedores reclamar da conta elaborada nos autos invocando que beneficiam da isenção do art. 4º/1-u do RCP e estão reunidos os pressupostos para que houvesse lugar à dispensa do pagamento da taxa de justiça ou remanescente, ou uma redução significativa da mesma, ao abrigo do art. 6º/7 do RCP.

A reclamação foi julgada totalmente improcedente.

Inconformados recorreram os devedores tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto de despacho referente à reclamação de custas deduzida pelos Devedores, proferido em 30-01-2017, nos autos de Processo Especial de Revitalização que correram termos sob o n.º 116/13.3TBENT no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Comércio de Santarém – Juiz 2, já após o trânsito em julgado da sentença e a apresentação por parte dos Devedores de reclamação de conta de custas.

2. No requerimento de reclamação da conta de custas, os Devedores requereram a final a isenção do pagamento de taxa remanescente, isenção de custas, ou, caso assim não se entendesse, a redução significativamente do montante cobrado a título de taxa de justiça remanescente.

3. O Tribunal a quo no despacho recorrido não se pronunciou sobre um dos pedidos apresentados pela Ré – a redução significativa do montante cobrado a título de justiça remanescente

4. De acordo com o n.º 2 do artigo 608º do CPC, impunha-se ao Juiz do Tribunal a quo resolver todas as questões que os Devedores submeteram à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão se encontrasse prejudicada pela solução dada a outras.

5. Uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido formulado pelos Devedores, estamos perante uma omissão de pronúncia geradora de nulidade do despacho recorrido, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, ex vi do n.º 3 do artigo 613º, ambos do CPC, nulidade que de acordo com o n.º 4 do artigo 615º do CPC, é fundamento de recurso.

6. Ao não decidir tal questão, o Tribunal a quo violou a lei, designadamente o n.º 2 do artigo 608º do CPC, ferindo, assim, de nulidade o despacho proferido.

7. No que concerne à isenção de custas, o Tribunal a quo interpretou de forma incorrecta a alínea u) do n.º 1 do artigo 4º do RCP.

8. Os devedores desenvolvem a sua actividade com a estrutura de uma qualquer sociedade comercial, razão pela qual, não obstante a isenção se dirigir a pessoas colectivas, deverá ser interpretada de forma extensiva.

9. O que sucede até pelo facto de as sociedades comerciais gozarem de meios que os empresários não dispõem, não fazendo assim sentido serem apenas estas a gozarem de tal isenção.

10. Tal isenção também deverá ser aplicável durante o cumprimento do plano, durante a revitalização.

11. Por não terem conseguido a almejada recuperação económica no âmbito dos presentes autos, os devedores lançaram mão no final do mês de Novembro de 2016 de novo processo especial de revitalização - Processo 2990/16.2T8STR, a correr termos na Comarca de Santarém – Instância Central – Secção de Comércio – J1.

12. Sendo o objectivo do processo especial de revitalização a recuperação e manutenção dos devedores no giro comercial, o mesmo contrasta de forma gritante com o valor de custas exigido aos devedores nos presentes autos.

13. No que concerne à dispensa do pagamento da taxa de justiça, o Tribunal a quo justificou complexidade dos autos por serem compostos de 3 volumes e por ter existido impugnação da lista provisória, recurso da sentença não homologatória e reforma do acórdão do TRE, havendo 2º acórdão.

14. Relativamente à impugnação da lista provisória, em causa estiveram em causa dois créditos que não constavam da lista inicial e um crédito a rectificar, não se tendo os devedores oposto à mesma e sido a mesma decidida em despacho de 3 páginas.

15. Em relação à sentença e respectivo recurso, a única questão que se colocou foi o facto de o plano prever uma dilação de início de pagamento e regime de pagamento em prestações à Autoridade Tributária e Segurança Social desconforme com as leis tributárias e ter tido voto contra da Autoridade Tributária e não ter contado com expressa anuência da Segurança Social.

16. É hoje entendimento dominante da jurisprudência que um plano em tais condições não deve ser objecto de recusa de homologação, mas de mera ineficácia relativamente à Autoridade Tributária e Segurança Social.

17. Em sede de recurso, os devedores alegaram conforme supra exposto, juntando ainda documentação comprovativa de situação regularizada junto de Fazenda Pública e Segurança Social.

18. A única questão que se suscitou no requerimento de reforma do Acórdão foi o alertar para a documentação que havia sido junta, tendo no segundo Acórdão da Relação de Évora sido dada razão aos Devedores.

19. A dimensão dos autos explica-se pelo facto de ser exigível inicialmente vasta documentação contabilística, dos vários pedidos de certidão dos cerca de 30 credores e do facto de qualquer notificação ser remetida aos mesmos.

20. Não existe qualquer complexidade que dispense ou permita reduzir o pagamento do remanescente da taxa.

21. Não estão reunidos os requisitos do n.º 7 do artigo 530º do CPC no que concerne a especial complexidade de acções.

22. A dimensão dos autos e o conteúdo dos requerimentos, despachos e acórdãos constantes dos mesmos é manifestamente desproporcional ao serviço de administração judicial prestado, que se traduziu no valor total de custas de € 16.745,00.

23. Mesmo que a acção tivesse valor inferior ao estabelecido pelo Meritíssimo Juiz de Direito, a única diferença seria a diferença de valores de taxa de justiça, não se traduzindo tal diferença num labor do Tribunal mais intenso ou prolongado.

24. Face ao desequilíbrio entre o que as partes peticionaram e o que foi prestado pelo sistema de justiça, o Juiz de Direito deveria ter dispensado os devedores do pagamento da taxa de justiça remanescente ou reduzir substancialmente o seu valor.

25. Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou o n.º 7º do artigo 6º do RCP, o n.º 7 do artigo 530º do CPC, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2º e o direito de acesso à justiça previsto no artigo 20º da CRP.

Não se mostram juntas contra-alegações.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – art.º 639.º, CPC.

Invocam os recorrentes a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia porquanto o tribunal recorrido apenas apreciou a pretendida isenção de custas e dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, julgando tais pretensões improcedentes, mas não apreciou a pretensão subsidiária dos ora recorrentes de obter a redução significativa da taxa remanescente.

Discute-se ainda a questão de saber se os recorrentes beneficiam da isenção do art. 4º/1-u do RCP e ainda, subsidiariamente se estão reunidos os pressupostos para que houvesse lugar à dispensa do pagamento da taxa de justiça ou remanescente.

É nula a decisão judicial quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art.º 615.º, n.º 1, alínea d), CPC.

Devendo o Juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade.

Verifica-se que os ora recorrentes formularam três pretensões numa relação de subsidiariedade. Isto é, pugnaram pela isenção de custas, no caso de improcedência, pela dispensa de pagamento da taxa remanescente e em último caso pela redução da mesma taxa.

O tribunal recorrido tendo julgado improcedentes, quer o pedido de isenção de custas, quer a verificação dos pressupostos para que houvesse lugar à dispensa do pagamento da taxa de justiça ou remanescente, não se pronunciou acerca da pretendida redução.

Cumpre agora fazê-lo depois de apreciar os dois primeiros pedidos.

Estão isentos de custas «u) As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho. (art.º 4.º, n.º 1, alínea a), RCJ).

Como refere a decisão recorrida, sendo os devedores pessoas singulares, não se vislumbra a que título pretendem que lhes seja aplicável esta isenção, direcionada a pessoas colectivas. Os próprios recorrentes parece terem mudado de entendimento pois que pagaram taxa de justiça aquando da instauração do PER.

Sufragamos inteiramente a argumentação expendida na decisão recorrida nos termos da qual, «mesmo se os insolventes fossem pessoa colectiva, os vertentes autos são de PER, e não de insolvência, pelo que, homologado o plano de revitalização, a devedora tomar-se-ia responsável pelo pagamento das custas, ao abrigo do n.º 4 do art. 4° do RCP (4 – No caso previsto na alínea u) do n.º 1, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, em todas as acções no âmbito das quais haja beneficiado da isenção, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença.), uma vez que a sentença homologatória do plano implica um juízo de viabilização económica da empresa, ou seja, a assunção da sua situação de solvência.

Os ora recorrentes atribuíram à acção o valor de 5.000,01 Euros, tendo liquidado taxa de justiça inicial com referência a esse valor.

Foi proferido despacho já transitado que fixou à acção o valor de € 2.360.243,87 por ser este o valor dos activos dos recorrentes (art.º 15.º, CIRE).

O montante da taxa agora em causa resulta pois do valor da acção e da desconformidade da liquidação inicial calculada com base no valor de € 5.000,01.

Os recorrentes parece sustentarem a tese segundo a qual o valor do remanescente da taxa de justiça agora em causa só teria fundamento se a causa tivesse sido complexa.

Ora, não é esta a previsão da lei.

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. (art.º 6.º, n.º 7, RCJ).

Ou seja, nas acções superiores a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, de acordo com as regras gerais de fixação do valor da causa e regras do RCJ a menos que, para além do mais, a causa não seja complexa.

No caso dos autos houve impugnação da lista provisória, recurso da sentença não homologatória e reforma do acórdão do TRE, dando assim lugar a um 2° acórdão.

Concordamos com a argumentação segundo a qual os presentes autos não revelaram uma especial complexidade, nem material, nem jurídica. O que não se nos afigura é que a causa se tenha tramitado de acordo com um rito processual menos complexo do que aquele tipicamente previsto ou que as questões jurídicas postas à consideração do Tribunal tivessem uma dificuldade de apreciação inferior àquela que normalmente se coloca neste tipo de acções.

Não se pode também deixar de considerar a atitude processual dos recorrentes, que atribuíram à acção o valor de cinco mil e um euros, por ser esse, em seu entendimento, o valor dos activos, mas já em sede de fundamento do pedido de revitalização e para que o mesmo procedesse invocam activos de valor considerável.

O que acima se deixou aplica-se, in casu até à pretendida redução do remanescente da taxa de justiça. Se é certo que a norma do art.º 6.º, n.º 7, RCJ deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000,00, consoante o resultado da ponderação da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processo e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e igualdade, o pressuposto é sempre o de que a causa se revele menos complexa do que o formalismo típico desenhado na lei para determinado tipo de acções ou que a actividade instrutória ou decisória do Tribunal tenha revestido essa mesma menos complexidade. O que não se verificou no caso dos autos.

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente em consequência confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes.

Évora, 08/06/2107

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Francisco Matos