Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
386/09.1TASLV.E2
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - O art. 410.º nº2 c) do CPP contempla os casos de erro manifesto, evidente, notório, para quem tem que decidir, ou seja, o tribunal de recurso, a partir do texto decisão recorrida, máxime da respetiva fundamentação, conjugado com as regras da experiência comum, sem que se justifique o apelo ao critério do homem médio.

II - Apesar de o exame à letra não ter concluído ser o arguido o autor das assinaturas apostas nos talões de depósito em causa, ou sequer muito provável que assim seja, não se mostra minimamente infirmada a fundamentação e conclusão do tribunal a relativamente à autoria das assinaturas controvertidas, com base no conjunto da prova relevante sobre factos indiretos ou circunstanciais.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO
A.
1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correram termos na secção de competência genérica (J2) da Instância Local de Silves da Comarca de Faro, o MP acusou A., casado, gestor, natural da freguesia e concelho de Palmela, nascido em 27.06.1977, residente em Lagos, a quem imputara factos suscetíveis de integrarem a prática, como autor material, de um crime de falsificação de documentos, na forma continuada, p. e p. pelos arts 256º nº 1 alíneas b) e c) e 30°,2 do C.Penal.

2. Por requerimento de fls. 876 a 878, o BANCO X deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 37 500 euros a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes do crime, acrescida de juros de mora vencidos de 7 668 euros.

3. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal singular decidiu:

- Condenar o arguido como autor material de um crime de falsificação de documentos, pelo menos na modalidade de uso de documento falsificado, p. e p. pelo art. 256° n° 1 alíneas c), d) e e) do C. Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia de € 2.000,00 [dois mil euros);

- Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo BANCO X, procedente, por provado e, em consequência, condenar o demandado no pagamento ao demandante da quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa legal desde a notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização;

4. – Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença condenatória, que foi julgado procedente por acórdão desta Relação de 13.09.2016, que determinou o reenvio do processo para novo julgamento pelo tribunal a que se reporta o art. 426º-A do CPP, relativamente aos pontos 4. a 15. da factualidade originariamente provada, com a consequente prolação de nova decisão absolutória ou condenatória, com fundamento na ocorrência do vício de Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão previsto na al. b) do nº2 do art. 410º do CPP.

B.
5. Reenviado o processo e realizado novo julgamento parcial da causa, o tribunal a quo proferiu nova sentença, que condenou o arguido:

- Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 256.° n. 1 alínea c) e e) e 30.° n. 2 do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €8.00 (oito euros), o que perfaz a quantia de €2.000 (dois mil euros);

- A pagar ao Demandante a quantia de €37.500, a título de danos patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a notificação do Demandado para contestar o pedido de indemnização civil.

6. Novamente inconformado, o arguido interpôs recurso desta nova sentença, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

«III – CONCLUSÕES

1 - Vem o presente recurso interposto da sentença de fls … que condenou o arguido pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º n.º1 alínea c) e e) e 30.º n.º2 do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €8.00 (oito euros), bem como nas custas do processo, do pedido de indemnização civil e a pagar ao Demandante a quantia de €37.500, a título de danos patrimoniais

2 - Entende o ora Recorrente, que face à factualidade decorrente de todos os meios de prova carreados para os autos, a decisão em causa não faz uma correcta interpretação dos factos, manifestando erro notório na apreciação da prova.

3 – Considerou o Tribunal a quo como factos provados os elencados de 1 a 26 da sentença condenatória.

4 – Deveriam ter sido considerados provados apenas os factos 1, 2, 3, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 26.

5 – Todos os factos que deveriam ter sido considerados não provados resultam, ou são consequência, do facto provado n.º 5, segundo o qual “Para o efeito, o Arguido, em data não concretamente apurada, apôs nos talões referidos em 4. e 7. os dizeres “JFV” ou “JV” de forma a imitar a assinatura do representante legal da sociedade “FV& Filhos, Lda, entregando posteriormente os referidos talões de levantamento no balcão da agência referida em 1.º, já devidamente assinados, e apropriava-se do dinheiro respectivo.”

6 – Da conjugação da prova testemunhal com a documental não resultou matéria que permitisse considerar tal facto como provado.

7 – Da prova documental, nomeadamente dos relatórios periciais, não se extrai a probabilidade mínima de ter sido o ora Recorrente o autor de tal(is) falsificação(ões), concluindo o respectivo relatório pela incerteza quanto ao autor da(s) mesma(s).

8 – Na dúvida, o Tribunal a quo entendeu condenar o Recorrente como autor das falsificações.

9 –Nunca resultou da prova produzida em audiência que o Recorrente se tivesse efectivamente locupletado com tais quantias.

10 – Da prova documental, constam documentos que comprovam a situação pessoal e economicamente desafogada do Recorrente já em data anterior à dos factos.

11 – Dos extractos e saldos bancários das contas do Recorrente à data dos factos juntos aos autos não se extrai nunca que o arguido se tenha apropriado das verbas referidas na acusação.

12 – Toda a documentação relativa ao leasing constam dos autos, o que demonstra claramente que nunca, nem nada, foi feito à revelia da Instituição ou do cliente.

13 – Nunca houve qualquer apropriação de verbas de quem quer que fosse, não tendo o contrário resultado provado em audiência de discussão e julgamento.

14 – Sendo assim manifesto e evidente o erro notório na apreciação da prova.

15 – A sentença de que ora se recorre faz tábua rasa de tudo o que foi alegado pelo Recorrente em sede de Contestação, ignorando os fundamentos da sua defesa.

16 – Não colocando sequer a hipótese de o arguido ter sido, ele próprio, vítima de um logro por parte do representante legal da FV & Filhos, Lda., JV, e do construtor, JG.

17 – Também o relatório pericial não demonstrou que o Recorrente tivesse sido o autor das falsificações de que vem acusado, devendo, por isso, beneficiar do princípio in dubio pro reu.

18 - O próprio JV admitiu ele próprio ter assinado vários talões em branco.

19 - É, de resto, o que resulta do seu depoimento aos 9 minutos e 4 segundos.

20 – Aliás, decorre dessa parte do seu depoimento o facto de ter assinado alguns daqueles documentos apesar de não mostrar grande certeza e segurança sobre quais.

21 - Assim, sem qualquer razão que o justifique, o Tribunal a quo deu prevalência à versão do Sr. João Vieira, em detrimento da apresentada pelo Recorrente.

22 – Nesse sentido, o Tribunal a quo fez uma interpretação manifestamente errada da prova uma vez que não resulta, nem podia, resultar provado que o arguido, em primeiro lugar, tivesse forjado a assinatura de quem quer que fosse e, em segundo lugar, que tivesse feito suas as quantias alegadamente subtraídas à sociedade supra referida.

23 - Os depósitos nas contas do Recorrente nada indiciam quanto à apropriação de quantias que não lhe pertencessem.

24 - O Tribunal apenas pode concluir que no período entre 2 de Julho de 2008 e 20 de Janeiro de 2009 os depósitos em numerário na conta do Arguido se intensificaram e foram em montantes mais elevados que no período entre Julho de 2007 e Julho de 2008.

25 – Mais nada!

26 - Não se alcança desde logo a relevância de tal conclusão, uma vez que não se provou qualquer ligação desses depósitos à prática de quaisquer actos ilícitos cometidos pelo Recorrente.

27 - O Recorrente comprovou nos autos que tinha rendimentos de vários quadrantes e proveniências.
28 - A relevância dada pelo Tribunal a quo aos mesmos constituiu, consequentemente, nova apreciação desacertada da prova, neste caso, documental.

29 - O art.º 256.º/1 do Código Penal, para efeitos da qualificação do crime de falsificação de documento, determina a necessidade da intenção de causar prejuízo a terceiro, bem como obter para si ou para outrem benefício ilegítimo.

30 – Nenhum desses dois elementos resultou provado em sede de audiência;
31 – Não houve qualquer intenção do Recorrente em causar prejuízo a quem quer que fosse, nem resultou qualquer prova de que o Recorrente tivesse feito sua a importância total de € 37.500,00.

32 – O Tribunal a quo decide naquele sentido de forma conclusiva porque a ligação que faz entre a documentação junta aos autos e a conclusão a que chega não tem correspondência com a realidade.

33 – E não se tendo provado que foi o Recorrido o autor da falsificação de documentos, nada também será devido ao demandante a título de indemnização por danos patrimoniais.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta »

7.- O MP apresentou a sua resposta ao recurso, pronunciando-se pela sua improcedência.

8. Nesta Relação, o MP emitiu o parecer a que se reporta o art. 416º do CPP no mesmo sentido.

9. Notificado nos termos do art. 417º nº2 do CPP, o arguido e recorrente nada acrescentou

10. A sentença ora recorrida (transcrição parcial):

«A) Factualidade provada:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1.De 3 de Novembro de 2005 até 19 de Agosto de 2009, o Arguido exerceu as funções de gestor de empresas, em agência bancária do banco X sita em Fortaleza, Armação de Pera, área desta comarca.

2. No exercício da sua actividade profissional o Arguido tinha como funções proceder a depósitos, levantamentos e transferências de importâncias várias em conformidade com as ordens recebidas pelos clientes, tendo acesso a toda a documentação para o efeito.

3. A sociedade FV & Filhos fazia parte da carteira de clientes do Arguido, sendo titular do depósito à ordem n., na referida agência, sita em Fortaleza, armação de Pera.

4. Em momento não concretamente apurado, mas anterior a Julho de 2008, o Arguido viu a possibilidade de, em razão das funções que desempenhava, solicitar aos caixas do Banco X, JD e MR, a emissão de talões de levantamento em numerário, referentes à conta bancária acima indicada, por forma a retirar a quantia equivalente aos ditos talões.

5. Para o efeito, o Arguido, em data não concretamente apurada, apôs nos talões referidos em 4. e 7. os dizeres "JFV" ou "JV" de forma a imitar a assinatura do representante legal da sociedade "FV & Filhos, Lda, entregando posteriormente os referidos talões de levantamento no balcão da agência referida em 1.°, já devidamente assinados, e apropriava-se do dinheiro respectivo.

6. Com o objectivo de permitir a realização das referidas operações como levantamentos em numerário, o Arguido alterou para a referência multitesouraria os descritivos de onze talões de levantamento da referida conta, não obstante não terem sido efectuadas quaisquer subscrições do referido produto por parte da sociedade FV &Filhos, Lda.

7. O Arguido procedeu do modo que tinha arquitectado, desviando e fazendo suas, nas datas seguidamente referidas, as seguintes importâncias constantes dos talões de levantamento em numerário da conta n.? 0003.03605146051, titulada pela sociedade "FV e Filhos, Lda."

Data Montante Descritivo Folhas
02.07.2008 €3.000 Multitesouraria 795
01.08.2008 €3.500 Multitesouraria 794
01.08.2008 €2.000 Lev Numerário 797
26.08.2008 €3.000 Multitesouraria 796
13.10.2008 €2.500 Multitesouraria 800
22.10.2008 €3.000 Multitesouraria 801
05.11.2008 €3.000 Multitesouraria 802
19.11.2008 €3.500 Multitesouraria 803
28.11.2008 €2.000 Multitesouraria 804
16.12.2008 €2.500 Multitesouraria 805
30.12.2008 €3.000 Multitesouraria 806
08.01.2009 €3.000 Multitesouraria 807
20.01.2009 €3.500 Lev. Numerário 808
Total €37.500

8. Com efeito, o Arguido começou por, no dia 2 de Julho de 2008, mandar emitir um talão de levantamento em numerário, forjando a assinatura do representante legal da sociedade "FV & Filhos, Lda e alterando o respectivo descritivo para "multitesouraria, no valor de €3.000, apropriando-se desse valor.

9. O Arguido aproveitou a não detecção imediata deste comportamento para repetir tal actuação relativamente aos demais montantes acima discriminados, deles se apropriando reiteradamente, passando a ser essa a ser sua forma normal de actuação.

10. Tal procedimento, apesar de tudo, veio a ser detectado no mês de Fevereiro de 2009, na sequência de reclamação apresentada junto do Banco X pela Sociedade FV & Filhos, Lda.

11. As quantias que o Arguido se apropriou ascendem ao valor global de €37.500, valor que foi reposto com dinheiro da entidade bancária acima mencionada.

12. O Arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que enquanto funcionário do Banco X, não podia proceder ao levantamento das referidas quantias sem autorização da sociedade "FV & Filhos, Lda, tendo-se o Arguido apropriado, em aproveitamento da sua qualidade de funcionário, pelo menos da referida quantia de €37.500, que fez sua e utilizou em proveito próprio, bem sabendo que lhe não pertencia e que agia contra a vontade da sua entidade patronal, que sofreu o correspondente prejuízo.

13. Agiu ainda consciente e voluntariamente, com o propósito concretizado de apor pelo seu próprio punho nos referidos talões de levantamento em numerário imitações da assinatura do representante legal da sociedade FV & Filhos, visando dessa forma obter um benefício ilegítimo que consistia em justificar a falta dos valores monetários retirados indevidamente da conta do cliente e de que o Arguido se apropriou.

14. O Arguido sabia que as ditas assinaturas que após nos talões de levantamento em numerário eram falsas e que dessa forma fabricava e utilizava documentos falsos, contrariava a vontade do seu titular e que causava prejuízo ao Banco X querendo obter para si vantagem patrimonial ilegítima.

15. O Arguido ao entregar os referidos talões utilizou os mesmos, não obstante saber que a assinatura nela aposta não tinha sido redigida pelo legal representante da sociedade FV & Filhos, Lda e que ao utilizar tais documentos sabia que contraria a vontade do seu titular e que causava prejuízo ao Banco X querendo obter para si vantagem patrimonial ilegítima.

16. Sabia ainda o Arguido que a sua conduta era proibida por lei e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

Mais se provou:
17. O Demandante Banco X restituiu à Sociedade "FV & Filhos, Lda" a quantia de €37.500.

18. Quantia esta de que ainda não foi ressarcido pelo Arguido.

19. O Arguido é licenciado e tem mestrado em gestão de empresas, frequentando um doutoramento em direcção de empresas.

20. É consultor e gestor, trabalhando por conta própria, auferindo mensalmente cerca de €1.400.

21. Reside com a esposa, auditora de qualidade, e uma filha menor.

22. Suporta uma prestação de €900 para pagamento de crédito habitação e ao consumo.

23. Suporta o pagamento de €200 a título de pensão de alimentos.

24. Está integrado familiar e socialmente, não sendo do conhecimento de amigos comportamentos desviantes.

25. Não tem antecedentes criminais averbados.

26. Revela distanciamento e não se revê nos factos que lhe são imputados, ainda que apresente capacidade crítica e noção do ilícito em causa.

B) FACTOS NÃO PROVADOS
Da discussão da causa e com relevância para a decisão da mesma não resultaram provados quaisquer outros factos.
*
C) MOTIVAÇÃO:
A motivação da decisão de facto tem como objectivo primacial o de aprimorar junto dos sujeitos processuais, na medida do possível, a força persuasiva do julgamento da matéria de facto.

É uma tarefa árdua mas que se leva a cabo com tranquilidade de espírito, uma vez que os depoimentos prestados em audiência ficaram plasmados em suporte magnético, o que permitirá, se necessário, aquilatar da bondade da presente decisão sobre a matéria de facto.

O Arguido, A. negou a prática dos factos imputados.

Com efeito, o Arguido confirmou que a FV & Filhos fazia parte da sua carteira de clientes e que solicitou um financiamento para construir um armazém, que foi aprovado na forma de um leasing. Afirmou que o Sr. V. na altura da concessão do empréstimo assinou vários documentos em branco, a fim de serem disponibilizadas tranches ao construtor e que posteriormente lhe ligava a dar ordem para pagar x quantia em dinheiro ao Sr. G, sendo certo que o dinheiro era entregue a este último pelos caixas. Mais referiu que nunca saiu com dinheiro do banco.

Defendeu-se argumentando ter uma situação pessoal e económica estável, não tendo necessidade de recorrer a estratagemas, como o relatado, até porque só em dinheiro tinha €250.00 no Santander, tinha um ordenado líquido de €3.000, é professor universitário há vinte anos, recebendo várias quantias em dinheiro de formação. Ademais o pai recebe €5.000 e €6.000 mensais a título de rendas.

O Tribunal não considerou minimamente credíveis as declarações do Arguido, que apresentou uma versão pouco espontânea, tentando rebater facto por facto, versão essa que entrou em total contradição quer com a prova documental junta aos autos, quer com os depoimentos de JFV, JFG, JGD, SN, HS, MJR, como igualmente a justificação dada não convence.

Assim, o Tribunal para sedimentar a sua convicção, e dar como provados os factos constantes dos pontos 4. a 16., estribou-se nas declarações prestadas pelas testemunhas em audiência; e nos documentos juntos aos autos. Prova esta analisada de forma critica e ponderada, sem obnubilar o disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal.

Em sede documental, o Tribunal socorreu-se desde logo:

- dos documentos que constituem talões de levantamento e um cheque de folhas 9 a 24 e 25;
- da ficha de assinaturas da sociedade de folhas 26;
- da certidão permanente da sociedade de folhas 66 a 70;
- da relação de depósitos efectuados nas contas do Arguido e seu pai entre 2 de Julho de 2008 e 30 de Janeiro de 2009 e que totalizam €47.000 de folhas 159
- da ficha de cliente e saldo das contas bancários do Arguido, de folhas 298 a 307 e 353 a 403, das quais se extrai que entre Julho de 2007 e 30 de Janeiro de 2009, na conta n.º xxxxx do Banco X, A. fez os seguintes depósitos em numerário:
• em 29 de Janeiro de 2008 no montante de €650;
• em 1 de Agosto de 2008 no montante de €500;
• em 29 de Agosto de 2008 no montante de €410;
• em 29 de Agosto de 2008 no montante de €280;

Mais se extrai que entre Julho de 2007 e 30 de Janeiro de 2009, na conta n.º yyyyyy do Banco X, A. fez os seguintes depósitos em numerário:
• em 18 de Dezembro de 2007 no montante de €800;
• em 19 de Março de 2008 no montante de €300;
• em 4 de Abril de 2008 no montante de €450;
• em 28 de Abril de 2008 no montante de €600;
• em 8 de Maio de 2008 no montante de €540;
• em 16 de Maio de 2008 no montante de €1.145;
• em 10 de Julho de 2008 no montante de €1 00;
• em 15 de Julho de 2008 no montante de €500;
• em 26 de Agosto de 2008 no montante de €850.
• em 29 de Agosto de 2008 no montante de €245;
• em 10 de Setembro de 2008 no montante de €600;
• em 29 de Setembro de 2008 no montante de €950;
• em 14 de Outubro de 2008 no montante de €1.200;
• em 23 de Outubro de 2008 no montante de €550;
• em 6 de Novembro de 2008 no montante de €500;
• em 2 de Dezembro de 2008 no montante de €600;
• em 10 de Dezembro de 2008 no montante de €600;
• em 16 de Dezembro de 2008 no montante de €1.800;
• em 31 de Dezembro de 2008 no montante de €500.

Podendo o Tribunal concluir da análise de tais documentos que no período entre 2 de Julho de 2008 e 20 de Janeiro de 2009 os depósitos em numerário na conta do Arguido se intensificaram e foram em montantes mais elevados que no período entre Julho de 2007 e Julho de 2008, sendo certo que o Arguido não apresentou quaisquer documentos justificativos de tais depósitos.

- do relatório do exame pericial de folhas 776 e ss, do qual resulta como muitíssimo provável que a escrita suspeita inserta nos documentos referidos no ponto 7 dos factos provados não seja da autoria de JFV (ao contrário do narrado pelo Arguido que referiu que JFV assinou vários documentos em branco, embora não o tenha feito na sua presença).

- dos documentos de folhas 925 e seguintes, nomeadamente factura de folhas 925 e ss; ordem de pagamento de folhas 927 e ss.; auto de recepção de bem de folhas 929; declaração de folhas 930 na qual JG, a 15 de Junho de 2008, declara que autoriza a dedução de €58.300 à sua factura, datada de 28 de Abril de 2008, no montante de €94.743, devendo o X Crédito Especializado efectivar o respectivo pagamento ao Cliente FV & Filhos; contrato de prestação de serviços celebrado em 3 de Março de 2008 entre COFAC - Cooperativa de Formação e Animação Cultural e Mestre A, e que vigorou, pelo menos, entre 3 de Março de 2008 e 30 de Setembro de 2008, sendo que pela prestação de tais serviços o segundo outorgante auferia uma avença, correspondente ao número de horas leccionadas e calculadas de acordo com a remuneração horária a fixar anualmente em documento autónomo, sendo a avença paga em prestações mensais, passíveis dos descontos legais, ficando o Arguido obrigado a passar recibo; do extracto do diário da república n. 88, de 6 de Maio de 2005, resulta que por despacho n.º -----/2005, de 15 de Fevereiro de 2005 da presidente do Instituto Politécnico de Setúbal foi autorizado o contrato administrativo de provimento de A. como equiparado a assistente, em regime de tempo parcial, por um período de seis meses, para exercer funções na Escola Superior de Ciências Empresariais deste Instituto Politécnico, por urgente conveniência de serviço, com a remuneração mensal ilíquida de €504,09, com efeitos a partir de 15 de Fevereiro de 2005; acordo de pagamento celebrado em 30 de Outubro de 2006, artigos publicados num jornal e numa revista em 2006 e 2009 respectivamente.

Em sede, de prova testemunhal o Tribunal escudou-se, desde logo, nas declarações de JFV, representante legal da sociedade FV & Filhos, Lda que, num depoimento escorreito e sincero, confirmou que teve necessidade de recorrer ao crédito bancário para construção de um armazém, esclarecendo que chegou assinar papéis em branco a pedido do Arguido, negando que os talões de levantamento supra referidos tenham sido assinados por si. Clarificou que só se apercebeu da situação quando foi alertado pela contabilista da empresa.

Referiu que o Arguido chegou a ligar-lhe para saber se tinha dinheiro para fazer depósitos e negou de forma peremptória que lhe tivesse dado ordens no sentido de entregar dinheiro a JG, até porque os pagamentos que fazia ao dito construtor eram em cheque, negando também que o Arguido alguma vez lhe tivesse entregue dinheiro fora do balcão.

Mais referiu que o Arguido chegou a procura-lo e a dizer que tinha o dinheiro para lhe dar e que tinha uma filha pequena para criar.

Tal depoimento foi corroborado por JFG, construtor da obra que levou FV a recorrer a crédito bancário, que atestou que os pagamentos da FV & Filhos, Lda eram feitos por tranches e maioritariamente por cheques, até porque tinha a contabilidade organizada, asseverando que nunca recebeu qualquer verba das mãos Arguido, mas sim do caixa do Banco. Mais referiu que se recebeu alguma tranche em dinheiro, esta foi-lhe entregue pelo legal representante da FV & Filhos. Esclareceu que efectuou a declaração de folhas 930, para facilitar a concessão de crédito ao Senhor V.

Ademais JGD, antigo funcionário do Banco X, asseverou que o Arguido lhe apresentou por diversas vezes talões de levantamento, previamente assinados, tendo a testemunha mediante apresentação de tais talões e depois do Arguido lhe dizer as quantias pretendidas, entregava o dinheiro ao Arguido. A testemunha esclareceu que todos os levantamentos relativos à empresa FV & Filhos nos quais teve intervenção (levantamentos de folhas 794, 796, 799 e 802) foram entregues ao Arguido.

Também MJR funcionária do Banco X há 15 anos, atestou que entregou as quantias referidas a folhas 795, 798, 800, 803, 804, 806, 808 e 809 ao Arguido e que os talões estavam assinados, sendo este quem lhe transmitia a quantia que devia ser aposta em tais talões. Mais esclareceu que chegou o questionar o Arguido pelo facto de os talões estarem assinados em branco e o cliente não estar no banco e que o Arguido lhe respondeu que tinha acordado com o cliente entregar-lhe o dinheiro pessoalmente.

Acresce que, HGS, funcionário do Banco X há trinta e seis anos, corroborou que os talões de levantamento são documentos internos, utilizados sempre pelo cliente, como substitutos do cheque, não tendo tais documentos nada a ver com o leasing. Esclareceu que JV o procurou no dia 13 de Fevereiro de 2009 a dizer que constavam levantamentos da conta da empresa que não tinha efectuado, inclusive num dia que tinha estado no balcão e tinha levantado dinheiro da conta pessoal.

Referiu que da análise da documentação bancária constatou que subjacente a quase todos esses levantamentos existia um movimento feito na conta, que era a utilização de uma linha de crédito em conta corrente, que o cliente tinha e que era de gestão automática, e quem fazia essas transacções era o Arguido manualmente. A par dos levantamentos existiu sempre um lançamento de utilização do limite do crédito da conta corrente, feito manualmente pelo Arguido, o que não era normal, já que mesmo que fosse necessário dinheiro na conta, esta era gestão de automática. Ou seja, o Arguido, de forma manual, retirava da conta corrente da linha de crédito do cliente o mesmo montante que tinha levantado da conta ordem do cliente e colocava nessa conta. A testemunha esclareceu que esta conta corrente de crédito não estava relacionada com o leasing, que no caso o cliente optou por receber o dinheiro do leasing na conta à ordem.

Esclareceu que o cliente não fazia controlo da conta, tendo reclamado apenas após ter sido alertado pela contabilista que existiam levantamentos na conta.

Finalmente, SN, subgerente do Balcão de Armação de Pera do Banco X há vinte e sete anos, esclareceu que só teve conhecimento dos factos após a reclamação efectuada pelo cliente. Esclareceu que não é procedimento normal do Banco o levantamento de verbas de clientes pelo gestor de conta, clarificando que tais talões de levantamento são de uso interno e são utilizados pelo próprio cliente v.g. quando não tem cheques.

Ora, ao contrário do referido pelo Arguido, de que tinha sido JV a assinar os talões de levantamento, o relatório pericial infirma tal facto, uma vez que conclui como muitíssimo provável que a escrita suspeita inserta nos documentos referidos no ponto 7 dos factos provados não seja da autoria de JFV, pelo que terá de se afastar o mesmo como autor dos factos.

Mais se refira que não é crível que tais documentos, a serem assinados por JV como alega o Arguido, não o fossem na sua presença, até porque, como referido unanimemente por todas as testemunhas, tais talões de levantamento são documentos internos, que estão na posse dos caixas e são utilizados pelo próprio cliente, quando este não tem cheques - procedimento que o Arguido com toda a certeza não ignorava e para o qual não foi autorizado.

O relatório em causa foi, na parte alusiva à assinatura do Arguido inconclusivo, não agregando um verdadeiro juízo pericial, mas antes um estado dubitativo, ou seja, nada se conclui, num sentido ou noutro, o que ficou a dever-se a várias ordens de razões que dificultaram o exame comparativo com os autógrafos.

Ora, o desenho da assinatura de JFV só pode ter sido efectuado pelo Arguido, pois, além de ter tido acesso aos documentos de identificação de JV, uma vez que era o seu gestor de conta, foi ele que entregou aos caixas, MJR e JGD, tais talões de levantamento.

Acresce, ainda, que apenas o Arguido tinha interesse na referida falsificação, uma vez que foi o único a beneficiar com a mesma, tendo sido o dinheiro entregue pelos caixas ao Arguido.

A conjugação de tudo o que vem exposto, aliado às regras da experiência comum e normalidade das coisas e procedimentos, permite de forma congruente concluir pela factualidade dada como provada, nos termos acima indicados.

Os factos inerentes ao elemento subjectivo do ilícito de falsificação de documento deriva da formação do Arguido, em concatenação com as regras da experiência comum, que por si inculcam a noção da criminalidade inerente a tais factos.

A ausência de antecedentes criminais do Arguido teve por base o certificado de registo criminal junto aos autos.

A matéria constante dos pontos 1 a 3 e 17 a 26 dos Factos Provados corresponde à que foi fixada pelo Venerando Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, sendo certo que o Tribunal também teve em consideração as declarações do Arguido, à falta de outros elementos, relativamente à sua situação económica atual.
*
III - DO DIREITO.
(…)
Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso e poderes de cognição do tribunal ad quem.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

No presente recurso, o arguido alega que o tribunal a quoincorreu em erro notório na apreciação da prova, relativamente aos pontos de facto 4 a 16 e 18, pois de entre os elencados de 1 a 26 da sentença condenatória, o arguido e recorrente entende que apenas “deveriam ter sido considerados provados os factos pontos 1, 2, 3, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 26.”.

O recorrente não menciona em passo algum do texto da sua motivação e respetivas conclusões pretender impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º do CPP, nem tal resulta do conjunto da sua motivação, uma vez que não especifica as concretas provas e respetivas passagens que pudessem impor decisão diversa da recorrida relativamente a cada um dos factos identificados, pelo que se impõe concluir que apenas vem invocar o vício de Erro notório na apreciação da prova, que se encontra previsto no art. 410º nº2 do CPP, de cuja verificação se impõe conhecer.

É, esta, pois a questão a decidir.

2. Decidindo

2.1. Tal como sucede relativamente todas as outras situações previstas no nº2 do art. 410º do CPP, o erro notório na apreciação da prova (al. c)) há de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que tais vícios são apenas os intrínsecos à própria decisão, considerada como peça processual autónoma.

O nº2 do art. 410º do CPP não permite ao tribunal de recurso reapreciar a prova produzida, ou seja, “ …reexaminar, repensar, emitir um juízo novo e autónomo, decidir em 2ª instância, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (…). O tribunal superior não pode, ao abrigo deste preceito, manifestar convicção diversa da do tribunal a quo face à globalidade do material probatório ao seu dispor mesmo quando a prova vier a ser registada (…). A lei faz depender o funcionamento dos mecanismos do art. 410º de um requisito essencial: os vícios em causa só justificam o alargamento excepcional dos poderes de cognição do tribunal à questão de facto, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida.” – citado no Ac do TC, de 05.05.93, BMJ 427/121.

Quanto ao carácter notório do erro, costuma referir-se dever ser o erro «de tal modo evidente que o homem médio o detecta com facilidade» - cfr., por todos, Maia Gonçalves, CPP anotado, 2ª ed-1990 em anotação ao art. 410º e Maria João Antunes, anotação ao Ac STJ de 6.05.1992 in RPCC 4 (1994) p. 120.

Porém, não temos entendido assim, mas antes que, conforme se diz no Ac TC nº 322/93, BMJ 427/124 (relator, Sousa Brito), “… o erro na apreciação da prova pode ser «notório» apenas para o julgador com a especial formação e experiência de um Juiz do Supremo Tribunal de Justiça [ou das Relações, acrescentamos, face à identidade de regime] “, o que nos parece ser conforme com a natureza judicial da decisão sobre a existência do erro e com as balizas suficientemente demarcadas pelo corpo do nº2 do art. 410º do CPP ao limitar o conhecimento aos vícios resultantes do texto da decisão recorrida e das regras da experiência.

O art. 410º nº2 c) do CPP contempla, assim, os casos de erro manifesto, evidente, notório, para quem tem que decidir, ou seja, o tribunal de recurso, a partir do texto decisão recorrida, máxime da respetiva fundamentação, conjugado com as regras da experiência comum, sem que se justifique o apelo ao critério do homem médio.

2.2. Ora, antecipando conclusões, no caso sub judice é patente a falta de razão do recorrente quanto ao pretendido erro notório na apreciação da prova, pois a partir do texto da sentença, máxime do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, concluímos que a sentença sob recurso não incorreu no apontado erro notório de apreciação da prova.Vejamos porquê.

2.2.1 Embora o arguido entenda verificar-se o apontado vício de erro notório na apreciação da prova, relativamente aos pontos 4 a 16 e 18,da factualidade provada, o facto essencial, de que os demais dependem, como refere o recorrente, é o descrito em 5, ou seja, « 5. Para o efeito, [retirar a quantia equivalente aos ditos talões de levantamento em numerário], o Arguido, em data não concretamente apurada, apôs nos talões referidos em 4. e 7. os dizeres "JFV" ou "JV" de forma a imitar a assinatura do representante legal da sociedade "FV & Filhos, Lda, entregando posteriormente os referidos talões de levantamento no balcão da agência referida em 1.°, já devidamente assinados, e apropriava-se do dinheiro respectivo».

É, pois, este o principal facto controvertido, concentrando-se nele a argumentação do recorrente, que entende ter o tribunal a quo violado o princípio in dubio pro reo, pois, como diz, da conjugação da prova testemunhal com a documental não resultou matéria que permitisse considerar tal facto como provado”, pelo que, “na dúvida, o Tribunal a quo entendeu condenar o Recorrente como autor das falsificações”, sendo certo, conclui, e que tinha uma situação pessoal e económica estável, sem necessidade de recorrer a estratagemas, como o relatado na acusação.

Não é, porém, o que resulta do texto da sentença recorrida, como veremos.

2.2.2. O tribunal a quo, que começa por destacar na apreciação crítica da prova que o arguido negou a prática dos factos imputados alegando que as assinaturas dos cheques em causa foram feitas pelo próprio JV, representante da sociedade FV & Filhos (que fazia parte da sua carteira de clientes), que assinou muitos dos cheques deles em branco, explica que não considerou minimamente credíveis as declarações do Arguido, que apresentou uma versão pouco espontânea, em total contradição quer com a prova documental junta aos autos, quer com os depoimentos de JFV, JFG, JGD, SN, HS, MJR, acrescentando que a justificação dada pelo arguido não convence.

Assim, o tribunal a quo julgou provados os factos enumerados nos pontos 4. a 16., que constavam da acusação, com base nas declarações prestadas pelas testemunhas em audiência e nos documentos juntos aos autos, discriminando uns e outros, e considerando ainda o teor do exame pericial feito às assinaturas de JFV e do próprio arguido.

Ora, uma vez que nenhuma das testemunhas terá visto o arguido a fazer as assinaturas em causa, resulta da apreciação crítica da prova, no seu conjunto, que o tribunal a quo julgou provado ser o arguido o autor das assinaturas, conforme o descrito no ponto 5., com base em prova indireta, ou seja, com base em inferências lógicas extraídas dos factos parcelares discriminados na sentença, que julgou provados com base nos depoimentos testemunhais e demais elementos de prova considerados, e em regras da experiência, sem que as razões invocadas pelo recorrente ponham em causa aquela decisão.

2.2.3. No que concerne, em particular, ao exame pericial à letra do arguido e de JFV, folhas 776, representante da sociedade, o arguido alega que “…. dos relatórios periciais, não se extrai a probabilidade mínima de ter sido o ora Recorrente o autor de tal(is) falsificação(ões), concluindo o respetivo relatório pela incerteza quanto ao autor da(s) mesma(s)”, o que, no essencial, corresponde às considerações feitas na apreciação o crítica da prova relativamente ao arguido, sem que, porém, tal assuma a relevância probatória que o arguido parece atribuir-lhe.

Na verdade, por um lado, a autoria da assinatura não tem que resultar de perícia à letra que, por diversas razões, pode ser inconclusiva, podendo aquela autoria provar-se diretamente por qualquer outro meio de prova (v.g. prova testemunhal) ou, como sucede in casu, com recurso a prova indireta.

Por outro lado, o tribunal recorrido destaca ter o mesmo exame concluído ser muitíssimo provável que a escrita suspeita inserta nos documentos referidos no ponto 7 dos factos provados não seja de JFV, o que assume relevância probatória autónoma, pois o arguido assentou boa parte da defesa na alegação de que não fora ele, mas sim JFV, a assinar os talões de cheque que foram assinados com o nome deste último.

Por último, o princípio in dubio reo respeita a uma situação de dúvida séria e inultrapassável sobre a prova de um dado facto após produzida toda a prova disponível e não relativamente a cada meio de prova, atomisticamente considerado.

Assim, apesar de o exame à letra não ter concluído ser o arguido o autor das assinaturas apostas nos talões de depósito em causa, ou sequer muito provável que assim seja, não se mostra minimamente infirmada a fundamentação e conclusão do tribunal a quo relativamente à autoria das assinaturas controvertidas, com base no conjunto da prova relevante sobre factos indiretos ou circunstanciais, ou seja, as declarações de JFV, representante legal da sociedade FV & Filhos, JFG, construtor da obra que levou FV a recorrer a crédito bancário – que asseverou nunca ter recebido qualquer verba das mãos do Arguido, mas sim do caixa do Banco - e as demais testemunhas cujos depoimentos são criteriosamente analisados na apreciação crítica da prova.

2.2.4. Finalmente, mesmo que a factualidade provada refletisse a situação economicamente desafogada invocada pelo recorrente, o que não sucede, daí não resultaria elemento probatório que, em sede de prova indireta, pudesse impedir a decisão vertida nos pontos 4 a 16 e 18 da factualidade provada, só por si, ou mesmo em conjugação com os demais meios de prova invocados pelo recorrente, pois de acordo com as regras da experiência, o propósito de aumentar ilicitamente o património próprio à custa do alheio não é de modo algum exclusivo de quem carece de meios para fazer face a despesas essenciais ou mesmo para manter um determinado nível de vida.

2.2.5. Assim, não se traduz, em vício de erro notório na apreciação da prova, contrariamente à pretensão do arguido, a conclusão do tribunal a quo de que o desenho da assinatura de JFV só pode ter sido efctuado pelo Arguido, pois, além de ter tido acesso aos documentos de identificação de JV - uma vez que era o seu gestor de conta -, foi ele que entregou aos caixas, MJR e JGD, tais talões de levantamento, para além de apenas o Arguido ter a interesse na referida falsificação, uma vez que foi o único a beneficiar com a mesma, tendo sido o dinheiro entregue pelos caixas ao Arguido.

Improcede, pois, totalmente, o recurso interposto pelo arguido.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os juízes da secção criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida – cfr arts. 513º nº1 do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Évora, 20 de fevereiro de 2018

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(António João Latas)

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(João Gomes de Sousa )