Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3097/15.5T8STR.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 04/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização e as despesas em que incorra no exercício das suas funções constituem um encargo com o processo.
II. Beneficiando o devedor de apoio judiciário tal encargo deve ser adiantado pelo IGFEG, I.P., sem prejuízo de reembolso.
III. A tal não obsta o facto de o apoio judiciário concedido ser o de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos do processo, e não o da dispensa do pagamento desta taxa e encargos, pois a lei não restringe tal adiantamento a esta modalidade do apoio judiciário.
IV. Tendo em conta que a concessão do apoio judiciário implica o reconhecimento da insuficiência económica do requerente para suportar pontualmente os custos de um processo, tendo sido concedido aquele benefício, ainda que na modalidade de pagamento faseado de taxas de justiça e demais encargos com o processo, a exigibilidade imediata do pagamento da remuneração e das despesas ao administrador judicial provisório no Processo Especial de Revitalização seria inconstitucional, por dificultar ou impedir o acesso aos tribunais por insuficiência de meios económicos.
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. S..., devedora, requerente nos presentes autos de Processo Especial de Revitalização, interpôs recurso do despacho de 18 de Novembro de 2016 (ref.ª 73609468), que indeferiu o requerimento apresentado pelo Administrador Judicial Provisório para que o pagamento da sua remuneração fosse adiantado pelo “Cofre Geral dos Tribunais”.

2. A decisão recorrida é do seguinte teor:
«Vem o Sr. AJP requerer que o pagamento da sua remuneração seja adiantado pelo Cofre, considerando a modalidade de protecção jurídica de que beneficiam os devedores, de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos.
O Ministério Público pronunciou-se desfavoravelmente a esta pretensão.
Cumpre apreciar.
No Ac. do TRE de 28-5-2015, proc. nº 1111/14.0TBSTR.E1, o tribunal superior decidiu que “Quanto ao adiantamento das custas pelo Cofre Geral dos Tribunais:
Defende por último o apelante que a remuneração deve ser adiantada pelo Cofre Geral dos Tribunais, porquanto, sendo um encargo compreendido nas custas do processo, é uma dívida da Massa insolvente, nos termos do art.º 32.º, n.º 3, do CIRE, por remissão dos art°s. 24.º e 17.º-C n.º 3, alínea a), do mesmo código. Todavia, sem razão, na medida em que não está em causa nos autos a declaração de insolvência do devedor/requerente, inexistindo, como tal, massa insolvente.
Nos termos do disposto no art. 30º da lei nº 22/2013, apenas a remuneração do administrador da insolvência é suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, e nas situações (previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE) de insuficiência da massa insolvente. No caso dos autos (processo de revitalização), em que não há insolvente nem massa insolvente, o responsável pelo pagamento das custas é apenas e tão só o devedor requerente, nos termos em que o é o devedor requerente da insolvência nos casos em que a insolvência não é decretada (art. 304º do CIRE).” (sublinhado nosso).
Por conseguinte, indefere-se o requerimento do Sr. AJP, por ausência de cabimento legal.»

3. A recorrente discorda da decisão recorrida com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões da motivação do recurso]:
A) A recorrente pediu apoio judiciário para requerer o processo especial de revitalização, tendo-lhe sido concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos do processo.
B) Em face do apoio judiciário concedido nos autos, o administrador judicial provisório (doravante AJP) nomeado nos autos requereu ao Tribunal a quo o adiantamento da sua remuneração, da importância total de 4.305,00 euros, pelo IGFEJ – Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. (Cofre).
C) O Tribunal a quo indeferiu o requerido pelo AJP, por alegada ausência de cabimento legal, entendendo ser da responsabilidade dos devedores o pagamento da remuneração do AJP, não obstante o benefício de apoio judiciário concedido nos autos. Fundamentou a Instância a sua posição na passagem do Acórdão de 28/05/2015 (1111/14.0TBSTR.E1), segundo a qual “«(…) Defende por último o apelante que a remuneração deve ser adiantada pelo Cofre Geral dos Tribunais, porquanto, sendo um encargo compreendido nas custas do processo, é uma dívida da Massa insolvente, nos termos do art.º 32.º, n.º 3, do CIRE, por remissão dos art°s. 24.º e 17.º-C n.º 3, alínea a), do mesmo código. Todavia, sem razão, na medida em que não está em causa nos autos a declaração de insolvência do devedor/requerente, inexistindo, como tal, massa insolvente. Nos termos do disposto no art. 30º da lei nº 22/2013, apenas a remuneração do administrador da insolvência é suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, e nas situações (previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE) de insuficiência da massa insolvente. No caso dos autos (processo de revitalização), em que não há insolvente nem massa insolvente, o responsável pelo pagamento das custas é apena e tão só o devedor requerente, nos termos em que o é o devedor requerente da insolvência nos casos em que a insolvência não é decretada (art. 304º do CIRE).»(…)”.
D) Com o devido respeito, entende a recorrente que não assiste razão ao Tribunal recorrido, na medida em que as normas constitucionais e legais aplicáveis reclamam solução diversa da adoptada pelo despacho ora em crise. Senão vejamos.
E) A inexistência de massa insolvente em processo especial de revitalização não é por si só razão atendível para que a remuneração do administrador judicial provisório seja suportada necessariamente pelo devedor, especialmente quando este beneficia de apoio judiciário.
F) Por outro lado, num processo de insolvência em que a massa insolvente seja insuficiente para pagar a remuneração do administrador da insolvência este encargo é suportado pelo Cofre, pelo não se vê razão para distinguir esta situação daqueloutra em que no processo especial de revitalização o devedor também não dispõe de recursos económicos para pagar essa remuneração, já que em ambas as situações estamos na presença de uma insuficiência do activo do devedor. Explicando,
G) “Desde logo importa ver que, como decorre do art.º 32º nº 3 do CIRE, o encargo com a remuneração do administrador judicial provisório e o encargo com as despesas em que incorra no exercício das suas funções, integram as custas do processo.
H) (…) para a lei, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este incorra são encargos que cabem no âmbito das custas judiciárias. E nesta matéria não encontramos que haja de distinguir-se entre remuneração e despesas do administrador judicial provisório na insolvência e remuneração e despesas do administrador judicial provisório no PER.
I) Aliás, encargos do processo são todas as despesas desenvolvidas no âmbito do exercício dos direitos e faculdades susceptíveis de ser atuados nesse processo, ou no âmbito do cumprimento das obrigações ou exigências impostas pelo respectivo iter processual, e isto nada tem a ver com este ou aquele processo judicial específico. Acrescente-se que, contra o que parece sugerido no despacho recorrido, o estatuto do administrador judicial (Lei nº 22/2013) em nada vai contra o que acaba de ser dito.
J) Sucede que ao ora Apelante foi concedido o benefício do apoio judiciário (…). Constituindo pois a remuneração do administrador e as despesas em que incorra um encargo com o processo, é então apodíctico concluir que se trata de um encargo que o Apelante está dispensado de suportar. É precisamente para isso que serve a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário (…) Em consequência, é ao IGFIJ, IP que compete adiantar os recursos inerentes a suportar tal encargo, sem prejuízo de reembolso (nº 1 do art. 19º do RCP).
K) (…) posto que foi concedido ao ora Apelante o apoio judiciário (…), qualquer outra interpretação das normas legais envolvidas, e que conduzisse à exigência do pagamento dos encargos em causa estaria eivada de inconstitucionalidade, isto designadamente à luz do art. 20º nº 2 da CRP.
L) Importa ver que, dentro do quadro legal aplicável, é um direito do Apelante promover o PER, e no processo em causa é mandatório haver um administrador judicial provisório cujo exercício é remunerado. Se as coisas pudessem ser vistas como as vê a decisão recorrida, então seria o mesmo que aceitar o princípio, que a lei e a Constituição repelem, de que se pode ver dificultado ou impedido o acesso aos tribunais por insuficiência de meios económicos.(…)” – neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.11.2014 (relativo ao Proc. nº 1230/14.3TBBRG-A.G1, tendo como relator o Desembargador Manso Raínho, disponível in www.dgsi.pt).
M) Na situação exposta em E a L, entende, pois, a recorrente, que a remuneração do administrador judicial provisório constitui um encargo do processo e por conseguinte deverá ficar abrangida pelo âmbito da expressão "demais encargos do processo" da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais. Pelo que,
N) Beneficiando o devedor de apoio judiciário, deverá o Cofre dos Tribunais adiantar a remuneração ao AJP. E isto independentemente da modalidade de apoio judiciário ser pagamento faseado, na medida em que o Regulamento das Custas Processuais, no seu art. 19º, n.º 1 – que dispõe “Quando a parte beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, os encargos são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., sem prejuízo de reembolso” – em primeiro lugar, não distingue as modalidade de apoio judiciário em que deve haver adiantamento de encargos pelo Cofre. Em segundo lugar, esse mesmo preceito prevê a possibilidade de reembolso dos encargos adiantados, pelo que a recorrente sempre poderá proceder a tal reembolso faseadamente, no âmbito da modalidade de apoio judiciário de que beneficia.
O) Sendo ainda de ver, pelas mesmas razões avançadas em M e N antecedentes, que a consideração do tribunal a quo, segundo a qual, “(…) Nos termos do disposto no art. 30º da lei nº 22/2013, apenas a remuneração do administrador da insolvência é suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, e nas situações (previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE) de insuficiência da massa insolvente.”, excluindo a remuneração do administrador judicial provisório e o processo especial de revitalização, não pode, com o devido respeito, proceder, na medida em que acarreta o tratamento desigual de duas situações semelhantes, com a consequente violação do princípio da igualdade, plasmado no artº 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Com efeito,
P) Estando em causa, tanto no processo de insolvência, como no processo especial de revitalização, situações em que estamos na presença de uma insuficiência do activo do devedor, a acolher-se a interpretação dada pelo Tribunal a quo à norma contida no artº 30º da Lei nº 30/2013 - interpretação esta que restringe ao processo de insolvência em que exista massa insolvente a possibilidade de adiantamento pelo Cofre da remuneração devida ao administrador judicial - só os que dispusessem de recursos económicos poderiam franquear as portas do processo especial de revitalização, deixando à porta os demais desfavorecidos.
Q) Na situação exposta em D a P, importa ver que o despacho recorrido está ferido de inconstitucionalidade e ilegalidade e, por violação do disposto nos art.º 13º e 20º nº 2 CRP , nos art.ºs 1º, 16º nº1 al. d) e 19º nº 1 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei nº 34/2004, de 29 de Julho), no Estatuto do Administrador Judicial (Lei nº 22/2013). Mais importando ver que,
R) A norma contida no artº 30º da Lei 20/2013, quando interpretada – como o foi pelo Tribunal a quo - no sentido de que apenas a remuneração do administrador da insolvência é suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, e nas situações (previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE) de insuficiência da massa insolvente, devendo, em consequência, os honorários/despesas do administrador judicial provisório nomeado pelo Tribunal em processo especial de revitalização ser suportados pelo devedor, mesmo que beneficiário de apoio judiciário, como é o caso dos autos, é inconstitucional, por violação do disposto nos art.ºs 13º e 20º nº 2 da Constituição, onde se contêm os princípios da igualdade e do acesso ao direito e aos tribunais.

4. Contra-alegou o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso, invocando que, tendo em conta que a modalidade de protecção jurídica concedida à devedora foi o pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos do processo, a responsabilidade pelo pagamento da remuneração devida ao senhor administrador judicial provisório não pode deixar de caber aos devedores.

5. O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se, beneficiando o devedor do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais encargos do processo, o pagamento da remuneração/despesas do administrador judicial provisório no Processo Especial de Revitalização deve ser adiantado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. (IGFEG).
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais resultantes do relato dos autos, sendo ainda de considerar os seguintes factos (documentados nos autos):
1. Os requerentes do Processo Especial de Revitalização solicitaram o pedido de apoio judiciário na modalidade da dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2. O referido pedido veio a ser deferido pela Segurança Social na modalidade de “pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.
3. Verificando-se que o processo foi concluído sem aprovação do plano de recuperação, mas que os devedores não se encontravam em situação de insolvência, foi declarado o encerramento do Processo Especial de Revitalização.
4. Na sequência deste despacho veio o administrador judicial provisório requerer a fixação da remuneração, acabando por vir a ser proferido o despacho de 13/07/2016, que fixou a remuneração variável de € 2.500,00, acrescida da remuneração fixa de € 1.000,00, “tudo a suportar pelos devedores”.
5. Não tendo os devedores procedido ao pagamento de tais quantias, alegando beneficiar do apoio judiciário, veio o administrador judicial provisório requerer que o pagamento fosse adiantado pelo IGFEJ.
6. Sobre este requerimento recaiu o despacho recorrido, que indeferiu tal pretensão.
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B) – O Direito
1. A questão em apreciação, como se disse, consiste em saber se, beneficiando o devedor do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais encargos do processo, o pagamento da remuneração/despesas do administrador judicial provisório no Processo Especial de Revitalização deve ser adiantado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. (IGFEG), que sucedeu nas atribuições do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-estruturas da Justiça, I.P., assim como nas atribuições do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, I.P. (cf. artigo 14º do Decreto-Lei n.º 164/2012, de 31 de Julho).
Na decisão recorrida entendeu-se que tal adiantamento não tinha cabimento legal, porquanto, não está em causa nos autos a declaração de insolvência do devedor/requerente, inexistindo, como tal, massa insolvente, pelo que o devedor no Processo Especial de Revitalização é o responsável pelo pagamento das custas, como o é o insolvente requerente na insolvência nos casos em que esta não é decretada.
A recorrente discorda deste entendimento, porquanto considera que a remuneração do administrador judicial provisório é um encargo do processo, estando abrangida pela lei de acesso ao direito e aos tribunais, não havendo razões para distinguir as situações de insuficiência do activo do devedor no Processo Especial de Revitalização da que ocorre no processo de insolvência, de molde a justificar uma interpretação restritiva da norma do artigo 30º da Lei n.º 30/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial).

2. Apreciando uma situação análoga à dos presente autos, de adiantamento do pagamento da remuneração ao administrador no Processo Especial de Revitalização no âmbito do apoio judiciário, concluiu-se no acórdão da Relação de Guimarães de 06/11/2014 (proc. n.º 1230/14.3TBBRG-A.G1), de que foi relator Manso Raínho (disponível em www.dgsi.pt) que: «I. A remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização e as despesas em que incorra constituem um encargo com o processo. II. Beneficiando o devedor de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não lhe pode ser exigido que suporte tal encargo, competindo ao IGFIG, IP adiantar o pagamento do que for devido.»
De facto, não oferece qualquer dúvida de que o encargo com a remuneração e despesas do administrador judicial provisório entra em regra de custas, porquanto se estabelece no n.º 3 do artigo 32º do Código da Insolvência e da Recuperação que “[a]A remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta.”
É verdade que este normativo legal não se pode ter por inteiramente aplicável ao processo especial de revitalização, mas sim com as “necessárias adaptações”, como decorre da alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
«Isto é assim porque no PER não há qualquer massa responsável nem existe qualquer substrato patrimonial análogo. Na realidade, as custas do PER, sejam elas quais forem, constituem sempre encargo do devedor (se for aprovado plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, as custas ficam a cargo deste como se estabelece no n.º 7 [do artigo 17º-F] do CIRE; se tal não suceder, as custas ficam também a cargo do devedor, pois que vencido, nos termos gerais). E a ser assim, como é, não se coloca a hipótese do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça ser chamado, isto simplesmente à luz da supra citada norma, a suportar as custas da responsabilidade do devedor no PER. Porém, o que se pretende salientar é apenas que, para a lei, a remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que este incorra são encargos que cabem no âmbito das custas judiciárias. E nesta matéria não encontramos que haja de distinguir-se entre remuneração e despesas do administrador judicial provisório na insolvência e remuneração e despesas do administrador judicial provisório no PER. Aliás, encargos do processo são todas as despesas desenvolvidas no âmbito do exercício dos direitos e faculdades susceptíveis de ser actuados nesse processo, ou no âmbito do cumprimento das obrigações ou exigências impostas pelo respectivo iter processual, e isto nada tem a ver com este ou aquele processo judicial específico.
(…) Sucede que ao ora Apelante foi concedido o benefício do apoio judiciário, designadamente na modalidade de dispensa de taxa de justiça e dos demais encargos com o processo. Constituindo pois a remuneração do administrador e as despesas em que incorra um encargo com o processo, é então apodíctico concluir que se trata de um encargo que o Apelante está dispensado de suportar. É precisamente para isso que serve a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário (art.ºs 1º e 116º nº 1 a) da Lei nº 34/2004). Em consequência, é ao IGFIJ, IP que compete adiantar os recursos inerentes a suportar tal encargo, sem prejuízo de reembolso (nº 1 do art. 19º do RCP).» [cf. o citado aresto da Relação de Guimarães de 06/11/2014].

3. Deste modo, concordando-se com a fundamentação expendida no referido aresto, que aqui acompanhamos de perto, conclui-se que os encargos com a remuneração e despesas devidas ao administrador judicial provisório no âmbito do Processo Especial de Revitalização integram as custas do processo, que ficam a cargo do devedor, sendo a adiantar pelo IGFEJ, quando o responsável beneficie do apoio judiciário.
E, como se diz no citado aresto da Relação de Guimarães, já citado «… posto que foi concedido ao ora Apelante o apoio judiciário abrangente da dispensa de taxa de justiça e outros encargos com o processo, qualquer outra interpretação das normas legais envolvidas, e que conduzisse à exigência do pagamento dos encargos em causa estaria eivada de inconstitucionalidade, isto designadamente à luz do art. 20º n.º 2 da CRP. Importa ver que, dentro do quadro legal aplicável, é um direito do Apelante promover o PER, e no processo em causa é mandatório haver um administrador judicial provisório cujo exercício é remunerado. Se as coisas pudessem ser vistas como as vê a decisão recorrida, então seria o mesmo que aceitar o princípio, que a lei e a Constituição repelem, de que se pode ver dificultado ou impedido o acesso aos tribunais por insuficiência de meios económicos.»

4. É certo que, no caso em apreço, os devedores, embora beneficiem do apoio judiciário não gozam do benefício da dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, mas apenas do seu pagamento faseado.
Porém, não cremos que tal obste ao adiantamento das quantias em causa pelo IGFEJ, porquanto estabelece-se no n.º 1 do artigo 19º do Regulamento das Custas Processuais que “[q]ando a parte beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, os encargos são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I.P., sem prejuízo de reembolso”, não se restringindo tal adiantamento apenas ao caso em que a modalidade do apoio judiciário concedido seja a da dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.
Note-se que ao ser concedido o apoio judiciário aos devedores tal implica o reconhecimento da sua insuficiência económica “para suportar pontualmente os custos de um processo” (cf. n.º 1 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), pelo que sempre se justificaria o adiantamento do pagamento dos encargos em causa pelo IGFEJ, I.P..
Por outro lado, a modalidade de pagamento faseado implica que os beneficiários não tenham de pagar integralmente as taxas de justiça devidas aquando da prática de actos sujeitos àquela tributação nem que tenham que pagar, nos termos gerais, os encargos com o processo logo que exigíveis, mas sim faseadamente nos termos previstos nos artigos 11º a 13º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto.
Deste modo, conclui-se da conjugação destes preceitos que, integrando os encargos com a remuneração e despesas do liquidatário judicial provisório nomeado as custas do processo, e beneficiando os devedores de apoio judiciário, o pagamento daqueles encargos deve ser adiantado pelo IGFEJ, que será reembolsado do respectivo custo por via da cobrança das custas (cf. artigo 16º, n.º 1, e 19º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais), de cujo pagamento os devedores não estão exonerados, visto que são responsáveis pelas custas, pagando os valores que venham a ser apurados de acordo com a modalidade de apoio judiciário concedida.
De resto, não faz sentido que, tendo em conta a modalidade de apoio judiciário concedida aos devedores, se impusesse ao administrador judicial provisório o ónus de ter que receber também faseadamente, em função dos pagamentos efectuados pelos responsáveis pelas custas, a remuneração e as despesas a que tem direito, quando os encargos com o apoio judiciário devem correr por conta do IGFEG, sem prejuízo do direito ao reembolso, quando devido.
Por fim, sempre se dirá que implicando a concessão do apoio judiciário o reconhecimento da insuficiência económica do requerente para suportar pontualmente os custos de um processo, e tendo-lhe sido concedido esse benefício, ainda que na modalidade de pagamento faseado de taxas de justiça e demais encargos com o processo, a exigibilidade imediata aos beneficiários do pagamento da remuneração e das despesas ao administrador judicial provisório no Processo Especial de Revitalização seria inconstitucional, por dificultar ou impedir o acesso aos tribunais por insuficiência de meios económicos.

5. Em face do exposto, procede a apelação, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se que o pagamento da remuneração e despesas ao administrador judicial provisório seja adiantado pelo IGFEJ, I.P..
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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. A remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização e as despesas em que incorra no exercício das suas funções constituem um encargo com o processo.
II. Beneficiando o devedor de apoio judiciário tal encargo deve ser adiantado pelo IGFEG, I.P., sem prejuízo de reembolso.
III. A tal não obsta o facto de o apoio judiciário concedido ser o de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos do processo, e não o da dispensa do pagamento desta taxa e encargos, pois a lei não restringe tal adiantamento a esta modalidade do apoio judiciário.
IV. Tendo em conta que a concessão do apoio judiciário implica o reconhecimento da insuficiência económica do requerente para suportar pontualmente os custos de um processo, tendo sido concedido aquele benefício, ainda que na modalidade de pagamento faseado de taxas de justiça e demais encargos com o processo, a exigibilidade imediata do pagamento da remuneração e das despesas ao administrador judicial provisório no Processo Especial de Revitalização seria inconstitucional, por dificultar ou impedir o acesso aos tribunais por insuficiência de meios económicos.
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IV – Decisão

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar o despacho recorrido, determinando-se que o pagamento da remuneração e das despesas devidas ao Administrador Judicial Provisório nomeado seja adiantado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P..
Sem custas.
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Évora, 6 de Abril de 2017
(Francisco Xavier)
(Maria João Sousa e Faro)
(Florbela Moreira Lança)