Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
216/21.6TXEVR-E.E1
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REQUISITOS
PROGNÓSTICO FAVORÁVEL
REINSERÇÃO SOCIAL
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade, representando uma transição entre a prisão e a vida livre.
II. Na situação colocada nos autos, já se entende que o cumprimento parcial (2/3) da pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral, e, por isso, neste segundo momento de apreciação, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial para o que, para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é a capacidade de readaptação do mesmo, analisada por parâmetros objectivos e objectiváveis, de modo a poder concluir-se que as expectativas de reinserção são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição à liberdade do condenado.
III. À luz do pressuposto essencial assente nas necessidades de prevenção espacial que deverão postular a liberdade condicional nesta etapa do cumprimento da pena, a postura interior que o recorrente manifesta quanto a esses factos mostra-se preponderante para a aferição dessa prognose, pelo que a falta de interiorização crítica, quer do crime quer da pena, é um forte factor de risco de reincidência e inviabiliza a concessão da liberdade condicional, mormente numa situação de delitos graves e socialmente lesivos, como é o caso dos crimes contra o património em cuja presença nos encontramos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I.
Por despacho, datado de 26-09-2022, o Tribunal de Execução de Penas ... negou a concessão da liberdade condicional ao recluso AA.
Inconformado com tal decisão, dela recorreu o recluso arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

O presente recurso visa discutir, nos seus fundamentos e teor, a decisão de recusa de liberdade condicional ao recorrente nos presentes autos.

Isto porque, na perspetiva do recorrente, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao proferir decisão de recusa de concessão da liberdade condicional baseada unicamente no facto de o recluso continuar a negar a prática dos factos porque foi condenado.

Ao fazê-lo o Tribunal a quo menoriza erradamente os restantes fatores objetivos e subjetivos de ponderação que resultam dos autos na elaboração de um juízo de prognose que, no caso, deve considerar-se ser favorável.
Vejamos,

Dos factos provados na decisão recorrida resulta que:
I. O condenado já cumpriu 2/3 da pena e pelo menos 6 meses desde o início da reclusão (facto 1.4);
II. Antes da condenação e reclusão, o condenado era bem referenciado na sua vida profissional e pessoal, não tendo registo de qualquer outra condenação por qualquer facto (factos 2.8, 2.10, 2.11, 2.16 e 2.17);
III. Depois da condenação e antes da reclusão, o condenado assumiu uma nova atividade profissional (factos 2.14 e 2.15);
IV. Não houve quaisquer incidentes na execução da pena, existindo várias referências a uma boa evolução na execução (factos 3.2 a 3.10);
V. Uma vez em liberdade, o condenado reintegrará o seu agregado familiar em habitação própria e condigna e perspetiva manter a atividade profissional que entretanto iniciou (factos 4.1, 4.2 e 5.2).

Do relatório dos serviços de reinserção social para concessão de liberdade condicional (fls. 121 a 124 dos autos) resulta, sumaria e adicionalmente, que:
I. No período em que o recluso esteve em liberdade a aguardar o trânsito da decisão condenatória, não apenas iniciou uma nova atividade laboral, como este beneficiava de uma integração plena e uma imagem favorável na comunidade, não sendo conhecidas quaisquer atitudes de rejeição por parte do seu meio vicinal;
II. O recluso “tem mantido uma conduta adequada com cumprimento das normas institucionais, e um relacionamento cordato com a restante população prisional”;
III. Da personalidade e posicionamento pessoal do recluso afirma-se que este revela “investimento e aspiração a um estatuto pessoal e social mais estável, que procurou alcançar através do desenvolvimento de atividades complementares e paralelas à atividade profissional principal”;
IV. Desempenha atividade prisional como fascina, “correspondendo com sentido de responsabilidade ao que lhe é exigido”, e beneficiou de medidas de flexibilização “que decorreram de forma adequada”;
V. Apesar de continuar a negar e desvincular-se dos factos por que veio condenado, “adota uma atitude conformista relativamente à condenação, afirmando que cumprirá o que lhe for exigido”;
VI. Por fim, e em conclusão, considera-se que o recluso “apresenta projetos de vida viáveis, nomeadamente a nível profissional”.

Por sua vez, do relatório dos serviços de tratamento penitenciário (fls. 114 verso a 117 dos autos) resulta, mais uma vez, sumaria e adicionalmente, que:
I. Apesar de o condenado não assumir a prática dos factos, este “repudia o tipo de crimes pelos quais está condenado”, declarando que sempre tentou provar a sua inocência e que, ainda assim, sempre cumpriu as determinações judiciais sem quaisquer incidentes, e “cumprirá a pena de prisão durante o tempo que tiver que cumprir”;
II. O recluso “tem mantido comportamento normativo” encontrando-se “inserido laboralmente” e desempenhando a sua atividade no seio prisional com “zelo, interesse e assiduidade”, tendo sempre adotado uma “postura e atitude colaborante”;
III. Concluindo-se que o recluso “apresenta projeto estruturado de reinserção social”.

Na sequência destas informações dos relatórios dos vários serviços da DGRSP, e nos termos do disposto no art. 175º do CEP, reuniu, em 21/09/2022, o Conselho Técnico, que, em face das informações e do conhecimento pessoal e efetivo acompanhamento da execução da pena do condenado, aqui recorrente, emitiu Parecer Favorável por Unanimidade à concessão de Liberdade Condicional.
Apesar de tudo isto,

Quer o Tribunal a quo, quer o Ministério Público, avançaram com o fundamento de que a negação dos factos, pelo recorrente, manifestava uma falta de juízo autocritico necessária à concessão de liberdade condicional – avançando ainda o MP considerações de prevenção geral que não relevam já, uma vez que se encontram decorridos 2/3 da pena – tendo-se como único fundamento de recusa de liberdade condicional que resulta (do texto) da decisão recorrida.

Todavia, tal interpretação não apenas se revela marcadamente redutora de todas as circunstâncias objetivas que resultam da execução da pena e da instrução dos autos, como se mostra contraditória, ao fundar um juízo de prognose negativo do Tribunal, quando confrontada com os seguintes factos concretos que resultam da matéria julgada provada na decisão recorrida e dos elementos instrutórios dos autos:
I. O recluso esteve em liberdade entre Janeiro de 2019 e Junho de 2021 sem registo de qualquer incidente de tipo criminal análogo ou de diferente jaez, não tendo revelado qualquer rejeição comunitária ou propensão para a prática de crimes;
II. Durante o referido período o recluso investiu numa nova atividade profissional, que estruturou em empresa que criou, e para a qual retornará, uma vez colocado em liberdade;
III. No caso concreto, tratamos de um recluso que sempre afirmou a sua inocência, quer no momento atual, quer desde o início do seu julgamento, e que mantém um caminho legalmente permitido e enquadrado de discussão dos factos por que foi condenado – através de impugnação judicial de decisão disciplinar de demissão e de recurso extraordinário de revisão da decisão que o condenou.
10ª
Motivo pelo qual, ponderadas todos os fatores que resultam da instrução dos autos quanto à execução da pena do condenado, a continua negação dos factos, quer em abstrato, quer no caso concreto, não pode ser tida como motivo suficiente para a recusa da liberdade condicional – com a agravante de, em concreto, uma tal metanoia se revelar contraditória com todo o comportamento processual e pessoal do recorrente.
11ª
A esse respeito, e nesse sentido, pronunciam-se os Acórdãos da Relação do Porto, de 10/10/2012 (PEDRO VAZ PATO) e da Relação de Lisboa, de 07/07/2016 (ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA), curiosamente citados na decisão recorrida, esta que, afinal, avança pelo sentido diametralmente oposto.
12ª
Por isto, e na decorrência das razões apontadas, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento ao proferir decisão de recusa de concessão de liberdade condicional baseada unicamente no facto de o condenado continuar a negar a prática dos factos, desconsiderando todos os elementos favoráveis à referida concessão indicados no texto decisório e que dele resultam.
13ª
Ao invés, nos termos apontados, e ao encontro do parecer favorável por unanimidade do Conselho Técnico e da informação constante nos autos e avalizada nos relatórios da DGRSP dos serviços de reinserção social e dos serviços prisionais, deveria ter sido proferida decisão que concedesse a Liberdade Condicional ao recluso recorrente, com os seguintes fundamentos, que permitem, no seu todo, formular um juízo de prognose favorável:
I. Estarem preenchidos os pressupostos formais para aplicação de liberdade condicional nos termos dos nos 1, 2 a) e 3 do art. 61º do CP;
II. Ter o condenado, antes da condenação e reclusão, um bom percurso de vida profissional e pessoal, não tendo registo de qualquer outra condenação por qualquer facto (factos 2.8, 2.10, 2.11, 2.16 e 2.17);
III. Ter o condenado, após a condenação e antes da reclusão, assumido uma nova atividade profissional (factos 2.14 e 2.15);
IV. Não ter havido quaisquer incidentes ou notícias de actividade ilícita na execução da pena, quer durante o cumprimento de OPH, quer no período de liberdade de 2 anos, 5 meses e 4 dias, quer no período de reclusão prisional, existindo várias referências a uma boa evolução na execução (factos 3.2 a 3.10 e alusões na motivação da decisão a pp. 15 e 16);
V. Haver factos objectivos que demonstram que, uma vez em liberdade, o condenado reintegrará o seu agregado familiar em habitação própria e condigna e manterá a atividade profissional que, entretanto, iniciou (factos 4.1, 4.2 e 5.2), tendo-se empenhado, durante o cumprimento da pena, na construção de um projecto de vida e reinserção futuro (cfr. relatórios da DGRSP);
VI. Ter o condenado gozado de medidas de flexibilização – nomeadamente 2 saídas jurisdicionais e 1 licença administrativa de curta duração – que decorreram sem incidente e com avaliação positiva, a que acresce o facto de se encontrar colocado em regime aberto no interior (factos 3.9 e 3.10);
VII. Ter todo o seu comportamento manifestado interesse, empenho e respeito no cumprimento dos fins da pena em meio prisional (factos. 3.3 a 3.8).”

O M.º P.º respondeu, concluindo que:
1 Verificados que estão os pressupostos formais, e tendo sido atingido o cumprimento de dois terços da pena de nove anos e seis meses de prisão pela prática de onze crimes de furto qualificado (um dos quais na forma tentada) e um crime de detenção de arma proibida, a concessão da liberdade condicional depende apenas da verificação do requisito material previsto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal, ou seja, que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
2. A decisão recorrida – de não concessão da liberdade condicional – baseou-se nos elementos constantes dos autos, de cuja conjugação resulta a conclusão de que não é possível efetuar um juízo de prognose positivo de que o recorrente, uma vez em liberdade, adote um comportamento conforme às regras penais.
3. À formulação de tal juízo de prognose estão subjacentes fortes razões de prevenção especial assentes essencialmente numa ausência de consciência crítica do recluso quanto à conduta criminal, assente, por sua vez, na negação dos factos pelos quais foi condenado.
4. O Mmº Juiz recorrido tomou em consideração todos os aspetos positivos verificados no percurso prisional daquele, entre os quais o benefício de medidas de flexibilização da pena mediante o gozo de licenças de saída jurisdicional e a colocação em RAI; todavia, não considerou tais aspetos suficientes para anular o juízo negativo decorrente da já mencionada ausência de consciência crítica em indivíduo que praticou os factos movido pela vontade de obter proventos económicos rápidos, fáceis e ilícitos, factos esses negativamente valorados pela insegurança que geram.
5. O comportamento regular e cumpridor das regras institucionais, com o consequente benefício de medidas de flexibilização da pena não pode esgotar o conceito de evolução positiva da personalidade durante a execução da pena, porquanto esse comportamento é o que é suposto existir.
6. Sem a construção crítica acerca da conduta criminosa – pretensão do art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal – exteriorizada através de uma postura e discurso estruturados e consistentes, não é possível concluirmos que, através da prisão, o recluso alcançou a preparação para a vida e meio livre afastado do mundo do crime e integrado na sociedade.
7. A relação do recluso com o crime cometido é um dos fatores de extrema importância na apreciação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional – e, consequentemente, na ponderação do risco de recidiva criminal – tal qual decorre da exigência plasmada no art. 173º, nº1, al. a) do CEPMPL quanto aos elementos que devem constar do relatório dos serviços prisionais.
8. Não sendo imprescindível, é inegável que em situações como a dos autos, em que não podemos afastar a repetibilidade dos factos, o arrependimento é importante elemento inibidor da prática do crime, sendo que este (arrependimento) supõe a assunção dos factos e da sua censurabilidade.
9. Se nem sobre a factualidade mais irrefutável (a consubstanciadora do crime de detenção de arma proibida) o recluso se pronunciou, em termos de autorresponsabilização, temos que concluir pela existência de sério indicador do grau deficitário da capacidade autocrítica do recluso, o que faz temer pela sua capacidade de reinserção social, em liberdade, e pela capacidade de afastamento do crime, circunstancialismo que anula tudo o que mais que de positivo ocorreu no percurso prisional do recluso, já que “sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos” (in João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino, Entre a Reclusão e a Liberdade, Pensar a Reclusão, volume II; Almedina, Coimbra, 2008, pág. 171).
10. A decisão sobre a concessão ou não da liberdade condicional não tem de “anular” a opinião expressa nos relatórios juntos aos autos, os quais, à semelhança do parecer do Conselho Técnico, não assumem natureza vinculativa; a decisão sobre a concessão ou não da liberdade condicional tem apenas que verificar se os requisitos e pressupostos legais para a concessão da liberdade condicional se encontram ou não preenchidos.
11. O regime da liberdade condicional, em face dos pressupostos de que depende (e excecionando a liberdade condicional obrigatória aos cinco sextos da pena em certos casos), tem caráter excecional e, quando apreciados os pressupostos por referência ao cumprimento aos dois terços da pena, apenas deverá ter lugar nos casos em que seja patente que o condenado está apto a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
12. O tribunal a quo fez uma correta e adequada interpretação e aplicação do Direito, não se mostrando violado qualquer um dos preceitos invocados pelo recorrente – maxime, o disposto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal. “

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, elaborando parecer em que, subscrevendo a resposta apresentada ao recurso, propugna a improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, tendo sido oferecida resposta ao parecer por parte do recorrente em que refere que a “demonstração de arrependimento” e a “assunção dos factos” sejam, em abstrato, dados relevantes, mas, não obstante, de parca relevância na execução da pena, o recluso recorrente não assumiu foram os factos relativos aos crimes de furto, terminando pelo reiterar do alegado na sua motivação.

II.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
No caso dos autos, a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto nos artigos 412º, n.º 1, do C. P. Penal e 179º n.º 1 do CEPMPL, necessária e unicamente à apreciação da questão de saber se estão preenchidos os pressupostos de concessão da liberdade condicional atingidos já os 2/3 da pena imposta.

Da decisão recorrida consta, na parte ora relevante:
Para efeitos de apreciação da concessão da liberdade condicional por referência aos dois terços da pena que o recluso cumpre, foram juntos aos autos os relatórios a que alude o art. 173º, nº 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (de ora em diante designado apenas por CEPMPL).
O conselho técnico reuniu, prestando os seus membros os esclarecimentos que lhes foram solicitados e emitindo, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional (art. 175º, nºs 1 e 2, do CEPMPL) – cfr. fls. 136.
Procedeu-se à audição do recluso, nos termos estabelecidos no art. 176º do CEPMPL, sendo que aquele consentiu na aplicação da liberdade condicional. Em sede de audição o recluso não ofereceu quaisquer provas – cfr. fls. 137.
Cumprido o disposto no art. 177º, nº 1, do CEPMPL, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional – cfr. fls. 138-139.
*
O Tribunal é absolutamente competente.
Não existem nulidades insanáveis, nem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta à apreciação do mérito da causa (a eventual concessão da liberdade condicional).
*
II – Fundamentação
II – A) Dos Factos
O tribunal considera provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1. Quanto às circunstâncias do caso:
1.1. O recluso AA cumpre à ordem do processo comum colectivo nº 535/13...., do Juízo Central Criminal ... (Juiz ...) do Tribunal Judicial da Comarca ..., a pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 11 (onze) crimes de furto qualificado (sendo um deles na forma tentada e os restantes na forma consumada) e 1 (um) crime de detenção de arma proibida;
1.2. Os referidos crimes de furto qualificado (consumados e tentado) relacionam-se, em síntese, com a penetração, por meio de escalamento e/ou arrombamento, em residências habitadas, de onde o recluso retirou/tentou retirar objectos de valor, dinheiro, ouro e objectos de joalharia [factos praticados nas seguinte datas: 23 de Junho de 2012, entre 15 e 16 de Setembro de 2012, entre 21 de Outubro e 9 de Novembro de 2012, entre 19 e 23 de Março de 2013, entre 9 e 10 de Maio de 2013, entre 22 e 23 de Junho de 2013, entre 6 e 7 de Julho de 2013, 4 de Agosto de 2013, 11 de Agosto de 2013, entre 23 e 25 de Agosto de 2013, entre 25 e 26 de Agosto de 2013; na maior parte das situações, o recluso actuou em conjunto com outros indivíduos];
1.3. O referido crime de detenção de arma proibida relaciona-se, em síntese, com a posse de um carregador da marca ..., municiado com 15 munições de calibre 9 mm, tratando-se de carregador com uso e próprio para pistola “...”, modelo “...”, sem que o recluso tivesse arma com tais características atribuída para o seu serviço profissional e sem que tivesse tal arma, de que o carregador faria parte, manifestada ou registada em seu nome (carregador e munições apreendidos no dia 23 de Outubro de 2013, aquando de busca domiciliária efectuada à sua habitação);
1.4. A pena referida no ponto 1.1. dos factos provados foi liquidada nos seguintes termos [o recluso foi inicialmente detido no dia 23 de Outubro de 2013, tendo estado sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com sujeição a vigilância electrónica (OPHVE) até 25 de Janeiro de 2019, data em que tal medida de coacção cessou, por se ter esgotado seu prazo máximo de duração]:
- Início – 29 de Junho de 2021 [data em que o recluso se apresentou voluntariamente no EP para efectivo cumprimento da aludida pena de prisão, sendo que no dia 29 de Dezembro de 2021 atingiu o cumprimento do período de 6 (seis) meses de prisão a que alude o art. 61º, nº 2, do Cód. Penal];
- Metade – 27 de Dezembro de 2020;
- Dois terços (2/3) – 27 de Julho de 2022;
- Cinco sextos (5/6) – 27 de Fevereiro de 2024; - Termo – 27 de Setembro de 2025;

2. Quanto à vida anterior do recluso:
2.1. O recluso, nascido a .../.../1972 (actualmente conta com 50 anos de idade), é natural de ..., onde a família alargada tinha vida estável;
2.2. Veio com a família para Portugal em 1975 (com 3 anos de idade), fixando residência na ...;
2.3. Frequentou a escola dos 6 aos 19 anos de idade, até ter concluído o 11º ano; 2.4. Após o abandono escolar trabalhou num armazém, actividade que conciliava
com o trabalho aos fins-de-semana num restaurante, onde posteriormente passou a trabalhar em horário completo;
2.5. Entre os 16 e os 23 anos de idade foi bombeiro voluntário na ...;
2.6. Aos 23 anos de idade ingressou na PSP, sendo colocado em ..., onde esteve 6 anos na patrulha de rua;
2.7. Tirou curso de especialização de ordem pública/polícia de intervenção, que lhe facilitou a transferência pretendida para ..., ocorrida em 2001, para a 2ª esquadra;
2.8. Era referenciado como um trabalhador voluntarioso e sociável, embora a assunção de funções de dirigente sindical, em 2008, tenha comprometido o seu relacionamento com alguns superiores hierárquicos e deteriorado as suas condições de trabalho;
2.9. Foi fundador e presidente do clube de motociclismo “Os ... da ...”, entretanto extinto;
2.10. À época da sua condenação em 1ª instância (Março de 2015), integrava o agregado familiar nuclear, de que faziam parte, além do próprio, a mulher (funcionária administrativa numa empresa de produtos congelados) e dois filhos, então com 17 e 9 anos de idade;
2.11.Era referenciado como uma pessoa com um registo de funcionamento emocional, sociável, empreendedora, voluntariosa e afirmativa, sendo que o seu envolvimento/relacionamento com a comunidade local era percepcionado como normativo, ainda que impositivo;
2.12. Na sequência de stress emocional e humor ansioso/depressivo, encontrava-se desde 2008 em acompanhamento em consultas externas de psiquiatria no Hospital ..., sendo medicado;
2.13. Esteve então 4 meses de baixa médica, sendo transferido em 2009 para a 1ª esquadra, onde trabalhou durante 6 meses no serviço operacional, sendo posteriormente colocado na messe;
2.14. Em complemento da actividade profissional como agente da PSP, dedicava-se à venda de automóveis e motos usados, incluindo exportação para ..., executando ainda pequenos trabalhos de reparação informática e de telemóveis, nomeadamente de desbloqueamento;
2.15. Durante o período em que esteve sujeito a OPHVE (e posteriormente em liberdade) dedicou-se à referida actividade de compra e venda de veículos, tendo aberto uma sociedade unipessoal com diversos ramos de actividade, designadamente de TVDE;
2.16. Para além das condenações referidas no ponto 1.1. dos factos provados, o recluso não regista qualquer outra condenação;
2.17. Encontra-se preso pela primeira vez;
3. Quanto à personalidade do recluso e evolução daquela durante a execução da pena:
3.1. O recluso nega a prática dos crimes pelos quais foi condenado, referindo que se viu envolvido no processo porque era amigo de um dos seus co-arguidos (também agente da PSP e igualmente recluído no EP ...), que «fazia coisas ilegais nos gratificados», acrescentando que lhe disse que não participaria em tal e que se continuasse a fazê-lo o denunciaria ao Comando, sendo que quando aquele foi detido o envolveu também na prática dos furtos;
3.2. No Estabelecimento Prisional (EP) não regista qualquer infracção punida disciplinarmente;
3.3. É um indivíduo educado, mantendo um bom relacionamento com a restante população prisional (com excepção do referido co-arguido, com quem não se relaciona), bem como com os funcionários;
3.4. Manifestou interesse em frequentar formação ou actividade educativa, como forma de desenvolvimento pessoal;
3.5. Nessa sequência, no dia 6 de Dezembro de 2021 concluiu, com aproveitamento, três unidades de formação de curta duração do curso de formação profissional “Operador de Informática”;
3.6. No dia 11 de Janeiro de 2022 concluiu o programa de “Desenvolvimento Moral e Ético”;
3.7. Desde 20 de Outubro de 2021 desenvolve actividade como faxina à zona prisional, a meio tempo, o que faz com zelo, interesse e assiduidade;
3.8. Mantém acompanhamento regular junto dos serviços clínicos do EP, nomeadamente no acompanhamento de artrite psoriática, patologia que lhe causa alguns transtornos, nomeadamente no âmbito da capacidade de esforço, dos músculos e articulações;
3.9. Beneficiou de 2 (duas) licenças de saída jurisdicional (LSJ), gozadas em Janeiro de 2022 e Junho de 2022, bem como de 1 (uma) licença de saída curta duração (LSCD), gozada em Março de 2022, todas com avaliação positiva;
3.10. Encontra-se colocado em regime aberto no interior (RAI) desde 3 de Março de 2022;
4. Situação económico-social e familiar:
4.1. Uma vez em liberdade, o recluso reintegrará o agregado familiar referido no ponto 2.10. dos factos provados (actualmente encontra-se divorciado, mas mantém relação marital com a ex-mulher);
4.2. Tal agregado habita em casa própria, sita em zona rural da ...;
5. Perspectivas laborais/educativas:
5.1. No âmbito do processo disciplinar que correu termos na PSP, foi decidido aplicar ao recluso a pena disciplinar de demissão, decisão que impugnou judicialmente, aguardando resolução;
5.2. Uma vez em liberdade, o recluso retomará as actividades referidas no ponto 2.15. dos factos provados.

Com interesse para a decisão, inexistem factos não provados.
*
II – B) Motivação
II – B – 1) Motivação Fáctica
Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos elementos a que de seguida se fará referência, analisados de forma objectiva e criteriosa, nunca esquecendo que os relatórios e pareceres das diversas entidades que têm intervenção no processo de liberdade condicional (com especial relevância para a equipa dos serviços de educação e ensino da DGRSP, a equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP e o conselho técnico) não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz (neste sentido veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2009 e de 7 de Julho de 2016, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2010 e de 31 de Outubro de 2012 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de Julho de 2011 e de 26 de Outubro de 2011, todos in www.dgsi.pt, respectivamente Proc. 8027/06.2TXLSB-A.L1-3, Proc. 2006/10.2TXPRT-C.P1, Proc. 3536/10.1TXPRT-H.P1, Proc. 1797/10.5TXCBR-D.C1 e Proc. 165/11.6TXCBR-A.C1).
Assim, tal informação é livremente apreciada pelo julgador, devendo naturalmente ser conjugada com as impressões retiradas da reunião do conselho técnico e da audição do recluso, o que, na feliz expressão do referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2010, «habilita o tribunal a fazer uma avaliação global orientada pelos princípios jurídicos que regem esta matéria».
Feitas estas notas prévias, a convicção do tribunal fundou-se na referida análise conjugada, global e crítica dos seguintes elementos:
- Certidão da decisão condenatória, da liquidação da pena e da respectiva homologação – fls. 4 a 40v;
- Certificado de registo criminal do recluso – fls. 109-110;
- Relatório da equipa dos serviços de tratamento penitenciário da DGRSP – fls. 114v a 117;
- Relatório da equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP – fls. 121 a 124v; - Ficha biográfica do recluso – fls. 118 a 120;
- Acta da reunião do conselho técnico (fls. 136) e esclarecimentos aí prestados; - Auto de audição do recluso – fls. 137.
*
II – B – 2) Motivação de Direito
Dispõe o nº 1 do art. 40º do Cód. Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», acrescentando o nº 1 do art. 42º do mesmo diploma que «a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (em termos essencialmente idênticos, veja-se o disposto no art. 2º, nº 1, do CEPMPL).
Tendo em consideração tais finalidades, o legislador do Código Penal de 1982 consignou no ponto 9 do preâmbulo do Dec.-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, que «definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão» (a este propósito, veja-se igualmente o ponto II.3. do anexo à Recomendação Rec(2003)22 do Conselho da Europa, adoptado pelo Comité de Ministros a 24 de Setembro de 2003 – documento disponível no sítio electrónico do Conselho da Europa).
A liberdade condicional tem assim uma «finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização» (neste sentido, vide FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p. 528), sendo que do ponto de vista da sua natureza jurídica é hoje em dia inequívoco que constitui um incidente ou medida de execução da pena de prisão (a este propósito, veja-se JOAQUIM BOAVIDA, A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, p. 124-125, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Junho de 2010 e de 27 de Setembro de 2017, todos in www.dgsi.pt, respectivamente Proc. 824/13.9TXLSB-J.L1-3, Proc. 435/05.2TXCBR-A.C1 e Proc. 386/16.1TXCBR-E.C1).

O instituto da liberdade condicional encontra-se preceituado, quanto aos seus pressupostos e duração, no art. 61º do Cód. Penal, que dispõe do seguinte modo:
«1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena».
O art. 61º do Cód. Penal consagra assim duas modalidades de liberdade condicional: a liberdade condicional facultativa, que opera “ope judicis”; a liberdade condicional obrigatória, que opera “ope legis”, pois deverá ser concedida logo que o condenado tenha cumprido cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos ou da soma das penas a cumprir sucessivamente que exceda seis anos (cfr. art. 61º, nº 4 e 63º, nº 3, ambos do Cód. Penal).
De acordo com o disposto nos arts. 61º, nº 2, do Cód. Penal, são três os pressupostos formais de concessão da liberdade condicional:
1 – Que o condenado tenha cumprido no mínimo 6 meses de prisão; 2 – Que se encontre exaurida pelo menos metade da pena;
3 – Que o condenado consinta em ser libertado condicionalmente (requisito que também é exigido nos casos da referida liberdade condicional obrigatória).
Por outro lado, constituem requisitos materiais (ou substanciais) da concessão da liberdade condicional:
A) Que fundadamente seja de esperar, «atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes» (o legislador seguiu a sugestão de FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 539, quanto a deverem ser aqui tomados em consideração todos os elementos necessários ao prognóstico efectuado para decretar a suspensão da execução de pena de prisão);
B) «A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social» (este requisito deixa de se mostrar necessário logo que sejam atingidos os dois terços da pena, como é o caso dos autos, conforme resulta expressamente do disposto no nº 3 do preceito em causa).
Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial (mais concretamente prevenção especial positiva), visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral (neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006 p. 356; em idêntico sentido, ANTÓNIO LATAS, Intervenção Jurisdicional na Execução das Reacções Criminais Privativas da Liberdade – Aspectos Práticos, Direito e Justiça, Vol. Especial, 2004, p. 223 e 224, nota 32).
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Regressando ao caso concreto e subsumindo os factos ao direito, é isento de dúvidas que se mostram preenchidos os pressupostos formais da liberdade condicional, pois o recluso:
- Já cumpriu pelo menos 6 meses de prisão; - Já cumpriu metade da pena;
- Aceitou ser libertado condicionalmente.
No que diz respeito aos requisitos de natureza material, estando em causa nos autos a apreciação da liberdade condicional por referência aos dois terços da pena, apenas se mostra necessário o preenchimento da primeira das exigências a que supra fizemos referência em A), ou seja, a relacionada com as razões de prevenção especial de socialização.
No que tange ao primeiro daqueles requisitos materiais, a lei impõe que para que seja concedida a liberdade condicional o juiz do Tribunal de Execução das Penas faça um juízo de prognose favorável de que uma vez em liberdade o condenado venha a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, sendo que entendemos que em caso de dúvida sobre tal capacidade, a liberdade condicional não deve ser concedida [com efeito, conforme refere JOAQUIM BOAVIDA a propósito do princípio “in dubio pro reo”, «na fase da execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação (…) Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o carácter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada (ob. cit., p. 137); no mesmo sentido, veja-se FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 540, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Outubro de 2017, in www.dgsi.pt, Proc. 744/13.7PXPRT-K.C1].
Tal juízo de prognose terá de se revelar através da análise dos seguintes aspectos, conforme previsto na alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal:
- As circunstâncias do caso. Relaciona-se este segmento com a valoração do(s) crime(s) cometido(s), seja quanto à sua natureza e gravidade, seja ainda quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação da medida da pena, nos termos do art. 71º do Cód. Penal, sem que tal constitua qualquer violação do princípio “ne bis in idem” (neste sentido, veja-se o já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2010, in www.dgsi.pt, Proc. 2006/10.2TXPRT-C.P1).
Na situação concreta, de entre os diversos crimes praticados pelo recluso, merecem valoração mais negativa os crimes de furto qualificado, porque geradores de grandes sentimentos de insegurança (com efeito, os ofendidos viram as suas casas completamente devassadas, sendo certo que em diversas das situações lhes foi causado prejuízo de diversos milhares de euros, conforme melhor resulta da leitura da decisão condenatória);
- A vida anterior do agente. Este item relaciona-se com uma multiplicidade de factores, desde logo de natureza familiar, social e económica, mas também atinentes a eventuais problemáticas aditivas do recluso, bem como à existência ou não de antecedentes criminais, sendo também especialmente importante aferir se o recluso já anteriormente cumpriu penas de prisão ou se o faz pela primeira vez. Conforme refere JOAQUIM BOAVIDA de modo assaz pertinente, em matéria de liberdade condicional o elemento respeitante à vida anterior do condenado «é sobretudo relevante para operar a contraposição entre o homem que o recluso era antes da prática do crime e o homem que revela agora ser depois de executada parte substancial da pena» (ob. cit., p. 139- 140).
No caso dos autos, verifica-se que o recluso não regista antecedentes criminais, nem tão pouco antecedentes penitenciários.
São também relevantes as suas supra-referidas condições de crescimento e desenvolvimento, os hábitos de trabalho consistentes, a sua boa inserção familiar e social à época dos factos, bem como alguma degradação da sua situação profissional a partir de 2008 (veja-se o ponto 2.8. dos factos provados).
- A personalidade do agente e a evolução daquela durante a execução da pena. Quanto a este aspecto, «é relevante apurar a personalidade manifestada pelo recluso na prática do crime, quais os seus traços, sintomas e exteriorizações», sendo que «não é indiferente se o crime é uma decorrência da personalidade impulsiva e agressiva do recluso ou se resultou apenas da conjugação de circunstâncias irrepetíveis ou da mera imaturidade do agente» (JOAQUIM BOAVIDA, ob. cit., p. 139-140).
No caso dos autos, julgamos que os crimes pelos quais o recluso cumpre pena resultam essencialmente da vontade de obtenção de proventos financeiros rápidos, fáceis e ilícitos.
Estabelecida no essencial a personalidade do recluso, vejamos então se se verificou uma evolução positiva desta durante a execução da pena, o que deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.
Desde logo, cumpre referir que «não é, em rigor e nos termos legais, requisito de concessão da liberdade condicional (…) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta (…) A ausência de arrependimento pode ser sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se que a ausência de arrependimento significa perigo de cometimento de novos crimes. E também não pode dizer-se que um recluso que não revele arrependimento, ou não assuma mesmo a prática dos factos que levaram à sua condenação (em julgamento ou durante a execução da pena) não poderá nunca beneficiar de liberdade condicional antes de atingir cinco sextos da pena» (assim, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Dezembro de 2012, podendo encontrar-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016, ambos in www.dgsi.pt, respectivamente Proc. 1796/10.7TXCBR-H.P1 e Proc. 824/13.9TXLSB-J-L1-3).
Ora, no caso dos autos, conforme resulta do ponto 3.1. dos factos provados, o recluso não assume a prática dos crimes pelos quais foi condenado. Logo, por não os assumir, naturalmente não tem em relação aos mesmos qualquer tipo de juízo autocrítico, sendo certo que não se pode dizer que as circunstâncias da prática daqueles sejam de natureza irrepetível.
O comportamento prisional do recluso, constituindo também factor de avaliação da eventual evolução positiva da personalidade, não é no entanto decisivo, «sob pena de se estar a atribuir à liberdade condicional uma natureza – a de uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta – que ela não tem» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Outubro de 2013, podendo ver-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de Janeiro de 2013, ambos in www.dgsi.pt, respectivamente Proc. 939/11.8TXPRT-H.P1 e Proc. 1541/11.0TXLSB-E.E1).
Regressando ao caso concreto, verifica-se que o recluso mantém comportamento correcto, o que milita a seu favor.
Tem revelado empenho no que tange ao desempenho de actividade laboral, o que constitui factor de protecção quanto à sua capacidade para, em liberdade, se poder sustentar sem recorrer à prática de crimes.
Tem procurado valorizar-se pessoalmente, o que também lhe é favorável.
Iniciou o gozo de medidas de flexibilização da pena, designadamente LSJ, LSCD e RAI, o que se mostra sempre importante para testar a reaproximação dos reclusos ao meio livre (contudo, apesar da sua importância em geral, no caso concreto tal mostra-se menos relevante, pois não nos podemos esquecer que o recluso se manteve durante 5 anos e 3 meses sujeito à medida de coacção de OPHVE, sem registo de qualquer incidente, tendo depois estado 2 anos, 5 meses e 4 dias em liberdade, também sem menção de qualquer episódio de natureza ilícita).
Tudo ponderado, apesar das boas perspectivas de inserção familiar, habitacional e profissional quando em liberdade, os demais factores referidos (com especial destaque para a necessidade de desenvolvimento do juízo autocrítico do recluso), conduzem à conclusão de não ser ainda possível fazer juízo positivo quanto à evolução da personalidade do recluso e quanto à sua futura capacidade para manter comportamento social responsável e isento da prática de crimes (maxime da mesma natureza).
Deste modo, não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal.
Logo, há que concluir no sentido de não se encontrarem reunidos os requisitos necessários para que seja concedida a liberdade condicional.
***
III – Decisão
Pelo exposto, não concedo a liberdade condicional ao recluso AA.”

Apreciando:
Alega o recorrente recluso, em suma, que o tribunal recorrido fez um erro de julgamento ao proferir decisão de recusa de concessão da liberdade condicional baseada unicamente no facto de o recluso continuar a negar a prática dos factos porque foi condenado, menorizando erradamente os restantes fatores objetivos e subjetivos de ponderação que resultam dos autos na elaboração de um juízo de prognose que, no caso, deve considerar-se ser favorável.
Mais alega que o Conselho Técnico emitiu Parecer Favorável por Unanimidade à concessão de Liberdade Condicional, ao encontro do qual e da informação constante nos autos e avalizada nos relatórios da DGRSP dos serviços de reinserção social e dos serviços prisionais, deveria ter sido proferida decisão que concedesse a liberdade condicional ao recluso recorrente.
Cumpre apreciar e decidir.
De harmonia com o disposto no artigo 62º, nº 2, al. a), e nº 3, do Código Penal, encontrando-se cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses (como acontece no caso destes autos), o condenado a prisão é colocado em liberdade condicional se “for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
A concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade, representando uma transição entre a prisão e a vida livre.

Como decorre do preceituado no artigo 61º do Código Penal, a liberdade condicional em sentido próprio (também chamada liberdade condicional facultativa), prevista nos nºs 2 e 3 de tal normativo, depende não apenas de pressupostos formais, mas também de requisitos materiais, estes ligados ao comportamento e à personalidade do recluso.
Assim, as razões de prevenção geral e de prevenção especial não são privativas do momento da determinação da medida concreta da pena de prisão, continuando a estar presentes na fase de execução dessa mesma pena de prisão.
No primeiro momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu metade da pena de prisão, faz-se depender a concessão da liberdade condicional dessas razões de prevenção (geral e especial) - artigo 61º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal -, isto porque se admite a possibilidade de o cumprimento de metade da pena de prisão poder não ser suficiente para satisfazer as finalidades de prevenção geral.
O mesmo já não ocorre no segundo momento de apreciação da concessão da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu dois terços da pena (artigo 61º, nº 3, do Código Penal) - como acontece no caso dos autos.
Na situação colocada nos autos, já se entende que o cumprimento parcial (2/3) da pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral, e, por isso, neste segundo momento de apreciação, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial.
Ou seja, a liberdade condicional agora em apreciação (aos 2/3 do cumprimento da pena) depende tão-só de razões de prevenção especial. Como bem se escreve no Ac. da Relação do Porto de 16-01-2008 (in www.dgsi.pt), “para efeitos do disposto no art. 61º, nº 3, deve efectuar-se um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal”.
A esta luz, para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é a capacidade de readaptação do mesmo, analisada por parâmetros objectivos e objectiváveis, de modo a poder concluir-se que as expectativas de reinserção são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição à liberdade do condenado.
Daí que não seja elemento essencial (decisivo) o bom comportamento prisional do condenado, devendo atender-se a todos os índices de ressocialização revelados pelo mesmo, índices que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, nomeadamente olhando-se à conduta anterior e posterior à condenação, à própria personalidade do condenado, ao seu modo de vida, aos seus antecedentes criminais e aos seus laços sociais e familiares.
Revertendo ao caso destes autos:
O recorrente encontra-se condenado a uma pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 11 (onze) crimes de furto qualificado (sendo um deles na forma tentada e os restantes na forma consumada) e 1 (um) crime de detenção de arma proibida.
Não lhe são atribuídos quaisquer outros antecedentes penais, tendo beneficiado, durante a reclusão, de 2 (duas) licenças de saída jurisdicional (LSJ), gozadas em Janeiro de 2022 e Junho de 2022, bem como de 1 (uma) licença de saída curta duração (LSCD), gozada em Março de 2022, todas com avaliação positiva; encontrando-se colocado em regime aberto no interior (RAI) desde 3 de Março de 2022;
Mostrando-se posto o cerne da decisão e da discordância do recorrente na questão da assunção da prática do crime, esta assunção, isoladamente considerada, até pode ser no caso compreensível face à postura que o recorrente sempre manteve, como é reconhecido na sentença, facto provado 3.1 [O recluso nega a prática dos crimes pelos quais foi condenado, referindo que se viu envolvido no processo porque era amigo de um dos seus coarguidos (também agente da PSP e igualmente recluído no EP ...), que «fazia coisas ilegais nos gratificados», acrescentando que lhe disse que não participaria em tal e que se continuasse a fazê-lo o denunciaria ao Comando, sendo que quando aquele foi detido o envolveu também na prática dos furtos; ].
Como muito esclarecida e adequadamente diz a decisão recorrida, fazendo ligação a esse facto, “… desde logo, cumpre referir que «não é, em rigor e nos termos legais, requisito de concessão da liberdade condicional (…) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta (…) A ausência de arrependimento pode ser sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se que a ausência de arrependimento significa perigo de cometimento de novos crimes. E também não pode dizer-se que um recluso que não revele arrependimento, ou não assuma mesmo a prática dos factos que levaram à sua condenação (em julgamento ou durante a execução da pena) não poderá nunca beneficiar de liberdade condicional antes de atingir cinco sextos da pena» (assim, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Dezembro de 2012, podendo encontrar-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016, ambos in www.dgsi.pt, respectivamente Proc. 1796/10.7TXCBR-H.P1 e Proc. 824/13.9TXLSB-J-L1-3).”
Ao contrário do que o recorrente pretende transmitir da leitura que fez da decisão recorrida e dos fundamentos vertidos na mesma e que conduziram ao indeferimento da sua pretensão, o acento tónico desta decisão reconduz-se à valorização das necessidades de prevenção especial (mais concretamente prevenção especial positiva), que o caso suscita em função da natureza dos crimes em questão nos autos e a quase nula interiorização do desvalor da sua conduta que o condenado revela nas suas atitudes face aos crimes praticado e às suas consequências.
Como esclarecidamente se mostra referido na resposta ao recurso, “… se situações existem em que, ainda assim, podemos colocar a possibilidade do arrependimento não ser essencial à concessão da liberdade condicional porquanto, assumindo o recluso o crime, estamos perante situação irrepetível, esse não é o caso dos autos pois não só as situações subjacentes aos crimes que estão na base da condenação não são irrepetíveis como o recluso nem sequer assume a sua prática. A este propósito cumpre anotar que o recluso não assumiu sequer, em audição alguma, a prática do crime mais inegável – o de detenção de arma proibida. Este traduz-se, em concreto, no facto de ter sido encontrado, na busca domiciliária realizada, um carregador da marca ..., municiado com 15 munições de calibre 9X19mm, tratando-se de um carregador com uso e próprio para pistola ..., modelo “...”, sem que o recluso tivesse uma arma com tais caraterísticas atribuída para o seu serviço profissional e sem que tivesse tal arma, de que o carregador faria parte, manifestada ou registada em seu nome, sabendo o recluso que o carregador, nas condições em que se encontrava, fora das condições legais e sem justificar a posse de tais objetos, consubstanciava conduta proibida. Ora, nem sobre esta factualidade o recluso se debruçou e admitiu a sua prática, o que só por si é indicador do grau deficitário da capacidade autocrítica do recluso e faz temer pela sua capacidade de reinserção social, em liberdade, e pela capacidade de afastamento do crime, circunstancialismo que anula tudo o que mais que de positivo ocorreu no percurso prisional do recluso. É que “sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos” (in João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino, Entre a Reclusão e a Liberdade, Pensar a Reclusão, volume II; Almedina, Coimbra, 2008, pág. 171).Este entendimento e conclusão não são obstaculizados pela inserção familiar, ausência de outros antecedentes criminais, decurso de expressivo período após os factos ilícitos e observância de regras penitenciárias que o recorrente invoca e que se mostra referida na decisão recorrida.”
À luz do pressuposto essencial assente nas necessidades de prevenção espacial que deverão postular a liberdade condicional nesta etapa do cumprimento da pena, a postura interior que o recorrente manifesta quanto a esses factos mostra-se preponderante para a aferição dessa prognose, mesmo necessária na perspectiva da eliminação de futuras acções anómicas, sem a qual estaria gravemente comprometida a exigência de prevenção especial.
De resto, a falta de interiorização crítica, quer do crime quer da pena, é um forte factor de risco de reincidência e inviabiliza a concessão da liberdade condicional, mormente numa situação de delitos graves e socialmente lesivos, como é o caso dos crimes contra o património em cuja presença nos encontramos.
Concordando, pois, com os fundamentos da decisão recorrida que se mostram equilibrados e criterioso, somos de confirmar a mesma, sendo por conseguinte, o recurso de improceder.

III.
Tudo visto e ponderado, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo recluso AA., confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas.
Feito e revisto pelo 1º signatário.
Évora, 10 de Janeiro de 2023
João Carrola (Relator)
Maria Leonor Esteves
Gomes de Sousa