Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
796/14.2T8SLV-A.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PENHORA
PRÉDIO
VENDA
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A compra e venda de um prédio, ocorrida posteriormente à sua penhora em execução, não fica afectada na sua validade, simplesmente não pode ser eficazmente invocada na execução onde aquela penhora teve lugar, pois que a penhora acarreta, para tal bem, a sua respectiva indisponibilidade
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes nesta Relação:

O embargante AA vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida no dia 18 de Junho de 2015 (agora a fls. 62 a 67), nos presentes autos de embargos de terceiro que havia instaurado no 2º Juízo Cível contra os embargados/a exequente “BB S.A.” e as executadas “CC, Lda.”, “DD S.A.” e “Urbisuperficie – Investimentos Imobiliários, Lda.”, e que julgou os embargos totalmente improcedentes, por não provados e ordenou a prossecução da execução – com o fundamento que aí é aduzido de que “o contrato promessa celebrado entre o Embargante e a sociedade ‘EE’ nunca poderia ter como efeito a transmissão de propriedade do bem, dado que a promitente vendedora não era, à data da sua celebração, proprietária”; para lá de que “a transmissão de propriedade para o Embargante, independentemente da posse deste sobre o imóvel, apenas era apta a ocorrer em 18 de Abril de 2007, data em que a sociedade vendedora entrou na propriedade do bem”; pelo que “tal data é posterior ao registo do arresto que se mostra registado em favor da Exequente” –, intentando a sua revogação e alegando, para tanto e em síntese, que deverá ainda vir a ser ampliada a matéria de facto, de modo a nela incluir “os factos respeitantes à posse do recorrente”. Pois que é certo que “o figurino obrigacional do contrato-promessa leva a que, em casos pontuais, se admita que a tradição da coisa determine o exercício de posse, em nome próprio, por parte do promitente beneficiário dessa tradição”. E essa relação de posse é oponível à execução e ao exequente pois, tendo-se iniciado em Janeiro de 2007, é anterior ao “arresto convertido em penhora de Abril de 2007” (em 04 de Abril de 2007), embora a compra e venda do prédio pelo embargante seja posterior (18 de Abril de 2007). Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso, vir a revogar-se a douta sentença recorrida, e julgando-se procedentes os presentes embargos de terceiro.
A embargada/exequente “BB S.A.” apresenta contra-alegações (a fls. 96 a 104 dos autos), para dizer, também em síntese, que não assiste razão ao embargante, pois tendo adquirido o prédio de quem sabia não ser o dono, “mostra-se afastada qualquer solução de direito que tivesse por base a aferição da sua posse” (é que “a matéria de facto alegada na petição de embargos referente à suposta posse nem sequer foi provada, nem tinha de o ser” aduz). Pelo que “não pode haver no caso em apreço, posse em nome próprio por parte do promitente-comprador, uma vez que quem supostamente teria dado azo a essa tradição, não o podia fazer”. Termos em que deverá ser mantida a douta sentença recorrida.
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Vêm dados por provados os seguintes factos:

1) Em 11 de Janeiro de 2007, o Embargante e a Embargada/Executada “EE, Lda.” celebraram um acordo que denominaram de “Contrato promessa de compra e venda”, nos termos do qual a segunda “promete vender ao Segundo Outorgante e este promete comprar” a fracção autónoma designada pelo n.º 18 e pelas letras “AZ”, no primeiro andar do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal.
2) Por acordo denominado de “Compra e venda”, celebrado a 18 de Abril de 2007, no Cartório Notarial foi declarado pela sociedade “CC, Lda.” que “vende, livre de ónus ou encargos, à sociedade ‘EE, Lda.” o imóvel referido supra em 1).
3) Por acordo denominado de “Compra e venda”, celebrado no dia 18 de Abril de 2007, no Cartório Notarial foi declarado pela sociedade “EE, Lda.” que “vende, livre de ónus ou encargos” ao Embargante o imóvel referido supra em 1).
4) Sobre o imóvel referido em 1) mostra-se registado, por apresentação datada de 04 de Abril de 2007, arresto a favor da sociedade “FF, Lda.”.
5) A sociedade Exequente, por acto de fusão registado pela apresentação nº 2/20110303, incorporou a sociedade “GG, S.A.”.
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se foram bem julgados os embargos no Tribunal a quo, no sentido da sua improcedência, por não poder ser transmitida a propriedade do imóvel ao embargante por quem não era seu proprietário. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Porém, salva sempre melhor opinião que a nossa, cremos ter a sentença recorrida decidido bem a problemática que lhe fora colocada nos embargos – pese embora se compreenda a posição algo incómoda em que fica o embargante tendo que abrir mão do prédio onde alegadamente habita (isto, naturalmente, a ser verdade que pagou já a totalidade do preço que fora estabelecido no contrato promessa de compra e venda que celebrou com a executada, e salvaguardando a hipótese de tal contrato não ter sido apenas outorgado para a vendedora escapar com o bem aos credores, já que o mesmo nem tem as assinaturas reconhecidas, nem o carimbo da sociedade vendedora no local onde assina um seu pretenso representante). Não seria de o embargante ter tido outro tipo de cuidados de que não curou, entregando, dessa maneira, o seu dinheiro, para mais a quem nem sequer constava do registo predial como proprietária do prédio? Pois que aquela sociedade promitente-vendedora não estava no registo como dona do prédio que foi objecto do negócio. Então, para que é que serve o registo? Para as pessoas consultarem antes de fazerem negócios. E porque é que o ora embargante o não fez? Ou se o fez e constatou que a promitente-vendedora não era proprietária do imóvel, não se importou com isso, contratou e terá pago, na mesma, o preço.
Ora, se assim foi, só se poderá (e deverá) queixar, agora, de si mesmo.
Pois que outorgou na promessa em 11 de Janeiro de 2007 e a promitente-vendedora só passou a ser proprietária do prédio em 18 de Abril de 2007 (data na qual veio, também, a outorgar no contrato definitivo de compra e venda).
[A douta sentença afirma, a tal propósito: “Com efeito, tendo a sociedade ‘EE’ adquirido, por escritura pública, em 18 Abril de 2007, a propriedade do imóvel, os seus poderes como proprietária, onde se incluem os poderes de disposição do bem, apenas existem a partir de tal data”.]
Ocorre, porém, que, nessa altura, já se encontrava registado o arresto da execução, em favor da exequente, mais precisamente desde 4 de Abril de 2007.

Consequentemente, a compra e venda posterior é inoponível na execução, e a oposição à penhora (arresto convertido), por embargos de terceiro, terá que improceder, como vem decidido na douta sentença agora objecto deste recurso.

É que, segundo o estatuído no artigo 819º do Código Civil, “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.
Dessarte, aquela compra e venda do prédio, ocorrida posteriormente à sua penhora na execução, não fica afectada na sua validade, simplesmente não pode ser eficazmente invocada na execução onde aquela penhora teve lugar, pois que a penhora acarreta, para tal bem, a sua respectiva indisponibilidade.

O embargante vem invocar que detém a posse do imóvel desde Janeiro de 2007, para pretender desencadear uma tutela possessória (e daí querer também a ampliação da matéria de facto da sentença àqueles factos relativos a essa posse).

Porém, onde está a prova de que o mesmo exercia poderes de facto sobre a coisa (até se pode admitir que sim, dados os contratos de luz e água que foram celebrados), mas como se dum seu proprietário se tratasse (o chamado animus), como exige o artigo 1251º do Código Civil?
Este segundo elemento é bem mais difícil de aceitar numa situação como a presente, em que o adquirente sabe (ou dispõe de todos os elementos para não ignorar, maxime o registo predial, que é de acesso público), que o transmitente não é o proprietário do bem prometido transmitir. É crível que alguém adquira a non domino, e passe logo a exercer, no seu espírito, os poderes equivalentes aos do direito que não lhe poderia ter sido transmitido? Até por uma questão quanto mais não seja de cautela psicológica, não será normal que aguarde primeiro que o promitente-vendedor adquira tais poderes para depois lhos transmitir e aí, sim, passar a exercê-los em nome próprio, como proprietário, exercendo entretanto uma mera detenção sobre o imóvel arrestado e penhorado na execução? É que, dada precisamente aquela normalidade da vida e do comércio jurídico, não será assim tão simples confirmar que o adquirente/embargante tenha a posse, como ele próprio pretende fazer crer no processo.

Consequentemente, nada se deverá censurar à douta sentença recorrida, não se justificando o inconformismo que o Apelante vem manifestar no recurso, pelo que se terá que manter, agora, o que foi decidido e, assim, intacta na ordem jurídica, a douta decisão impugnada, e improcedendo a Apelação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 4 de fevereiro de 2016

Canelas Brás

Jaime Pestana

Paulo Amaral