Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
37/19.6GCEVR-O.E1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
ARRESTO PREVENTIVO
PERDA ALARGADA
HIPOTECA
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O arresto preventivo assume-se como a medida de garantia patrimonial mais gravosa, gerando um vínculo de indisponibilidade, mais ou menos extenso, sobre o património do visado. Ficando, por essa via, o respetivo ius utenti, fruendi et abutendi irremediável e fatalmente restringido, tal mecanismo só deve ser utilizado subsidiariamente e ser restringido ao mínimo indispensável à garantia das obrigações patrimoniais do visado.
II – Neste domínio, ressalta o caminho imediatamente expresso no CPPenal, por via dos incisos que constituem os artigos 227º e 228º que apontando para a lei do processo civil, demanda que a determinação do arresto preventivo depende, desde logo, da verificação da existência dos requisitos de que a lei faz depender a decretação do arresto “civil”, sendo assim necessário que estejam reunidos: a) a titularidade indiciária de um direito de crédito; b) o justo receio de perda da garantia patrimonial.
III – Por seu turno, a Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, alterada em último pela Lei nº 13/2022, de 1 de agosto criou um mecanismo substantivo de confisco alargado, suscetível de apoderamento do valor do património ilícito do Requerido, mormente olhando ao regime inserto nos seus artigos 7º e seguintes.
IV – Este regime introduziu um mecanismo processual cautelar, capaz de assegurar a possibilidade mínima de cumprimento futuro de decisão final onde já não estão em causa os instrumenta ou os producta sceleris, as recompensas dadas ou prometidas, as vantagens, seu sucedâneo ou o seu valor, mas todo o património incongruente do Requerido.
V - O arresto preventivo de um bem onerado por hipoteca sendo possível, em nada colide com princípios da proporcionalidade e de razoabilidade pois, para além de finalidades dissemelhantes, obedecem a regimes jurídicos distintos.
VI - Enquanto a hipoteca se assume como um instituto que se destina a garantir o cumprimento de determinada obrigação, o arresto preventivo tem uma função puramente cautelar, visando a apreensão judicial de bens de molde a salvaguardar o receio da perda de garantia patrimonial do credor, em virtude de o devedor tornar ou poder tornar difícil a realização coativa do seu crédito. Tal como a própria designação anuncia, trata-se de uma medida cautelar / preventiva / provisória.
VII – Na presença de indícios consistentes apontando para o envolvimento do agente na prática de crime de tráfico de estupefacientes agravado, ao longo de algum tempo, sendo fortemente previsível que na presença do quadro existente, impenderá sobre aquele o dever de pagar quantia em que vier a ser condenado a titulo de vantagens da atividade ilícita, e na presença de que o único o património que poderá garantir esse pagamento consiste praticamente num imóvel hipotecado, havendo notícia que o mesmo ia ser vendido, podendo, assim, esfumar-se qualquer possibilidade de se efetivar o pagamento, estão reunidos os pressupostos referidos no artigo 391º do CPCiv.
VIII – De outra banda, estando indiciariamente desenhado o crime de tráfico de estupefacientes agravado, integrador do catálogo inserto no artigo 1º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro – cfr. alínea a) -, existindo sinais que denotam que o agente vinha sustentando e mantendo o seu nível de vida com o contributo desta prática criminosa e perante fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais, pode o arresto ser decretado, a todo o tempo, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no nº 1 do artigo 227.º do CPPenal, tal como decorre do plasmado no artigo 10º da citada Lei.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

A. Nos autos de Inquérito com o nº 37/19.6GCEVR que correm termos na Comarca de Évora, Juízo de Instrução Criminal, destinados a apurar factos integradores do cometimento dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado p. e p., pelos artigos 21º, nº 1, 24º alíneas j) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro e de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma, a Mmª JIC lavrou despacho, com data de 19/07/2022, a decretar o arresto preventivo requerido pelo Ministério Público da fração autónoma - do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida ..., ... – correspondente ao ..., na ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../...05 - C da freguesia ..., registada a favor da arguida AA.

B. A arguida, inconformada com tal decisão, veio recorrer da mesma apresentando as seguintes conclusões: (transcrição)
I. Da desproporcionalidade e falta de razoabilidade do arresto decretado face à hipoteca existente
1. Da descrição da fração autónoma junta pelo Ministério Público no seu requerimento, o imóvel encontra-se onerado com uma hipoteca voluntária de mútuo habitacional registada em 18/03/2021 a favor do Banco Santander Totta, S.A.
2. O arresto decretado consubstancia, na prática, o arresto de uma dívida hipotecária do valor supra indicado.
3. Consideramos que o arresto de um bem onerado com uma hipoteca com o valor referido não resultará na satisfação do crédito e, como tal, o seu decretamento não é, in casu, coerente, razoável, nem adequado e proporcional.
4. Ademais, a aquisição do imóvel remonta nove meses antes da primeira data de indiciação da arguida (1 de dezembro de 2021, facto 130. dos factos imputados em sede de despacho proferido após primeiro interrogatório judicial).
5. A segunda data de indiciação remonta ao dia 25 de janeiro de 2022 (facto 141.) e a atuação da arguida foi considerada acessória.
6. O que até determinou a revogação da medida de OPHVE a que se encontrava sujeita pelo Tribunal da Relação de Évora mediante acórdão proferido em 10 de maio de 2022 no âmbito do Apenso I destes autos (Processo n.º 37/19.6GCEVR-I.E1).
7. Não se mostra razoável que a arguida tenha obtido qualquer vantagem dessa forma elevada num tão curto espaço de tempo que justifique o arresto de um imóvel como aquele que foi arrestado.
8. O Tribunal a quo violou, assim, o disposto no n.º1 do Artigo 193.º do C.P.P., devendo a decisão recorrida deve ser revogada, determinando-se o cancelamento do arresto.
Se assim não se entender,
II.A ausência de probabilidade na existência de crédito
9. Na sequência de requerimento formulado pelo Ministério Público, mediante despacho datado de 19 de julho de 2022, foi decretado o arresto da Fração ..., do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida ..., ..., ..., na ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º.../...05 - C da freguesia ..., registado a favor da arguida AA.
10. O primeiro requisito para a procedência do arresto é a existência de direito sobre o requerido.
11. O arresto foi decretado com vista a assegurar a garantia “Da perda dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico ou do pagamento do valor a estes correspondente (al. b) do nº 1 do art. 227º do C.P.P.).
12. Contudo, o Ministério Público não alegou qualquer valor concreto ou aproximado referente às eventuais vantagens do facto ilícito típico.
13. Os factos indiciariamente imputados à arguida não indicam/contabilizam qualquer valor referente a eventuais vantagens decorrentes da alegada prática do crime.
14. Resulta, aliás, da decisão recorrida que “Apesar de ter sido solicitada a intervenção do Gabinete de Recuperação de Activos, a análise financeira e patrimonial não se encontra concluída”.
15. Não obstante o Tribunal a quo entender que -se assegurar que o identificado património existente na titularidade da arguida, possa servir de garantia ao pagamento a título de perda de vantagens da atividade criminosa em que aquela venha a ser condenada, conforme valor já indicado (sublinhado nosso), não se encontra contabilizado qualquer valor.
16. Também não se pode sequer afirmar que a arguida tenha recebido qualquer vantagem, sendo certo que o tipo do crime de tráfico de estupefaciente não requer a obtenção de contrapartida.
17. Por conseguinte, a decisão recorrida deve ser revogada, por falta de preenchimento de requisitos para o decretamento do arresto (máxime probabilidade da existência de crédito), pois os enunciados descritos pelo Tribunal a quo são insuficientes para o preenchimento dos pressupostos de que a lei faz depender o decretamento do arresto.
18. Ao decidir como o fez, o Tribunal a quo violou o disposto no Artigo 228.º do C.P.P., por referência à alínea b) do n.º1 do Artigo 227.º do C.P.P., incorrendo em erro de interpretação dos referidos normativos e em erro de subsunção dos mesmos ao caso em concreto.
19. Pelo que deve a decisão recorrida deve ser revogada, determinando-se o cancelamento do arresto.
Se assim não se entender,
III. O erro de julgamento e a violação do disposto no Artigo 193.º do C.P.P.
20. A fundamentação da decisão recorrida corresponde, quase que ipsis verbis, ao requerimento apresentado pelo Ministério Público e assenta, por um lado, em factos que não correspondem à inteiramente à verdade e, por outro, não ponderou corretamente o artigo 193.º do C.P.P. Vejamos:
21. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo entendeu que “Assim, e por ora, com excepção deste património imóvel que a arguida pretende vender não se conhece outro à arguida AA nem quaisquer outras fontes de rendimento que possam responder pelo valor incongruente que vier a ser apurado. Motivo pelo qual se mostra inviabilizada a prestação de caução económica”.
22. A recorrente não compreende como é que o Tribunal a quo chegou a esta conclusão, sendo a fundamentação omissa a este respeito e desconhecendo-se quais as diligências probatórias tomadas para aí chegar.
23. Ademais, essa afirmação trata-se a matéria meramente conclusiva sem alicerce em qualquer elemento de prova indicado pelo Ministério Público no seu requerimento.
24. Ainda assim, cumpre esclarecer que arguida, enquanto esteve sujeita à medida de OPHVE, trabalhou remotamente a partir do seu domicílio e auferiu rendimentos lícitos (o que poderia ter sido facilmente verificado através da base de dados da segurança social).
25. Existe, pois, erro de julgamento quanto a este aspeto, pois a arguida dispunha de rendimentos para prestar uma caução, caso lhe fosse solicitado.
26. Em segundo lugar, o Tribunal a quo partiu do pressuposto que a arguida beneficiou de elevados valores decorrentes dos factos ilícitos em investigação (“Efectivamente, sopesando o elevado valor de que a arguida beneficiou em decorrência dos factos ilícitos praticados e imputados, existe sério receio de que possa o seu património ser alienado ou onerado a curta prazo, assim se inviabilizando irremediavelmente a recuperação das vantagens auferidas, ficando, pois em risco a garantia do seu pagamento (sublinhado nosso).
27. Porém, conforme resulta da decisão recorrida, inexiste contabilização ao ponto de se poder afirmar que são elevados:
“sendo sério e real o receio que faltem as garantias do pagamento da quantia em que vier a ser condenada a título de vantagens da actividade ilícita
Assim, e por ora, com excepção deste património imóvel que a arguida pretende vender não se conhece outro à arguida AA nem quaisquer outras fontes de rendimento que possam responder pelo valor incongruente que vier a ser apurado”.
28. Não tendo sido carreado para os autos qualquer elemento probatório que permitisse afirmar que a arguida que a arguida beneficiou de elevados valores, existe erro de julgamento na parte em que se concluiu dessa maneira.
29. Em terceiro lugar, o Tribunal a quo também parte de um pressuposto factual do qual a arguida não está sequer indiciada: “É com base nas vantagens obtidas com a venda do produto estupefaciente que os arguidos sustentam o seu modo de vida”.
30. Dos factos indiciariamente imputados à arguida em sede de despacho proferido após primeiro interrogatório judicial (130. a 133., 141. a 149., 306. e 307.), constata-se que em momento algum se afirmou que a arguida sustentou o seu modo de vida com recurso à atividade de tráfico de estupefacientes (ao contrário dos arguidos indicados no ponto 1. do despacho de apresentação de arguidos detidos a primeiro interrogatório judicial).
31. De entre os factos que vão desde o final do ano de 2019 a janeiro de 2022, apenas é mencionada em duas ocasiões: 1 de dezembro de 2021 e 25 de janeiro de 2022.
32. Pelo que não podia o Tribunal a quo determinar o juízo conclusivo da obtenção de elevadas vantagens com a prática do crime.
33. Por fim, entendemos que a medida de garantia patrimonial decretada mostra-se desproporcional às exigências cautelares que se fazem sentir. Analisando:
34. Não obstante a arguida ter ficado sujeita à medida de coação de OPHVE após realização de primeiro interrogatório judicial, mediante acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, datado de 10 de maio de 2022, foi determinado que a arguida passasse a aguardar os ulteriores termos processuais em liberdade, sujeita à medida de coação de apresentações diárias, proibição de contactos e proibição de se ausentar da sua área de residência.
35. Esta alteração do estatuto coativo da arguida reflete a sua menor posição nos factos e no grupo de indivíduos que se encontravam em investigação, podendo concluir-se que esta não auferiu elevados proventos financeiros que justifiquem o arresto de um imóvel cuja propriedade está registada em seu nome.
36. Fazendo aqui referência a essa decisão, o Tribunal da Relação de Évora decidiu no sentido supra referido por entender que a atuação da arguida era meramente acessória: “Tudo para afirmar que os indícios existentes, dada a sua globalidade indiciadora com um peso nada negligenciável nas apreensões registadas, permitem a imputação à recorrente de um crime de tráfico agravado, praticado em co-autoria, mas o peso do ilícito quanto a si se deve restringir ao momento da sua adesão à actividade grupal”.
37. “Apreciemos os perigos cautelares que importa considerar no caso concreto. Tais perigos têm que ser limitados à situação da recorrente já que a maioria do “bando” ficou já sujeita à medida de prisão preventiva e não podemos determinar a situação desta arguida em função de uma actuação livre de um bando que se encontra preso”.
(…) Por outro lado o próprio tribunal recorrido reconhece quanto à arguida recorrente que “… a sua figura na actividade criminosa é nitidamente acessória”.
38. A arguida inseria-se no último grau de conjunto de pessoas e que, por conseguinte, o decretamento do arresto preventivo não se revela proporcional e necessário face às vantagens que a mesma possa ter obtido.
39. Não obstante a imputação do crime de tráfico de estupefacientes em coautoria com os demais arguidos, a posição concreta da arguida encontra-se circunscrita a dois momentos concretos que, salvo melhor entendimento, não reclamam o arresto do bem imóvel em causa, pois não é de prever que a arguida tenha obtido elevados lucros (desde logo pelo número de vezes e pela posição assumida).
40. Trata-se, pois, de uma medida de coação patrimonial extremamente desproporcional face à atuação da arguida e aos previsíveis ganhos que esta possa ter obtido.
41. Pelo que o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do Artigo 193.º do C.P.P., devendo a decisão recorrida deve ser revogada, determinando-se o cancelamento do arresto.
42. Perante todo o exposto, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por acórdão que determine o cancelamento do arresto decretado da Fração ..., do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida ..., ..., ..., na ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º.../...05 - C da freguesia ..., registado a favor da arguida AA.


C. O Digno Mº Pº, em primeira instância, respondeu ao recurso, sem apresentar quaisquer conclusões, propugnando pela improcedência do mesmo, invocando, em síntese: - Os autos, até ao momento, fornecem dados que permitam concluir que contra a arguida AA, existem fortes indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea j), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro;
- O disposto nos artigos 227.º e 228.º, do Código de Processo Penal, tendo por ponto de partida que o arresto preventivo tem por principal finalidade assegurar o confisco das vantagens, diretas e indiretas, do facto ilícito típico;
- A legislação em vigor estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, quando se verifique que com a prática do crime se geraram benefícios económicos a favor do agente ou terceiros;
- No caso dos autos e tendo por referência o teor das alegações apresentadas pela recorrente, verifica-se inexistir qualquer desproporcionalidade e/ou falta de razoabilidade do arresto decretado, tendo por argumento o facto do imóvel se encontrar previamente hipotecado a favor de uma instituição bancária até ao montante máximo de 114.570,00€;
- Inexiste qualquer incompatibilidade entre essa hipoteca e a medida cautelar de arresto, não só porque tais garantias reais foram constituídas a favor de sujeitos ativos distintos, como pelo facto das finalidades garantísticas associadas à hipoteca e ao arresto não conhecerem qualquer ponto em comum;
- Não compete à recorrente ajuizar se o arresto deste imóvel onerado com a hipoteca, atento o valor garantido, permitirá, ou não, satisfazer as necessidades e finalidades dessa medida cautelar, pois que, não só esse apuramento só poderá ser feito a final, no momento do acionamento dessas garantias, se acontecer, como, sobretudo, nada impede que a todo o momento seja satisfeito o crédito hipotecário, designadamente através da venda do imóvel com a liquidação ao Banco do valor garantido e correspondente distrate da hipoteca, permitindo-se, assim, à recorrente transmitir o bem livremente, caso o arresto não seja decretado, fugindo esse património do alcance da justiça;
- Em relação ao argumento de «ausência de probabilidade na existência do crédito», sempre se dirá que, igualmente, tal argumento não tem sustentação;
- Desde logo, refira-se que o despacho recorrido teve o cuidado e a oportunidade de elencar os fundamentos de facto e de direito em que alicerçou a sua decisão;
- Entre essa factualidade dada por fortemente indiciada, resultou a indicação da quantia monetária que se admite ser correspondente ao valor da vantagem alcançada pelos arguidos, aqui se incluindo a arguida recorrente, em concreto, um montante estimado não inferior a 152.950,00€;
- Mesmo que assim não se entenda, não está em causa nos presentes autos qualquer providência cautelar civil, mas antes, repete-se, a aplicação de uma medida de garantia patrimonial por via do arresto preventivo, tal como previsto no artigo 228.º, do Código de Processo Penal, e de arresto previsto no artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro;
- Neste quadro legal, o arresto pode ser decretado em qualquer fase do processo, antes ou depois do despacho acusatório e mesmo que ainda não tenha sido efetuada a liquidação do montante da incongruência patrimonial, não se impondo a contabilização exata do valor concreto referente às vantagens diretas ou indiretas da atividade ilícita, o que afasta, desde logo, o argumento vertido de que «não se encontra verificado o primeiro requisito para o decretamento do arresto: a existência do crédito»;
- Tribunal «a quo» não violou os normativos legais aplicáveis ao arresto preventivo do património da recorrente ou o regime substantivo relativo ao confisco das vantagens do facto ilícito típico, em qualquer das modalidades em que foi promovido, tendo resultado do despacho recorrido a devida enunciação das razões de facto e de direito que conduziram à decisão tomada;
- No que tange à alegada desproporcionalidade do arresto decretado, cumpre referir que, neste caso, os princípios da adequação e da proporcionalidade estão relacionados com a eficácia das medidas para as finalidades que se pretendem alcançar, no sentido de aquelas apenas poderem ser aplicadas se forem adequadas, apropriadas, para a prossecução dos fins visados;
- Analisados os autos e dando por reproduzidos os argumentos discorridos no despacho de promoção do arresto, corroborados pela decisão recorrida, não existem dúvidas que o arresto surge como a medida mais adequada para obviar à concretização do receio de diminuição de garantias patrimoniais de pagamento do valor do património incongruente e das vantagens do crime, não se verificando nem a recorrente alega qualquer outra medida adequada aos fins visados;
- Não se mostra ilegal, nem desadequada ou desproporcional a medida de garantia patrimonial aplicada à arguida, de que agora recorre, reputando-se a mesma, ao invés, como adequada, necessária e essencial para fazer face às exigências cautelares que o caso requer, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, n.º 1, 192.º, 193.º, n.º 1 e 4, 227.º e 228.º, todos do Código de Processo Penal, artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 7.º, 10.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, e artigo 110.º, n.º 1 e 4, do Código Penal.

D. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, acompanhando o posicionamento assumido pelo Ministério Público na 1ª instância – Não se vislumbra, assim, que os fundamentos invocados pela recorrente devam proceder, devendo a decisão recorrida ser mantida, improcedendo o recurso interposto[1].

Não foi apresentada qualquer resposta ao Parecer.

E. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que, ainda, nesta fase possam ser objeto de pronunciamento, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pela arguida, importa é saber se o arresto preventivo decretado o foi de acordo com os parâmetros legais e, consequentemente se o mesmo deve ou não ser cancelado.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido pronunciou-se da seguinte forma: (transcrição)

«Veio o Ministério Público requerer que seja decretado o arresto da Fracção ..., do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida ..., ... – ..., na ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../...05 - C da freguesia ..., registado a favor da arguida AA.
Mais requereu que seja dispensada a audição/notificação prévia da arguida como forma de acautelar a viabilidade e exequibilidade da eficácia útil de tal medida de garantia patrimonial, com que o que se concorda, não sendo obrigatória a audição prévia da mesma.
Ora, e acompanhando a promoção que antecede,
Contra a arguida AA e demais arguidos, existem fortes indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, e 24º, alínea j), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
Compulsados os autos, resulta fortemente indiciado, no que ora nos interessa, que:
Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o final do ano de 2019, que os arguidos BB e CC - actuando como líderes, mas de forma concertada, em colaboração mútua e em conjugação de esforços e de vontades com DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP - se dedicam à actividade de aquisição, transporte, armazenamento, divisão e, posterior, venda de produtos estupefacientes, designadamente, de cocaína e de haxixe, custeando todas as despesas do agregado familiar com os rendimentos que obtêm com essa actividade.
No desenvolvimento de tal actividade - actuando de forma concertada, em colaboração mútua, em conjugação de esforços e de vontades entre eles e com DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP -BB e CC receberam e guardaram as quantias em dinheiro provenientes das vendas da cocaína e do haxixe, determinaram os investimentos a fazer na aquisição de cocaína e haxixe, estabeleceram os contactos com os fornecedores nacionais e espanhóis, deslocaram-se ao ... e a ..., onde adquiriram cocaína e haxixe, e asseguraram o transporte da cocaína e do haxixe desde o ... e de ... até ao Bairro ..., em ....
No dia 1 de Dezembro de 2021, fazendo-se transportar no veículo de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-GJ-.., BB e PP dirigiram-se a ..., tendo atravessado a ..., ... - ..., a fim de adquirirem as quantidades não apuradas de cocaína e haxixe, que tinham encomendado no dia anterior.
Atrás de BB e PP seguiram QQ, AA e um indivíduo de identidade não apurada, que se faziam transportar num veículo ligeiro de passageiros de marca ..., de matrícula ..-..-RO.
Nesse dia, pelas 19H30, na Rua ..., BB, PP, QQ, AA e o indivíduo de identidade não apurada saíram dos mencionados veículos, dos quais retiraram dois sacos que continham as quantidades de cocaína e haxixe que tinham adquirido em ..., e entraram na residência do primeiro.
Ainda no referido dia, pelas 19h30m, BB colocou um saco com quantidades não apuradas de cocaína e haxixe no interior do veículo de matrícula ..-..-RO, no qual se encontravam QQ, AA e o indivíduo de identidade não apurada, que, após, seguiram em direcção a ....
No dia 25 de Janeiro de 2022, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca ..., de matrícula ..-..-VL, RR e SS dirigiram-se ao Bairro ..., em ..., sendo acompanhados por QQ e AA, que seguiam no veículo ligeiro de passageiros de marca ..., de matrícula ..-..-NF.
Já no Bairro ..., em ..., RR, SS, QQ e AA encontraram-se com BB, com quem estiveram a conversar.
Decorrido algum tempo, BB, PP, RR e SS entraram no veículo ligeiro de passageiros de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-GJ-.., QQ e AA entraram no veículo de matrícula de matrícula ..-..-NF e dirigiram-se todos a ..., passando a ponte ..., ... - ..., a fim de adquirirem haxixe.
Já em ..., no parque de estacionamento sito nas imediações do cemitério, depois de os imobilizarem, BB, RR, SS e QQ saíram dos veículos em que se faziam transportar e dirigiram-se ao veículo ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., de matrícula espanhola ...-5GBG – que nesse local também estava imobilizado - local onde conversaram com dois indivíduos de identidade não apurada.
Entretanto, chegou ao local o veículo de marca ..., modelo ..., de matrícula espanhola ....KNF, conduzido por um indivíduo de identidade não apurada.
De imediato, BB e PP entraram para o veículo de matrícula espanhola ...-5GBG, ... entrou no veículo de matrícula espanhola ....KNF e SS e QQ entraram para o veículo de matrícula ..-..-NF, onde se encontrava AA, e abandonaram o local, onde deixaram imobilizado o veículo de matrícula ..-GJ-...
Depois de adquirirem 43,700 quilos de haxixe, pelas 20H15, BB e PP
PP regressaram ao parque de estacionamento, fazendo-se transportar no veículo de matrícula espanhola ...-5GBG, onde também seguiam dois indivíduos de identidade não apurada, e ..., SS, QQ e AA regressaram a esse local, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-..-NF.
Já no mencionado parque de estacionamento, BB, TT, ... e SS entraram no veículo de matrícula ..-GJ-.., que aí tinha ficado imobilizado, tendo QQ e AA permanecido no veículo de matrícula ..-..-NF, no qual se encontravam os 43,700 quilos de haxixe.
Depois iniciaram viagem de regresso a Portugal, tendo BB, PP, RR e SS, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-GJ-.., seguido uns metros à frente do veículo de matrícula ..-..-NF, em que seguiam QQ e AA e onde se encontravam os 43,700 quilos de haxixe, a fim de avisarem estes se encontrassem alguma operação de fiscalização policial.
Ao actuarem repetidamente, de forma concertada e em colaboração mútua com BB, CC e PP, na execução de um plano previamente traçado, visando a obtenção de quantias em dinheiro, RR, SS, QQ e AA conheciam a natureza e características das substâncias estupefacientes que adquiriram, transportaram, manusearam, dosearam, detiveram, cederam e venderam a terceiros, sabendo tratar-se de cocaína e de haxixe, e quiseram proceder à sua aquisição, transporte, detenção, cedência e venda a terceiros e por valor de mercado que se estima não inferior a € 152.950,00 (cento e cinquenta e dois mil novecentos e cinquenta euros).
Mais conheciam RR, SS, QQ e AA os efeitos nefastos na saúde humana dos produtos estupefacientes por eles adquiridos, manuseados, doseados, detidos, vendidos ou por qualquer forma cedidos e actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas, reprováveis, proibidas e punidas por lei.
Tais factos resultam fortemente indiciados de:
1. Auto de notícia – fls. 3;
2. Auto de apreensão – cfr. fls. 10 e 11; 3. Auto de teste rápido – cfr. fls. 31;
4. Fotografia – cfr. fls. 32;
5. Relatório de perícia toxicológica – cfr. fls. 564;
6. Certidões de assentos de nascimento – cfr. fls. 913, 921; 7. Certidões de Registo Predial – cfr. fls. 930 a 941;
8. Relatórios intercalares– cfr. fls. 33 e 34, 45 a 47, 70 a 72, 91 e 92, 113 e 114, 134 a 136, 152 a 155, 184 a 186, 204 e 205, 222 a 225, 242 a 245, 263 a 265, 279 e 280, 296 a 298, 314 e 315, 332 a 334, 354 e 355, 371 e 372, 389 e 390, 402 a 405, 426 e 427, 446 e 447, 475 a 479, 502 a 504, 526 a 528, 551 a 554, 574 a 577, 598 a 601, 625 a 627, 649 a 651, 670 e 671, 693 a 701, 719 a 726, 756 a 758, 782 a 785, 852 a 860, 887 a 899, 961 a 965, 991 a 997, 1021 a 1026, 1068 a 1074, 1102 a 1106, 1142 a 1145, 1171 a 1174, 1200 a 1202, 1225 a 1230, 1264 a 1267, 1305 a 1308, 1333 a 1337, 1363 a 1369, 1399 a 1405, 1428 a 1435, 1462 a 1465, 1521 a 1528, 1556 a 1558, 1586 a 1589, 1612 a 1615, 1656 a 1659, 1691 a 1695, 1735 a 1738, 1776 a 1780, 1820 a 1825, 1885 a 1892, 1933 a 1936, 1986 a 1990, 2031 a 2035, 2102 a 2109, 2163 a 2168, 2223 a 2228, 2278 a 2289, 2380 a 2384, 2512 a 2516, 2596 a 2611, 2644 a 2647, 2688 a 2692, 2738 a 2743, 2786 a 2790, 2835 a 2841, 2887 a 2891, 2928 a 2932, 2969 a 2973, 3008 a 3011, 3048 a 3053, 3108 a 3114, 3152 a 3156, 3209 a 3215, 3218 a 3219, 3265 a 3271, 3316 a 3329, 3372 a 3378, 3430 a 3434, 3477 a 3480, 3520 a 3526, 3586 a 3593, 3633 a 3636, 3778 a 3782, 3835 a 3840, 3894 a 3899, 3976 a 3981, 4088 a 4091, 4128 a 4131, 4169 a 4174, 4313 a 4317, 4361 a 4364, 4409 a 4412, 4313 a 4317, 4361 a 4365, 4409 a 4412, 4902 a 4910;
9. Relatos de diligências externas - cfr. fls. 28, 41 a 44, 177 a 179, 202 e 203, 616, 682, 801 a 805, 1061 a 1067, 1122 a 1124, 1128 a 1132, 1379 a 1384, 1445 a 1447, 1476 a 1487, 1633 a 1638, 1641 a 1646, 1671 a 1680,1717 a 1724, 1755 a 1765, 1848 a 1857, 1860 a 1866, 1910 a 1914, 1964 a 1966, 2008 a 2023, 2058 a 2087, 2125 e 2126, 2194 a 2200, 2247 a 2252, 2402 a 2404, 2431 a 2436, 2487 a 2488, 2522, 2543; 2706 a 2710, 3025 e 3026, 3081 a 3086, 3176 a 3180, 3409 a 3412, 3457 a 3460, 3498 a 3503, 3549 a 3562, 3809 a 3819, 3862 a 3873, 3948 a 3953, 4073 a 4076, 4110 a 4114, 4895 a 4900;
10. Auto de vigilância com registo de imagem – cfr. fls. 1125, 1126, 1127, 1448, 1475, 1640,1676, 1716, 1754, 1859, 1976, 2007, 2057, 2193, 2246, 3087, 3175, 3408, 3456, 3548, 3808, 3861, 4109, 4894;
11. Autos de intercepção e gravação – cfr. fls. 65 e 66, 88 e 89, 105 e 106, 127 e 128, 170 e 17, 175 e 176, 197 e 198, 216 e 217, 234 e 235, 258 e 259, 274 e 275, 289 e 290, 310 e 311, 327 e 328, 350 e 351, 366 e 367, 383 e 384, 417 e 418, 420 e 421, 442 e 443, 464 e 465, 493 e 494, 515 e 516, 539 e 540, 566 e 567, 591 e 592, 614 e 615, 640 e 641, 663 e 664, 684 e 685, 713 e 714, 746, 774 e 775, 798 e 799, 875, 952 e 953, 979 e 980, 982 e 983, 1011 e 1012, 1089 e 1090, 1092 e 1093, 1119 e 1120, 1161 e 1162, 1191 e 1192, 1214 e 1215, 1246 e 1247, 1294 e 1295, 1319 e 1320, 1352 e 1353, 1386 e 1387, 1416 a 1417, 1451 e 1452, 1510 e 1511, 1547 e 1548, 1571 e 1572, 1601 e 1602, 1631 e 1632, 1672 e 1673, 1713 e 1714, 1751 e 1752, 1804 e 1805, 1869 e 1870, 1917 e 1918, 1970 e 1971, 2002 e 2003, 2088 a 2090, 2128 a 2130, 2203 a 2205, 2255 a 2257, 2354 a 2356, 2407 a 2410, 2490 a 2493, 2562 a 2564, 2628 a 2630, 2665 a 2668, 2717 a 2720, 2762 a 2765, 2808 a 2811, 2863 a 2866, 2947 a 2949, 2951 a 2953, 2993 a 2995, 3028 a 3030, 3090 a 3092, 3136 a 3133, 3184 a 3187, 3240 a 3243, 3297 a 3300, 3345 a 3347, 3400 a 3403, 3451 a 3453, 3494 a 3496, 3565 a 3567, 3610 a 3612, 3753 a 3756, 3803 a 3806, 3876 a 3878, 3955 a 3957, 4070 a 4072, 4105 a 4107, 4146 a 4148, 4293 a 4295, 4341 a 4343, 4394 a 4396, 4293 a 4295, 4341 a 4343, 4394 a 4396;
12. Apenso Escutas – Alvo 115247040, 115498080, 119047050, 119870040 e 120581040;
13. Apenso Escutas – Alvo 113748060; 14. Apenso Escutas – Alvo 111808040; 15. Apenso Escutas – Alvo 11884060; 16. Apenso Escutas – Alvo 121580040; 17. Apenso Escutas – Alvo 119542040; 18. Inquérito - Apenso 5/19....;
19. Autos de revista e apreensão – cfr. fls. 4422 e 4423, 4485 a 4487, 4496 e 4497, 4509 e 4510, 4577 e 4578, 4648 e 4649, 4648 e 4649, 4669 e 4670, 4736 e 4737, 4742 e 4743, 4888 a 4892;
20. Autos de busca a apreensão – cfr. fls. 4432 a 4439, 4442 a 4446, 4448 a 4453, 4464, 4465, 4466 e 4469 a 4476, 4478 a 4481, 4483 e 4484, 4499 e 4500, 4511 a 4513, 4515 a 4522, 4532 e 4533, 4535 a 4540, 4542 a 4547, 4549 a 4553, 4555 a 4559, 4570 a 4573, 4575, 4576, 4579 e 4580, 4590 a 4593, 4596 a 4600, 4602 a 4607, 4617 a 4628, 4630 a 4635, 4645, 4646, 4650 a 4657, 4650 a 4657, 4667, 4668, 4688 a 4690, 4699 a 4704, 4706 a 4710, 4712 a 4717, 4719 e 4720, 4722 e 4723, 4733 e 4734, 4738 a 4740, 4752 a 4759, 4769 a 4777, 4787 a 4789, 4795 a 4801, 4811 a 4813, 4819 a 4825, 4827 a 4833, 4834 e 4835, 4837 a 4841, 4849, 4850, 4851, 4853 a 4855, 4874 a 4880;
21. Autos de teste rápido e pesagem – cfr. fls. 4467 e 4468, 4594, 4647, 4691 a 4698, 4735, 4790, 4814 a 4818, 4852;
22. Auto de exame a avaliação – cfr. fls. 4791 a 4794; 23. CRC´s.

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Nos termos do disposto no artigo 228º, em articulação com o artigo 227º, ambos do Código de Processo Penal, quando haja fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias do pagamento de dívida para com o Estado relacionada com o crime, a requerimento do Ministério Público, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil.
1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.
3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo.
4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado.
5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta.
6 - Decretado o arresto, é promovido o respetivo registo nos casos e nos termos previstos na legislação registal aplicável, promovendo-se o subsequente cancelamento do mesmo quando sobrevier a extinção da medida.
7 - O arresto preventivo é aplicável à pessoa coletiva ou entidade equiparada.
No caso dos autos,
Apesar de ter sido solicitada a intervenção do Gabinete de Recuperação de Activos, a análise financeira e patrimonial ainda não se encontra concluída.
Assim, e por ora, com excepção deste património - imóvel que a arguida pretende vender - não se conhece outro à arguida AA nem quaisquer outras fontes de rendimento que possam responder pelo valor incongruente que vier a ser apurado.
Motivo pelo qual se mostra inviabilizada a prestação de caução económica.
Impõe-se assegurar que o identificado património existente na titularidade da arguida, possa servir de garantia ao pagamento a titulo de perda de vantagens da actividade criminosa em que aquela venha a ser condenada, conforme valor já indicado.
Efectivamente, sopesando o elevado valor de que a arguida beneficiou em decorrência dos factos ilícitos praticados e imputados, existe o sério receio de que possa o seu património ser alienado ou onerado a curto prazo, assim se inviabilizando irremediavelmente a recuperação das vantagens auferidas, ficando pois em risco a garantia do seu pagamento.
Não existindo um normativo que no Código de Processo Penal densifique o que seja o fundado receio que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de cobertura deste valor, poderemos seguir pistas de interpretação decorrentes da aplicação da remissão para a lei do processo civil.
A norma processual civil que indica os fundamentos desta figura é o artigo 391º do Código de Processo Civil, estando o procedimento e termos subsequentes previstos nos artigos 392º e ss. do mesmo diploma legal.
Refere este artigo 391º que,
1 - O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
2 - O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrariar o preceituado nesta secção.
Artigo 392.º
1 - O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.
2 - Sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, o requerente, se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduz ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação.
Artigo 393.º
1 - Examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.
2 - Se o arresto houver sido requerido em mais bens que os suficientes para segurança normal do crédito, reduz-se a garantia aos justos limites.
3 - O arrestado não pode ser privado dos rendimentos estritamente indispensáveis aos seus alimentos e da sua família, que lhe são fixados nos termos previstos para os alimentos provisórios.
A formulação legal deste critério do fundado receio de perda de garantias acaba por ser demasiado ampla, assumindo-se como tarefa do aplicador do direito em cada caso concreto proceder à sua conformação e aferição em face dos elementos que o processo disponha.
Existe extensa e variada jurisprudência sobre o assunto, sendo certo que não se poderá tratar de uma mera suspeita de perda de garantias ou um mero receio infundado, disperso, fruto de uma insegurança genérica, a justificar lançar mão desta providência.
Na doutrina, e a propósito deste conceito civilista, refere Antunes Varela que não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo, ou seja, é preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular.
No caso concreto, a arguida encontra-se, juntamente com os demais co-arguidos, fortemente indiciada da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º nº 1 e 24º alínea j), do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
É com base nas vantagens obtidas com a venda do produto estupefaciente que os arguidos sustentam o seu modo de vida.
Seguindo o Ac. do T.C. nº 724/2014, de 28/10/2014, "(...) os requisitos de que depende o decretamento do arresto, também em processo penal por força da remissão consignada no artigo 228º, nº 7, do CPP, respeitam tão só à aparência do direito de crédito e ao perigo da dissipação do património (cfr. artigo 391º e 392º do CPC)”.
Cabe ao requerente alegar e provar factos que tornem provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos.
O arresto é um procedimento cautelar que visa combater o "periculum in mora", isto é, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal e traduz-se numa apreensão judicial de bem tendente à garantia de um crédito, colocando-o na indisponibilidade do seu titular.
Por outro lado, o decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e do justo receio de que o devedor inutilize, oculte ou se desfaça dos seus bens, que em princípio integram a garantia do credor.
Quanto ao justo receito, e embora não seja necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efetiva, mas apenas que haja um receio justificado de que tal perda virá a ocorrer, é necessário que exista um receio seja concretamente justificado, não bastando o receio subjetivo, fundado em simples conjecturas.
O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o devedor tenha o propósito de adoptar ou adopte uma conduta, indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património susceptível de fazer temer pela sua solvabilidade do devedor para satisfazer o direito do credor.
Ora, descendo ao caso concreto,
Constata-se que à arguida AA apenas é conhecida a proprietária sobre a Fracção ..., do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida ..., ..., ..., na ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 2813/19... da freguesia ... e que o pretende vender - cfr. certidão predial;
A escritura de compra e venda encontra-se já agendada para finais deste mês de Julho -cfr. ref. Citius 3321737;
Não lhe são conhecidos quaisquer outros activos fínanceiros e patrimoniais, sendo sério e real o receio que faltem as garantias do pagamento da quantia em que vier a ser condenada a titulo de vantagens da actividade ilícita;
Pelo que os factos levam a concluir estarem verificados os requisitos de aplicação do arresto, consubstanciado no receio fundado de diminuição de garantias patrimoniais.
Por tudo o exposto, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 228º nºs 1, 5 e 6, e 227º nº1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, artigo 110º do Código Penal, artigos 3º nº 1, alínea d), 8º B, nº 3, alínea a), 8º C, nº 4, 9º nºs 1 e 2 alínea a), 95º, nº 1, alínea l) todos do Código de Registo Predial, e artigo 391º do Código de Processo Civil, decreto o arresto do seguinte bem, sempre na proporção limite dos respetivos valores apurados como vantagem da atividade criminosa, Fracção ..., do imóvel em propriedade horizontal sito na Avenida ..., ... – ..., na ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../...05 - C da freguesia ..., registado a favor da arguida AA.»

2.2. Thema Decidendum

Como acima se expendeu, a questão a decidir cinge-se à ponderação da verificação dos requisitos necessários para o decretamento do arresto preventivo.
Entende-se como pacífico, que o arresto preventivo se assume como a medida de garantia patrimonial mais gravosa, gerando um vínculo de indisponibilidade, mais ou menos extenso, sobre o património do visado. Por essa via, o respetivo ius utenti, fruendi et abutendi fica irremediável e fatalmente restringido[2].
Face a este potencial agressivo, igualmente se entende que tal mecanismo só deve ser utilizado subsidiariamente, sendo que nos termos do plasmado no artigo 228º do CPPenal, só poderá ser decretado quando a caução económica seja insuficiente, quer porque o visado não a prestou ou quando, desde o início, não garante o adimplemento das obrigações patrimoniais, penais e civis daquele.
Ademais do seu carácter subsidiário, o arresto deverá ainda ser restringido ao mínimo indispensável à garantia das obrigações patrimoniais do visado. O valor dos bens arrestados deverá ser proporcional ao valor que presumivelmente será declarado perdido, ou deverá ser entregue ao lesado. Arrestar todo o património, apesar de estar em causa uma pequena parcela do mesmo, violará os princípios da necessidade e da subsidiariedade das medidas de garantia patrimonial - artigo 193.º do CPPenal.
Neste conspecto, exubera, desde logo, o caminho imediatamente expresso no CPPenal, por via dos incisos que constituem os artigos 227º e 228º, onde ressalta este último que, de forma clara e inequívoca, aponta para a lei do processo civil.
O aludido palco legal demanda que a determinação do arresto preventivo depende, desde logo, da verificação da existência dos requisitos de que a lei faz depender a decretação do arresto “civil”, sendo que apelando ao artigo 391º, nº 1, do CPCivil, que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
Assim, para que seja decretado o arresto “civil” e, por via da aludida remissão, o arresto preventivo, é necessário que estejam reunidos os seguintes requisitos: a) a titularidade indiciária de um direito de crédito; b) o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Por outro lado, a criação de um mecanismo substantivo de confisco alargado, suscetível de apoderamento do valor do património ilícito do Requerido, olhando ao regime inserto nos artigos 7º e seguintes da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, alterada em último pela Lei nº 13/2022, de 1 de agosto, gerou também a necessidade de criar o correspondente mecanismo processual cautelar, capaz de assegurar a possibilidade mínima de cumprimento futuro dessa decisão final (já não estão em causa os instrumenta ou os producta sceleris, as recompensas dadas ou prometidas, as vantagens, seu sucedâneo ou o seu valor, mas todo o património incongruente do Requerido).
Faça-se notar, ainda, que a crescente globalização económica arrasta a volatilidade do património, criando facilmente oportunidades reais e imediatas para a fuga. Perseguir, depois, as suas pistas longínquas será, na maior parte dos casos, tarefa quase impossível. Um dos maiores problemas do confisco é, por isso mesmo, a sua execução. A decisão arrisca-se a ser qual miragem, contribuindo para a ideia de que certos criminosos são intocáveis.
Com efeito, aqueles que praticam crimes tendo em mente obter proventos económicos, certamente que tudo farão para que não se vejam posteriormente despojados dos mesmos e, por isso, crucial se torna inverter uma certa cultura judiciária centrada no momento da pena e, nessa medida, apostar na utilização destes instrumentos que, prevenindo / precavendo, podem garantir uma real e efetiva recuperação dos frutos / proventos / ativos gerados pelo crime[3].
Mergulhando nos considerandos explanados, olhando ao caso em apreço e aos argumentos aduzidos pela arguida recorrente, cumprirá então apurar da bondade do despacho em sindicância.
Em primeiro passo, vem defender a arguida recorrente a desproporcionalidade e falta de razoabilidade do arresto decretado face à hipoteca existente, entendendo que o imóvel encontra-se onerado com uma hipoteca voluntária de mútuo habitacional registada em 18/03/2021 a favor do Banco Santander Totta, S.A. (…) O arresto decretado consubstancia (…) o arresto de uma dívida hipotecária do valor supra indicado (…) o arresto de um bem onerado com uma hipoteca com o valor referido não resultará na satisfação do crédito (…) o seu decretamento não é, in casu, coerente, razoável, nem adequado e proporcional.
Cumpre dizer que, salvo melhor e mais avisada opinião, esta linha de argumentação não tem qualquer ancoradouro.
O arresto preventivo que aqui se questiona, e a hipoteca, para além de finalidades dissemelhantes, obedecem a regimes jurídicos distintos. Enquanto a hipoteca se assume como um instituto que se destina a garantir o cumprimento de determinada obrigação[4], o arresto preventivo tem uma função puramente cautelar, visando a apreensão judicial de bens de molde a salvaguardar o receio da perda de garantia patrimonial do credor, em virtude de o devedor tornar ou poder tornar difícil a realização coativa do seu crédito. Tal como a própria designação anuncia, trata-se de uma medida cautelar / preventiva / provisória.
Na verdade, a hipoteca não impede que o bem se possa dissipar, ser vendido, ser transacionado. O arresto preventivo pretende precisamente acautelar / salvaguardar a possibilidade de desaparecimento / dissipação / ocultação de um bem.
Acresce que in casu, não se descortina como pode a arguida recorrente afirmar que o arresto não é do bem, mas de uma dívida hipotecária. Obviamente que o arresto incide sobre uma coisa concreta – um imóvel -, que está onerado com uma hipoteca. Aliás se inexistisse qualquer vantagem / valor sobre o imóvel que se arrestou, por estar hipotecado, não reagiria a arguida recorrente à dita providência preventiva – não faria sentido questionar um arresto sobre um bem que, no seu dizer não resultará na satisfação do crédito.
Como o afirma o Digno Mº Pº - Não compete à recorrente ajuizar se o arresto deste imóvel onerado com a hipoteca, atento o valor garantido, permitirá, ou não, satisfazer as necessidades e finalidades dessa medida cautelar, pois que, não só esse apuramento só poderá ser feito a final, no momento do acionamento dessas garantias, se acontecer, como, sobretudo, nada impede que a todo o momento seja satisfeito o crédito hipotecário, designadamente através da venda do imóvel com a liquidação ao Banco do valor garantido e correspondente distrate da hipoteca, permitindo-se, assim, à recorrente transmitir o bem livremente, caso o arresto não seja decretado, fugindo esse património do alcance da justiça.
Deste modo, entende-se que sucumbe este vetor recursivo.

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Num segundo patamar, vem a arguida recorrente afirmar a ausência de probabilidade na existência de crédito, defendendo nesse seguimento (…) o arresto foi decretado com vista a assegurar a garantia “Da perda dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico ou do pagamento do valor a estes correspondente (al. b) do nº 1 do art. 227º do C.P.P.) (…) Os factos indiciariamente imputados à arguida não indicam/contabilizam qualquer valor referente a eventuais vantagens decorrentes da alegada prática do crime (…) Apesar de ter sido solicitada a intervenção do Gabinete de Recuperação de Activos, a análise financeira e patrimonial não se encontra concluída (…) Também não se pode sequer afirmar que a arguida tenha recebido qualquer vantagem, sendo certo que o tipo do crime de tráfico de estupefaciente não requer a obtenção de contrapartida.
Igualmente, aqui, parece não assistir razão à arguida recorrente.
Parece insofismável que a arguida recorrente não questiona, até ao momento, todos os indícios existentes e que a envolvem na prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado.
Também, parece cristalino, indiciariamente, que a arguida recorrente esteve envolvida – altura da sua detenção – num transporte de estupefacientes que, neste caso, assumia um valor não inferior a € 152.950,00 (cento e cinquenta e dois mil novecentos e cinquenta euros), tendo estado ligada a outro anterior transporte, pelo menos.
Faça-se ainda notar que à arguida recorrente, para além do salário que declarou auferir – 700 a 800 Euros (cfr. fls. 127 vº) – não se lhe conhecem outros rendimentos, tendo adquirido a fração em causa, a qual tinha em mente vender, estando já a escritura marcada.
Aspeto que cabe salientar, também, trata-se do envolvimento da arguida recorrente nesta prática ao longo tempo, sendo com base nas vantagens obtidas com a venda do produto estupefaciente que os arguidos sustentam o seu modo de vida.
Contrariamente ao que tenta denotar - não se pode sequer afirmar que a arguida tenha recebido qualquer vantagem, sendo certo que o tipo do crime de tráfico de estupefaciente não requer a obtenção de contrapartida -, naturalmente que se entregou a estas práticas para retirar proventos económicos – certamente que não pretende a arguida recorrente convencer que apenas anuiu no cometimento deste ilícito, de gravidade notória e por todos sabido que pode levar a penas de prisão pesadas, por mera generosidade / divertimento / displicência / passatempo.
Sopesando os dados acima enunciados, crê-se que elementos indiciários suficientes há que preenchem as exigências consignadas no artigo 391º do CPCivil, ou seja, a existência de um crédito e o receio de que se percam as garantias que o possam suportar.
Como se viu, há vários dados indiciários consistentes apontando para o envolvimento da arguida recorrente na prática de crime de tráfico de estupefacientes agravado, ao longo de algum tempo, sendo fortemente previsível que na presença do quadro existente, impenderá sobre a aquela o dever de pagar quantia em que vier a ser condenada a titulo de vantagens da atividade ilícita.
Por seu turno, e a arguida recorrente nunca o questiona, o património que poderá tal garantir consiste praticamente no imóvel aqui em causa, sendo que a mesma se preparava para o vender e, dessa forma, poder-se-ia esfumar qualquer possibilidade de se efetivar o pagamento.
Na realidade, desponta no caso sub judice, suficiente acervo indiciário de um circunstancialismo factual que faz antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, caso o arresto não tivesse sido decretado[5].
Todavia, mesmo que assim não entenda, o que se não concede, tal como o propugnado pelo Digno Mº Pº, exubera uma clara tela ilustrando as exigências expressas na Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, mormente o que reza o disposto nos artigos 7º e 10º.
É claro que o crime indiciariamente apontado à arguida recorrente integra o catálogo inserto no artigo 1º do mencionado diploma legal – cfr. alínea a).
Acresce que, dos dados até ao momento existentes e ainda que não se mostre concluída a análise financeira e patrimonial respeitante à arguida, há sinais que denotam que a mesma vinha sustentando e mantendo o seu nível de vida com o contributo desta prática criminosa.
Deste modo, tendo em atenção o que consagra no citado artigo 10º, verificando-se a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, pode o arresto ser decretado, a todo o tempo, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no nº 1 do artigo 227.º do CPPenal.
Surge como defensável, crê-se, que o arresto aqui tratado é decretado pelo juiz se existirem fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo consagrado no artigo 1.º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, sendo que na situação em ponderação, de todos os elementos até ao momento envergados são fortes os indícios da desconformidade do património lícito da arguida recorrente.
Ante todo o narrado, quer por uma via, quer por outra, há suporte para o decidido, soçobrando assim este traço recursório.
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Por último, atente-se na alegação da arguida recorrente - erro de julgamento e a violação do disposto no artigo 193.º do CPPenal.
Suporta a arguida recorrente todo este excurso, no fundo, em razões que se prendem com a leitura diversa da realizada pelo tribunal, da prova indiciária até ao momento carreada para os autos.
E, neste seguimento, vem defender que enquanto esteve sujeita à medida de OPHVE, trabalhou remotamente a partir do seu domicílio e auferiu rendimentos lícitos (…) Tribunal a quo partiu do pressuposto que a arguida beneficiou de elevados valores decorrentes dos factos ilícitos em investigação (…) Dos factos indiciariamente imputados à arguida em sede de despacho proferido após primeiro interrogatório judicial (130. a 133., 141. a 149., 306. e 307.), constata-se que em momento algum se afirmou que a arguida sustentou o seu modo de vida com recurso à atividade de tráfico de estupefacientes.
Em primeiro lugar, colhe referir que o facto da arguida recorrente ter estado a trabalhar enquanto sujeita à medida de obrigação de permanência na habitação, não tem qualquer relevo para o que aqui se avalia.
Como se extrai do alegado, tal ocorreu depois do cometimento dos factos pelos quais foi indiciada, sendo que a verdade é que antes dessa situação, como se mostra indiciado e não o nega, aquela esteve envolvida em tráfico de significativas quantidades de droga que, como acima já se enunciou, não terá sido por mera diversão e / ou sem qualquer intuito de ganhos de significado.
Importa ainda salientar, que as quantidades e tipo de estupefacientes envolvidos, ainda que como alega somente em duas situações, são por si só suficientes – crê-se – para ilustrar valores de monta. Há um valor já afirmado respeitante ao segundo “carregamento” (152.950,00 Euros) e decorre das regras da experiência comum.
Ainda que ostentando a arguida recorrente, ao que parece, um papel acessório em toda a dimensão factual em discussão nestes autos, tal não invalida o recebimento de vantagens com relevo, pelas razões já expostas.
Por fim, a circunstância de no despacho indiciário não se referir, expressamente, que a arguida sustentou o seu modo de vida com recurso à atividade de tráfico de estupefacientes, tal é de intuição possível face a todos os elementos coligidos até ao momento do decretamento do arresto pois, como claramente se afirma no dito despacho – fls. 1241 vº e 1242[6] - Existe perigo da actividade criminosa, porquanto os arguidos, não obstante se envolverem em actividades profissionais, utilizam também o tráfico de estupefacientes para garantir o próprio sustento (…).
Olhando o plasmado no artigo 193º do CPPenal, do mesmo emerge que apelando aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, o aplicador deve ater-se ao que é necessário e adequado às exigências cautelares que o caso requer; proporcionais à gravidade do crime e às sanções que potencialmente podem vir a ser aplicadas; as medidas mais gravosas só podem ser usadas caso outras se mostrem insuficientes ou inadequadas e; dentre as mais gravosas, sempre que se revelar suficiente para satisfazer as exigências cautelares, deve dar-se primazia à de obrigação de permanência na habitação.

Ante todo o retrato exibido, entende-se que as aludidas exigências decorrentes do inciso referido transparecem, pelo que não ressuma qualquer falha / erro do decidido pelo tribunal ad quo.
Assim sendo, improcede igualmente esta linha de defesa.
Não emergindo qualquer outra mácula que cumpra conhecer, entende-se que não merece qualquer censura o despacho em sindicância.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA e, consequentemente, decidem manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1 CPP e 8º, nº 5 e Tab. III RCP).

Évora, 10 de janeiro de 2023
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, nº 2, do C.P.P.)

Carlos de Campos Lobo - Relator
Ana Bacelar- 1ª Adjunta
Renato Barroso – 2º Adjunto

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[1] Cf. fls. 1265.
[2] Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo III Artigos 191º a 310º, 2ª Edição, 2022, Almedina, p. 656.
[3] Neste sentido, VETTORI, Barbara, Tough on criminal wealth: exploring the practice of proceeds from crime confiscation in the EU, 2006, Dordrecht, Springer, p. 114.
[4] A hipoteca constitui uma garantia que resulta da faculdade, atribuída ao credor hipotecário, de realizar o seu crédito à custa do bem que serve de garantia.
[5] Neste sentido, ABRANTES GERALDES, António Santos, Temas da Reforma de Processo Civil – vol. IV, 2010, 2ª edição, Almedina, pp. 186/187.
[6] Transcrição do despacho indiciário no Acórdão prolatado neste Tribunal da Relação de Évora em 10 de maio de 2022.