Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2161/17.0T8STR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: AVARIA
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A simples indicação de uma oficina não é reconhecimento de que existe a obrigação de eliminar o defeito ou arranjar a avaria; é apenas uma indicação do sítio onde colocar o carro sem mais outro compromisso que esse.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2161/17.0T8STR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) propôs a presente acção contra (…), Garantia e Assistência Automóvel, S.A., e (…), Automóveis, Unipessoal Lda., pedindo que fossem condenadas solidariamente, as Rés:
a) À reparação efectiva do veículo sinistrado, ou, caso não seja possível, tal reparação, ao pagamento de uma indemnização ao autor, correspondente ao valor do veículo, àquela data, relegando-se assim, tal montante para liquidação posterior, nomeadamente, para execução de sentença.
b) Ao pagamento da quantia de € 2.500,00 pelos custos suportados pelo autor com o veículo emprestado, dada a paralisação do veículo sinistrado e,
c) Ao pagamento de quantia nunca inferior a € 500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
d) Acrescendo, a todas as quantias supra requeridas, os juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação das Rés.
e) Ao pagamento, de todos os encargos legais com a presente acção.
Alegou que comprou, em Junho de 2013, um carro à 2.ª R. e que, na mesma data, no momento em que adquiriu a viatura identificada, celebrou com a 1.ª R. um contrato de garantia voluntária pelo um período de 12 meses.
Dentro deste período, o carro avariou (em Dezembro de 2013), por virtude de um incêndio, e o A. combinou logo com a 1.ª R. que esta iria buscar o carro e levá-lo à oficina que lhe havia sido indicada.
Mas até ao presente o carro não foi reparado recusando-se os RR. a assumir a responsabilidade.
Em Maio de 2014, o A. escreveu aos RR., informando que iria proceder judicialmente.
Mais alegou que esta situação lhe causou danos.
*
A 1.ª R. contestou invocando a caducidade do direito do A..
*
O 2.º R. também contestou.
*
Foi proferido despacho saneador que julgou caducado o direito do A..
*
Deste despacho recorre o A. alegando que foram violados os art.ºs 4.º da Lei da Defesa do Consumidor, n.º 24/96, de 31 de Julho, (com as alterações introduzidas), artº. 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril (com as alterações introduzidas), artº. 217.º, 331.º, 916.º e 917.º do Código Civil.
*
O 2.º R. contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
*
Foram colhidos os vistos.
*
Nas suas alegações, o recorrente vem dar uma versão dos factos mais completa, se assim podemos dizer, dos factos. Com efeito, nesta peça, e diferentemente do que escrevera na p.i., alega que logo deu conhecimento ao 2.º R. da avaria e que foi este que lhe indicou uma oficina.
Mas cremos que esta alteração não tem relevância.
*
Além dos factos acima descritos, cevemos ainda ter em conta que o A. propôs uma acção em Junho de 2014 cuja instância foi julgada deserta em Maio de 2017; isto porque o mandatário do A. renunciou ao mandato e o A. não constituiu novo mandatário.
Isto serve para dizer que ao problema dos prazos se aplica o disposto no art.º 327.º, n.º 3, por força do disposto no art.º 332.º, ambos do Código Civil. Assim, e de acordo com Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, «o efeito impeditivo do prazo, conseguido através do ato de propositura, mantém-se se o autor, absolvido da instância, propuser nova acção dentro do prazo de dois meses (…), contado desde o trânsito em julgado da decisão, mas só se a absolvição da instância se tiver fundado em motivo não imputável ao autor» (Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 1.º, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 552; negrito no original). Caso a deserção da instância não seja imputável ao autor, os efeitos substantivos da propositura da acção mantém-se por mais dois meses a contar do trânsito do respectivo despacho; caso o seja, não se mantém.
Resulta do que antecede que a acção anteriormente proposta em nada será aqui considerada pois que, mesmo que a presente tenha sido proposta dentro dos dois meses (como foi), a instância foi julgada deserta por conduta omissiva do A. (a não constituição de mandatário).
*
Temos, então, de considerar o tempo decorrido desde o momento da avaria, a interpelação dos RR. em Maio de 2014 e o momento da propositura da presente acção (Julho de 2017).
*
Manifestamente, já decorreram quaisquer dos prazos legalmente previstos; referimo-nos aos prazos estabelecidos nos art.ºs 917.º, 921.º, do Código Civil, e nos art.ºs 5.º e 5.º-A, do Decreto-Lei n.º 67/2003.
*
O recorrente alega que que ocorreu o impedimento do prazo de caducidade, nos termos do art.º 331.º porquanto praticou o acto (a denúncia do defeito) no prazo de dois meses. O certo é que a acção que vale é esta e não já a outra anteriormente proposta, como acima se expôs.
Alega ainda que as recorridas reconheceram de modo claro e inequívoco o direito do recorrente à reparação do veículo, criando no recorrente a expectativa de que os defeitos do veículo automóvel iriam ser reparados, promovendo diligências nesse sentido.
Não concordamos.
A simples indicação de uma oficina não é reconhecimento de que existe a obrigação de eliminar o defeito ou arranjar a avaria (note-se que a p.i. não é bem clara quanto a estes dois aspectos); é apenas uma indicação do sítio onde colocar o carro sem mais outro compromisso que esse. Da mesma forma, o pedido de reboque ao garante (a 1.ª R.) – e é só isto que vem alegado – não é reconhecimento do direito à reparação mas tão-só a utilização dos serviços de assistência em viagem.
A jurisprudência (de que se pode ver um resumo em Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, vol. I, t. IV, Almedina, Coimbra, 2005, p. 225) exige, de acordo com o disposto no art.º 331.º, n.º 2, Código Civil, que o reconhecimento do direito seja inequívoco «de forma a que não subsistam dúvidas de que o devedor aceitou o direito alegado pelo credor» (ac. da Relação do Porto, de 29 de Junho de 2006). Ou, como se escreve no ac. da Relação de Lisboa, de 19 de Maio de 2005, o «reconhecimento do direito como causa impeditiva da caducidade tem, assim, um conteúdo muito diverso do reconhecimento do direito enquanto causa interruptiva da prescrição (art.º 325º), na medida em que para efeitos de caducidade não basta um qualquer reconhecimento, como acontece com aquela, sendo antes necessário que o reconhecimento seja de tal ordem que tenha o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade».
No nosso caso, não temos reconhecimento claro do direito à reparação, seja por ou por outro dos RR.. O facto de a 1.ª R. ter ido rebocar o carro do A., do local onde ficou avariado até à oficina que ele lhe indicara, é apenas, como se disse, a utilização do serviço de assistência em viagem; mas não o reconhecimento, pela 1:º R., de que o A. tinha direito a que esta assumisse os encargos da reparação.
Além de que, face ao decurso do tempo, os efeitos substantivos que poderiam resultar da propositura da anterior acção perderam-se.
*
Alega, por fim, que a invocação da caducidade do direito do recorrente constituiria, até, um abuso de direito, na medida em que as recorridas levaram, durante algum tempo, o recorrente a acreditar que os defeitos seriam reparados.
Mas não vemos de maneira nenhuma que assim seja, que tenha havido um comportamento dos RR. que tenha criado aquela convicção. E menos ainda se vê que tal invocação «exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito» (artigo 334.º do Código Civil).
*
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 12 de Julho de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho