Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1239/09.9PBEVR.E1
Relator: PEDRO MARIA GODINHO VAZ PATO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CONSENTIMENTO
MEDIDA DA PENA
INDEMNIZAÇÃO
SENTENÇA
NULIDADE
Data do Acordão: 07/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA NULA A SENTENÇA
Sumário: I – O tipo prevenido no artigo 171.º do Código Penal entende-se melhor pelo recorte negativo, sendo que visa proteger não tanto o que cada um quer fazer mas antes o respeito pelo que outrem não quer.
II – Objectiva e latamente, é esta a própria «conduta típica»: o constrangimento de outrem à prática de um acto ou actos de cariz sexual, não desejados ou tão-pouco consentidos.
III – Os tipos em análise abarcam a própria amputação da liberdade de movimentos da vítima, posta em evidência como sendo o meio para o cometimento da ofensa e não um fim em si mesma, como o será no âmbito do tipo de sequestro ou de coacção.
IV – Sendo a fundamentação omissa quanto à indicação da prova de determinados factos e ao exame crítico do depoimento de testemunha e de relatório por esta subscrito, atinentes às sequelas psicológicas para a vítima, decorrentes da prática dos factos, a sentença é nula.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora

I – O Ministério Público e a assistente (…) (esta em representação da menor …) vieram interpor recurso da douta sentença do 2º Juízo Criminal de Évora que condenou (…), pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, do Código Penal, na pena de doze meses de prisão, e pela prática cada um de vinte crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 2, do mesmo diploma, na pena de três anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução sob condição do pagamento à demandante, no prazo de dois anos, da quantia de dez mil euros, quantia correspondente ao pedido de indemnização civil a cujo pagamento também foi condenado.
Da motivação do recurso apresentado pelo Ministério Público constam as seguintes conclusões:
«1 – Aceita-se toda a matéria de facto provada e não provada.
2 – O arguido praticou um crime de abuso de criança p. e p. pelo art. 171.º n.º 1 do Cpenal e 20 crimes de abuso de criança p. e p. pelo art.º 171.º n.º 2 do Cpenal. Foi punido pelo mínimo legal em cada uma das infracções, numa pena única de 5 anos de prisão suspensa sob condição.
3 – O grau de ilicitude foi muito elevado, o dolo directo, sendo ponderosas as necessidades de prevenção geral.
4 – A pena única de 5 anos de prisão mostra-se desajustada e não foi suficientemente fundamentada.
5 – Nomeadamente por razões de prevenção geral e face às demais exigências do art.º 71.º do Cpenal – que se mostra violado pela douta decisão recorrida – impõe-se a aplicação de penas parcelares levemente superiores ao mínimo legal com a consequente fixação de uma pena única próxima dos 7 a 8 anos de prisão.»
Da motivação do recurso apresentada pela assistente e demandante M constam a seguintes conclusões:
I – O douto Tribunal a quo andou bem ao condenar o Arguido pelos crimes por que este vinha acusado.
II – Porém, nos termos e para os efeitos do art.º 410.º n.º 2 do C.P.P. enferma a douta decisão de que ora se recorre, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova
III – O Arguido ocultou ao Tribunal que se encontrava a correr processo crime, em que tinha a mesma posição contratual em que lhe era imputado crime de violência doméstica, o que não foi tido em conta na apreciação dos factos e na medida da pena.
IV – Mais, foram mal interpretadas pelo Tribunal a quo, as provas dos Autos, com especial relevância destaca-se o depoimento da ofendida, o depoimento da Assistente, o depoimento da testemunha (…)e o depoimento da testemunha (…)e ainda a prova documental junta aos Autos.
V – Na interpretação das declarações da menor não foi devidamente tida em conta a fragilidade e idade actual da menor, não podendo extrair-se do medo inexplicável apontado pela menor o seu consentimento para a prática dos actos.
VI – O testemunho de (…)é inequívoco ao indicar que segundo o acompanhamento técnico feito à menor é possível concluir que se tratou de um abuso e não de um eventual relacionamento consentido.
VII – Enferma de erro a apreciação da prova sobre a idade da menor, que veio a concluir ter esta 14 anos à data dos factos.
VIII – Pois ficou patente e bem claro, dos depoimentos das testemunhas o conhecimento sobre a idade da menor à data dos factos que era de 11 anos na data do primeiro abuso e não de 14 como o douto Tribunal deu como provado.
IX – Não pode senão concluir-se que existe contradição entre a fundamentação e a decisão, na medida em que o arguido foi condenado por crime, que exige que a idade da vítima seja inferior a 14 anos, o que segundo o Tribunal não teria ficado provado mas sim que teria 14 anos.
X - Considerando ser elevado o grau de culpa do agente, como considerou o douto Tribunal a quo não pode ser dada relevância ao alegado consentimento da menor, como forma de graduação da culpa e determinante de uma pena “colada” ao mínimo da moldura penal.
XI – O crime em análise, Abuso sexual de menor, pode nalgumas circunstâncias não conter uma ameaça expressa, desde que a vítima seja compelida a submeter-se à vontade do abusador, como ocorreu.
XII – No caso sub judice ficou provado que a menor foi abusada por um adulto que bem conhecia a sua idade, e sabia que se aproveitava de uma situação de superioridade em oposição à fragilidade da vítima que à data teria entre 11 e 12 anos de idade.
XIII – Não se aceita que tenha ocorrido, e consequentemente deva ser dado como provado que a menor prestou o seu consentimento para a prática dos actos sexuais de que foi, inequivocamente, vítima.
XIV – Configurando-se essa hipótese, por mera cautela e dever de patrocínio, necessariamente será de concluir que a relevância e eficácia do consentimento desta é inexistente.
XV – O Tribunal “a quo” violou o art.º 38.º do C.P., em que estatui que o consentimento apenas será eficaz se prestado por maior de 16 anos, e se este tiver o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento que o presta.
XVI – Mais, a manifesta diferença de idade do abusador e da vítima deveria, por si só, ser elemento dissuasor da satisfação da sua lascívia, ainda que se pudesse atribuir à menor uma eventual iniciativa ou consentimento.
XVII – A menor, ofendida, encontrava-se evidentemente sujeita a uma vontade dominadora – a do abusador – o que impedia que esta pudesse dar um eventual acordo para os actos praticados entre ambos, e ainda que dado, seria sempre ineficaz e consequentemente irrelevante.
XVIII – A respeito do pedido cível, andou bem o Tribunal ao considerar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil delitual do art.º 483.º do C.C..
XIX – Porém, importa ainda graduar a necessidade punitiva do sacrifício exigido ao agente causador do dano.
XX – A culpa grave do arguido, provada nestes autos, determina necessariamente uma compensação pecuniária, uma verdadeira punição civil, em valor superior ao que este foi condenado
XXI – Não pode a Assistente conformar-se, com o valor atribuído a título de indemnização considerando as sequelas e danos sofridos pela vítima, pelo que o Arguido deverá ser condenado ao pagamento de € 50 000,00, provados que foram a totalidade dos danos.
XXII – O Tribunal “a quo” violou, como se pretende demonstrar, o disposto no art.º 71.º do C.P., por incorrecta e imprecisa aplicação.
XXIII – Apesar de considerar que o agente teve in casu um grau de culpa elevado, justifica a menor exigência dos limites da pena, pelo facto de antes o arguido já se ter visto privado da sua liberdade.
XXIV – Considerando os factos provados em juízo sempre se dirá não ser de aplicar ao caso concreto penas tão próximas do limite mínimo.
XXV – Necessariamente nos casos mais graves e nos crimes de maior ressonância ética, como o do caso em análise, os seus agentes terão de experimentar a privação da liberdade.
XXVI – O Tribunal a quo violou os art.ºs 38.º e 39.º do Código Penal referentes ao consentimento e sua eficácia, e ainda os art.ºs 50.º, 70.º e 71.º do mesmo diploma.
XXVII – Entendendo-se que não foi correcto o enquadramento jurídico dos factos, e a pena aplicada, e face às penas em que o agente deveria ter sido condenado, tal conduzirá a uma pena única diversa da aplicada pelo Tribunal “a quo”, penas essa que não virá a permitir a suspensão da sua execução.»
O arguido respondeu à motivação do recurso apresentado pela assistente e demandante, concluindo:
«1- A ofendida, apesar das insistências da Meritíssima Juíza para que lhe explicasse o medo que tinha do arguido e não conseguiu explicar, de forma credível, porque é que não se defendia do arguido, tomando medidas como: rodear-se de colegas no caminho do autocarro, evitar ir ter com o arguido, não entrar no seu carro ou, ainda, evitar responder às mensagens dele
2- A ofendida também não conseguiu explicar, ao longo de todo o seu depoimento, porque é que não contou a ninguém a relação que mantinha com o arguido, nem porque é que nunca pediu ajuda para se “libertar” do alegado abusador.
3- Todo o depoimento de (…) é um labirinto de hesitações, contradições e incoerências que demonstram, indubitavelmente, que a ofendida, pelo menos, no início, gostava da relação que mantinha com o arguido
4 - Objectivamente, todo o seu depoimento não é mais do que uma pura confissão, ainda que de forma indirecta, da assunção do seu relacionamento com o arguido.
5- Ao conjugarmos os depoimentos do arguido, da testemunha (…) e da ofendida, facilmente extraímos que arguido e ofendida mantiveram, durante algum tempo, uma relação como se fossem dois namorados; relação essa, que terminou por decisão da ofendida
6 -Se assim não fosse, não se compreende porque é que a ofendida confessou “de forma normal”, à sua amiga (…), que “andava envolvida com um homem mais velho e que era agradável estar com o arguido.
7 - Porque é que a ofendida não pediu ajuda, nem que fosse à sua melhor amiga para se libertar do alegado abusador?
Pelo contrário, tomou uma postura “descontraída” ao assumir, junto de (…), que mantinha tal relação com um homem mais velho e que tinha cuidado nas relações sexuais
8- Também não se entende porque é que a ofendida não queria que o arguido contasse à mãe dela.
9- Como refere e muito bem a Meritíssima Juíza “a quo”, o ideal seria o arguido contar à mãe da (…), pois assim, era uma forma de tudo terminar
10- Do seu depoimento facilmente se conclui que a (…) queria era que a mãe nunca soubesse que mantinha uma relação amorosa com um homem mais velho
11- Releve-se que tanto o arguido como a ofendida acabaram por confessar, em sede de audiência de discussão e julgamento, não fosse a idade de cada um e tudo se passaria como se fossem um casal normal.
12- O caso em apreço não é mais do que uma, já tão conhecida situação, de paixão ou namoro entre duas pessoas de idades díspares, sendo uma delas menor.
13- Apesar da menoridade da (…), nunca podemos esquecer que alguns dos jovens, nos dias de hoje, iniciam, desde muito cedo (10, 11 anos), a sua vida sexual, pelo que não são assim tão ingénuos no que diz respeito à sexualidade
14- É importante que não esqueçamos que as crianças e adolescentes têm, actualmente, acesso a todo o tipo de informação que lhes dá alguma defesa perante uma situação de abuso sexual
15- Atendendo aos factos provados em sede de audiência de discussão e julgamento e ao caso concreto, andou muito bem o colectivo do tribunal “a quo” ao aplicar a pena que aplicou.
16- Salvo melhor opinião, da decisão recorrida não decorre qualquer erro notório na apreciação da prova, nem contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
17- Entre a fundamentação da matéria de facto e teor da factualidade dada como provada e como não provada há perfeita compatibilidade, pelo que, tal facto permite-nos concluir que o tribunal “a quo” apreciou correctamente a prova feita em audiência de discussão e julgamento e, sobretudo, atendeu ao caso concreto, pois fazer justiça é também fazer pedagogia, é olhar para o comportamento e para a linguagem corporal dos sujeitos processuais e é dar segundas oportunidades
18- Por isso, andou muito bem o tribunal “a quo”ao aplicar ao arguido uma pena de prisão de cinco anos, suspensa na sua execução.
19- Igualmente andou muito bem o tribunal “a quo”ao arbitrar uma indemnização no montante de 10.000,00€, porquanto, em nosso modesto entender, se mostra suficiente para ressarcir a ofendida dos hipotéticos danos morais que tenha sofrido».
O Ministério Público junto desta instância emitiu parecer, onde afirma, por um lado, que improcede a questão da idade suscitada pela assistente, já que a douta sentença recorrida, embora não seja explicita, contem elementos objectivos que permitem auferir que os abusos sobre a vítima começaram quando esta tinha 11 anos; e, por outro lado, que a escolha e medida da pena em que o arguido foi condenado são adequadas
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões das motivações dos recursos, as seguintes:
-saber se a douta sentença recorrida deveria ter considerado o facto de o arguido ter pendente um processo em que lhe é imputado o crime de violência doméstica;
- saber se na douta sentença recorrida se verifica contradição insanável entre a fundamentação e a decisão por dela constar que a vítima tinha catorze anos de idade e o arguido ter sido condenado por crimes que supõem que a vítima tenha idade inferir a essa;
- saber se a douta sentença recorrida errou ao dar relevância ao consentimento da vítima para a prática de relações sexuais com o arguido;
- saber se a prova produzida, designadamente os depoimentos da vítima e da testemunha (…), assim como o relatório junto a fls. 490 a 493, impõe decisão diferente da tomada na douta sentença recorrida no que se refere ao facto de a vítima ter sempre consentido e desejado as relações sexuais que manteve como o arguido;
- saber se, face aos critérios legais, é ajustada, ou excessivamente benévola, a pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, em que o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico;
- saber se, face aos critérios legais, é ajustada, ou excessivamente reduzida, a quantia de dez mil euros como indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima.

III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:
«Realizada a audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos:
Quanto à culpabilidade:
1 – O arguido mantinha relações de amizade com o tio da menor (…), nascida a 14-5-1996, os quais moravam na (…).
2 – A partir de certa altura, o arguido passou também a relacionar-se com a mãe da menor, ficando amigos e ganhando a confiança dela.
3 – Sobretudo quando a menor ía à casa daqueles tios, o arguido passou a relacionar-se com a menor, ganhando a confiança dela.
4 – Aproveitando esse relacionamento, o arguido decidiu levar a menor, cuja idade bem conhecia, a manter com ele relações de sexo, com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos.
5 – Assim, em dia não concretamente apurado, mas por volta do Verão, da parte da tarde, quando a menor (…), se encontrava em casa dos tios na (…), o arguido convidou-a a ir com ele no veículo automóvel que ele conduzia, de marca Peugeot, de cor branca, levar umas pessoas que também a li se encontravam, a Évora, ao que a menor acedeu.
6 – No regresso quando se encontravam sozinhos, o arguido parou o carro numa zona desabitada, e beijou a menor na boca, despiu-a e acariciou-a, e beijou-a nos seios e na zona genital, satisfazendo, assim, os seus instintos libidinosos.
7 – Uma ou duas semanas depois, por volta do mês de Setembro de 2007, também em data não concretamente apurada, o arguido conseguiu que a menor entrasse novamente no automóvel por si conduzido, levou-a para um lugar isolado e acariciou a menor, despindo-a e tendo-se despido, também a si, introduziu o pénis erecto na vagina da menor, ejaculando para fora
8 – Enquanto assim procedia, o arguido, chamava nomes à menor, tais como: “vaca, puta e cabra”.
9 – Durante todo ano de 2008 e até Agosto de 2009, durante cerca de dois anos, o arguido manteve tais relações de sexo, com a menor (…), despindo-a e introduzindo o pénis erecto na vagina da dela, fazendo-o sobretudo dentro do veículo automóvel por ele conduzido, levando-a para locais isolados
10 – Numa ocasião, o arguido manteve tais relações com a menor, na residência, onde ele vivia, então, em Évora e, noutra ocasião, manteve tais relações no exterior do carro.
11 – Em todas as ocasiões, o arguido dirigia à menor, expressões como: “vaca, puta e cabra”
12 – Houve ocasiões em que o arguido fez com que a menor introduzisse o seu pénis erecto na boca dela, a fim de satisfazer os seus instintos libidinosos
13 – O arguido dizia à menor para não contar nada a ninguém.
14 – O arguido telefonava à menor e enviava-lhe mensagens, dizendo que ía ter com ela.
15 – No tempo de aulas, o arguido esperava pela menor, no caminho de regresso da escola e levava-a para dentro do carro que a seguir conduzia para locais isolados
16 – O arguido manteve com a menor tais relações muitas vezes, nalguns períodos, sobretudo, em tempo de aulas da menor, todas as semanas.
17 – O arguido manteve com a menor tais relações de sexo, pela forma descrita, durante cerca de dois anos, num total de vezes não inferior a vinte.
18 – Quis o arguido, de todas essas vezes, satisfazer os seus instintos libidinosos, o que conseguiu, sempre ciente de qual era a idade da menor.
19 – Sabia o arguido, ao agir da forma descrita, que tais condutas eram susceptíveis de prejudicar o desenvolvimento harmonioso da menor (…), na sua esfera sexual, em função da sua pouca idade.
20 – Sabia também o arguido, que punha em causa, a livre determinação sexual da menor, que não tinha idade para se determinar livremente, para a prática de actos sexuais daquela natureza, conforme o arguido bem sabia.
21 – Teve o arguido sempre plena consciência de qual era a idade da menor e, consequentemente, que a mesma tinha 14 anos de idade
22 – Agiu o arguido sempre deliberada e conscientemente, bem sabendo que lhe eram proibidas tais condutas.
Quanto à determinação da sanção:
23 - O arguido não tem antecedentes criminais.
24 - O arguido tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.
25 – Desde 2000 (com 22 anos de idade) que começou a trabalhar na construção civil como pedreiro, tendo tido alguns trabalhadores a cargo.
26 – Com 25 anos iniciou uma relação afectiva que terminaria em 2009, após sete anos de vida conjugal, alegadamente devido ao avolumar de conflitos entre o casal.
27 – Esteve em prisão preventiva entre 26-11-2009 e 12-12-2009, data em que lhe foi alterada a medida de coacção para a obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por vigilância electrónica.
28 – O arguido vive em casa dos pais, de quem se encontra dependente economicamente, pois não trabalha desde que foi sujeito às medidas de coação referidas em 27.
29 – Embora tenha sido recentemente regulado um regime de visitas, o arguido não mantém, por opção sua, quaisquer contactos com a filha com cerca de três anos de idade.
Da contestação:
30 – As relações sexuais que ambos mantiveram sempre foram consentidas e desejadas por ambas as partes.
31 – (…) sempre manteve a relação com o arguido em segredo.
32 – (…) só contou à sua irmã sobre a relação que havia mantido com o arguido depois de esta a ter pressionado relativamente às mensagens que recebia via SMS.
33 – Em 2003, a menor, com sete anos de idade, foi observada em consulta de pediatria por suspeita de abuso sexual, numa altura em que o arguido ainda não a conhecia.
Factos não provados:
Não se provou que:
a) Por diversas vezes, a menor disse ao arguido, que não queria continuar
b) A partir do mês de Agosto de 2009, a menor recusou-se a encontrar-se com o arguido e ele, continuou a telefonar-lhe e a enviar-lhe mensagens, tendo-lhe dito que, se não fosse ter com ele, dizia à mãe dela o que tinha acontecido, como forma de atemorizar a menor e de a pressionar a encontrar-se com ele e a ter tais relações.
Da contestação:
c) Enquanto (…) conduzia, (…) desapertou o fecho das calças do arguido e manipulou-lhe o pénis.
d) Estupefacto, constrangido e incomodado com a situação, o arguido perguntou-lhe: - “O que é que estás a fazer”?
e) Ao que (…) lhe respondeu: - “Não tenhas problemas que eu sei o que estou a fazer”.
f) Por iniciativa de (…), esta fez sexo oral a (…), tendo colocado o pénis deste na sua boca, levando-o ao orgasmo.
g) Desejando reencontrar-se com o arguido, (…) disse que tinha o seu número de telemóvel, porque o tinha roubado à tia.
h) (…) começou a beijar e tocar o arguido, demonstrando vontade de ter relações sexuais com o arguido.
i) (…) perguntou-lhe, mais uma vez, se sabia o que ela estava a fazer.
j) Ao que (…) respondeu que sabia muito bem o que queria e que ele não devia preocupar-se porque já tinha tido relações com outra pessoa e que não era virgem
m) O arguido teve relações sexuais com a menor em número inferior a vinte vezes.
MOTIVAÇÃO
No que concerne à globalidade dos factos constantes na acusação e dados como provados, descritos nos nºs. 1 a 22, consideraram-se as declarações do próprio arguido que admitiu, ter tido relações de cópula completa com a menor, bem como sexo oral, embora referindo ter sido com o consentimento da mesma, pois mantivera durante cerca de dois anos, um relacionamento íntimo.
Considerou-se ainda o depoimento da menor (…) na parte em que a mesma referiu que o arguido teve relações sexuais com ela em locais isolados, normalmente dentro do carro daquele. Referiu ainda que, o arguido a ía esperar à escola e a levava para os referidos locais, onde ocorriam tais relações. Também se relacionaram desta forma na casa do arguido.
Atentou-se ainda na seguinte prova documental:
- Certidão de assento de nascimento de fls. 195;
- Relatório de perícia médico legal de fls. 194 e 105;
- Documentação clínica de fls. 330 e segs.,
- Relatório da Associação do Chão dos Meninos de fls. 491 a 493;
- Relatório de Diligência Externa e Reportagem Fotográfica de fls. 470 a 474;
- Perícia de telemóvel constante no apenso I, fls. 13 e 14.
Para apurar os antecedentes criminais do arguido (nº. 23) atendeu-se ao CRC actualizado junto aos autos, a fls. 636.
Os factos atinentes à condição sócio-económica do arguido (nºs. 24 a 29) resultam do teor das respectivas declarações, coincidentes com o teor do relatório elaborado pelo IRS constante dos autos a fls. 608 a 612.
A factualidade vertida em 30 a 32, resulta do depoimento do arguido, da menor, na parte em que referiu que a presença do arguido lhe “era agradável”, da irmã da menor que relatou ter descoberto mensagens no telemóvel da (…), em que a mesma relatava “andar com um homem mais velho”, da amiga da menor, que disse que a menor lhe contou que “andava com um homem de trinta anos” e da mãe da menor, que ao longo dos dois anos em que a menor se relacionou com o arguido, não notou na mesma tristeza ou nervosismo.
O facto descrito em 33 resulta do teor do documento de fls. 330, confirmado pelo depoimento coincidente da mãe da menor
Factos não provados:
Não se provaram os factos descritos em a) e b), porquanto o arguido negou a prática dos mesmos. Por seu turno, a menor admitiu que, no início do seu relacionamento com o arguido, a presença daquela lhe era querida e agradável e que tal relacionamento só terminou quando a sua irmã, (…), descobriu. Não conseguiu explicar o motivo pelo qual quis terminar o relacionamento com o arguido e porque ameaçaria aquele, contar à sua mãe o sucedido se tal, contribuiria precisamente e previsivelmente para a continuação do relacionamento existente entre ambos.
A irmã da menor (…) e a mãe desta (…), durante os dois anos em que a menor se relacionou com o arguido, não detectaram qualquer comportamento anormal na mesma. A amiga da menor (…) disse que a menor lhe confidenciou que “andava com um homem mais velho” e que o fez, com naturalidade.
Não se provaram os factos descritos em c) a m), porquanto a menor (…) negou os mesmos e o arguido não os expôs de forma convincente.

B) DE DIREITO
DO CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA
Nos termos do artigo 171º, nº 1, do Código Penal, comete este crime quem, praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa.
A acção em causa é punida mais severamente se, o acto sexual de relevo consistir em cópula ou coito oral.
O preceito equivalente anterior à revisão do Código Penal operada pela Lei 59/07, de 4/9, tinha, na respectiva essência idêntica redacção.
O bem jurídico protegido pelas normas em consideração atém-se, numa acepção ampla e global, à “autoconformação da vida e da prática sexuais da pessoa”, expressão do Professor Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, em anotação ao Art. 163º, pág 445.
“Cada pessoa adulta”, continua o Ilustre Professor, “tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja quanto às práticas a que se dedica, seja quanto ao momento ou ao lugar em que a elas se entrega ou ao(s) parceiro(s), também adulto(s), com quem as partilha – pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado e este(s) nelas consintam”.
Traduz o que vem dito a liberdade de determinação sexual, reflexa no Código Penal e nominando o Capítulo V.
Se se quiser, cuidamos aqui de uma parcela da liberdade da pessoa humana, reconduzida à sua vivência e opções sexuais. Entende o legislador ser uma parcela inalienável da personalidade de qualquer pessoa e, como tal, merecedora e carecida de dignidade e protecção penais.
Os actos contra ela, são atentatórios do próprio sujeito, na medida em que as componentes humanas são incidíveis, surgindo conglobadas na pessoa. Sempre a ofensa sexual atinge a própria dignidade das vítimas, invadindo não apenas o seu corpo mas também e, se calhar aí deixando marcas indeléveis, o seu íntimo. O espaço de cada um de nós, de que se põe e se dispõe e em que se é ou deve ser soberano.
Reconhecendo esse espaço de ampla liberdade, ciente da franja de actos que atentam especificamente contra ele, comprimindo e invadindo-o intoleravelmente, assegura o Direito Penal a correspondente protecção.
Vale por dizer, que o tipo ora em análise, se entende melhor por recorte negativo, tendo que visa proteger não tanto o que cada um quer fazer, mas antes o respeito pelo que outrem não quer.
Melhor se entende, assim, esta liberdade.
Objectiva e latamente, é esta a própria “conduta típica”: o constrangimento de outrem à prática de um acto ou actos de cariz sexual, não desejados ou tão pouco consentidos.
Abarcam, assim, os tipos em análise, a própria amputação da liberdade de movimentos da vítima, posta em evidência como sendo o meio para o cometimento da ofensa e não um fim em si mesma, como o será no âmbito do tipo de sequestro ou de coacção. Vamos nos deter agora na definição de acto sexual de relevo, comum aos ilícitos penais descritos nos artigos referidos.
Relembrando Leal-Henriques e Simas Santos em anotação ao artigo 163 do CP, pág. 230 do 2º Vol.:
“Não é qualquer acto de natureza sexual que serve ao espírito do artigo, mas apenas aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo ser humano.
Estão nesta situação, por exemplo, o coito oral ou bucal, os actos de masturbação, os beijos procurados nas zonas erógenas do corpo, como os seios, a púbis, o sexo, etc.. Parece-nos que também deve incluir-se no conceito de acto sexual de relevo a desnudação de uma mulher e o constrangimento a manter-se despida para satisfação dos apetites sexuais do agente”.
Considerando o conteúdo conferido ao conceito em análise, que perfilhamos, considera-se que o arguido manteve relações sexuais com a menor que configuram sem qualquer margem de dúvida actos sexuais de relevo.
Ante a matéria dada por provada, da qual ressalta a tenra idade da ofendida, não restam dúvidas que o arguido praticou (artº 26º), com dolo directo (artº 14º, nº 1), um crime de abuso sexual de crianças a que alude o artigo 171, nº 1 do Código Penal e vinte crimes de abuso sexual, a que alude o art. 171, nº 2 do mesmo diploma.
Não se apura qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa pelo que se impõe a determinação da pena a aplicar.
A todo o crime corresponde uma reacção penal, pela qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada pelo arguido, partindo-se para o efeito do respectivo tipo legal.
O crime de abuso sexual previsto e punível pelo art. 171º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de um a oito anos de prisão.
O crime de abuso sexual previsto e punível pelo art. 171º, nº 2, do Código Penal, é punido com pena de três a dez anos de prisão.
Atendendo ao disposto no artº 71º, a medida concreta da pena determina-se em função da culpa do agente – a censurabilidade pessoal do acto proibido realizado, perante alternativas de condutas não proibidas – tendo ainda em conta as exigências de prevenção.
Os fundamentos da medida da pena aplicada devem constar expressamente da sentença, assim o impondo os Art.º 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 374º, nº 2, e 375º, nº 1, do Código de Processo Penal e 71º, n 3 do Código Penal.
Para graduar em concreto a pena, cumprirá observar o critério fornecido pelo nº 2 do artº 71º, ou seja, atender a "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele".
A exigência de as circunstâncias referidas, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes) não integrarem o tipo legal de crime, é corolário do facto de já haverem sido contempladas pelo legislador na determinação da moldura legal, em não o sendo assim, ofender-se-ia o princípio “ne bis in idem'", A. Robalo Cordeiro, Escolha e medida da pena, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pág. 272.
Assim, é pela dimensão da culpa – que a pena não pode ultrapassar – que se vai determinar o limite superior da pena, como impõe o nº 2 do artº 40º.
Este trecho legal verte o princípio geral e fundamental de que o Direito Penal é estruturado com base na culpa do agente, comungando da defesa da dignidade da pessoa humana, com expressão constitucional.
Há que tomar em linha de conta, também, as exigências de prevenção geral que traçam uma moldura interior, a situar no limite da culpa.
E será dentro da moldura da prevenção geral que se fixará a pena a aplicar, considerando as necessidades de prevenção especial, isto é, atendendo às exigências de ressocialização e reintegração do agente.
Considerando, o grau de ilicitude da conduta do arguido - muito elevado -, estando em causa um bem jurídico com elevada protecção jurídica no nosso ordenamento, como sejam a liberdade sexual.
O dolo directo que imprimiu às suas conduta;
As consequências emocionais para a ofendida, que se viu limitada na sua liberdade;
Este tipo de crimes pela sua natureza e repercussão social, causam grande alarme, tornando ponderosas as necessidades de prevenção geral.
No caso concreto, essas exigências não são maiores, uma vez que o arguido já esteve limitado da sua liberdade, durante um ano, por força das medidas de coacção impostas nestes autos.
A seu favor:
-A inexistência de antecedentes criminais;
Pelo exposto:
- fixa-se em um ano de prisão, a pena pelo crime de abuso sexual previsto e punível pelo art. 171º, nº1, do Código Penal.
- fixa-se em três anos de prisão, a pena por cada um dos vinte crimes de abuso sexual previsto e punível pelo art. 171º, nº 2, do Código Penal.
Operando o necessário cúmulo jurídico, atendendo ao limite mínimo de três anos de prisão e ao limite máximo de vinte e cinco anos de prisão, fixa-se a pena única de cinco anos de prisão.
De acordo com o Artº. 50º, nº 1, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, cfr. Art.º 50º, n.º 1.
E em o julgando conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta.
Considerando as circunstâncias em que foram praticados os crimes e ao facto de este não ter antecedentes criminais, entende-se que a censura do facto e a ameaça da execução da pena de prisão são aptas a assegurar as finalidades da punição, pelo que, se determina a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada, pelo período de cinco anos.
A suspensão em causa será, sujeita à condição de o arguido, pagar à demandante cível, no prazo de dois anos, a quantia de dez mil euros.
Do Pedido de indemnização civil deduzido por M:
A menor, representada pela sua mãe, deduziu pedido cível contra o arguido no montante de € 50 000, a título de danos morais.
O demandado contestou.

Dos factos:
Consideram-se assentes os factos dados como provados descritos “supra”.
Nada mais se provou ou não provou com interesse para a decisão da causa.
Do Direito:
Responsabilidade Civil:
Pressupostos:
Dispõe o art.º 129.º, do Código Penal que “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”.
Nesta matéria rege a norma contida no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”.
São, por conseguinte, os seguintes os pressupostos da responsabilidade civil subjectiva ou por factos ilícitos (vide quanto a esta matéria, João de Matos Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 7.ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 1993, págs. 508 a 620):
- O facto voluntário do lesante, consubstanciado numa acção ou numa omissão “… objectivamente controlável ou dominável pela vontade.” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 520);
- A ilicitude, que se traduz na “… reprovação da conduta do agente no plano geral e abstracto em que a lei se coloca…” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 534), consubstanciada na violação de um direito de outrem ou de norma legal destinada à tutela de interesses alheios. A ilicitude “… reporta-se ao facto do agente, e não à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes) do resultado (lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz.” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 523);
- A imputação do facto ao lesante (culpa): a violação ilícita tem que ser praticada com dolo ou mera culpa, no âmbito do que preceitua o art.º 483.º, n.º 1, para que seja susceptível de gerar responsabilidade. “Agir com culpa, significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 554);
- O dano, entendido como “… a lesão causada no interesses juridicamente tutelado.” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 591-593);
- O nexo de causalidade entre o facto e o dano, manifestado na teoria da causalidade adequada, expressamente acolhida no art.º 563.º, do Código Civil, segundo a qual “… o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido.” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 897).
O titular do direito de indemnização será aquele que foi directamente visado com a conduta do arguido, como o é no caso o demandante civil.
Posto isto e sabendo-se já (por via da análise encetada para efeitos de enquadramento jurídico-penal dos factos) que se verificou por parte do arguido o cometimento de um facto ilícito decorrente da prática do crime que lhe foi imputado, sob a forma dolosa, resta aferir, face à factualidade demonstrada, se se verificam os demais pressupostos geradores da responsabilidade civil e subsequente obrigação de indemnizar (dano e nexo de causalidade entre os factos e o dano).
O dano moral corresponde, no dizer de Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, Tomo I, parte geral, 1999, pág. 167, “à supressão de vantagens não patrimoniais”. Já Almeida Costa, op. cit., pág. 497, configura estes danos “como aqueles que não são susceptíveis de avaliação pecuniária (…) os que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral”. Exemplifica com “o sofrimento causado pela morte de uma pessoa”.
Provou-se que o arguido manteve relações de sexo com a menor.
Tal comportamento, atendendo ao carácter íntimo do mesmo e à idade da menor, é susceptível de causar danos morais à menor, pelo que, entendemos adequado fixar em:
- dez mil euros, o montante devido à demandante, a título de danos morais.
As indemnizações por danos não patrimoniais devem ser fixadas por referência à data da prolação da decisão em primeira instância, com recurso a juízos de equidade, apenas sendo devidos juros de mora a partir dessa data até efectivo pagamento (cfr. Acórdão uniformizador do STJ 4/2002, de 9 de Maio).»

IV 1. – Cumpre, assim, apreciar cada uma das questões suscitadas pelos recorrentes.
Quanto à questão, suscitada pela assistente e demandante, da omissão da consideração na douta sentença recorrida da pendência de um processo em que ao arguido é imputada a prática de um crime de violência doméstica, é óbvio que, não tendo havido condenação transitada em julgado, por imperativo do princípio da presunção de inocência do arguido, nunca tal pendência poderia ser considerada na escolha e determinação da pena em que o arguido foi condenado.

IV 2. – Alega a assistente de demandante que na douta sentença recorrida se verifica contradição insanável entre a fundamentação e a decisão por dela constar que a vítima tinha catorze anos de idade e o arguido ter sido condenado por crimes que supõem que a vítima tenha idade inferir a essa.
Trata-se, porém, e tão só, de um lapso manifesto na redacção do número 21 do elenco dos factos provados. Aí se afirma: «Teve o arguido sempre plena consciência de qual era a idade da menor e, consequentemente, que a mesma tinha 14 anos de idade. Ora, do ponto 1 desse elenco consta que a vítima nasceu a 14/5/1996 e dos pontos 5 a 9 consta que os factos em apreço decorreram entre o Verão de 2007 e Agosto de 2009, ou seja, quando a vítima tinha entre onze e treze anos. Logo, é manifesto que se pretendia dizer, no referido ponto 21, que o arguido tinha plena consciência de que a vítima tinha menos de catorze anos.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 380º, nº 1, b) e nº 2, do Código de Processo Penal, determina-se que no ponto 21 do elenco dos factos provados, onde se lê «que a mesma tinha 14 anos de idade», deva ler-se «que a mesma tinha menos de 14 anos de idade».

IV 3. – Vem a assistente e demandante alegar que a douta sentença recorrida errou ao dar relevo ao consentimento da vítima quanto ao relacionamento sexual que com ela manteve o arguido. Evoca, para tal, o disposto no artigo 38º, nº 3, do Código Penal, («O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos e possuir o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta»), relativo ao consentimento como causa de exclusão de ilicitude.
Vejamos.
Não pode dizer-se, sem mais, que a douta sentença recorrida deu relevo ao consentimento da vítima quanto ao relacionamento sexual que esta manteve com o arguido. Não o fez, nem poderia tê-lo feito, quanto à condenação do arguido pela prática de crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 e 2, do Código Penal. Este tipo de crime supõe a prática de acto sexual de relevo com menor de catorze anos independentemente do caracter consentido, ou não, dessa prática. Estamos perante um crime contra a auto-determinação sexual, e não um crime contra a liberdade sexual. Se estivessemos perante relações não consentidas, poderia verificar-se a prática de crimes de coacção sexual ou violação, agravados pela idade da vítima (ver artigos 163º, 164º e 177º, nº 5, do Código Penal). A condenação por esses crimes representaria, no caso em apreço, uma alteração substancial de factos, nos termos do artigo 1º, f), do Código de Processo Penal.
O legislador considera que a criança menor de catorze anos não tem e maturidade necessária para dar o seu consentimento para um acto deste tipo. E que uma relação sexual entre um adulto e uma criança representa sempre uma instrumentalização ou “coisificação” desta que – é de presumir - afectará o seu salutar e harmonioso desenvolvimento na esfera afectivo-sexual. Presume o legislador que a experiência precoce e traumática dessa instrumentalização não deixará de afectar esse crescimento, a sua vivência posterior do relacionamento afectivo-sexual e, nesse medida, a sua auto-determinação nesse campo. Estamos perante um crime de perigo abstracto que se basta com esta presunção juris et de jure e dispensa a prova dos referidos danos em concreto.
Mas pode dizer-se que tem algum relevo discutir, como se fez no caso em apreço, se o relacionamento entre o arguido e a vítima foi por esta consentido e querido. Se tal não se verificasse, mesmo que não chegasse a ser preeenchida a previsão dos crimes de coacção sexual ou violação, a conduta do argudio seria mais grave e justificar-se-ia uma pena mais severa. Tal como seriam mais acentuados os danos sofridos pela vítima e, desse modo, também por isso.se justificaria essa pena mais severa, tal como se justificaria a fixação num montante mais elevado da indemnização devida à vítima. Saber em que medida esse facto se deve repercutir na medida da pena a aplicar ao arguido e se deve repercutir na fixação da indemnização devida à vítima são questões a apreciar a propósito da análise dessas outras matérias.
IV 4. – Vem a assistente e demandante alegar que a prova produzida, designadamente os depoimentos da vítima e da testemunha (…), assim como o relatório da Associação “Chão de Meninos” junto a fls. 490 a 493, impõe decisão diferente da tomada na douta sentença recorrida no que se refere ao facto de a vítima ter sempre consentido e desejado as relações sexuais que manteve com o arguido
Transcreve passagens de depoimentos de onde resultará que as relações sexuais entre o arguido e a vítima não eram por esta consentidas, contra o que se deu como provado na douta sentença recorrida.
A saber, e no que se refere ao depoimento da vítima (gravado digitalmente entre as 14 horas e 55 minutos e 59 segundos e as 15 horas e 26 minutos e 33 segundos do dia 3 de Dezembro de 2010):
«Aos 00h05m00s
“Merítissima Juíza Presidente: Porque é que durante estes dois anos foste sempre com ele?
(…): Porque ele ameaçava que ia ter com a minha mãe.
Merítissima Juíza Presidente: A partir de um dado momento vocês deixaram de se encontrar, isso porquê?
(…): … Desculpe?...
Merítissima Juíza Presidente: Porque terminaram os encontros?
(…): Porque eu comecei a ter medo dele.
Meritíssima Juíza Presidente: E depois?
(…): e depois o meu pai começou a ir buscar-me à escola.
Merítissima Juíza Presidente: a tua irmã já tinha descoberto?
(…): Foi antes.”
Aos 00h06m32s
“Merítissima Juíza Presidente: Houve aqui uma vez em que houve sexo oral. Foi ele que sugeriu? Que te pediu?
(…): Foi ele que me obrigou.”
Aos 00h06m32s
“Merítissima Juíza Presidente: Porque é que durante dois anos não deixaste? Porque simplesmente não terminaste estes encontros?
(…): Porque ele ligava à minha mãe.
Merítissima Juíza Presidente: Ele ameaçava ligar à tua mãe
(…): Não, ele ligou mesmo.
Meritíssima Juíza Presidente: Mas a um determinado momento tu recusaste os encontros com ele. Então mas tinhas ainda medo que ele contasse à tua mãe?
(…): Sim, ele continuava a ameçar e a ligar à minha mãe.
Merítissima Juíza Presidente: Mas não chegou a dizer directamente o que se passava contigo?
(…): Não.
Merítissima Juíza Presidente: Então o que te levou a dizer «Não vou mais ter contigo» ou «não venhas mais ter comigo»?
(…): Porque ele dizia à minha mãe que era para falar com ela sozinho.
Merítissima Juíza Presidente: Nessa altura não ficaste com a ideia que ele ia mesmo contar à tua mãe?
(…): Eu tinha medo que ele fizesse alguma coisa à minha mãe..
Meritíssima Juíza Presidente: Mas terminaste os encontros com ele … porque é que a determinada altura resolveste arriscar?...
(…): Eu estava com muito medo..
Merítissima Juíza Presidente: O que podia fazer de pior?
(…): Não sei…”.
Aos 00h09m36s
“Merítissima Juíza Presidente: As situações em que ficavam sozinhos no carro, eram provocadas por ele?
(…): Sim.
Merítissima Juíza Presidente: Porque é que tu ias?
(…): Tinha medo..
Meritíssima Juíza Presidente: Era esse medo que eu gostava de compreender melhor.. Medo que ele abusasse de ti? Isso era o que ele fazia…
(…): Não, que ele fosse fazer mal à minha mãe..
Merítissima Juíza Presidente: Mas ele alguma vez ameaçou ir fazer mal à tua mãe?
(…): Sim.
Merítissima Juíza Presidente: O quê?
(…): Que ia ter com ela e podia-lhe fazer mal.”»
Da fundamentação da sentença recorrida consta, quanto a esta questão, o seguinte:
«A factualidade vertida em 30 a 32, resulta do depoimento do arguido, da menor, na parte em que referiu que a presença do arguido lhe “era agradável”, da irmã da menor que relatou ter descoberto mensagens no telemóvel da (…) em que a mesma relatava “andar com um homem mais velho”, da amiga da menor, que disse que a menor lhe contou que “andava com um homem de trinta anos” e da mãe da menor, que ao longo dos dois anos em que a menor se relacionou com o arguido, não notou na mesma tristeza ou nervosismo.
(…)
Não se provaram os factos descritos em a) e b), porquanto o arguido negou a prática dos mesmos. Por seu turno, a menor admitiu que, no início do seu relacionamento com o arguido, a presença daquela lhe era querida e agradável e que tal relacionamento só terminou quando a sua irmã, (…), descobriu. Não conseguiu explicar o motivo pelo qual quis terminar o relacionamento com o arguido e porque ameaçaria aquele, contar à sua mãe o sucedido se tal, contribuiria precisamente e previsivelmente para a continuação do relacionamento existente entre ambos.»
Há que considerar, porém, como acertadamente alega a assistente e demandante, também o depoimento da testemunha (…), psicólogo que acompanhou a vítima na sequência da prática dos crimes ora em apreço.
Do depoimento desta testemunha transcreve a assistente e demandante passagens que, em seu entender, também imporiam decisão diferente da tomada pelo Tribunal a quo quanto à prova do facto de que as relações sexuais entre o arguido e a vítima teriam sido por esta consentidas.
Este depoimento foi gravado entre as 11 horas e 49 minutos e 55 segundos e as 11 horas e 58 minutos e 29 segundos do dia 22 de Novembro de 2010 e dele se transcrevam as seguintes passagens:
«Aos 00h01m12s
“Advogado da Assistente: Que tipo de rapariga encontrou?
(…): (…) Em Abril 2010, era uma jovem desesperançada, um bocadinho deprimida com muito baixas expectativas em relação ao seu futuro quer a nível pessoal quer a vida profissional, com um grande sentimento de desprotecção que a levava a ter muitos medos (…), de andar na rua sozinha, etc.
Advogado da Assistente: Essas situações que o Sr. Dr. relata e que atribui à situação da (…) tinham a ver directamnete, com o quê?
(…): Com a situação de abuso que ele relata ter sofrido e que causaram sequelas a nível psíquico e emocional
.Advogado da Assistente: O Sr. Dr. Disse que ela lhe terá relatado o que se havia passado deu-lhe a entender que o que se passava era um abuso ou que ela eventualmente terá consentido apesar de ser uma criança?
(…): Não, foi um abuso, a forma como ela relata como ela vivia a situação e as próprias sequelas são sequelas típicas de uma situação de abuso sexual não de um acto voluntário..
Advogado da Assistente: Será possível a (…) com outras pessoas não ter essa abertura? (…) Para relatar o que ia na alma …
(…): A (…) é uma adolescente muito fechada e calada, que não comunica facilmente com os outros. Tem sido possível explorar esta questão com a (…) porque tenho conhecimento técnico sobre a situação e foi necessário muito tempo para a levar a falar sobre a situação.Por outro lado, dado o nível de ameaça e coacção que estavam presentes na situação e uma vez que estamos a falar de uma criança ( …) a mim parece-me muito natural que não tenha conseguido pedir ajuda antes, porque estava muito assustada porque tinha medo que não acreditassem nela porque tinha medo de represálias.”
Aos 00h05m33s
“Advogado da Assistente: Em relação ao futuro da (…) ela vive alguns traumas? Ela sofre alguma coisa com aquilo que viveu?
(…): Sim, continua a afectá-la, continua a afectá-la mesmo em coisas simples de rotinas do quotidiano como o facto de andar na rua, o facto de se confrontar com o Arguido (…).”
Aos 00h05m33s
(…): Em relação ao futuro, quando falamos de situação deste tipo falamos sempre de consequências a curto, médio e longo prazo. A curto e médio, já referi, a longoo prazo não sabemos, como vai ser, não sabemos como a (…) vai viver a intimidade com um namorado por exemplo, é bem possível e acontece muitas vezes que este tipo de vivências venha a interferir, nessas situações.
(…): (…) Eu estava-me a lembrar agora que inclusivamente com a casa dos tios que ele associa a esta situaão ela teve muita dificuldade em voltar à casa dos tios da mesma forma que tem muita dificuldade em falar, do que se passou. (…)”
Aos 00h08m56s
Advogado do Arguido: A (…) demonstrou que tinha uma paixão pelo (…)?
(…): A mim não.»
Estas declarações vão de encontro ao teor do relatório da Associação “Chão de Meninos” junto a fls. 490 a 493, relativo ao acompanhemento psicológico da vítima e subscrito por essa mesma testemunha.
Não consta qualquer referência ao teor desse depoimento e desse relatório na fundamentação da douta sentença recorrida. Desta consta apenas que o relatório foi tido em consideração, mas não se descortina que consequências se retiraram do seu teor.
Mas há outro facto que decorre do depoimento desta testemunha e do relatório por esta subscrito que não pode deixar de ser considerado. Do elenco dos factos provados e não provados nada consta quanto às eventuais sequelas psicológicas que, em concreto, para a vítima advieram do relacionemneto sexual que manteve com o arguido, para além do caracter consentido, ou não, dese relacionamento (isto porque do facto de o relacionamento em causa ser consentido não decorre necessariamente que não se verifiquem tais sequelas psicológicas). E impunha-se que constasse alguma referência e esse respeito nesse elenco, não só porque tais sequelas foram alegadas no pedido de indemnização civil, como também porque a questão é objectivamente importante para aferir os danos sofridos pela vítima na perspectiva da fixação da medida da pena, como na perspectiva da fixação do montante da indemnização devida pelo arguido.
Nos termos do artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, a sentença deve conter a fundamentação, «que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Nos termos do artigo 379º, nº 1, a), do mesmo Código, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no citado nº 2 do artigo 374º.
Deve entender-se que as nulidades da sentença são de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso. Na verdade, decorre da alteração da redacção do nº 2 do referido artigo 379º decorrente da Lei nº 58/98, de 25/8 que as nulidades da sentença podem ser arguidas ou conhecidas em recurso (contra o entendimento que tinha obtido vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência de 6 de Maio de 1992, acórdão que assim caducou por feito dessa alteração). Podem ver-se neste sentido, por exemplo, os acordãos da Relação de Lisboa de 20/5/2003, in C.J., XVIII, 3, p. 131, e os acórdãos desta Relação de 13-3-2007, pr. 2453/06-1 (relator - António Latas) e de 20-4-2010, pr. 137/08.8GBRMZ.E1 (relator - Alberto Borges)
Ora, a fundamentação em apreço é omissa quanto à indicação da prova dos factos que consubstanciam eventuais sequelas psicológicas para a vítima decorrentes da prática dos factos por que o arguido é condenado. E é, por outro lado, omissa quanto ao exame crítico do depoimento da testemunha (…)e do relatório da Associação “Chão de Meninos” junto a fls. 490 a 493, quer no que se refere ao facto de o relacionamento sexual do arguido com a vítima ser por esta consentido, quer quanto às referidas sequelas.
Nesta medida, impôe-se declarar a nulidade da sentença. Essa nulidade deverá ser suprida, por um lado, com a inclusão dos factos que consubstanciam tais sequelas psicológicas (referidos no pedido de indemnização civil, nesse depoimento e nesse relatório) no elenco dos factos provados ou no elenco dos factos não provados. E, por outro lado, com o exame crítico desse depoimento e desse relatório, quer no que se refere ao facto de o relacionamento sexual do arguido com a vítima ser por esta consentido, quer quanto às referidas sequelas.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos recorrentes.

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em declarar nula, por falta de fundamentação, a sentença recorrida, devendo esta ser substituída por outra que supra essa falta de fundamentação nos termos acima descritos.
Notifique
Évora, 07-07-2011
(Pedro Maria Godinho Vaz Pato - António Manuel Charneca Condesso)