Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1124/10.1TBSSB-R.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
CESSÃO DO RENDIMENTO DISPONÍVEL
INÍCIO DO PRAZO
Data do Acordão: 05/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- As alterações ao CIRE, operadas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril e pelo Decreto-lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro nada inovaram em matéria de fixação do momento relevante para determinar o termo inicial do período de cessão de rendimentos.
II- A contagem do prazo fixo, de cinco anos, previsto para a duração da cessão de rendimento disponível, não tem como referência a data em que é proferido o aludido despacho inicial, mas sim, a data de encerramento do processo de insolvência, que pode não coincidir, e geralmente não coincide, com a data em que é proferido o aludido despacho inicial, mesmo cumprindo os prazos previstos no n.º 1 do artigo 239.º do CIRE.
III- A data do início do período de cessão poderá começar a contar-se da data do despacho inicial, mas apenas quando se determine a insuficiência da massa, nos termos do artigo 232.º e de acordo com o artigo 230.º, n.º 1, alínea e), ambos do CIRE.
IV- Tendo sido ordenado que se procedesse a liquidação dos bens existentes, o período de cessão só começa a contar da data do rateio final (cfr. o artigo 230.º, n.º 1, alínea a), do CIRE), momento em que a lei prevê o encerramento do processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 1124/10.1TBSSB-R.E1
Apelação
Recorrente:
AA e BB
Recorrido:
Administrador da Massa Insolvente, BANCO CC..., SA, BANCO DD..., SA e outros
Relatório

Vem a presente apelação, interposta do despacho de 08/02/2017. O teor do referido despacho é o seguinte:
« A fl. 247 a 248 vieram os insolventes requerer seja proferido despacho final de exoneração, uma vez que já decorreram cinco anos sobre o encerramento do processo.
Por despacho de fls. 250, proferido em 31.5.2016, foi tal pedido indeferido, uma vez que o processo de insolvência não foi ainda encerrado, não tendo sequer se iniciado o período de cessão do rendimento disponível.
Notificados deste despacho, vieram os insolventes requerer a reforma do despacho, uma vez que foram notificados, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, por ofício datado de 7.12.2010, do denominado despacho de encerramento do processo.
O Sr. AI veio pronunciar-se quanto a este requerimento, alegando que o mesmo deve ser indeferido, pois não foi proferido despacho de encerramento no processo, não obstante o rosto da notificação de 7.12.2010 referir tal encerramento.
Acresce que as quantias retidas aos insolventes o foram por apreensão junto da entidade patronal e não através de cessão dos insolventes.
Vejamos.
O despacho proferido em 3.12.2010 não encerrou o processo.
Esse despacho configura apenas o despacho inicial de exoneração do passivo restante.
É certo que a notificação ao Ilustre Mandatário dos insolventes refere o encerramento do processo. No entanto, foi também remetida cópia do despacho, não constando do mesmo qualquer encerramento do processo, o que se alcança desde logo pela leitura do mesmo.
Assim, e não obstante o rosto da notificação, inexiste nos autos qualquer despacho de encerramento do processo, pelo que não se iniciou o período de cessão.
Mesmo o montante recuperado pelo Sr. AI, não o foi a título de cessão, mas de apreensão de rendimentos (artº 46º nº 1 do CIRE).
Assim, entendendo que nada há a reformar, indefere-se o requerimento dos insolventes.
Notifique.
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Uma vez que foi já encerrada a liquidação e realizado o rateio final, sem prejuízo do decurso do prazo concedido para exoneração do passivo restante, declara-se encerrado o processo – artigo 230º, nº 1, alínea a), do CIRE.
Face ao encerramento do processo:
1.Inicia-se de imediato o período de cessão relativo à exoneração do passivo restante;
2.Cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, pelo que os devedores recuperam o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão do negócio, sem prejuízo dos efeitos da qualificação de insolvência e da obrigação de cumprimento dos deveres e obrigações inerentes ao pedido de exoneração do passivo restante - artigo 233º, nº 1, alínea a), do CIRE.
3.Cessam as atribuições do Sr. Administrador da Insolvência, excepto as relativas à apresentação de contas e aos trâmites do incidente de qualificação da insolvência – artigo 233º, nº 1, alínea b), do CIRE.
4.Todos os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra os devedores, mas com as restrições previstas no nº 1 do artigo 242º do CIRE – artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE.
5.Os credores da massa insolvente podem reclamar dos devedores os seus direitos não satisfeitos - artigo 233º, nº 1, alínea d), do CIRE.
Custas pelo insolvente, com diferimento de pagamento para final, nos termos do artigo 248º do CIRE.
Registe esta decisão.

Dê cumprimento ao disposto nos artigos 230º, nº 2 e 37º e 38º, do CIRE, publicitando esta decisão, com indicação da razão que determinou o encerramento».
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Inconformados com o decidido, vieram os requerentes interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes

Conclusões:

« A - Por douto Despacho proferido com a Ref.º 1416948, notificado aos Insolventes, por ofício de 07/12/2010, foi proferido Despacho Inicial da Exoneração do Passivo Restante, bem como, decidido o Encerramento do Processo.
B - Foi nomeado fiduciário e estabelecido o valor da cessão que os Insolventes deveriam entregar àquele, após o encerramento do processo (alínea b), do dispositivo do douto Despacho acima identificado).
C - Foi ordenada a publicação de encerramento do processo e notificada aos credores, nos termos do n.º2, do artigo 230° do C.I.R.E. (in DR, 2a série, n.º 2, de 4/1/2011).
D - No oficio com a ref" 1428842, diz-se em Assunto: Encerramento do Processo, e mais abaixo, informa-se que os anúncios para publicação foram remetidos ao Senhor Administrador da Insolvência.
E - O Senhor Administrador da Insolvência mandou publicar o anúncio de encerramento do processo, conforme lhe havia sido ordenado e requereu a junção aos autos por requerimento, a fls. 173, dos autos principais;
F - O Senhor Administrador da Insolvência nunca colocou em dúvida o conteúdo do anúncio, cuja publicação lhe foi ordenada.
G - Os Insolventes, através do seu Mandatário, solicitaram ao Senhor Administrador da Insolvência/Fiduciário, por diversas vezes, que indicasse o número da conta bancária, para onde deviam depositar as quantias referentes á cessão, sem que lhe fosse dada qualquer resposta.
H - Em 3 de maio de 2011, o Insolvente AA, informou os autos de que tinha encontrado emprego e qual o montante do seu salário, tendo na mesma data informado o Senhor Fiduciário de que o Insolvente estaria a trabalhar e foi solicitada a indicação da conta bancária, onde deveria ser depositada a importância determinada pelo Tribunal - documento n.º 1, cujo conteúdo se tem por integralmente reproduzido.
I - Por douto Despacho com a ref" 1639448 o Tribunal a quo (Meritíssima Juiz … - que decretou a insolvência e proferiu o douto Despacho de Exoneração do Passivo Restante), ordenou que o Insolvente informasse o seu rendimento disponível. Mais ordenou que se notificasse de " ... igual modo o fiduciário e os credores identificados nos autos ... ", diga­-se que não ordenou a notificação do Senhor Administrador da Insolvência ­certamente porque decorria o período de cessão, e o encerramento do processo já tinha sido determinado (conclusão nossa).
J - O Credor Banco CC…, S.A., pronunciou-se (REQ. Refª 8574598) no sentido de que em face da alteração líquida do salário do Insolvente, a cessão deveria sofrer alteração com a respetiva informação ao fiduciário.
K - De igual modo se pronunciou o Credor Banco DD…, S.A..
L - O Tribunal a quo determinou que em face dos rendimentos líquidos dos Insolventes, o objeto da cessão deveria ser no valor de € 889,0 mensais.
M - Mais determinou, no despacho supra, que o valor deveria ser entregue ao fiduciário (mais uma vez não ordenou a entrega ao Senhor Administrador da Insolvência) a partir do próximo mês (seguinte à notificação de 16/12/2011).
N - Em 29/12/2011, os Insolventes pediram esclarecimento ao douto Despacho com a refª 1668110, por se entender que o valor da cessão deveria ser menor, comunicando ao Senhor Fiduciário, em 4/1/2014, que o haviam feito - documento n.º 2, cujo conteúdo se tem por integralmente reproduzido.
O - O Tribunal a quo proferiu Despacho, notificado aos Insolventes em 16/01/2012, no sentido da não existência de qualquer lapso, e por conseguinte não haver lugar a qualquer retificação ao douto Despacho com a refª 1668110.
P - Os Insolventes recorreram da decisão de indeferimento, para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 30/01/2012.
Q - Antes, porém, em 25/01/2012, (previamente à interposição de recurso e da decisão que lhe viria a dar razão) voltaram a solicitar ao Senhor Fiduciário que indicasse o NIB da conta onde deveria ser depositada a importância referente á cessão - documento n.º 2.
R. O Senhor Fiduciário não informou os Insolventes do NIB da conta, mas aproveitando-se da informação dos Insolventes aos autos, ordenou a penhora do salário do Insolvente que se verificou até à cessação do contrato de trabalho.
S - O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu acórdão, notificado aos Insolventes em 18/06/2012, dando provimento ao recurso apresentado, estabelecendo que o valor a ser cedido mensalmente ao fiduciário deveria ser no montante de € 669,00.
T - Nunca o Senhor Administrador da Insolvência ou Fiduciário comunicou aos Insolventes a conta onde deveria ser depositada a importância da cessão, senão pelo douto Requerimento apresentado em 20 de fevereiro de 2017.
U - Os Insolventes quiseram pagar as importâncias da cessão, que lhes foram ordenadas, mas viram-se impedidos pelo Senhor Fiduciário que terá entendido não estar, ainda, em funções, por falta de encerramento do processo, ...
V - Olvidou tudo quanto acima se expôs!
X - Não é aceitável que se demore 6 (seis) anos para encerrar um processo de insolvência, pelo que só a deficiente interpretação do Senhor Fiduciário poderá dar lugar a esta dúvida.
Z - Destarte, sem prejuízo de eventuais acertos a favor da Massa Insolvente, em face dos rendimentos efetivos dos Insolventes durante o período da cessão (janeiro de 2011 até dezembro de 2015), deve declarar-se que já decorreu o período de cessão e por conseguinte proferir-se a decisão final da Exoneração do Passivo Restante.
Termos em que
Se requer a V. Exas., que seja revogada o douto Despacho que, só agora dá por encerrado o processo, considerando-se que o período de cessão já decorreu, e, por conseguinte, proferir-se a Decisão Final da Exoneração do Passivo Restante».
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Não houve resposta.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ).
Das conclusões acabadas de transcrever e do teor da decisão recorrida, decorre que a única questão a decidir consiste em saber desde quando é que se inicia o período de cessão.
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Dos factos
Os factos relevantes são os que constam da decisão recorrida, para a qual se remete.
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Do Direito

Antes de indicar a solução que temos por legal e para uma melhor compreensão da mesma, importa fazer uma pequena resenha do instituto da exoneração do passivo e dos objectivos que estão na sua génese.
Dispõe o art. 235º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) que se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo.
No art. 239º, nºs1 e 2 do mesmo normativo, estabelece-se o seguinte:

«1 - Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes.
2 - O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte».
Catarina Serra, na sua obra O Regime Português da Insolvência, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 154) a exoneração do passivo restante é «um regime novo, introduzido pelo CIRE, tributário da ideia de fresh start. Corresponde à discharge da lei norte-americana (BC), à Restschuldbefreiung da lei alemã (cfr. §§ 286 a 303 da Inso) e ainda à esdebitazione, introduzida na lei italiana pela reforma de 2005 [cfr. arts. 142.º, 143.º e 144.º da Legge Fallimentare (LF)]. As origens do instituto encontram-se, porém, no Direito inglês, sendo aí que se encontra a primeira referência à discharge - num estatuto de 1705. E continua (pág. 155): «O regime implica fundamentalmente que, depois do processo de insolvência e durante algum tempo, os rendimentos do devedor sejam afectados à satisfação dos direitos de crédito remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção dos créditos que não tenha sido possível cumprir por essa via, durante tal período. A intenção da lei é a de libertar o devedor das suas obrigações, realizar uma espécie de azzeramento da sua posição passiva, para que, depois de "aprendida a lição", ele possa retomar a sua vida e, se for caso disso, o exercício da sua actividade económica ou empresarial. O objectivo é, por outras palavras, dar ao sujeito a oportunidade de (re)começar do zero, de um "fresh start"». Tal objectivo é expressamente referido no nº 45 do preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, onde se refere que «o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica».
A intenção do legislador foi, de libertar o devedor das suas obrigações, para que após o encerramento do processo de insolvência, decorridos cinco anos[3] sem que todos os credores fossem satisfeitos, o devedor pudesse retomar a sua vida, entrando no mercado livre de dívidas, reabilitado enquanto agente económico e, sobretudo, enquanto agente dinamizador e capaz de gerar riqueza na sociedade. No dizer de Joana Azevedo Martins[4] «este instituto tem em vista a prossecução de um interesse público, o revitalizar económico do devedor, ou seja, pretende dar àquele uma nova oportunidade, inserindo-o novamente no mercado». Porquanto, como afirma Matilde Cuena Casas[5] «quando um homem honesto tem má sorte e falha financeiramente, a sociedade não ganha nada mantendo-o submerso e, com tal situação, em nada beneficiam os credores pois, de igual maneira, aqueles não vão ver satisfeitos os seus créditos por quanto a permanência dos seus direitos de crédito bloqueia a capacidade produtiva do devedor».
Assim aquela inserção será feita sem que o devedor se encontre subordinado a dívidas passadas e às quais não conseguiu, em momento oportuno, dar resposta. «A exoneração recicla o devedor, dando-lhe uma nova utilidade, ao invés de o tornar numa pessoa inútil, amarrado às dívidas passadas, sem quaisquer perspectivas futuras»[6].
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Feito o esquisso do instituto da exoneração do passivo restante, importa agora analisar a questão objecto da apelação.
Do regime do incidente de exoneração do passivo restante e designadamente do que se dispõe no art.º 235º e nº 2 e 3 do art.º 239º do CIRE, decorre que o mesmo se destina a regular os termos em que irão ser pagos os créditos remanescentes, que não foram satisfeitos pelas forças da massa insolvente ou seja pressupõe que o processo de insolvência esteja encerrado, seja por liquidação integral da massa, seja por insuficiência desta ou por outra causa (art.º 230º do CIRE).
Encerrado o processo de insolvência, tendo sido requerida a exoneração do passivo restante e não tendo havido indeferimento liminar, segue-se uma fase de cinco anos, designada no código, como período de cessão, em que o rendimento disponível do devedor se considera cedido a uma entidade (diferente do administrador da insolvência), designado fiduciário e que tem as funções previstas no art.º 241 do CIRE.
O despacho liminar fixa por um lado o montante destinado ao sustento do devedor e do seu agregado familiar, ao exercício da sua profissão e a outras despesas nos termos do nº 3 al. b) i,ii,iii e por outro, o rendimento disponível, que será objecto da cessão. Este é definido por defeito ou seja tudo o que não for excluído do conjunto dos rendimentos do devedor, constituirá o rendimento disponível a entregar ao fiduciário (nº 3 do art.º 239º do CIRE). Da forma como a lei estabeleceu a determinação do rendimento disponível a entregar ao fiduciário e bem assim do que decorre do disposto nos art.ºs 235º e 237º al. b) e d) do CIRE, tem necessariamente de concluir-se que tanto os efeitos da fixação dos rendimentos a excluir da cessão, como o montante que fica sujeito à cessão, produzem-se em simultâneo ou seja no mesmo momento temporal. Em regra esse momento deve coincidir com a data do encerramento do processo de insolvência, porquanto o período de cessão é de cinco anos, é fixo e conta-se a partir do encerramento do processo de insolvência[7], sendo que, havendo recurso do despacho inicial de exoneração do passivo, a realização do rateio final, apenas determina o enceramento do processo, depois do trânsito em julgado da decisão (nº 6 do art.º 239º do CIRE).
A resposta à questão objecto do recurso tem sido praticamente uniforme na jurisprudência dos Tribunais superiores, no sentido de que o período da cessão só se inicia quando o processo de insolvência esteja encerrado, seja por liquidação integral da massa, seja por insuficiência desta ou por outra causa (art.º 230º do CIRE). Tanto este Colectivo[8], como outros deste Tribunal[9] [10]assim têm entendido e não vemos razões para alterar esta jurisprudência.
Analisando situação idêntica à dos presentes autos, bem se observou no Ac. deste Tribunal do passado dia 9/02/2017, relatado pelo Sr. Des. Canelas Brás, processo nº 2698/10.2TBSTB.E1, disponível in www.dgsi.pt.. , que «não assistirá razão aos Apelantes na pretensão de quererem ver contabilizado, para efeitos de cessão do seu rendimento disponível, o período que mediou entre a prolação do despacho inicial da exoneração (…………..) e a do despacho de encerramento…...
Pois que, pese embora a sageza da construção jurídica que vem ensaiada pelos insolventes no recurso – de que as demoras do processo e da liquidação a eles se não ficaram a dever, antes que aos credores e ao próprio Tribunal, assim não devendo vir a ser prejudicados por elas, e que as alterações da lei em 2012 já comportam a tese que ora pretendem ver prevalecer –, tal esbarra na redacção que apresenta o nº 2 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março – alterado e republicado no Decreto-lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto e, também, pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril e pelo Decreto-lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro:
O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte” (sublinhado nosso). [Assim mesmo: “durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência”.]
E esbarra, também, na redacção da alínea b) do artigo 237.º do CIRE:
A concessão efectiva da exoneração do passivo restante pressupõe que: b) O juiz profira despacho declarando que a exoneração será concedida uma vez observadas pelo devedor as condições previstas no art.º 239.º durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado despacho inicial” (sublinhado nosso). [Assim mesmo: “durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência”.]
É, pois, tal despacho de encerramento do processo de insolvência que vai marcar o termo inicial do período de cinco anos para a cessão dos rendimentos que o Tribunal dela não excepcione nos termos do número seguinte. E sendo verdade que é a realização do rateio final que irá marcar esse encerramento do processo, na previsão do artigo 230.º, nº 1, alínea a), do CIRE, nem sempre assim será, bastando que tenha sido interposto recurso do despacho liminar inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, para se não poder sequer declarar o encerramento do processo e iniciar o período da cessão, tendo que aguardar-se, então, naturalmente, o trânsito em julgado desse despacho inicial (vide o n.º 6 do artigo 239.º do CIRE). Donde se poder concluir que o legislador não quis, afinal, toda aquela celeridade (pelo menos, a todo o custo) na qual os Apelantes agora se escudam para defender a solução por que pugnam. Pois que se é certo que se pretende um equilíbrio entre as posições dos credores e dos devedores/insolventes, não se poderá acelerar demasiado, sendo que os recorrentes apenas vêem a celeridade na sua perspectiva e interesse (pois quanto mais depressa decorrerem os cinco anos da cessão, melhor para si); e os credores? (quanto mais depressa começar o período da cessão, pior para estes).
Como quer que seja, o legislador não alterou os normativos citados com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, e bem poderia tê-lo feito, se o tivesse querido.
Os Apelantes vêm escudar-se no teor da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, acrescentada por tal Lei, e segundo a qual, “Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento: e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º”. Daqui concluem que se encerraria o processo de insolvência – e portanto, começaria o período da cessão por cinco anos – logo aquando da prolação desse despacho inicial de admissão liminar de tal incidente de exoneração do passivo restante (ao devedor bastaria pedir e ser-lhe liminarmente aceite tal exoneração, para passar a beneficiar imediatamente do período da cessão por cinco anos sem mais preocupações com o património que, entretanto, fosse necessário liquidar).

Não parece, porém, que assim seja quando há bens a liquidar, sob pena de se acabar com o referido equilíbrio entre a posição dos credores e dos devedores – sendo correcta a posição da 1.ª instância quando afirma, a fls. 362, que “A nova alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE em nada altera este raciocínio, destinando-se apenas àquelas situações em que inexistam bens a liquidar no momento da prolação do despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante”. Pois que tal alínea e) foi acrescentada na revisão do CIRE de 2012 apenas com o específico propósito de resolver um problema existente na exoneração do passivo restante, quando se verifica a insuficiência de bens do insolvente e este beneficia do diferimento do pagamento das custas – cabalmente explicado por Catarina Serra, in “O Regime Português da Insolvência”, 5ª edição, revista à luz da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril e do Decreto-lei nº 178/2012, de 3 de Agosto, da Almedina, ano de 2012, páginas 144, segundo a qual o artigo 232.º, n.º 6, do CIRE prevê que quando o devedor beneficia do diferimento do pagamento das custas, nos termos do artigo 248.º do CIRE, não se aplica o seu artigo 232.º, e não se podia encerrar o processo de insolvência por insuficiência da massa, que é pressuposto para o início dos cinco anos da cessão do rendimento disponível, assim se tornando necessário resolver esse impasse do início da contagem desse prazo. E, por isso, é que surgiu tal normativo legal.
Com efeito, o requerente do pedido de exoneração do passivo restante “beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respectivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o Cofre tenha suportado” (n.º 1 do citado artigo 248.º). Pois que se trata de um mero diferimento no tempo, um adiamento, não duma qualquer isenção, pelo que, no fim, havendo por onde, tudo terá que ser pago, a começar pelas custas do processo, ao que se seguirá o reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais daquelas remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário (cfr. o regime estabelecido pelo artigo 241.º do CIRE).».
Como se vê as alterações ao CIRE, operadas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril e pelo Decreto-lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro, nada inovaram em matéria de fixação do momento relevante para determinar o termo inicial do período de cessão de rendimentos.
Assim, mantém-se o entendimento que vem sendo seguido neste Tribunal e que pode ser sintetizado nos seguintes termos.
I- As alterações ao CIRE, operadas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril e pelo Decreto-lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro nada inovaram em matéria de fixação do momento relevante para determinar o termo inicial do período de cessão de rendimentos.
II- A contagem do prazo fixo, de cinco anos, previsto para a duração da cessão de rendimento disponível, não tem como referência a data em que é proferido o aludido despacho inicial, mas sim, a data de encerramento do processo de insolvência, que pode não coincidir, e geralmente não coincide, com a data em que é proferido o aludido despacho inicial, mesmo cumprindo os prazos previstos no n.º 1 do artigo 239.º do CIRE.
III- A data do início do período de cessão poderá começar a contar-se da data do despacho inicial, mas apenas quando se determine a insuficiência da massa, nos termos do artigo 232.º e de acordo com o artigo 230.º, n.º 1, alínea e), ambos do CIRE.
IV- Tendo sido ordenado que se procedesse a liquidação dos bens existentes, o período de cessão só começa a contar da data do rateio final (cfr. o artigo 230.º, n.º 1, alínea a), do CIRE), momento em que a lei prevê o encerramento do processo”.]
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Concluindo

Pelo exposto, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se o despacho recorrido.
Custas pela Massa.
Notifique.
Évora, em 11 de Maio de 2017
(Bernardo Domingos – Relator)
(Silva Rato – 1º Adjunto)
(Mata Ribeiro – 2º Adjunto)
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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 635º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 636 n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria – disposições correspondentes do anterior CPC - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. -
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[3] Esse prazo de cinco anos já foi considerado um verdadeiro “purgatório”. CRISTAS, Maria de Assunção Oliveira. Exoneração do devedor pelo passivo restante. In: Themis: Revista de Direito, Nº. Extra 1, 2005 (Exemplar dedicado a: Edição especial (2005) "Novo direito da insolvência"), p. 167. Note-se ainda que o período de cessão é de 6 anos no ordenamento jurídico alemão, 12 meses no Reino Unido e 18 meses em França, SOUSA, António Frada de. Exoneração do passivo restante e forum shopping na insolvência de pessoas singulares na União Europeia. In: Estudos em memória do Prof. J.L. Saldanha Sanches. - Coimbra, 2011. Vol. 2, pp. 57-98.
[4] Dissertação de mestrado - INCLUSÃO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE – Universidade Católica do Porto - maio de 2013, disponível in http://repositorio.ucp.pt/...
[5] CUENA CASAS, Matilde. "Fresh start" y mercado crediticio español y estadounidense. In: Revista de derecho concursal y paraconcursal: Anales de doctrina, praxis, jurisprudencia y legislación, Nº. 15, 2011, pp. 565-593.
[6] Azevedo Martins, Joana, op. Cit.
[7] Cfr. Luis A. Carvalho Fernandes e João Labareda - CIRE Anotado, nota 3 ao art.º 239º.
[8] Cfr. Ac. Desta Relação de 10 de Março de 2016, Proc.º N.º 3693/11.0TBSTB-E.E1, relatado pelo aqui relator e disponível in www.dgsi.pt..
[9] Cfr. Acórdão desta Relação de 20 de Junho de 2013, no processo n.º 5422/10.6TBSTB-H.E, relatado pelo aqui 2ª adjunto Des. Mata Ribeiro e disponível in www.dgsi.Pt..
[10] Cfr. Ac. Desta Relação de 23 de março de 2017, Proc.º N.º 360/11.8TBSSB.L.E1, relatado pelo aqui relator e subscrito pelos mesmos adjuntos.