Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
42/20.0T8CTX.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
REPARTIÇÃO DAS CUSTAS
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Decorrendo da transação alcançada pelas partes, que a Ré beneficiária de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, é apenas responsável por pagar ao Autor uma quantia na ordem dos 30,7% do valor inicialmente pedido, é excessivo e desproporcional ser condenada a pagar 60% das custas devidas e o Autor 40% das mesmas.
II. Considerando-se mais ajustado e conforme com os termos da transação e da lei, nessa situação, repartir a responsabilidade pelo pagamento de custas em partes iguais.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA intentou ação declarativa de condenação, contra BB, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €15.637,48, correspondente a honorários de advogado (€11.641,62), mais IVA (€2.677,57), juros de mora (€900,71), despesas (€387,20) e juros de mora sobre as despesas (€30,38), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
A Ré contestou a ação, pugnando pela sua improcedência e consequente absolvição do pedido.
Foi solicitado à Ordem dos Advogados a elaboração de laudo de honorários, o qual veio a ser junto aos autos.
Em sede de tentativa de conciliação, as partes alcançaram acordo e transacionaram nos seguintes termos, exarados na ata daquela diligência:
«1. O Autor reduz o pedido para o montante de € 4801,61, valor que a Ré confessa, se reconhece devedora e aceita pagar;
2. Valor que a Ré se obriga a pagar até ao dia 31/12/2022, por transferência bancária, para a conta com o IBAN ...14 do Banco Montepio Geral;
3. As custas em dívida a juízo serão pagas na proporção de 1/3 para o autor e de 2/3 para a Ré.»

Na mesma ata, também ficou exarado o seguinte:
«De seguida, uma vez que a Ré beneficia de apoio judiciário com dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos, foi chamada à sala de audiências a Digna Magistrada do Ministério Público para se pronunciar quanto à distribuição das custas ora acordada, tendo a mesma, no uso da palavra, dito que uma vez que se trata de uma transação, nos termos do artigo 537.º, n.º 2, do C.P.C., as custas deverão ser pagas em partes iguais.
Após, a Mmª. Juiz de Direito proferiu a seguinte:
SENTENÇA
Atendendo ao objecto do processo e à qualidade dos intervenientes, julga-se válida a transacção que antecede na parte relativa ao objecto do processo, a qual, em consequência, se homologa, condenando e absolvendo as partes nos seus exactos termos, ao abrigo dos artigos 277.º, alínea d), 283.º n.º 2, 284.º e 290.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
No que concerne às custas, ponderada a redução do pedido constante na petição inicial para cerca de 1/3 daquele valor, mas também que o autor concede à Ré um prazo alargado para pagamento do valor tido por ambas como devido, verifica-se que a transacção, na parte relativa às custas, também tutela o interesse da Ré no sentido de não ter de imediatamente despender o valor de que se confessou devedora. Assim, afigura-se adequado aos contornos deste caso fixar as custas em 40% para o Autor e em 60% para a Ré, condenando-se os mesmos ao pagamento das custas nesta proporção - artigo 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Notifique e registe a sentença, nos termos do artigo 153.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.»

Inconformado, o Ministério Público recorreu da sentença homologatória no segmento referente à condenação em custas, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1- O Autor e a Ré transigiram nos termos do artigo 290.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, tendo sido reduzido o montante do pedido de €15.637,48 para €4.801,61, e acordado o pagamento das custas em dívida a juízo na proporção de 1/3 para o Autor e de 2/3 para a Ré.
2- Tendo em conta que a Ré beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o Ministério Público foi chamado para se pronunciar quanto à distribuição das custas acordadas, tendo-se pronunciado no sentido de que, tratando-se de uma transacção, nos termos do artigo 537.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, as custas deveriam ser pagas em partes iguais.
3- Porém, o Tribunal fixou as custas em 40% para o Autor e em 60% para a Ré, condenando os mesmos ao pagamento das custas naquela proporção.
4- Para o efeito, o Tribunal considerou que, “ponderada a redução do pedido constante na petição inicial para cerca de 1/3 daquele valor, mas também que o autor concede à Ré um prazo alargado para pagamento do valor tido por ambas como devido, verifica-se que a transacção, na parte relativa às custas, também tutela o interesse da Ré, no sentido de não ter de imediatamente despender o valor de que se confessou devedora”.
5- Tratando-se de uma transacção é pressuposto que a mesma tutele o interesse de ambas as partes, pois apenas assim será possível alcançar um entendimento entre elas.
6- De facto, o artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil, define transacção como “(…) o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, (negrito nosso),
7- O artigo 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ao estipular a divisão das custas a meio no caso de transacção, está precisamente a ter em conta que a mesma tutelou o interesse de ambas as partes, não podendo, com o devido respeito, o argumento apresentado pelo Tribunal a quo sustentar uma maior oneração da Ré patrocinada pelo Estado, em relação ao Autor no que respeita a custas.
8- Acresce que, estamos em crer, o desfecho da lide seria muito mais favorável à Ré do que ao Autor, o que levaria este último a ter que suportar custas num montante muito superior ao decidido pelo Tribunal a quo.
9- O Laudo de Honorários emitido pela Ordem dos Advogados a pedido do Tribunal a quo concluiu que dos €11.641,62 peticionados relativos a honorários de advogado, apenas seria devido, quanto muito, o valor de €3.903,75.
10- O que levaria a que, dos €15.637,48 peticionados, a Ré previsivelmente apenas seria condenada no pagamento de €5.521,22.
11- A Ré, na contestação, não coloca em causa o pagamento de honorários ao Autor, apenas não se conforma com o valor solicitado, que se veio a revelar desproporcional conforme o Laudo de Honorários, tendo sido o Autor que deu causa à acção.
12- Caso não existisse transacção e a acção fosse de prosseguir até final, seria expectável, nos termos do artigo 533.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, um decaimento na ordem dos 65% para o Autor.
13- Por outro lado, a Ré seria condenada no pagamento de custas na percentagem de 35%, sendo esta a proporção que os cofres do Estado seriam chamados a suportar. Ao invés, tendo transigido, o Tribunal a quo decidiu condenar a Ré no pagamento de 60%.
14- O Ministério Público entende que a sentença ora recorrida, ao fixar as custas que fixou, onerou o Estado, lesando o sistema judiciário sem justificação legal.
15- O Código de Processo Civil, relativamente ao regime das custas, sendo este regime de natureza pública, visa repartir os encargos com o sistema judiciário de forma equitativa e proporcionada, tendo presente os interesses das partes e o do Estado na cobrança dos respectivos encargos.
16- De tudo assim decorrendo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou a ratio legis e o estabelecido no artigo 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
17- A sentença, que ora se recorre, deverá ser revogada, nesta parte, e, consequentemente, substituída por outra que condene o Autor e a Ré no pagamento das custas em partes iguais.
Termos em que, e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, nesta parte, substituindo-se por outra que condene o Autor e a Ré no pagamento das custas em partes iguais, nos termos do artigo 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (…).»

Foi apresentada resposta ao recurso pela Ré que pugnou pela manutenção da decisão recorrida quanto a custas.
O recurso foi admitido por despacho de 21-11-2022.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Nada obsta ao conhecimento do recurso, sendo o mesmo tempestivo pelas razões expressas pela 1.ª instância, a que aderimos e reiteramos.

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), a questão a decidir no recurso reporta-se à repartição do pagamento das custas na transação alcançada pelas partes.

B- De Facto
Os factos relevantes para a apreciação do recurso estão sucintamente enunciados no Relatório supra.

C- De Direito
Insurge-se o Ministério Público contra a decisão recorrida que, homologando a transação alcançada pelas partes, decidiu fixar a repartição das custas devidas em 40% para o Autor e 60% para a Ré, afastando-se da cláusula que as partes tinham acordado quanto a essa repartição que entenderam dever ser fixada em 1/3 para o Autor e 2/3 para a Ré.
Constata-se, assim, que a decisão homologatória ao alterar aquele acordo, fixou em valor ligeiramente inferior a responsabilidade da Ré pelo pagamento das custas, uma vez que 1/3 corresponde a 33,33% e 2/3 a 66,66% do valor devido a título de custas.
De qualquer modo, o Ministério Público defende que as custas devem ser repartidas em partes iguais pelas partes, atento o disposto no artigo 537.º, n.º 2, do CPC, alegando que o preceito foi violado, uma vez que beneficiando a Ré de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a distribuição de custas vertida na decisão homologatória, a vingar, corresponderia a uma desproporcional oneração dos cofres do Estado, lesando o sistema judicial sem justificação legal, tanto mais que, sublinha, se a ação tivesse sido julgada, atento o laudo de honorários junto aos autos, era expetável que a Ré apenas fosse condenada no pagamento de custas na percentagem de 35%, suportando, desse modo, os cofres do Estado um valor inferior àquele que resultou da decisão homologatória.
Vejamos, então.
O artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil define transação como “o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”, esclarecendo o n.º 2 do mesmo preceito que essas concessões “podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.
A existência de concessões recíprocas constitui requisito constitutivo do contrato de transação, deixando o legislador os termos da exigida reciprocidade à liberdade das partes e à avaliação pelas mesmas da distribuição do risco do resultado do litígio.
No que concerne à operacionalização desta forma de auto composição do litígio, prescreve o artigo 283.º, n.º 2, do CPC, que é lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa, tendo como efeito a modificação ou cessação da causa nos precisos termos em que se efetua a transação (artigo 284.º do CPC).
Deste modo, a transação «substitui a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação».[1]
Realizada a transação, estipula o n.º 3 do artigo 290.º do CPC, que o juiz examina o seu objeto e a qualidade das partes que nela intervieram, verificando se a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos. Caso a transação seja obtida em ato conciliatório obtido pelo juiz, o n.º 4 do mesmo artigo estipula que o juiz se limita a homologá-la por sentença ditada para a ata, condenando nos respetivos termos.
A condenação abrange sempre a responsabilidade por custas e o modo da sua repartição, que se encontra sujeita às regras especiais previstas no artigo 537.º do CPC, estipulando o n.º 2 do preceito do seguinte modo:
«No caso de transação, as custas são pagas a meio, salvo acordo em contrário, mas quando a transação se faça entre uma parte isenta ou dispensada do pagamento de custas e outra não isenta, nem dispensada, o juiz, ouvido, o Ministério Público, determinará a proporção em que as custas devem ser pagas.»
A previsão normativa transcrita, «(…) visa evitar que as partes acordem em que as custas fiquem exclusivamente – ou, desajustadamente, na sua quase totalidade – por conta da parte isenta ou dispensada do pagamento: a vontade das partes pode não ser respeitada na sentença homologatória da transação. Mas o poder do juiz só deve ser exercido quando esse desajustamento é manifesto, não podendo nunca traduzir-se em impor à parte não isenta ou dispensada o pagamento duma importância maior do que a que lhe competiria.»[2]
Dito de outro modo, mas na mesma linha de pensamento, o preceito visa «(…) evitar que as partes acordem que as custas fiquem exclusivamente ou desajustadamente, na sua quase totalidade, por conta da parte isenta ou dispensada do pagamento”, ou seja, “(…) a transferência meramente formal de todo o custo do processo para quem desse custeio está dispensado[3]

Acresce ainda dizer, citando o Tribunal Constitucional, que a «A Constituição não consagra um direito de acesso ao direito e aos tribunais gratuito ou tendencialmente gratuito, mas apenas assegura que a ninguém pode ser negado tal acesso por insuficiência de meios económicos. O n.º 1 do artigo 20.° da Constituição – «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» –, como resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional e é também, de há muito, salientado na doutrina (v. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 20.°, n.º VI, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, 2005, anotação ao artigo 20.°, n.º VI), constitui uma garantia com dimensão prestacional que encontra o seu limite objetivo precisamente nos custos económicos que vão implicados na administração da justiça. É, assim, legítimo, que o legislador encontre um equilíbrio entre a responsabilidade individual dos sujeitos processuais e a responsabilidade coletiva da comunidade pelo pagamento desses encargos.»[4]

Por outro lado, e também como decorrência do princípio do acesso ao direito, o instituto do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29-07- LAP) garante aos cidadãos economicamente carenciados, que não disponham de meios económicos para suportar os custos do serviço público de justiça, a possibilidade de litigarem em defesa dos seus direitos sem pagarem custas, as quais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, como dispõe o artigo 529.º do CPC (cfr. artigo 16.º, n.º 1, alínea a) da LAP).
Assim sendo, as custas devidas por quem tiver decaído na ação ou, não havendo vencimento na ação, quem do processo tirou proveito (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), se forem devidas pela parte que beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, fica a mesma dispensada desses pagamentos que, ao longo mesmo, lhe seriam exigidos como condição prévia ao exercício dos seus direitos (sem prejuízo da situação do benefício do apoio judiciário poder vir a ser retirado – cfr. artigo 10.º do LAP).
Deste modo, se uma das partes litiga com apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos, e a outra não, se a repartição do pagamento não corresponder ao critério especial da lei quando há transação ou se as partes o afastarem, daí resultando um manifesto desajustamento e desproporção em relação à quota parte da responsabilidade daquele que beneficia do apoio judiciário, o que se verifica é uma lesão do interesse coletivo do Estado em prol do benefício injustificado de um concreto cidadão que responde por menos do que seria devido.
No caso em apreço, e salvo o devido respeito, a repartição percentual da responsabilidade por custas fixada na decisão homologatória da transação inverteu totalmente a realidade decorrente dos termos da transação e onera de forma excessiva e desproporcional a Ré, beneficiária de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos.
Senão, vejamos.
O Autor formulou um pedido de condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €15.641,62, correspondendo €11.641,62 ao valor dos honorários de advogado, acrescidos de €2.677,57 de IVA, mais €900,71 de juros de mora, €387,20 de despesas e €30,38 de juros de mora sobre as despesas.
No laudo elaborado pela Ordem dos Advogados, o valor dos honorários foi considerado adequado apenas no montante €8.903,75, acrescido de IVA (€2.047,86), ou seja, o valor de €10.951,61, devendo ser abatido a este valor as quantias entregues a título de provisão (€5.000,00).
Por sua vez, na transação o Autor reduziu o valor dos honorários para €4.801,61.
Embora não conste o modo como foi alcançado o valor da transação, percebe-se que corresponderá aos €8.903,75 mencionados no laudo, menos o valor da provisão (€5.000,00), acrescido do valor do IVA (€897,86).
Assim sendo, considerando o valor da transação, sem incluir o desconto da provisão, em relação ao pedido inicial (€15.637,48) o Autor só recebe 30,7% (logo, não recebendo 69,3%) e em relação ao valor do laudo (€10.951,61), sem incluir o desconto da provisão, nem o valor das despesas e juros, só receberia 43,8% (logo, não recebendo 56,2%).
Ou seja, de acordo com a transação a percentagem em que o Autor transige nunca é inferior a 50%, situando-se, antes, entre os 56,2% e os 69,3%, conforme se considere, respetivamente, o valor do laudo ou o valor do pedido inicial.
Ora, a repartição por custas homologada na sentença ao responsabilizar o Autor por apenas 40% das custas e a Ré por 60% não acompanha os termos da transação e cria um desequilíbrio manifesto e excessivo em relação à responsabilidade por custas devidas pela Ré, pois se decorre da transação que apenas é responsável por pagar ao Autor uma quantia na ordem dos 30,7% do valor inicialmente pedido, é excessivo e desproporcional ser condenada a pagar 60% das custas devidas.
Indica a decisão recorrida os fundamentos do decidido, argumentando que o Autor reduziu o pedido inicial para cerca de 1/3 e concede à Ré um prazo alargado para pagar o valor acordado, tutelando o interesse da Ré no sentido de não exigir o pagamento imediato.
Não cremos que estes argumentos sejam suficientes para afastar a desproporção e excessividade acima referida quanto à repartição da responsabilidade por custas.
A redução do pedido é expressiva, sem dúvida, mas como já acima referido, apenas segue o que consta do laudo da Ordem dos Advogados que, caso a ação prosseguisse, seria um elemento atendível pelo tribunal para julgar a causa, pois trata-se de um juízo pericial sujeito à livre apreciação do tribunal[5] mas que, seguramente, influenciaria o desfecho da lide.
Quanto ao prazo de pagamento, tendo o acordo sido homologado em 07-07- 2022 e o prazo de pagamento fixado até 31-12-2022 (a pagar de uma só vez), estão em causa mais de 5 meses de dilação entre as duas datas.
Contudo, se a ação prosseguisse também o Autor decerto não obteria uma decisão com trânsito em julgado em menos tempo (as partes transigiram após os articulados), o que evidencia que a vantagem aludida, afinal, não se traduz em ganho temporal significativo para a Ré.
Tudo visto e ponderado, a repartição que a lei prevê para as situações de transação, no caso, afigura-se-nos ser a mais ajustada por melhor corresponder aos termos da própria transação, não prejudicando o Autor que, ainda assim, paga a título de custas uma percentagem inferior ao da redução do pedido, nem a Ré (e através dela o Estado, leia-se, o Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas de Justiça, I.P.) que fica responsável pela percentagem que o legislador assume como adequada e incentivadora da auto composição da lide através da transação das partes.
Nestes termos, procede a apelação, impondo-se a revogação da sentença de homologação da transação no que concerne às custas devidas pelas partes.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelada, que contra alegou (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP, encontrando-se a Apelada dispensada do seu pagamento por beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a sentença homologatória em causa nos autos, no que concerne a custas, determinando, outrossim, que as custas da transação ficam a cargo do Autor e da Ré, em partes iguais.
Custas do recurso nos termos sobreditos.
Évora, 02-03-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] RODRIGUES BASTOS, Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, p. 221.
[2] LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Almedina, 3.ª ed., p. 449 (3).
[3] SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2009, 2.ª edição, p. 90.
[4] Decisão Sumária n.º 403/2019, proferida no proc. n.º 507/19, 2.ª Secção (Conselheiro Pedro Machete), em 29-05-2019, disponível no site www.tribunalconstitucional.pt
[5] Neste sentido, cfr, entre outros, Acs. STJ, de 20-01-2010, proc. 2173/06.0TVPRT.P1.S1 (Silva Salazar), de 22-05-2014, proc. n.º 2264/06 (Maria dos Prazeres Beleza) e de 12-07-2018, proc. n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 (Maria do Rosário Morgado), em www.dgsi.pt.