Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
319/19.3T8PTG-B.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
FUNDAMENTOS
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os fundamentos de oposição à penhora são apenas os taxativamente previstos no artigo 784.º/1, a) a c), do CPC e não os fundamentos de oposição à execução, nomeadamente a impugnação do montante da dívida exequenda, pelo que a oposição à penhora deve ser liminarmente indeferida se não se fundar nos citados fundamentos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 319/19.3T8PTG-B.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrentes: (…) e (…)

Recorrido: Caixa Geral de Depósitos, S.A.

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No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre - Juiz 1, no âmbito da oposição à penhora proposta pelos recorrentes contra a recorrida, foi proferida a seguinte decisão:
Os executados (…) e (…) deduziram oposição à penhora, alegando que o valor da quantia exequenda indicado no auto de penhora refere-se ao valor inicialmente reclamado, que a dívida foi incluída no PER e estará a ser paga através de um plano de pagamentos, sendo que não está definida a natureza do crédito.
Conclui requerendo a sustação da penhora, com notificação à exequente para que esclareça as dúvidas expostas.
Preceitua o artigo 785.º que a oposição à penhora pode ser deduzida no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação do ato de penhor.
Preceitua o artigo 784.º do Código de Processo Civil que sendo penhorados bens do executado o mesmo pode opor-se à penhora em caso de inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada, da imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda e da incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
No caso vertente, entende-se que os fundamentos invocados não se enquadram nos fundamentos previstos no artigo 784.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
A oposição à penhora não pode servir para esclarecer o montante em dívida ou a qualidade em que os executados respondem pela mesma. Por outro lado, o valor indicado no auto de penhora não define o valor atualmente em dívida. Será nos autos de execução que as questões em apreço deverão ser tratadas e não através de dedução do presente incidente.
Assim sendo, deve a oposição à penhora ser liminarmente indeferida.
Face ao exposto, decide-se indeferir liminarmente a oposição à execução mediante embargos nos termos do artigo 732.º, n.º 1, alínea b), ex vi artigo 785.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.
Valor: € 37.717,85 (artigos 296.º, 299.º, 304.º, n.º 1, segunda parte, e 306.º do Código de Processo Civil).
Custas pelos executados (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.

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Não se conformando com o decidido, os recorridos apelaram formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

1- Indeferiu a Meritíssima Juiz, liminarmente, pelo douto despacho de que se recorre, o requerimento de oposição à penhora deduzido pelos recorrentes, nele sustentando, como aparente única razão do indeferimento que os fundamentos invocados não se enquadram nos previstos no artigo 784.º, n.º 1, do C. P. Civil.

Mas acrescenta, em parágrafo autónomo, que o incidente de oposição à penhora não pode servir para esclarecer o montante da divida ou a qualidade em que os executados respondem por ela. Estas questões, diz no mesmo paragrafo, deverão ser tratadas nos autos de execução e não através do incidente de oposição.

2- De facto, é no n.º 1 do artigo 784.º do C. P. Civil que a lei concentra os fundamentos possíveis de oposição à penhora; e como, no auto de penhora, se indicasse como a divida exequenda, tida como limite da penhora, a quantia de € 360.542,02, os oponentes, que a não consideram já devida, utilizaram o requerimento de oposição para sustentar que se infringiu a regra da proporcionalidade e adequação.

3- Alegaram que a divida executada estava contemplada em PER da Sociedade (…), Lda., que se identificou e que, entretanto, tinha sido vendido, com afetação do produto da venda à exequente, pelo valor de € 128.000,00, outro prédio deles oponentes.

4- Por outro lado, como estão sendo executados como avalistas e fiadores e a exequente ainda não esclareceu no processo a que titulo tem recebido os valores já realizados, aproveitaram também o requerimento de oposição para alegar essa indefinição.

5- Na impossibilidade de saber que valores de crédito da exequente foram reclamados e pagos através do PER, porque não são parte no processo, e de se sobrepor à exequente na escolha da afetação às responsabilidades de fiança e aval, pediram que, na notificação à exequente para contestar o incidente, fosse a mesma convocada a tomar posição sobre aquelas duas questões.

6- Dada a estrutura do texto do douto despacho, com fundamentações aparentemente autónomas, não estão os recorrentes seguros de qual tenha sido o real fundamento do indeferimento liminar – se a invocada não subsunção da oposição às diferentes alíneas do n.º 1 do artigo 784.º, se o apontado indevido uso da oposição para interpelação dos exequentes a esclarecer dúvidas, ou ambas.

7- Se o fundamento é só o primeiro, crê-se que facilmente se pode opor que a Meritíssima Juiz terá feito uma injustificada leitura da alínea a) do n.º 1 do artigo 784.º.

Se é a segunda, crê-se que terá havido da parte da Ilustre Magistrada desconsideração das concretas circunstâncias que rodearam a penhora, com o consequente indevido não uso dos deveres de cooperação e de adequação processual previstos nos artigos 7.º e 547.º do C. P. Civil.

8- Contando ou não com essa cooperação, seguro se afigura aos recorrentes que não podia, face ao que foi alegado na oposição, indeferir-se liminarmente a mesma, sendo que o indeferimento liminar só pode ocorrer quando o pedido seja manifestamente improcedente (artigo 590.º, n.º 1, do C. P. Civil).

9- O tribunal tinha à mão o requerimento executivo e o registo da venda feita e tinha a possibilidade legal de acesso oficioso aos dados do PER.

10- E in extremis, sempre haveria que facultar aos recorrentes a possibilidade de aperfeiçoar a petição (artigo 590.º do C. P. Civil).

11- Por outro lado, não se vê que possa ser tida como fator de indeferimento a pretensão de querer ver esclarecidas, na oposição, as dúvidas aí postas, desde que foi o não cumprimento por parte da exequente do dever de justificar a extensão da penhora que a isso levou. Esse dever era-lhe imposto pelo artigo 735.º, n.º 3, do C. P. Civil.

12- A consideração, no douto despacho, de que era na execução que as questões postas deviam ser tratadas, não teve em conta que os oponentes não tinham alternativa a requerer como requereram e onde e quando requereram. A lei não lhes permitia pedir a suspensão do prazo de oposição para enxertar na execução o incidente com aquele alcance.

13- Foi, pois, indevido o indeferimento liminar, atentos os estritos limites em que a lei o admite (artigo 591.º do C. P. Civil).

14- O despacho que o decretou é até formalmente nulo por não vir fundamentado. Nele se diz que a oposição não cabe na previsão do artigo 784.º do C. P. Civil; mas sem uma palavra para justificar porquê. Apenas que não cabe. Diz que não é na oposição que se podia querer esclarecer o valor em divida e a natureza da divida; mas nem uma palavra para esclarecer porquê. Não aponta caminho processual para tanto.

15- A falta de fundamento vicia o ato (artigo 154.º do C. P. Civil) e vicia a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do C. P. Civil).

16- Também a falta de notificação para aperfeiçoamento da petição vicia a decisão de indeferimento liminar (artigo 590.º, n.º 4, do C. P. Civil).

17- Em suma, o douto despacho recorrido violou os deveres de cooperação (artigo 7.º) e de adequação processual (artigo 547.º), bem como o de fundamentação (artigo 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b) e o de convite ao aperfeiçoamento (artigo 590.º, n.º 4) e acabando, por fim, por violar o disposto no artigo 590.º, n.º 1, que define os limites em que pode ser decidido o indeferimento liminar, todos do C. P. Civil.

Deve, atento o exposto, revogar-se a douta decisão de indeferimento liminar, no entendimento de que não ocorre fundamento para este, e ordenar-se o prosseguimento do incidente para contestação, com a intimação da exequente a esclarecer as questões que está na sua mão esclarecer e indagação, por parte do tribunal do que se passa com o PER requerido pela executada (…), Lda., ou,

A entender-se que a petição é deficiente, anular-se a decisão recorrida com devolução do processo à 1ª instância para que o tribunal pratique os atos instrutórios necessários, averiguando o valor da quantia exequenda ainda em divida e convide os oponentes, se não for bastante aquela indagação, ao aperfeiçoamento da petição para que esclareçam as questões que entenda dever ser esclarecidas.

Essa será, Senhores Desembargadores, a expressão da JUSTIÇA.

Considerando que, para instruir o recurso, há dados que só figuram na execução e não no incidente, pede-se que dela se extraia e se junte ao recurso certidão que compreenda o auto de penhora, o requerimento executivo e documentos com ele juntos, informação narrativa de que nela foi vendido um prédio com reversão do produto da venda para a exequente e de que, já depois da prolação da decisão recorrida, foi requerida a penhora das pensões de reforma dos recorrentes (artigo 646.º, n.º 1, do C. P. Civil).


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A recorrida contra-alegou, mas não formulou conclusões defendendo a manutenção do decidido.

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A questão que importa decidir é a de saber se os fundamentos de oposição à penhora se mostram presentes no caso dos autos.
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A matéria de facto a considerar é que consta do relatório inicial e a do requerimento de oposição que é a seguinte:
1- As dividas reclamadas na presente execução pela credora Exequente Caixa Geral de Depósitos contra os Impugnantes, na qualidade de fiadores e também de avalistas, foram, como, aliás, consta do requerimento executivo, integradas no Plano Especial de Revitalização (PER) da devedora (…), Pavimentos e Revestimentos, Lda., que corre termos no Juízo Local Cível de Portalegre, Juiz 1, com o n.º 44/19.9T8PTG.
2- No auto de penhora agora notificado aos Impugnantes refere-se que a divida exequenda é de € 360.342,02, à qual acrescem despesas. Este valor é o valor que foi reclamado inicialmente na execução.
3- Sucede que nos presentes autos já foi vendido um prédio urbano pertencente aos Impugnantes pelo valor de € 128.000,00, que deveria ter sido abatido do valor da divida.
4- Por outro lado, no âmbito daquele PER a devedora (…), Pavimentos e Revestimentos, Lda. acordou com a ora Exequente um plano de pagamentos destas mesmas dividas, no ano de 2019, e estará, certamente, desde então, a cumpri-lo.
5- O fiador e o avalista podem opor, como defesa, perante o credor, o pagamento da dívida.
6- Nos termos do artigo 637.º do C. Civil, o fiador tem o direito de opor ao credor os meios de defesa que competem ao devedor. E, nos termos do artigo 523.º do C. Civil, o avalista pode opor ao credor o pagamento que tenha sido feito pelo devedor.
7- Ora, se o devedor já não deve o valor que está a ser reclamado na execução, também os Impugnantes, fiadores e avalistas, o não devem.
8- Por outro lado, não está definida a natureza do crédito ainda por realizar, pois que, face ao requerimento executivo, a responsabilidade decorre em parte da condição de fiadores, noutra na de avalistas. E tendo já sido regularizada parte da divida, com venda de bens dos Impugnantes sem que a Exequente indique a que tipo de divida afetou o valor recebido, está-se sem saber a que titulo estão sendo responsabilizados.
9- Não pode, pois, ser efetuada a penhora do bem pelo valor que está a ser reclamado, sem que antes se averigue qual o valor efetivamente em dívida e qual a natureza da responsabilidade imputada aos Impugnantes, sabido que é diferente a defesa que possam opor enquanto avalistas e enquanto fiadores.
10- Atento o exposto requer-se que se suste a penhora, com notificação prévia à Exequente, para que esclareça as dúvidas expostas.
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Conhecendo.
Alegam os recorrentes que foi penhorado um prédio de sua propriedade, mas que o auto de penhora refere que a divida exequenda é de € 360.342,02, à qual acrescem despesas, sendo este o valor que foi reclamado inicialmente na execução.
Contudo, nos presentes autos já foi vendido um prédio urbano pertencente aos Impugnantes pelo valor de € 128.000,00, que deveria ter sido abatido do valor da dívida.
Por outro lado, a empresa executada deverá estar a cumprir um plano de pagamentos acordado.
Assim sendo, se a executada já não deve o valor que está a ser reclamado na execução, também os recorrentes, fiadores e avalistas, o não devem.
Acresce que não está definida a natureza do crédito ainda por realizar, pois que, face ao requerimento executivo, a responsabilidade decorre em parte da condição de fiadores, noutra na de avalistas.
E tendo já sido regularizada parte da divida, com venda de bens dos Impugnantes sem que a Exequente indique a que tipo de dívida afetou o valor recebido, está-se sem saber a que titulo estão sendo responsabilizados.
O que implica não poder ser efetuada a penhora do bem pelo valor que está a ser reclamado, sem que antes se averigue qual o valor efetivamente em dívida e qual a natureza da responsabilidade imputada aos Impugnantes, sabido que é diferente a defesa que possam opor enquanto avalistas e enquanto fiadores.

Acerca da oposição à penhora dispõe o artigo 784.º do CPC, sob a epígrafe, “Fundamentos da oposição”:
1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 - Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.
Na alínea a) estão previstos os bens cuja penhora é inadmissível ou bens que excedem o montante da dívida exequenda, fora dos casos proveitos no artigo 751.º/3, do CPC.
O fundamento a que alude a alínea b) dirige-se aos casos em que, existindo bens que respondem em primeira linha pelo pagamento da dívida exequenda, foram penhorados bens que apenas respondem em segunda linha, ou seja, que só subsidiariamente respondem pelo pagamento, v.g., bens do fiador que tenha a seu favor o benéfico da excussão prévia, artigo 638.º do CC.
A alínea c) prevê os bens que não respondem pela dívida exequenda porque excluídos pelo direito substantivo, tais como os casos de limitação convencional (v.g. artigo 603.º do CC) ou os bens não transmissíveis, ou seja, fora do comércio (v.g., artigo 736.º/ b), do CPC).
Sobre a apreciação destas situações, cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2019, pág. 678.
Ora, analisando os argumentos que os recorrentes desenvolveram no requerimento de oposição à penhora, concluímos que todos se dirigem para o montante da dívida exequenda – que dizem ser menor do que inicialmente pedido, em face de pagamentos já efetuados –, mas não se vislumbra qualquer argumento que possa ser inscrito nas situações que acima se elencaram e constam do artigo 784.º/1, do CPC.
Ora, tais argumentos concernentes ao montante da dívida exequenda não são permitidos como fundamentos da oposição à penhora, mas sim como oposição à execução, o que não é o caso em apreciação.
Assim sendo, bem andou o tribunal a quo ao indeferir liminarmente o requerimento de oposição, porque legalmente inadmissível.
O que significa dever improceder a apelação.
***

Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes – artigo 527.º do CPC.
Notifique.

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Évora, 02-03-2023

José Manuel Barata (relator)

Cristina Dá Mesquita

Rui Machado e Moura