Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
718/15.3TBSTR.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PESSOA SINGULAR
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O Processo de Revitalização dirige-se somente a devedores empresários e não a quaisquer outras pessoas singulares.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 718/15.3TBSTR (Apelação)
Comarca de Faro (Faro – SCível- J1)
Recorrente: (…)
R47.2015

I. (…) e (…), intentaram o presente Processo Especial de Revitalização.
Por despacho de fls. 85 (ref.ª 67009149) foram os Requerentes notificados para virem esclarecer qual a actividade profissional de cada um e qual pretende prosseguir nos autos, uma vez que não é admitida a coligação inicial activa de devedores.
Por requerimento de fls. 88, vieram os Requerentes informar que pretendem que o processo prossiga apenas relativamente ao Requerente (…), não prestando a informação relativa à sua actividade profissional.
O que foi novamente solicitado por despacho de fls. 90 (ref.ª 67321177).
Que mereceu a resposta constante de fls. 93, da qual resulta que o Requerente é trabalhador por conta de outrem.

Por despacho de fls. 95 e 96 (ref.ª 67515450) foi decidido o seguinte:
Resulta do requerimento que antecede que os devedores são trabalhadores por conta de outrem, encontrando-se o requerente marido desempregado.
Conforme se decidiu no Ac. TRG de 23-2-2015, proc. nº 3700/13.1TBGDM.P1 «O Processo Especial de Revitalização não se destina aos devedores pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários nem exerçam, por si mesmos, qualquer actividade autónoma e por conta própria.». Explanando melhor esta conclusão, consideram os Venerandos Juízes Desembargadores que «O argumento que radica no programa de assistência financeira (o chamado acordo com a troika) parece-nos claramente insuficiente e mesmo susceptível de ser interpretado em sentido diverso daquele que alguns lhe dão: afinal, tendo tal programa de assistência pretendido, além do mais, “apoiar a reabilitação de indivíduos financeiramente responsáveis” (o que quer que isso realmente seja e juridicamente represente), o certo é que o diploma que veio a ser aprovado (e que constitui a lei que nos rege, ao invés do citado acordo internacional), quer na sua exposição de motivos, quer nos diversos artigos que veio a alterar no CIRE, aponta claramente para a revitalização e recuperação do tecido empresarial e omite, significativamente, qualquer propósito de igualmente pretender reabilitar os devedores singulares (não comerciantes, empresários ou que (não) desenvolvem uma qualquer actividade económica). Não pode esquecer-se, por outro lado – e além do que referimos na nota n.º 8, e acompanhamos - qual o sentido da expressão revitalizar, que o legislador escolheu (por certo, pensadamente) e também que, por último, as pessoas singulares já antes beneficiavam (e agora continuam a beneficiar) do regime decorrente do chamado “Plano de pagamentos aos credores”, previsto nos artigos 249 e ss. do CIRE e que, como resulta do preâmbulo deste diploma (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março) permite “às pessoas singulares, não empresários ou titulares de pequenas empresas, a apresentação, com a petição inicial do processo de insolvência ou em alternativa à contestação, um plano de pagamentos aos credores (...)”. Importa acrescentar que o “Plano de pagamentos aos credores” determina a suspensão da declaração de insolvência e que a insolvência que venha a ser decretada, após a homologação do plano, tem um alcance mais limitado do que a “normal” (se assim podemos dizer), não estando sequer sujeita a registo e publicidade (artigo 259, nº 5, do CIRE), o que constitui um “benefício significativo para o devedor” e é “uma consequência dos efeitos limitados desta decisão” (Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Almedina, 2013, pág. 704)».
Esta interpretação é, efectivamente, a que parece mais conforme ao Tribunal com o espírito da lei, mais precisamente do instituto do processo especial de revitalização.
Sempre se dirá, ainda, que os requerentes nem casados são, pelo que nunca os presentes autos poderia prosseguir quanto a ambos.
Em face do exposto, indefiro liminarmente o presente processo especial de revitalização ao abrigo do art. 27º/1-a, CIRE. …”

Inconformados com tal decisão, vieram os Requerentes interpor recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões:
1. O presente PER foi interposto em 11.03.2015.
2. O artigo 17-C, nº 3, alínea a), do CIRE determina que o despacho de admissão ou não do PER deve ser proferido de imediato.
3. O despacho de indeferimento, ora recorrido, ocorreu passados 49 dias, pelo que já não podia determinar tal indeferimento.
4. O douto despacho recorrido, não admitiu o PER apresentado pelo recorrente, porquanto considerou que este instituto não se aplica a pessoas singulares.
5. Conclusão que retirado facto de entender que, quanto às pessoas singulares, já estas beneficiavam da possibilidade de, suspender a declaração de insolvência, através da apresentação de um plano de pagamentos.
6. Ora, tal possibilidade em nada distingue as pessoas singulares das pessoas colectivas que beneficiam da mesma possibilidade de apresentar um plano de insolvência e dessa forma encerrar o processo de insolvência.
7. Com o devido respeito andou mal o despacho recorrido porquanto nenhuma distinção é feita na Lei que permita concluir que o PER não se aplica às pessoas singulares, pelo contrário.
8. Acresce que, até ao aparecimento do PER, qualquer pessoa singular que se encontrasse em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente acabava, na maior ia dos casos, por ser declarada insolvente. Sofrendo todos os efeitos negativos associados à declaração de insolvência. E isto para não falar do estigma social que, ainda hoje, é associado à declaração de insolvência.
9. A interposição de um plano PER, permite assim às Pessoas Singulares fugirem a esse estigma.
10. Tem sido sufragado pelos credores, tal entendimento, dado que, como se pode constatar, são inúmeros os casos em que os credores votam favoravelmente os mui tos planos apresentados no âmbito do PER de pessoas singulares, não titulares de empresas.
11. O entendimento acolhido no Douto despacho recorrido, cria uma desigualdade inexplicável e legalmente injustificável, entre as pessoas singulares não titulares de empresas e as pessoas singulares titulares de empresas.
12. A acolher o entendimento do despacho recorrido, as pessoas singulares, ao contrário das colectivas e das pessoas singulares titulares de empresas, mesmo estando em situação económica difícil, devem aguardar até estarem insolventes, para poderem recor rer a um eventual plano de pagamentos, visto que a sua recuperação através de um plano de pagamentos em sede de PER, lhes estar ia vedada.
13. A que acresce, o facto de o plano de pagamento referido no douto Despacho/Sentença, ser aprovado com aos votos favoráveis da total idade dos credores (podendo ser suprido 1/3) , enquanto que o plano proposto no âmbito do PER, de acordo com a última alteração legislativa, é homologado com a maioria simples dos votos favoráveis dos credores.
14. Cria-se, assim, ao contrário do que pretende o douto despacho/sentença, uma enorme desigualdade entre pessoas singulares titulares de empresa e as não titulares, sem qualquer justificação legal.
15. Essa desigualdade de tratamento na aplicação da Lei é, além de ilegal, inconstitucional.
16. A decisão recorrida viola o disposto no s artigos 17-A e 17-C, nº 3, alínea a), do CIRE e o disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (Direitos Fundamentais)
NESTES TERMOS, DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, ADMITINDO-SE O PER APRESENTADO PELO RECORRENTE”.

Cumpre decidir.
***
II. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

As questões a decidir resumem-se, pois, a saber:
a) Se, dado o lapso de tempo decorrido entre a propositura do presente PER e a data do despacho recorrido, não podia ter sido proferido despacho de indeferimento do PER;
b) Se é admissível a instauração de um PER relativamente a pessoas singulares não comerciantes.

No que respeita à primeira questão, resulta à evidência dos autos que a delonga na prolação de decisão sobre a admissão do presente PER, se deveu a uma deficiente alegação de factos, nomeadamente quanto à actividade do Requerente, que mereceu do Tribunal “a quo” a prolação de dois despachos para que o Requerente esclarecesse essa questão.
Daí que o despacho sobre o indeferimento do presente PER tenha sido proferido no momento em que o Tribunal “a quo” tinha ao seu dispor os factos bastantes para efectuar a apreciação liminar do requerido (vide art.º 27º, n.º 1, alínea a), do CIRE).
Improcede assim, nesta parte, o presente recurso.

Quanto à segunda questão, como se retira da Proposta de Lei 39/XII, que deu aso à alteração do CIRE pela Lei n.º 16/2012 “…O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.” … Na mesma linha, é criado o processo especial de revitalização (artigos 17.º-A a 17.º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n.º 2 do artigo 1.º, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa os respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.
O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas. Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários …”.
Do que resulta, com clareza, que a intenção do legislador, ao criar o PER, foi a de permitir a revitalização da actividade económica do devedor “agente económico” e não de quaisquer outros devedores, nomeadamente pessoas singulares trabalhadores por conta de outrem (ver sobre a abrangência dos “agentes económicos” que podem deitar mão do PER, Nuno Casanova e David Dinis, in PER, págs. 13).
Consequentemente, e citando os Autores e obra acima referidos “ …uma vez que o PER, se destina a revitalizar o devedor, e não a liquidar o seu património, apenas podem ser objecto de um PER as pessoas colectivas e patrimónios autónomos que, mesmo não tendo uma finalidade lucrativa, exerçam uma actividade económica” (págs. 13).
E ainda, citando Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 3ª Ed. 2015, págs. 140, “Temos, pois, por adequada a conclusão de que o processo de revitalização se dirige somente a devedores empresários, justificando-se a correspondente restrição ao significado literal do texto.
Neste sentido, a mais dos pressupostos objectivos do processo de revitalização que se materializam na situação económica difícil ou de insolvência iminente do devedor e da sua recuperabilidade, acresce o pressuposto subjectivo traduzido na exigência de que se trate de devedor em cujo património se integra numa empresa – devedor empresário.”

Improcede assim o presente recurso.

IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 09 de Julho de 2015
Silva Rato
Assunção Raimundo
Abrantes Mendes