Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
181/14.6TMSTB-B.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
DANO IRREPARÁVEL
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário:
Estando suspensa, por existência de causa prejudicial, a acção para regulação das responsabilidades parentais, pode ser deduzido, nos termos do art.º 275.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, incidente de fixação de alimentos provisórios para o menor.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes nesta Relação:

A requerente/apelante AA vem, no presente incidente de alimentos provisórios dentro dos autos de regulação das responsabilidades parentais, relativos à menor, filha de ambos, BB, que instaurara na Secção de Família e Menores do Tribunal Judicial contra o requerido/apelado CC, interpor recurso do douto despacho que aí foi proferido a 21 de Janeiro de 2015 (ora a fls. 35 a 36 dos autos) – e que lhe veio a indeferir tal incidente (com o fundamento aí aduzido pela Mm.ª Juíza de que “tendo ainda presente o regime aplicável às suspensões, previsto no artigo 275º do Código de Processo Civil, só podendo praticar-se actos urgentes destinados a evitar dano irreparável entende-se que não se verificam os pressupostos para a fixação de uma pensão de alimentos provisória, sendo certo que não foram sequer alegados factos que consubstanciem o referido dano irreparável”) –, ora intentando a sua revogação e que se admita ainda o mencionado incidente para a fixação de uma pensão a título de alimentos provisórios à menor por parte do seu progenitor, e alegando, para tanto e em síntese, que não concorda com o que foi decidido no despacho recorrido, porquanto nada obsta a que se fixem agora os alimentos provisórios à menor, pese embora a instância esteja suspensa por o requerido “haver impugnado a respectiva paternidade” num outro processo, já que é patente estarmos perante a verificação do requisito do dano irreparável se a menor continuar sem receber os alimentos do respectivo progenitor, pois são os mesmos “essenciais e, da sua falta ou insuficiência, resulta, necessariamente, dano irreparável para a menor, nomeadamente na sua saúde, quer física, quer mental, em especial na formação da sua personalidade”, aduz. E estão alegados factos suficientes para se explicitar isso mesmo. Termos em que se deverá vir a revogar o douto despacho recorrido, ordenar-se o prosseguimento do incidente de fixação dos alimentos provisórios, e assim se dando provimento ao recurso.
O requerido/apelado CC vem contra-alegar (a fls. 13 a 14 dos autos), para dizer, também em síntese, que a apelante não tem razão, já que “tendo sido decretada a suspensão da instância, e tendo transitado em julgado tal despacho, só excepcionalmente poderia ser questionado tal statu quo”. Pelo que “a requerente pretende, enviesadamente, questionar o despacho que decretou a suspensão da instância, do qual não recorreu em devido tempo”. São, assim, termos em que se deverá ainda manter o douto despacho recorrido.
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Atendem-se aos seguintes factos, com interesse para a decisão:

1) No dia 27 de Março de 2014 instaurou a requerente AA, na Secção de Família e Menores do Tribunal Judicial, contra o ali requerido CC, acção para a regulação das responsabilidades parentais, relativa à filha de ambos, a menor BB, onde peticionou que fosse fixada, para esta, uma pensão de alimentos, mensal, de € 300,00 (trezentos euros).
2) No dia 07 de Maio de 2014, o requerido instaurou, na 4ª Vara Cível do Tribunal Judicial, uma acção com processo comum, para impugnação/anulação dessa perfilhação, contra a requerente AA, e a filha, BB, que corre termos sob o n.º 519/14.6TJLSB, conforme ao documento de fls. 34 dos autos, aqui dado por inteiramente reproduzido.
3) Pelo que a Mmª Juíza do processo suspendeu a instância por referência à existência dessa causa prejudicial.
4) Em 08 de Outubro de 2014 a requerente peticionou, então, a fixação de alimentos provisórios para a menor, a pagar pelo requerido – que pediu no valor mensal de € 300,00 (trezentos euros), nos termos do seu douto articulado de fls. 18 a 21, cujo teor qui se dá por inteiramente reproduzido (o carimbo de entrada está aposto a fls. 18 dos autos).
5) E em 21 de Janeiro de 2015 foi proferido o douto despacho de que ora se recorre, e que constitui fls. 35 a 36 dos autos, que aqui se dá igualmente por reproduzido na íntegra, a indeferir o pedido de fixação de alimentos provisórios (vide fls. 35 a 36 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se poderia o Tribunal a quo indeferir, assim sem mais e in limine, o incidente para fixação de alimentos provisórios devidos à menor, da iniciativa da mãe da mesma, pese embora se encontre suspensa a instância até que seja proferida decisão na acção de impugnação da própria paternidade. É só isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Mas cremos bem, salva outra e melhor opinião, que a solução encontrada no douto despacho recorrido não poderá manter-se na ordem jurídica, porquanto os dados que ressumbram do processo dão para concluir que não houve falta de indicação da factualidade pertinente, pelo menos que justificasse aquela decisão liminar (a todos os títulos, gravosa e penalizante) de indeferir, simplesmente, o incidente. Pois que ademais tudo deve ser feito para que os processos prossigam os seus normais termos e atinjam os fins a que normalmente tendem: resolução de problemas a quem precisa de se dirigir ao sistema de justiça português. De outro modo, constrói-se o processo como um fim em si mesmo, formalmente, apenas servindo para arranjar entraves ao conhecimento do mérito das acções ou seus incidentes (note-se que vigoram, entre nós, como é sabido, os princípios pro actione e in dubio pro favoritatae instantiae, em ordem precisamente a que se consiga nos processos uma tutela jurisdicional efectiva).
Vejamos, então.

É verdade que a instância da acção para regulação das responsabilidades parentais está suspensa. Nem sequer se discute já a bondade dessa suspensão, ao contrário do contra-alegado pelo recorrido, pois o douto despacho respectivo transitou já em julgado. Mas, aparentemente, foi bem decidido suspendê-la, por pendência de causa prejudicial, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pois é fácil de entender que se o requerido vier a obter ganho de causa na acção de impugnação da sua própria paternidade, cai por terra a acção de regulação das responsabilidades parentais (diferente problemática seria a de se questionar se o mesmo não teria intentado a acção de impugnação da própria paternidade para obstaculizar o prosseguimento da acção de regulação das suas responsabilidades parentais; mas isso está ultrapassado neste momento).
Como quer que seja, o requerido não deixou de ser progenitor da menor só por obra da instauração da competente acção de impugnação da paternidade – que poderá, naturalmente, ganhar ou perder (e se ganhar só será eficaz quando transitar em julgado a respectiva sentença).
Vale isto por dizer que nada obsta a que pague, entretanto, uma pensão de alimentos à menor (por enquanto) sua filha, desde que se mostrem verificados os legais pressupostos para tal.

Em consequência, como parece ter entendido o douto despacho recorrido, não é a suspensão da presente acção que é obstáculo, à partida e em tese, àquela fixação dos alimentos provisórios. Desde que se verifiquem os pressupostos que a lei estabelece para a produção de efeitos nas acções suspensas, na previsão do artigo 275.º, n.º 1, ab initio, do Código de Processo Civil: “Enquanto durar a suspensão só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável”.

E aqui é que surge a nossa dissensão do decidido na 1ª instância: pois que entendemos que a pretensão da requerente à fixação dos alimentos provisórios para a menor é claramente um acto urgente destinado a evitar dano irreparável. Estamos até cientes que haverá poucos exemplos como este, de actos urgentes destinados a evitar dano irreparável. É uma criança de tenra idade, que precisa de alimentos – e precisa deles já, não daqui a uns anos quando for decidido se o pai registral é, ou não, seu pai (ainda que com efeitos retroactivos para o visado, caso venha a perder tal acção). As necessidades são actuais – naturalmente com os limites da sua tenra idade –, os alimentos também têm que ser prestados já. Não há lugar a protelamentos no tempo (a não ser que a menor não tivesse tais necessidades actuais, por dispor de abundantes recursos monetários, mas não é seguramente o caso). E daí que o acto seja urgente e o dano irreparável, como é, também, patente, pois aquilo de que carecer agora, não mais o alcançará se não tiver os meios financeiros para o adquirir em cada fase do seu crescimento.

Acresce que uma tal solução – para além de ir ao encontro do interesse da criança, que é o que move a lei e move os tribunais, nestas matérias – ainda tem a solene vantagem de evitar que os visados instaurem acções de impugnação da paternidade ou da maternidade só com o fito de impedirem o pagamento actual e imediato do que quer que seja aos filhos que têm no respectivo registo civil. E a pergunta impor-se-ia, sonora: as crianças é que têm de pagar estas démarches e lutas processuais? Que são legítimas, recorde-se. Assim, com a solução para que aqui propendemos, têm assegurados os alimentos necessários à sua idade, e não impedem os adultos de discutirem (e enquanto discutirem e pelo tempo que entenderem) se a verdade biológica é, ou não, a que está vertida no registo civil.

Por fim, diga-se que a requerente invoca os factos necessários à pretensão que formula, dizendo das dificuldades e necessidades da menor (e da premência da situação) e enquadrando até o caso com um alegado pagamento, até ao início do processo, de alimentos à menor por parte do requerido (vide os pontos 3, 4, 5 e 6 do seu douto requerimento, a fls. 19 dos autos). E ofereceu também provas, sendo que o tribunal tem a possibilidade de investigar a situação, oficiosamente.

Razões pelas quais, neste enquadramento, se não poderá manter a decisão da 1ª instância, devendo ser revogada e dando-se continuidade à tramitação do incidente para fixação dos alimentos provisórios à menor – procedendo, dessa maneira, o recurso.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar o douto despacho recorrido.
Custas pelo apelado, que contra-alegou.
Registe e notifique.
Évora, 6 de Outubro de 2016

Canelas Brás

Jaime Pestana

Paulo Amaral