Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1179/13.7TBGRD-O.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: INIBIÇÃO DO PODER PATERNAL
PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Mostrando-se pendente processo de promoção e proteção no decurso do qual o menor em perigo foi provisoriamente confiado a um dos progenitores, justifica-se a suspensão da ação, intentada pelo outro progenitor, com vista à inibição do exercício das responsabilidades parentais do progenitor a quem o menor foi provisoriamente confiado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1179/13.7TBGRD-O.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. (…) instaurou contra (…) incidente de inibição do exercício das responsabilidades parentais, relativamente aos menores, filhos de ambos, (…) e (…).
Alegou, em resumo, que a requerida nunca cumpriu o acordo de regulação das responsabilidades parentais estabelecido nos autos principais pondo em causa o bem-estar e desenvolvimento dos menores, que maltrata, física e psicologicamente, os menores e tem promovido junto destes uma má imagem do progenitor com vista a impedir uma normal relação de afetividade e convívios com ele.
Argumenta, ainda, que “melhor do ninguém poderá proporcionar um ambiente estável e seguro com amor, para que os menores possam crescer juntos, de forma saudável e em convívio com todos os restantes membros da família.”
Concluiu pedindo se decrete a inibição do exercício das responsabilidades parentais da requerida relativamente aos menores.
Contestou a requerida refutando todos os factos relativos a putativas violações dos seus deveres para com os filhos e argumentando, em resumo, que é o requerente quem, de forma contínua e reiterada, tem infringido tais deveres, uma vez que não revela preocupações com o bem-estar físico e psíquico dos menores, não tem condições de habitabilidade para ter os menores consigo, não cuida da alimentação destes, falta reiteradamente ao pagamento das prestações de alimentos devidos e mostrou absoluta indiferença com a possibilidade de institucionalização dos filhos.
Concluiu pela improcedência do pedido e pediu que seja decretada a inibição do exercício das responsabilidades parentais do requerente relativamente aos menores e este condenado em litigante de má-fé por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora.
O Ministério Público teve vista do processo e anotando a circunstância de os menores beneficiarem, na atualidade, de uma medida de promoção e proteção, tomada no apenso F, nos termos da qual o menor (…) se mostra entregue à requerida, com ela residindo desde o dia 27/12/2019 e a sua irmã (…) beneficia de uma medida de acolhimento residencial, lavrou a seguinte promoção: “por uma questão de harmonização processual, devem os presentes autos aguardar decisão definitiva nos acima referidos autos de promoção e proteção”.

2. A promoção mereceu o seguinte despacho:
“Na senda do doutamente promovido, cuja douta promoção se subscreve por inteiro e para a qual se remete, tendo em vista evitar a repetição de diligências, designadamente probatórias já determinadas e, bem assim, evitar a prolação de decisões com o mesmo conteúdo e alcance material, determino a suspensão dos presentes autos até prolação de sentença no apenso de promoção e proteção em curso e onde se julga estar a ser acautelada qualquer situação de risco ou perigo para ambos os menores – artigo 272.º, n.º 1, do CPC.”

3. Recurso
O requerente recorre deste despacho e conclui assim a motivação do recurso:
“A) Muito respeitosamente, consideramos que estes autos, a ação principal e os restantes apensos já contêm todos os elementos probatórios necessários e a decisão que se pede e espera terá um conteúdo e um alcance material distinto das decisões tomadas no âmbito das medidas de promoção e proteção que se têm prolongado muito no tempo sem qualquer decisão definitiva desde há já cerca de dois anos e meio e têm prejudicado a situação dos menores em vez de a melhorar.
B) Perante as evidências documentais juntas aos autos não se compreende a manutenção das medidas de promoção e proteção junto da mãe, nem a demora de cerca de dois anos e meio para ser tomada uma decisão definitiva que há muito se impõe. Veja-se I) o relatório pericial junto aos autos, notificado ao requerente em 29/10/2020, donde consta, para além do mais, que: “… a progenitora, esta revelou incapacidade em fazer crítica aos seus comportamentos, mesmo nos momentos em que confirmava, de forma clara, episódios correspondentes a comportamentos potencialmente maltratantes, práticas educativas inadequadas e/ou claros maus tratos emocionais.” “… durante toda a entrevista o foco da progenitora esteve sempre no progenitor, nunca fazendo crítica aos danos que o seu comportamento pode ter no bem-estar físico e psicológico da menor.” “… conseguimos identificar um comportamento reativo ao desejo da mãe, sinal claro da presença de comportamentos parentais associados a alienação parental.” “Após desmontarmos os argumentos apresentados pelo menor, o mesmo acabou por verbalizar que “gostava de estar com o pai” sic,…” “Apenas quando isolámos os dois menores e conseguimos comparar as versões apresentadas individualmente por ambos, é que o (…) conseguiu libertar-se da angústia relacionada com a alienação parental materna, e expressou o seu desejo em poder estar com ambos os progenitores;” (conforme se defende na doutrina e na jurisprudência mais recentes, um progenitor alienante não tem competências parentais) II) as várias comunicações da filha (…) enviadas por email para o Tribunal (atrás especificadas e outras comunicações do pai que constam dos autos) a alertar para a violência física e psicológica da mãe sobre os menores e pedindo a (…) para viver com o pai; III) aliás a (…) também já vinha comunicando este comportamento da progenitora, nomeadamente quando referiu no apenso C, para além do mais: “ Porque a minha mãe me obrigou. (…) sabia que quando chegasse a casa as consequências não iam ser muito positivas, eu fiz o que a minha mãe queria. (…) obrigava-nos a dizer que não queríamos ir. (…) Fazia todo o tipo de pressão e batia-nos quando eu dizia alguma coisa que ela não quisesse que eu dissesse. (…) eu simplesmente dizia o que ela queria… (…) (menor): Foi discurso treinado. (MM juiz): Treinado por quem? (menor): Pela minha mãe, obrigava-nos a dizer, tínhamos que dizer isto, tínhamos que dizer aquilo…nós obedecíamos, não tínhamos outra opção. (…)”; IV) os repetidos incumprimentos da mãe comunicados ao Tribunal e atrás cidade de Portalegre desde meados de 2019 tendo levado o filho (…) para esta cidade (sem qualquer consentimento do pai ou do Tribunal), que dista cerca de 184 km da cidade da Guarda onde o pai continua a viver (tendo também passado a viver em Portalegre a … desde as férias do Natal de 2019), o que impossibilita as visitas e o acompanhamento do pai; VII) acresce que, finalmente, a mãe (…), no requerimento com data de entrada de 06/11/2020, pediu que a filha (…) fosse viver com o pai.
C) Perante as evidências documentais juntas aos autos não se compreende porque não se ordena o imediato prosseguimento deste apenso de inibição ao exercício das responsabilidades parentais por parte da requerida (…), relativamente aos menores (…) e (…), com caráter de urgência devido ao perigo que os menores estão a correr.
D) Efetivamente, também já está evidenciado nos autos que na casa do requerente os menores ficarão melhor a todos os níveis, nomeadamente em termos afetivos, de segurança, saúde, educação e desenvolvimento. Veja-se: I) a (…) já comunicou expressa e repetidamente ao Tribunal (conforme atrás se especificou) que quer viver e ficar à guarda do pai; II) consta do referido Relatório Pericial atrás citado, relativamente ao filho (…), para além do mais, o seguinte: “Após desmontarmos os argumentos apresentados pelo menor, o mesmo acabou por verbalizar que “gostava de estar com o pai” sic,…” III) é notório que o melhor para os filhos é que os dois fiquem a viver juntos e à guarda do pai, o que este já solicitou também repetida e expressamente ao Tribunal; IV) consta dos autos que a menor (…) já esteve a viver com o pai durante bastante tempo, pelo menos desde fevereiro/março de 2018 até final de 2019, noutra altura em que também teve que fugir de agressões da mãe; e em 10/07/2018, conforme consta dos autos, foi efetuado no Tribunal um “Acordo de Promoção e Proteção” em que se autorizou e consolidou este regime em que a filha estava e ficou a viver com o pai, o que evidencia que o pai tem “… condições de prover aos cuidados dos menores”; e tudo correu normalmente até às últimas férias de Natal de 2019 em que a mãe terá convencida a filha a voltar a viver com ela e a filha acedeu convencida que a mãe não voltaria a agredi-la e porque tinha saudades do irmão, conforme consta da referida comunicação enviada pela (…) ao Tribunal em 20/10/2020 e que deverá constar dos autos.
Pelo que, tendo em conta o alegado e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve dar-se provimento ao recurso, julgando-o procedente.”
Responderam a Requerida e o Ministério Público por forma a defender a improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, importa decidir se os autos deverão prosseguir os seus termos, por não se justificar a sua suspensão.

III. Fundamentação.
1. Factos.
Relevam os factos que decorrem do relatório supra.

2. Direito
2.1. Se os autos deverão prosseguir os seus termos por não se justificar a suspensão
A decisão recorrida ajuizou que a pendência de processo de promoção e proteção no âmbito do qual foi aplicada provisoriamente ao menor (…) a medida de apoio junto da mãe e à menor (…) a medida de acolhimento residencial, justifica a suspensão do procedimento destinado a decretar a inibição do exercício das responsabilidades da progenitora, até à prolação de sentença naqueles autos.
Fundamentou tal juízo na circunstância, anotada na promoção do Ministério Público que acolheu, “de todas as situações atinentes aos menores e que contendam com perigo e/ou risco para a pessoa dos mesmos, situações de perigo essas que são fundamento do pedido da presente ação de inibição, pelo que estão e serão ali acuteladas” e no propósito de “evitar a repetição de diligências, designadamente probatórias já determinadas e, bem assim, evitar a prolação de decisões com o mesmo conteúdo e alcance material”, ou seja, os menores não estão, na atualidade, em risco e a sentença a proferir no apenso de promoção e proteção incidirá necessariamente sobre factos (e diligências de prova) que constituem pressupostos do pedido formulado nos presentes autos.
O recurso é o meio processual mediante o qual se impugnam as decisões judiciais (artigo 627.º, n.º 1, do CPC) e nele deve constar a indicação dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão (artigo 639.º, n.º 1, do CPC), uma vez que a “impugnação não se identifica com uma originária petição de Justiça como a demanda, sendo diversamente uma contestação concreta contra um ato de vontade jurisdicional que se considera errado” [Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed. pág. 71].
No caso, as conclusões do recurso não indicam razões de divergência com a decisão recorrida; os fundamentos que nele constam reproduzem as razões que justificaram o pedido de inibição das responsabilidades parentais da ora Recorrida e, para além destas, limitam-se a afirmar que as “evidências documentais juntas aos autos” justificam a prossecução dos autos.
Nenhuma destas razões concorreu para o juízo documentado no despacho recorrido assente, como se disse, na inexistência de perigo (atual) para os menores, na defesa da harmonia das providências e na economia de meios e atos processuais.
O recurso não evidencia, a nosso ver, razões de divergência com os fundamentos do despacho recorrido e tanto bastaria para o julgar improcedente.
Acrescenta-se, ainda assim, que a decisão nos parece certeira.
A ação tem por fundamento a infração culposa dos deveres da Recorrida para com os seus filhos, com grave prejuízo destes (artigo 1915.º, n.º 1, do Código Civil).
Os menores (…) e (…) mostram-se, segundo o despacho recorrido, respetivamente sujeitos à medida de apoio junto da mãe e de acolhimento residencial no âmbito do processo de promoção e proteção (apenso F), o qual tem como principal e único escopo afastá-las da situação de perigo que justificou a intervenção, proporcionar-lhes condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica de qualquer forma de exploração ou abuso (artigo 34.º da Lei 147/99, de 1/9, Lei de proteção de crianças e jovens em perigo).
O prejuízo para os menores que a ação de inibição visa acautelar mostra-se suficientemente acautelado no processo de promoção e proteção [embora o Recorrente não esconda, na petição (artº 41º) e nas alegações de recurso (v.g. cclª D), que ação tem por último escopo que os menores lhe venham a ser confiadas, surgindo o pedido de inibição – como se fosse coisa leve – instrumental a tal desiderato] e os pais, designadamente a Recorrida, estão à prova no referido processo, o que significa que a consolidação ou (o indesejável) insucesso das medidas tutelares provisoriamente tomadas constituirão um evento relevante para se formar uma opinião quanto à conveniência e oportunidade [artº 3º al. h) e 12º Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei 141/2015, de 8/9 e 987º, do CPC] de decretar, ou não, a inibição das responsabilidades parentais da Recorrida relativamente seus filhos (…) e (…).
O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (artigo 272.º, n.º 1, do CPC).
Embora os autos de promoção e proteção e os presentes evidenciem fortes pontos de convergência – ambos visam, por formas diferentes, proteger e acautelar os interesses dos menores e ambos exigem uma profunda avaliação sobre as competências parentais da progenitora – os primeiros não têm, estamos em crer, por objeto pretensão que constitua pressuposto dos presentes ou, pelo menos, não o têm em toda a extensão (apenas um dos menores beneficia da medida de apoio junto da mãe) o que obsta à uma clara afirmação de prejudicialidade do processo de promoção e proteção relativamente à presente ação de inibição; com maior desembaraço se afirmará, no entanto, que a imprescindível coerência de julgamentos justifica que se sustenha a decisão a proferir nos presentes autos enquanto os primeiros não alcançarem decisão final (solução diferente não obstaria a que se viesse a inibir das responsabilidades parentais precisamente o progenitor julgado idóneo e competente para que o filho lhe seja confiado, ou o inverso).
A pendência do processo de promoção e proteção no decurso do qual, a título provisório, o menor (…) foi provisoriamente confiado à progenitora e a menor (…) beneficia da medida de acolhimento residencial justifica, a nosso ver, a suspensão da ação de inibição do exercício das responsabilidades parentais da progenitora, tal como se decidiu.
Improcedem as conclusões do recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

3. Custas.
Vencido no recurso, incumbe ao recorrente pagar as custas (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 11/2/2021
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho