Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1623/20.7T8STB-B.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: PROPRIEDADE DE IMÓVEL
CÔNJUGE
EXECUÇÃO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O vocábulo bens inserto no artigo 794.º do CPC assume uma conceção lata, reportando-se a bens jurídicos objeto de penhora, pelo que contempla quer os bens imóveis, quer os bens móveis, quer os direitos sobre os quais incida penhora.
(Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Executados: (…) e (…)
Recorrida / Exequente: (…) – (…) Management, SA

No âmbito do processo executivo que corre termos para cobrança de € 104.610,33 foi realizada penhora, que foi levada a registo, tendo como sujeitos passivos os Executados. A penhora incidiu sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…), prédio esse que tinha sido adquirido pelos Executados no estado de divorciados, sem determinação de parte ou direito.
A execução foi sustada quanto ao direito da Executada (…) sobre o prédio por penderem outras execuções sobre esse direito.

II – O Objeto do Recurso
Prosseguindo a execução quanto ao direito a metade do Executado, apresentaram-se os Executados a pugnar pela sustação da execução e pela respetiva extinção, invocando o regime inserto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 794.º do CPC e que está em causa o património conjugal; que por estar em causa a casa de morada de família, a sustação da execução quanto à metade da Executada são as mesmas pelas quais deve ser paralisada a metade do marido.
Foi proferido despacho indeferindo tal pretensão, já que sobre a metade indivisa do Executado não pende penhora anterior à dos autos, a que acresce o facto de a circunstância de estar em causa a casa de morada de família não contender com as diligências de venda, mas tão só com as diligências que têm em vista a entrega judicial do imóvel.

Inconformados, os Executados apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete a sustação da execução. Concluem a alegação de recurso nos seguintes termos:
«1. Neste mesmo juízo e atinente às mesmas pessoas, o bem penhorado (a casa de morada de família) é o mesmo no antigo 1593/2.TBSSB e no presente mais recente 1623/20.7T8STB.
2. O n.º 1 do artigo 794.º do CPC só se ocupa compacta, exclusiva, externa e objetivamente do mesmo bem considerado em si mesmo, sem referência a titulares no âmbito interno, quantitativo ou subjetivo da sua comparticipação e diz que deve ser sustada a execução da penhora ulterior (in casu, o presente processo n.º 1623/20.7T8STB).
3. O artigo é tão explícito, que qualquer interpretação diferente desta será inconstitucional por distonia com a letra e o âmbito de aplicação expresso transparentemente no próprio diploma.
4. Sendo este o ponto fundamental ora em análise, a responsabilidade de (…) será tratada a outro propósito.»
A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, salientando que o bem penhorado nestes autos é, apenas e somente, a ½ do imóvel do qual é titular o executado (…), sobre a qual não existe qualquer penhora prévia registada; no processo 1593/11.2TBSSB apenas se encontrava penhorada a ½ pertencente a (…), ½ essa que já foi adjudicada à Recorrida.

Cumpre conhecer da seguinte questão: do fundamento para sustação da execução à luz do disposto no n.º 1 do artigo 794.º do CPC.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os que resultam do supra relatado e, bem assim, o seguinte:
- o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º (…) apresenta registo de aquisição por (…), divorciado, e (…), divorciada, aquisição essa sem determinação de parte ou direito;
- não consta a existência de penhora anterior à operada nestes autos sobre a metade indivisa de (…).

B – O Direito
O prédio urbano devidamente identificado nos autos foi adquirido pelos ora Recorrentes no estado de divorciados, sem menção de parte ou direito. Por via desse ato de aquisição, os Recorrentes tornaram-se comproprietários desse prédio, presumindo-se iguais as quotas de cada um ou seja, comproprietários na proporção de metade – cfr. artigo 1403.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
Na verdade, atento o estado civil de divorciados, não há que fazer apelo às regras atinentes ao património comum dos cônjuges ou à participação de cada cônjuge no património comum de índole conjugal.
Ora, enquanto comproprietário, o titular pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou parte dela, e pode onerar ou ver onerada parte não especificada da coisa comum – cfr. artigo 1408.º do Código Civil.
Sendo os Executados comproprietários de bem imóvel, atento o disposto no artigo 781.º do CPC, a penhora tem por objeto o quinhão de cada Executado nesse bem; não se penhoram concretos bens compreendidos no património comum nem fração especificada de qualquer bem, mas apenas a quota-parte do executado em tal direito real.[1]
Nos termos do disposto no artigo 794.º, n.º 1, do CPC, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
O vocábulo bens é empregue na mencionada disposição legal com o mesmo sentido, lato, em que surge no artigo 735.º do CPC, que regula o objeto da execução, referindo os bens que podem ser penhorados; e com o mesmo sentido, abrangente, versado nos artigos 736.º, 737.º, 738.º, 740.º, 742.º a 745.º, 750.º e 751.º do CPC, entre outros. Reporta-se, pois, quer a coisas imóveis, incluindo as suas partes integrantes e frutos, quer a coisas móveis, quer a direitos de que o devedor seja titular – cfr. artigos 755.º a 783.º do CPC.
Por conseguinte, tendo tido lugar a penhora do direito de que o Recorrente é titular, o direito a metade indivisa sobre o prédio urbano (pois adquiriu o prédio juntamente com a Recorrente, não sendo casados entre si, e sem determinação de parte ou direito, pelo que é comproprietário pela metade), a execução deve ser sustada, quanto a este direito, caso penda execução sobre esse direito.
Não constando a pendência de execução sobre o direito do Recorrente no prédio urbano, inexiste fundamento para a sustação da execução nos termos do disposto no artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
A sustação da execução teve lugar, é certo, relativamente ao direito de compropriedade da Recorrente nesse prédio, dada a prévia penhora operada sobre tal direito no processo n.º 1593/11.2TBSSB. Contudo, o que foi penhorado e adjudicado nesse processo foi o direito a ½ da Recorrente, ali Executada, (…), e não o bem imóvel, o prédio urbano. O direito a ½ de que é titular a Executada (…), penhorado no processo n.º 1593/11.2TBSSB, constitui bem jurídico diverso do direito a ½ de que é titular o Exequente (…). Logo, não há fundamento para afirmar que no processo n.º 1593/11.2TBSSB a execução versou o direito a ½ do Executado (…) – o direito objeto de penhora neste processo.
O citado regime legal, amiúde aplicado nos Tribunais nos moldes aqui expostos, não contende com preceitos de índole constitucional (nem os Recorrentes especificam qualquer norma que considerem violada).

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Sem custas, dado o apoio judiciário de que beneficiam os Recorrentes.
Évora, 11 de novembro de 2021
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite

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[1] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa in CPC Anotado, Vol. II, pág. 172.