Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
277/13.1TTFAR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: i) Não se verifica nulidade da sentença, por condenação em objecto diverso do pedido, se tendo a Autora alegado, além do mais, ter sido despedida e que tal despedimento é ilícito, tendo pedido a final a condenação na indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho pela ilicitude do despedimento, o tribunal vem a declarar a ilicitude do despedimento e a condenar o Réu na indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho;
ii) embora a Autora não tenha pedido expressamente, a final do petitório, a declaração de ilicitude do despedimento, tal constituía um pressuposto necessário do pedido de condenação na indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 277/13.1TTFAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (NIF …, residente na Rua …, 8700-258 Olhão) intentou em 09 de Maio de 2013, no extinto Tribunal do Trabalho de Faro e com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra:
1. CC, Lda. (NIPC …, com sede na Rua … 8000-362 Faro),
2. DD (NIF …, residente na Rua …, CEP 86890000 Brasil),
3. EE (NIF …, residente na Rua …, CEP 86890000 Brasil),
4. FF (NIF …, residente na Rua …, 8700-258 Olhão),
pedindo a condenação, solidária, destes no pagamento de € 12.335,52, sendo:
a) € 1.100,00 de subsídio de férias de 2010 e 2011;
b) € 1.100,00 de retribuição dos meses de Abril e Maio de 2012;
c) € 279,18 referentes a 11 dias de trabalho de Junho de 2012;
d) € 56,32 referentes a subsídio de alimentação de 11 dias de trabalho de Junho de 2012;
e) € 1.008,33 de subsídio de férias e de Natal com referência ao trabalho prestado em 2012;
f) € 558,36 correspondente a 22 dias de férias de 2012;
g) € 6.233,33 de indemnização nos termos do artigo 391.º do Código do Trabalho;
h) € 2.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais.
Alegou para o efeito, muito em síntese, que foi admitida ao serviço da 1.ª Ré em 01 de Agosto de 2001, mediante a retribuição mensal de € 550,00, acrescida de € 5,12 por cada dia de trabalho efectivo, passando desde aquela data a desempenhar as funções de empregada de balcão de 1.ª no estabelecimento da referida Ré, sito na Rua …8000-342 Faro.
Em 23 de Abril de 2009, a 1.ª Ré fez uma cessão de quotas, ficando o capital dividido em 4 quotas, sendo uma delas do 4.º Réu, que passou a exercer a gerência em conjunto com outro sócio.
Em 28 de Setembro de 2010 a 1.ª Ré voltou a efectuar uma nova cessão de quotas, tendo todas as quotas dos anteriores sócios sido cedidas e ficando agora o capital social dividido em duas quotas, pertencentes ao 2.º e 3.º Réu, sendo a gerência exercida pelo 2.º Réu.
A partir de 2010, o 2.º Réu, agindo em nome da 1.ª Ré, deixou de lhe pagar (à Autora) pontualmente a retribuição, não tendo pago as retribuições de férias e respectivo subsídio dos anos de 2010 e 2011.
E em finais de 2012 enviou a Autora de férias por 2 meses de modo a “compensá-la” das férias não gozadas relativas aos anos de 2010 e 2011.
No dia 11 de Junho seguinte (a Autora refere do ano de 2011, mas pensa tratar-se de lapso, pois de acordo com a sequência cronológica dos factos tal terá ocorrido em 2012), findo o período de férias, apresentou-se ao trabalho, mas o estabelecimento encontrava-se fechado, com a indicação “fechado por tempo indeterminado”.
Durante alguns dias apresentou-se à porta do estabelecimento para prestar a actividade, mas encontrou o mesmo sempre fechado, até que decorrida cerca de uma semana foi contactada pelo 4.º Réu, que a informou que iria abrir o estabelecimento e que deveria (a Autora) comparecer ao serviço para exercer as mesmas funções, o que se verificou em 18-06-2012, assim concluindo que ocorreu a transmissão do estabelecimento para este.
Porém, em 30-11-2012 o 4.º Réu informou-a verbalmente da cessação do contrato, sem qualquer aviso prévio e «sem precedência de qualquer das formalidades exigidas para o despedimento, o que configura um despedimento ilícito da Autora, promovido pelo 4º Réu» (artigo 44.º da p.i.).
Peticionou, em consequência, as retribuições, lato sensu, e subsídios decorrentes da vigência do contrato de trabalho, bem como uma indemnização decorrente do despedimento promovido pelo 4.º Réu, incluindo por danos não patrimoniais, por a situação descrita lhe ter causado angústia e preocupação.

Após infrutífera audiência de partes – dada a ausência dos três primeiros Réus à mesma – veio o 4.º Réu (FF) contestar a acção, alegando que no início de Setembro de 2012, na sequência de um contrato de cessão de exploração do estabelecimento que celebrou em 27 de Julho de 2012, estabeleceu uma relação laboral com a Autora, que se manteve até finais de Novembro de 2012, data em que encerrou o estabelecimento: e logo a seguir ao encerramento do estabelecimento, veio o marido da Autora a assumir a exploração do estabelecimento, onde se manteve a Autora e a exercer as tarefas que até aí vinha exercendo.
Pugnou, por consequência, pela improcedência da acção, não só porque para si não foi transmitido o contrato de trabalho da Autora – pois quando celebrou o contrato de cessão de exploração o contrato de trabalho da Autora já tinha cessado há 4 meses – como porque a Autora não se opôs ao despedimento promovido pela 1.ª Ré em 30 de Março de 2012.
E pediu a condenação da Autora por litigância de má fé.

Respondeu esta, a reafirmar o constante da petição inicial e a negar que tenha litigado de má fé.

Foi proferido despacho saneador stricto sensu, indicados o objecto do litígio e os temas de prova, e fixado valor à causa (€ 12.335,52).

Em 04-12-2014 procedeu-se à audiência de julgamento (fls. 188-193), que prosseguiu em 13-01-2015 (fls. 202-203), em 29-01-2015 (fls. 204-205), em 09-02-2015 (fls. 213-216) e em 25-02-2015 (fls. 217-224), aqui com resposta à matéria de facto.
Em 16-04-2015 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Termos em que julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção que BB intentou contra FF e
a) Declaro a ilicitude do despedimento da autora que foi decidido pelo réu;
b) Condeno o réu a pagar à autora uma indemnização por antiguidade no valor de €4124,10, calculada até à data do despedimento, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
Mais condeno os réus FF e CC, LDA à pagar, solidariamente, à autora, a quantia de € 3.001, 84, a título de créditos vencidos até ao dia 30 de Novembro de 2012, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o respectivo vencimento até integral pagamento;
No mais, improcede todo o peticionado contra réus DD, EE..
Bem como todo o peticionado, relativamente a condenação de todos os réus no pagamento de 2.000€ (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais causados pelo incumprimento contratual da Ré.
*
Custas a cargo da autora, na proporção de 2/6 e pelos réus FF e CC, LDA, na proporção de 4/6, nos termos do disposto no respectivo decaimento (art.527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)».

Inconformado com a sentença, o Réu FF (4.º Réu) dela interpôs recurso para este tribunal, tendo desde logo arguido, expressa e separadamente, a nulidade da sentença, concluindo tal arguição nos seguintes termos:
«I. Com a presente acção, a A/ veio reclamar créditos que entendia serem-lhe devidos pelos RR/.
II. Com a presente acção, a A/ não veio Requerer a declaração da Ilicitude do seu despedimento;
III. A Douta decisão recorrida, veio declarar a Ilicitude do despedimento da A/;
IV. Pelo que a Douta decisão recorrida condena em objecto diverso do pedido;
V. Condenando a douta decisão recorrida em objecto diverso do pedido, viola a norma legal do artigo 74º do CPT e bem assim a do artigo 609º do CPC, pelo que nos termos do previsto e disposto na alínea e) do artigo 615º do CPC, deve a referida decisão ser considerada nula, com as demais consequências».
E nas alegações de recurso apresentadas formulou as seguintes conclusões:
«I. Com a presente acção, a A/ veio reclamar créditos que entendia que lhe eram devidos pelos RR/;
II. Com a presente acção, a A/ não requereu fosse declarada a Ilicitude do seu despedimento;
III. Ao declarar a Ilicitude do Despedimento da Autora pelo Réu FF, veio a Douta decisão recorrida a condenar em objecto diverso do pedido;
IV. Condenando a douta decisão recorrida em objecto diverso do pedido, viola a norma legal do artigo 74º do CPT e bem assim a do artigo 609º do CPC, pelo que nos termos do previsto e disposto na alínea e) do artigo 615º do CPC, deve a referida decisão ser considerada nula, com as demais consequências.
V. Não requerendo a A/ fosse declarada a ilicitude do seu despedimento, carece de fundamento legal a condenação do R/ FF a pagar à A/ uma indemnização nos termos do previsto e disposto no artigo 391º do CT;
VI. Pelo que, ao condenar o R/ FF a pagar à A/ uma indemnização por antiguidade no valor de 4.124,10€, calculada até à data do despedimento, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento, faz a MMa. Juiz a quo incorrecta interpretação e aplicação do artigo 391º do C.T., pelo que tal decisão deve ser declarada nula, o que se Requer.
NESTES TERMOS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DECIDINDO-SE A NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA NA PARTE EM QUE DECLARA A ILICITUDE DO DESPEDIMENTO DA AUTORA, ANULANDO-SE A DECISÃO DE CONDENAR O R/ RUI PAULO FIGUEIRA ROCHA A PAGAR À AUTORA UMA INDEMNIZAÇÃO POR ANTIGUIDADE NOS TERMOS DO PREVISTO NO ARTIGO 391º DO CODIGO DO TRABALHO.
ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL JUSTIÇA.».

A Autora/recorrida respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.
Para o efeito, nas contra-alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:
«[1.] Quer dos factos peticionados, quer dos factos dados como factos provados, não provados, e motivação da douta sentença, decorre, claramente, que a Autora, não impugna o Despedimento por qualquer dos Réus com vista á sua Reintegração, mas antes reclama os Créditos emergentes do seu contrato de trabalho, que, entretanto, foi ilicitamente cessado com um despedimento ilícito, por parte dos Réus, por ser destituído de justa causa, e não precedido de procedimento adequado, ao abrigo da alínea c) do artigo 381ºdo Código do Trabalho;
[2.] E tal cessação ilícita, confere á Autora o direito a ser ressarcida pelos Réus, mediante a indemnização prevista no artigo 391º do Código do Trabalho, por ser esta a sua opção declarada, em substituição da reintegração, bem como a ser ressarcida de todos os restantes Créditos emergentes do seu contrato de trabalho, comprovadamente não recebidos;
[3.] O Tribunal a quo analisou a prova produzida em audiência, bem como os documentos constantes dos autos, os quais valorou, explanando na motivação da sentença todos os meios de prova analisados, aí valorou, razão de ciência das testemunhas, explicou claramente a avaliação que fez da mesma, o raciocínio lógico e a fundamentação legal que levou ás conclusões da decisão recorrida pelo R.
[4.] Ficou assente e provado que a conduta do Réu demonstrou inequivocamente que a partir do encerramento do estabelecimento comercial a Autora não iria voltar a trabalhar e devia considerar cessado o respectivo contrato de trabalho.
[5.] Sendo o despedimento declarado ilícito o trabalhador tem direito, para além da reintegração, a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados (art. 436.º do CT).
[6.] Donde, não pode ser assacada qualquer incorrecção na decisão recorrida, nem que a mesma “ condena em objecto diverso do pedido”
[7.] A douta sentença deve manter-se integralmente por não merecer qualquer reparo.
Termos em que,
Deve o presente recurso improceder e ser mantida integralmente a douta sentença, com todas as legais consequências».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito meramente devolutivo.
No mesmo despacho a exma. julgadora a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade, a negar a sua verificação.

Tendo os autos subido a esta Relação, a exma. Procuradora-Geral Adjunta neles emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

Foi remetido projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos e, com a anuência dos mesmos, dispensados os vistos.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Tendo em conta que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se colocam, colocam-se à apreciação deste tribunal:
i) saber se a sentença é nula, por ter condenado em objecto diverso do pedido;
ii) saber se em função da factualidade provada a Autora foi despedida pelo Réu/recorrente.

III. Factos
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 01 de Agosto de 2001 a Autora e CC, Lda., celebraram o acordo constante de fls. 16 cujo teor se dá por reproduzido nos termos do qual declararam celebrar “contrato de trabalho com o termo final infra mencionado pelo qual se obriga a prestar a esta a sua actividade manual e intelectual sob a sua autoridade e fiscalização, mediante a remuneração abaixo indicada que esta pagará mensalmente.(…) Retribuição mensal: 80 000$00 (…) Termo final do contrato: 31 de Julho de 2002 (…)”.
2. O referido acordo não foi revogado por nenhuma das partes e, em 2012, a Autora mantinha-se a trabalhar por conta da CC, Lda. mediante a remuneração mensal de € 550,00 acrescida de subsidio de alimentação no valor diário de € 5,12.
3. O horário de trabalho da Autora era de 40 horas semanais, distribuídas por cinco dias, a oito horas diárias.
4. A Autora desempenhava a sua actividade no estabelecimento da Ré, sede da mesma, na morada supra referida de Rua … Faro.
5. No dia 23 de Abril de 2009 …na qualidade de primeira outorgante, …, na de segundo, …, terceiro, …, quarta, FF, quinto e …, sexta outorgante declararam “a primeira e o segundo outorgante são donos e legítimos possuidores (…) de uma quota, com o valor nominal de 3 740,98 na sociedade comercial por quotas denominada CC, LDA (…) a) a primeira outorgante cede a sua quota de 1 870,49 ao quinto outorgante pelo preço de 22 500€ cujo pagamento é efectuado com a assinatura do presente contrato e renuncia já à gerência da sociedade. b) o segundo outorgante cede a sua quota de 1 870,49 ao sexto outorgante pelo preço de 22 500,00€ cujo pagamento é efectuado com a assinatura do presente contrato (…) a gerência da sociedade (…) fica a cargo dos sócios … e FF (…).
6. Em 28 de Setembro de 2010, a 1ª Ré, CC, …, na qualidade de primeiro outorgante, .., na qualidade de segunda, FF, terceiro, …, quarta, DD, quinto e EE sexta outorgante declararam “o primeiro, segundo, terceiro e quarto outorgantes são donos e legítimos possuidores (…) de uma quota, com o valor nominal de 1 870,49 na sociedade comercial por quotas denominada CC, LDA (…) a) a primeira outorgante cede a sua quota de 1 870,49 ao quinto outorgante pelo preço de 17 500€ cujo pagamento é efectuado com a assinatura do presente contrato. b) o segundo outorgante cede a sua quota de 1 870,49 ao sexto outorgante pelo preço de 17 500,00€ cujo pagamento é efectuado com a assinatura do presente contrato e renúncia à gerência. c) o terceiro outorgante cede a sua quota de 1 870,49 ao sexto outorgante pelo preço de 22 500,00€ cujo pagamento está sendo através do empréstimo no Banco Santander e Montepio Geral, ficando o mesmo com a reserva da quota caso haja incumprimento do empréstimo e renúncia à gerência. d) o quarto outorgante cede a sua quota de 1 870,49 ao quinto outorgante pelo preço de 22 500,00€ cujo pagamento está sendo através do empréstimo no Banco Santander e Montepio Geral, ficando o mesmo com a reserva da quota caso haja incumprimento do empréstimo (…) a gerência da sociedade (…) fica a cargo do sócio DD (…).
7. Em data não concretamente apurada posterior a 02 de Janeiro de 2012 a 1ª R, entregou á A. o escrito de fls.32 cujo teor se dá por reproduzido declarando “Informamos Vª EXª que por motivos económicos e financeiros que são do seu conhecimento é nossa intenção extinguir o posto de trabalho que ocupa, com efeitos a partir de 30 de Março de 2012 (…)”
8. Não obstante em data não apurada situada em finais de Março de 2012, a 1ª R. disse á A. para ir de férias nos meses de Abril de Maio.
9. Em data não apurada de tal período os 2º e 3º RR. viajaram para o Brasil, não mais tendo regressado.
10. No dia 11 de Junho de 2012 (na matéria de facto da 1.ª instância consta o ano de 2011, mas tal como se retira da sequência cronológica dos factos, trata-se de lapso, já que se queria dizer 2012) quando a Autora se apresentou ao serviço deparou-se com a porta do estabelecimento encerrada situação que se manteve nos dias seguintes sem que a Autora conseguisse contactar o 2º e 3º RR.
11. Por os 2º e 3º RR não conseguirem pagar as quantias que se comprometeram pagar ao 4º Réu por força do referido em 6., no dia 14 de Junho de 2012, …, a pedido de DD e EE, na presença da Autora, entregou as chaves do estabelecimento referido em 4. ao 4º Réu FF.
12. No dia 18 de Junho de 2012 FF reabriu o estabelecimento que voltou a funcionar com os mesmos equipamentos e mobiliário.
13. Após a reabertura do estabelecimento, a A., sem outorga de qualquer acordo escrito, voltou a desempenhar no mesmo as funções de Empregada de Balcão de 1ª, mediante a retribuição mensal de € 550,00, obedecendo a ordens de FF.
14. A 1ª R. declarou a Autora como sua trabalhadora á segurança social até 30 de Junho de 2012.
15. FF declarou o início de actividade, em nome individual, em 25 de Junho de 2012.
16. …declarou a Autora como trabalhadora de FF á segurança social em Setembro de 2012.
17. No dia 27 de Julho de 2012 a GG, Lda, na qualidade de primeira outorgante e FF na qualidade de segundo outorgante outorgaram o escrito de fls. 39-42 cujo teor se dá por reproduzido nos termos do qual declararam “A) a primeira outorgante é legitima proprietária do estabelecimento de restauração e bebidas, instalado no rés-do-chão, com o nº33 sito na Rua …, concelho de Faro (…) com alvará de licença de utilização para serviços de restauração e bebidas nº…; C) O segundo outorgante pretende tomar a exploração do estabelecimento supra identificado; Pelo que as partes celebram o presente CONTRATO DE EXPLORAÇÃO (…) CLAUSULA PEIMEIRA A primeira contratante cede a exploração temporária do estabelecimento melhor descrito no considerando A) ao segundo contratante e este aceita a cessão de exploração (…) o presente contrato de exploração caduca, sem que haja lugar ao pagamento de qualquer indemnização ou compensação, caso os cessionários do Contrato de Cessão de exploração celebrado com a sociedade CC, Lda. reivindicarem o direito de exploração do estabelecimento objecto do presente contrato e o ora cedente assim o consentir.(…)”
18. No dia 30-11-2012 FF comunicou à A. a cessação do contrato por encerramento da empresa.
19. No mesmo dia FF entregou na Autoridade Tributária declaração de cessação de actividade.
20. Nenhum dos RR. pagou á Autora qualquer quantia respeitante ao subsidio de férias e remuneração de férias referentes a 2010 e 2011, retribuições de Abril, Maio e Junho de 2012, nem o subsidio de férias, remuneração de férias e de natal proporcionais ao trabalho realizado em 2012.

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de analisar e decidir cada uma delas.

1. Da (arguida) nulidade da sentença
O recorrente sustenta a nulidade da sentença por, em síntese, ter declarado a ilicitude do despedimento da Autora/recorrida, quando esta não formulou tal pedido.
Nas contra-alegações a Autora/recorrida afirma que não se verifica tal nulidade uma vez que reclamou créditos emergentes do contrato de trabalho que entretanto foi cessado com um despedimento ilícito, por destituído de justa causa.
Também a Exma. Procuradora-Geral Adjunta opina que não se verifica a arguida nulidade uma vez que «só com a apreciação da declaração da ilicitude do despedimento (aliás, expressamente invocada/peticionada, na P.I.), é que se poderá chegar aos pedidos de indemnização referidos».
Vejamos.

Antes de abordarmos a questão equacionada, importa fazer uma referência genérica, necessariamente breve, em torno da condenação «extra vel ultra petitum».
Estipula o artigo 74.º, do Código de Processo do Trabalho, que o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º, do CPC (artigo 412.º do actual Código de Processo Civil), de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Assim, para haver lugar à referida condenação é necessária a verificação cumulativa de dois pressupostos:
(i) que isso resulte da aplicação à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, mantendo-se, embora, a mesma causa de pedir;
(ii) que estejam em causa preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Com a referida norma o legislador adoptou uma orientação diferente da que vigora no direito processual civil, justificada, como escreve Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 352; a anotação refere-se ao artigo 69.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, que corresponde ao artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho aqui aplicável), com a necessidade de «(…) protecção do trabalhador e a harmonia social dos factores de produção [que são] de interesse e ordem pública. Ao lado do interesse individual de determinado trabalhador na satisfação efectiva do seu direito, há ainda e também o interesse mais vasto, de natureza social, em que os direitos dos trabalhadores em geral obtenham, de facto, uma realização integral. Aquelas normas são, pois, imperativas e indisponíveis, e, como tais, não podem ser afastadas por livre determinação da vontade das partes».
Contudo, como se explicita no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-1998 (Revista n.º 53/98 – 4.ª Secção), o regime excepcional do art.º 69, do CPT de 1981 (a que corresponde o artigo 74.º do actual Código de Processo do Trabalho), que impõe ao juiz o dever de condenar em quantia superior ao pedido ou em objecto diverso dele, só tem cabimento nos casos de direitos de existência e exercício necessários, como é o direito a indemnização por acidente de trabalho (neste sentido, veja-se também o acórdão do mesmo tribunal de 31-10-2007, Recurso n.º 2091/07, disponível em www.dgsi.pt).
Perante um direito de existência necessária (que não pode ser afastado no plano jurídico, mas sim no plano prático da vontade das partes), como é o caso do pagamento de créditos salariais, lato sensu, após a cessação do contrato de trabalho, não estando o mesmo contido no pedido, não se justifica a aplicação daquele preceito legal.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-2005 (Recurso n.º 4565/01 – 4.ª Secção) a indisponibilidade dos direitos de natureza pecuniária emergentes do contrato de trabalho apenas se mantém durante a vigência do contrato, a fim de obstar a que o estado de subordinação jurídica e económica relativamente à entidade empregadora possa afectar o exercício desses direitos pelo trabalhador. Mas aquela indisponibilidade deixa de vigorar após a cessação do contrato de trabalho, pois cessando igualmente aquele estado de subordinação não há qualquer impedimento legal a que o trabalhador disponha livremente do seu direito às retribuições.
De resto, a jurisprudência, ao que se conhece uniforme, do Supremo Tribunal de Justiça tem sido nesse mesmo sentido, ou seja, de que a indisponibilidade dos direitos de natureza pecuniária emergentes do contrato de trabalho apenas existe durante a sua vigência, pelo que findo o contrato pode o trabalhador renunciar (expressa ou tacitamente) a eles [vide, entre outros, os acórdãos de 18-06-2003 (Recurso n.º 836/03), de 03-03-2005 (Recurso n.º 3154/04, e o já referido acórdão de 31-10-2007, todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt].

Deixada esta nota genérica em torno do disposto no artigo 74.º do CPT, regressemos ao objecto do recurso.
Relembre-se que a recorrente arguiu a nulidade da sentença, por condenar em objecto diverso do pedido.
E, efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil [aqui aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho], é nula a sentença quando «[o] juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
Pergunta-se então: no caso em apreço verifica-se essa condenação em objecto diverso do pedido?
A resposta, adiante-se já, não pode deixar de ser negativa.
Expliquemos porquê.
Como já resulta do relatório supra, a Autora, ora recorrida, alegou na petição inicial, entre o mais, que foi surpreendida pelo 4.º Réu em 30-11-2012 pela cessação do contrato, através de informação oral do mesmo, «(…) quando nada o fazia prever, sem precedência de qualquer das formalidades exigidas para o despedimento, o que configura um despedimento ilícito da Autora, promovido pelo 4º Réu» (artigo 44.º da p.i.).
No artigo 46.º da mesma peça processual, a Autora alegou que “com este despedimento”, o Réu não lhe pagou créditos salariais diversos.
E um pouco mais adiante (artigo 52.º) a Autora afirmou:
«A conduta dos Réus ao despedirem a Autora do seu local de trabalho configura um despedimento ilícito, por ser destituído de justa causa, e não precedida de procedimento adequado, ao abrigo da alínea c) do artigo 381º do Código do Trabalho».
E ainda (artigo 53.º): «Deste modo, os Réus devem pagar à Autora a indemnização prevista no artigo 391º do Código do Trabalho, por ser esta a sua opção», computando no artigo 56.º da peça processual em referência o montante da indemnização em € 6.233,33.
E a final, no artigo 61.º, alínea g), alega que devem os Réus ser condenados a pagar-lhe o montante de € 6.233,33 de “indemnização devida ao abrigo do artigo 391º do Código do Trabalho”, montante esse que se mostra englobado no pedido total que formulam de condenação dos Réus no pagamento de € 12.335,52.
Daqui decorre que a Autora alegou expressamente ter sido despedida e que esse despedimento foi ilícito, pedindo as consequências do despedimento, maxime a indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho.
É certo que não formulou, expressamente, o pedido de declaração de ilicitude do despedimento: mas esta ilicitude do despedimento é um pressuposto necessário do pedido que formula de pagamento da indemnização de antiguidade.
Por isso, não poderá considerar-se que a sentença recorrida é nula, ao declarar na alínea a) da parte decisória a ilicitude do despedimento por parte do Réu, porquanto, reafirma-se, a ilicitude do despedimento era um pressuposto necessário do pedido de condenação na indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho.
Aliás, ainda que na parte decisória da sentença recorrida não constasse a referida alínea a) a declarar a ilicitude do despedimento, ainda assim se manteria o efeito indemnizatório peticionado decorrente da ilicitude do despedimento, o mesmo é dizer a indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho.
Nesta sequência, não se verifica a arguida nulidade da sentença.
Improcedem, por consequência, nesta parte as conclusões das alegações de recurso.

2. Da ilicitude do despedimento
Embora tal não resulte claro das conclusões das alegações de recurso, no mesmo o recorrente parece também questionar a existência de um despedimento ilícito.
Ora, a este propósito resulta da matéria de facto (n.º 18) que em 30-11-2012 o recorrente comunicou à Autora a cessão do contrato por encerramento da empresa.
Pois bem: não tendo tal encerramento sido precedido de qualquer procedimento prévio tendo em vista a cessão do contrato de trabalho, face ao disposto nos artigos 367.º e segts. e artigo 381.º, alínea c), todos do Código do Trabalho, forçoso é concluir pela ilicitude do despedimento, com as consequências legais daí decorrentes, maxime o pagamento da indemnização prevista no artigo 391.º do referido compêndio legal.
Uma vez aqui chegados só nos resta concluir, também nesta parte, pela improcedência das concussões das alegações de recurso e, por consequência, pela improcedência deste.

3. Custas
Vencido no recurso, o Réu/recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Atender-se-á, contudo, ao benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido, na modalidade, além do mais, de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por FF, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Évora, 09 de Junho de 2016
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Joaquim António Chambel Mourisco