Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
237/12.0GDSTB.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUBSIDIARIEDADE
MEDIDA DA PENA
LEGITIMIDADE DO ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDO EM PARTE O RECURSO DO ARGUIDO. NÃO PROVIDO O RECURSO DAS ASSISTENTES
Sumário:
I. Mantem-se atual (cfr artigos 445ºnº3 e 446º nº3, do CPP) o sentido do Assento 8/99 nos casos, como o presente, em que à pretendida modificação da matéria de facto as assistentes associam apenas a pretensão de ver o arguido condenado em medida de pena superior, pelo que lhes falece legitimidade para recorrer do acórdão condenatório impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto que poderia conduzir ao pretendido agravamento da medida da pena.

II. Uma vez que a impugnação da assistente nunca resultaria a condenação do arguido pelo crime de ameaça de que vem absolvido, por falta de apuramento dos factos relativos ao respetivo elemento subjetivo, sempre improcede a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nesta parte por ser a mesma juridicamente irrelevante.

III. Os factos que integram o tipo legal de homicídio qualificado na forma tentada podem integrar o conjunto de factos que materializam a violência doméstica exercida contra a vítima, pelo que caso presente tais factos integram o tipo penal de violência doméstica previsto e punível pelo artigo 152º nº1 al. a), nº2 e 5 do Código Penal em concurso aparente com o crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelo art. 132º nº2 b) do C. Penal, sendo punido por este último crime por via da cláusula de subsidiariedade expressa do art. 152º nº1 do C. Penal.[1]
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório

1. – Nos presentes autos que correm termos na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, foi julgado, em processo comum com intervenção do tribunal coletivo, F, natural da freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, nascido a 29 de Agosto de 1947, casado, residente em ...Palmela (preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Setúbal, à ordem destes autos e sem outros processos contra si pendentes), a quem o MP imputara a prática em autoria material de:

- Um crime de violência doméstica, na pessoa de JC, p. e p. pelo art.º 152º nº1 al. a), nº2 e 5 do Código Penal;

- Um crime de ameaça, na pessoa de CC, p. e p. pelo art.º 153º nº1 e 155º nº1 al a) do Código Penal;

- Um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art.º 190º nº1 do Código Penal;

- Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de JC, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º nº1 al. b) e j), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal;

- Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de CC, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º nº1 al. a) e j), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal;

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º nº 1 al. d), com referência aos art.ºs 2º nº1 al. m), 3º nº 2 al. d), todos da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 17/2009 de 6 de Maio e de;

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º nº 1 al. c), com referência aos art.ºs 2º nº1 al. ar), 3º nº 5 al. c), todos da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 17/2009 de 6 de Maio.

2. A ofendida constituída assistente JC formulou pedido de indemnização cível contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos, no montante de € 50 000,00, acrescidos de “juros vencidos desde a data da prática dos factos” e dos vincendos, até pagamento.

Também a outra ofendida constituída assistente, CC, formulou pedido de indemnização cível contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos, no montante de € 50 000,00, acrescidos de “juros vencidos desde a data da prática dos factos” e dos vincendos, até pagamento e;

No pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais sofridos, pelo montante de € 1 000,00 acrescidos de juros vencidos desde a data da prática dos factos e dos vincendos, até pagamento.

3. Realizada Audiência de Julgamento, o tribunal coletivo decidiu:

- 1. Absolver o arguido F da instância penal, quanto ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º nº 1 al. c), com referência aos art.ºs 2º nº1 al. ar), 3º nº 5 al. c), todos da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 17/2009 de 6 de Maio (respeitante à arma de caça), pelo qual vinha acusado.

- 2. Absolver o mesmo arguido (por existência de relação de subsidiariedade entre este e o de homicídio qualificado na forma tentada, pelo qual outrossim vem acusado) da prática de um crime de violência doméstica, na pessoa de JC, p. e p. pelo art.º 152º nº1 al. a), nº2 e 5 do Código Penal;

Da prática de um crime de ameaça, na pessoa de CC, p. e p. pelo art.º 153º nº1 e 155º nº1 al a) do Código Penal e;

Da prática de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art.º 190º nº1 do Código Penal.

3. Condenar o arguido F, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de JC, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º nº1 al. b), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal, na pena de 9 anos de prisão.

Mais condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de CC, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º nº1 al. a), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

4. E em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em 3. condenar o arguido F, na pena única de 12 anos de prisão.

5. Mais deliberam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo, em considerar:

Totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização cível deduzido nos autos por CC, quanto os danos patrimoniais alegadamente sofridos com a conduta praticada.

Consequentemente, absolve-se o arguido/demandado cível, do pedido de condenação no pagamento da quantia de 1 000 000 Euros, pela sua alegada prática.

Em julgar parcialmente procedente por provado, o pedido de indemnização cível deduzido nos autos pela mesma CC, por danos não patrimoniais.

Consequentemente, condena-se o arguido a pagar-lhe uma indemnização pelo montante de 10 000 000 Euros pelos danos assim causados, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão, até pagamento (improcedendo o pedido deduzido em todas as demais quantias peticionadas a título de danos não patrimoniais e juros moratórios alegadamente vencidos).

6. Deliberaram ainda os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo, em considerar:

Parcialmente procedente por provado, o pedido de indemnização cível deduzido nos autos a título de danos não patrimoniais, por JC.

Consequentemente condena-se o arguido a pagar-lhe uma indemnização pelo montante de 25 000 000 Euros pelos danos assim causados, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão, até pagamento (improcedendo o pedido deduzido em todas as demais quantias peticionadas a título de danos não patrimoniais e juros moratórios alegadamente vencidos).

4. Inconformado veio o arguido recorrer, extraindo da sua motivação as seguintes

«CONCLUSÕES

1 – Por não ter o Tribunal “a quo” atendido, com todo o respeito, na determinação da medida da pena, às circunstâncias que depõem a favor do aqui Recorrente, apesar de a elas fazer referência, a pena aplicada de 12 anos de prisão é excessiva.

2 - Se assim não se entender, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que atentos os factos expostos e dados por provados, a medida da pena não só se mostra inadequada como manifestamente excessiva ao condenar o Arguido numa pena única de doze anos de prisão, levando o fim punitivo muito além do que é justo e sem que a necessidade de prevenção a tanto obrigue (art. 70º e 71º do C.P.), (não esquecendo a atenuação).

3 - Pelo que deverá a pena aplicar ao arguido ser balizada em função da culpa e das necessidades de prevenção, reduzindo a pena junto dos seus limites mínimos, dado o Arguido não ter sido condenado nem anteriormente nem posteriormente por qualquer tipo de crime.

4 - Deveria o Tribunal “a quo” ter em consideração na determinação da medida concreta da pena todas as circunstâncias e que depuseram a favor do Arguido, (apesar de referenciadas), mas não sopesadas, como:

A) - O facto do arguido não ter antecedentes criminais,
B) - Não foi tido em consideração a idade do arguido e o tempo de vida que lhe resta;
C) -A sua condição humilde;
D) – A sua baixa cultura;
E) - Não teve em consideração o Recorrente sempre estar inserido social, familiar e profissionalmente
F) – A sua frágil condição económica,
G) – A inércia da família, o nada terem feito para ajudar o Arguido durante a sua vida de casada na relação com o seu cônjuge;
H) – O ser bom vizinho, bom irmão (...);
I) - Trabalhador,
J) – Que ajudava os filhos, trabalhando com eles;
L) – Não ter qualquer plano gisado;
M) – Que tenha tomado a decisão de tirar a vida ao cônjuge;

5 - Mostra-se a pena de 12 anos de prisão desajustada e excessiva.

6 - Devendo a pena ser proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do Arguido.

7 - Que a aplicação de uma pena visa, além da protecção de bens jurídicos, a “reintegração do agente na sociedade” – art. 40º, n.º 1, do Código Penal.

8 - A fragilidade psicológica que o arguido patenteia, apesar de beneficiar de apoio psicológico no estabelecimento prisional, dificilmente será ultrapassada pela sua inclusão em meio prisional, por um período de 12 anos, podendo, aliás, agravar-se significativamente.

9 - Trata-se da primeira condenação do Arguido, não apresentar perigo para a sociedade.

10 - O arguido ser primário, ter 65 anos de idade, devendo in casu de efectuar um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa daquele e no seu comportamento futuro.

11 - O Arguido pediu desculpa à sua família e declarar “que a sua pena já estava a ser cumprida, por estar afastado dos seus”.(pag. 12, 8º parágrafo).

12 – Quanto aos pedidos de indemnização civil, deveria o Tribunal “a quo” na determinação do seu montante, aplicar juízes de equidade, e ponderar as concretas lesões provocadas, as circunstâncias pessoais e económicas das demandantes e do demandado.

13 – Não tendo ficado provado, conforme relatórios de fls.181 a 186 dos autos, que os disparos perpetrados pelo arguido resultassem grande perigo para as vidas das assistentes.

14 - Que actualmente, a C veja a sua vida em perigo., fls. 15 do douto acórdão (o que era impossível dado o arguido permanecer no E.P.)

15 - Que em consequência da conduta do arguido a filha CC e tenha abandonado a sua actividade de venda ambulante, fls. 15 do douto acórdão;

16- Que os danos invocados na filha CC sejam de carácter permanente; fls. 46 do acórdão ( já que físicos não existem);

17 - Que tenha o Recorrente actuado com o directo objectivo de tirar a vida a C e J e tenha representado a morte destas, como consequência directa dos disparos; fls 14 do acórdão;

18 - Que tenha actuado com o propósito directo de causar medo e inquietude em C, fls.14 da douta decisão;

19 - Que a saúde de J e C tenha sido molestada pela sua actuação;

20 - Que J, actualmente, veja a sua vida em perigo e a sua integridade física violentada; fls. 16 do acórdão;

21 - Que permaneça com chumbos a cabeça de JC, a boca ou o peito; fls. 16 do acórdão;

22 - Que o arguido tenha actuado com o directo propósito de criar permanente medo, perturbação e clima de terror nocivo à estabilidade emocional de Jesuína;fls.14 do acórdão;

23 - Que ao verificar que JC não regressava a casa, o arguido tenha tomado a decisão de lhe tirar a vida, vide fl. 13 do douto acórdão, bem como à sua filha e

24 - Posteriormente pôr termo à sua própria vida.

25 - Que quando J respondeu “não” o fez não por medo e receio da reacção do Arguido.

26 – Tendo concluído o Tribunal “a quo” quanto aos factos respeitantes aos pedidos cíveis, a fls.30 do douto acórdão, que a prova indicada a seu propósito não teve eficácia deles demonstrativa, designadamente quanto ao estado psicológico de C e de JC, para depois de forma contraditória condenar o Recorrente em pagamento dos pedidos indemnizatórios em valores excessivos atenta aos factos dados como provados e não provados.

27 - Violou, pois, o acórdão recorrido os art.s 40, 71 n.ºs 1 e 2 als. a), b), c), d) e e), 72, nº2 al.c) do C. Penal.

28 - E, os Art.s 496º,nº1 e nº3 e 494ºambos do C. Civil.

29 - Pelo que nos permite concluir que o Recorrente deveria ser condenado em pena de prisão pela prática de dois crimes de homicídio na forma tentada na pessoa de JC, p.e p. pelos Artºs.131º, 132º nº1 al.b), 14º nº1, 26º, 22 nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal, e na pessoa de C, p. e p. pelos Artºs. 131º, 132º nº1 al. A), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. B), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal, situada junto do limite mínimo da moldura penal abstracta, porque adequada à culpa, não deixando de satisfazer as finalidades de prevenção geral e da prevenção especial, e

30 - Condenado em pedidos cíveis em montantes bastantes inferiores ao decidido pelo Tribunal a quo, devendo a compensação por danos não patrimoniais fixar-se em valores muito próximos dos € 1.000,00 (mil euros) à filha CC e €1.500,00 (mil e quinhentos) ao cônjuge JC.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGADO O DOUTO ACORDÃO ORA RECORRIDO, COM O QUE SE FARÁ A MAIS LÍDIMA JUSTIÇA

4. Também as Assistentes vieram interpor recurso em requerimento conjunto, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
«
IV
EPÍTOME SINÓPTICO: CONCLUSÕES

No cumprimento imperativo do art.º 412.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do CPP, extraem-se, como resenha final, as seguintes conclusões:

a. O presente recurso tem por objecto toda o Acórdão prolatado em 21 de Janeiro de 2013, que entendeu condenar o Arguido pela prática de dois crimes de homicídio qualificado, na pessoa da sua esposa e filha, respectivamente JC e CC, na forma tentada, a título de dolo necessário, bem como absolver o Arguido dos crimes de Violência Doméstica, na pessoa da Assistente JC e de Ameaça agravada, na pessoa da Assistente CC.

b. Sindica-se nesta sede quer a Decisão da Matéria de Facto, quer a Decisão da Matéria de Direito.

c. Quanto à Decisão da Matéria de Facto, a aqui Recorrente considera, salvo melhor opinião, que os factos dados como não provados sob as páginas 13 (linhas 6 e 7, 10 e 11, 12 a 14), 14 (linhas 8 e 9, 14 a 17, 20 a 23, 30 a 33), conforme numeração do Acórdão.

d. Sustenta-se tal entendimento na seguinte produção de prova:
declarações da Assistente JC [declarações prestadas na audiência de 2012/11/05, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal (Art.º 346.º, do C. P. P.)];
declarações da Assistente CC [declarações prestadas na audiência de 2012/11/05, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal (Art.º 346.º, do C. P. P.)]; e
depoimento de TC [depoimento prestado na audiência de 2012/11/06, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal (Art.º 346.º, do C. P. P.)]

e. Concatenados todos estes depoimentos, entre outros produzidos em julgamento, conclui-se que o Arguido ao disparar contra as Assistentes actuou com dolo directo, representando e querendo praticar tal conduta, bem sabendo que disparar um tiro na direcção da cabeça da Assistente JC e um tiro na direcção de CC (respectivamente suas mulher e filha), poderia implicar a morte daquelas, tendo-se conformado com tal possibilidade e proferido os tiros.

f. Não pode colher, salvo melhor opinião, que os tiros foram resultado de uma frustração/raiva do Arguido por não lograr que a sua mulher regressasse a casa, já que tal circunstância não contende directamente com resolução autónoma da sua vontade de querer assassinar a sua mulher e a sua filha. A morte destas foi efectivamente representada e desejada, aquando dos disparos, como a consequência directa e primeira da sua conduta, independentemente de qualquer motivação, que se coloque a jusante de tal resolução do agente.

g) Assim, deve ser dado como provado que o Arguido agiu com dolo directo, quando proferiu os disparos já que quis matar a mulher e filha, s enquadramento este mais adequado, ao disposto no art.º 14.º, n.º 1 do Cód. Penal e art.º 127.º do CPP, bem como às regras de experiência comum, previstas no art.º 351.º do Cód. Civil.

h. Assim, deverão as penas concretamente aplicadas pelos crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, ser aumentadas e recalculado o cúmulo jurídico operado.

i. Face à reapreciação da prova produzida em julgamento, resulta claro que o Arguido ameaçou directamente a Assistente CC, tendo dirigido a esta ameaças de morte, pelo que o Arguido também deverá ser condenado por tal crime.

j. No que tange ao crime de violência doméstica contra a Assistente JC, o Tribunal entendeu absolver o Arguido, pese embora tenha dado como provado tal crime, em face da alegada relação de subsidiariedade deste crime perante o crime de homicídio qualificado, na forma tentada.

k. Ora, esta tese não pode colher, pelo facto de em causa não estarem os mesmos factos da vida real. São momentos temporais distintos, os episódios de violência doméstica e a tentativa de homicídio.

l. No Acórdão deu-se como provado a pág.s 4, linha 15 a 17 e 30 a 32 que o Arguido diversas vezes agrediu física e psicologicamente a Assistente JC, de forma constante, estando concretizado, a título quase de exemplo, as datas de 2009, 2010 ou em Janeiro de 2012;

m. datas que em nada se relacionam com o facto praticado e dado como provado no dia 06 de Março de 2012, no qual o Arguido tentou matar as Assistentes.

n. O enquadramento destas condutas deverá ser feito de forma diferente, já que entre elas não há qualquer relação de concurso aparente, mas de concurso real, já que se tratam de condutas (de factos da vida real) distintos.

o. Desta guisa, deverá ser o arguido punido também pelo crime de violência doméstica, já que não pode existir relação de subsidiariedade entre factos que não são os mesmos, porquanto a punição do crime de violência doméstica tem por referência factos anteriores ao dia 06 de Março de 2012 e portanto deve ser igualmente autonomizada no plano da qualificação jurídica, já que é igualmente autonomizada no plano da vida real (a qual o Direito Penal deverá acompanhar).

p. No que tange à Decisão da Matéria de Direito, reputamos violados os art.ºs 14.º, n.º 1, 152.º, n.º 1, 153.º, n.º 1, todos do Código Penal, art.º 351.º do Código Civil e art.º 127.º do CPP, devendo tais normas serem interpretadas nos termos supra referidos, dando-se como demonstrada a prática dos ilícitos de violência doméstica, na pessoa da Assistente JC, ameaça na pessoa de CC e bem como considerando os crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, praticados a título de dolo directo e não dolo necessário.

q. Em consequência, deverá ser o, apesar de tudo, Douto Acórdão parcialmente revogado, nomeadamente implicando o agravamento das penas concretamente aplicadas pelos crimes de homicídio qualificado, bem como fixação de penas concretas dos crimes de violência doméstica e ameaças e, ainda, o recalcular do cúmulo jurídico.»

5. Notificados, as Assistentes responderam ao recurso do arguido pugnado pela sua improcedência e o MP apresentou resposta aos recursos interpostos pelo arguido e pelas assistentes, pronunciando-se no sentido da respetiva improcedência.

6. - Nesta Relação, o senhor magistrado do MP apresentou o seu parecer no sentido da improcedência do recurso do arguido e da improcedência parcial do recurso das assistentes, que merece provimento quanto à questão da relação entre o crime de violência doméstica e o crime de homicídio qualificado na forma tentada.

7. – Cumprido o disposto no art. 417º nº2 do CPP, o arguido veio reafirmar a posição que assumira no seu recurso e manifestar-se contra o entendimento expresso pelo MP nesta Relação no sentido do concurso efetivo entre os crimes de violência doméstica e de homicídio qualificado na forma tentada.

8- O acórdão recorrido (transcrição quase integral):

« I I – FACTOS PROVADOS

O arguido e JC contraíram casamento no dia 3 de Julho de 1969.

Dessa relação, a 24 de Novembro de 1974, nasceu CC.

A 25 de Junho de 1996, foi proferida sentença pelo 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Setúbal, transitada em julgado, que decretou o divórcio do arguido e de JC.

Contudo, a 3 de Julho de 1999, o arguido e JC voltaram a contrair casamento.

Dessa relação, a 20 de Dezembro de 1985, nasceu TC.

O casal habita pelo menos desde há dez anos a esta parte, numa residência sita na Rua ..., Palmela, tendo anteriormente residido na zona de Arraiados, no Pinhal Novo.

Desde o seu início da sua relação, que o arguido desferia murros, pontapés e bofetadas a JC em todas as zonas do corpo, incluindo a cabeça, apelidando-a de “puta, vaca, cabra”.

Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2009, JC abandonou o lar onde residia com aquele e foi residir com uma sobrinha.

Contudo, uma vez que o arguido lhe telefonava todos os dias JC regressou para junto daquele.

Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2010, JC abandonou de novo o lar, tendo ficado na residência do seu filho, sita na Rua ..., no Poceirão.
O arguido deslocava-se todos os dias à residência do seu filho, onde gritava por aquela, implorando para que voltasse.

Tendo JC regressado ao lar, cerca de uma semana e meia depois.

Após tal regresso, o arguido continuou a desferir-lhe murros, pontapés e bofetadas em todas as zonas do corpo, incluindo a cabeça, e apelidava-a de “puta, vaca, cabra”.

Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Janeiro de 2012, o arguido, com recurso a uma arma de caça, desferiu um número não apurado de pancadas nas pernas de JC, provocando-lhe diversos hematomas.

JC nunca apresentou queixa contra o arguido.

No dia 2 de Fevereiro de 2012, na sequência de um pedido efectuado pelos seus filhos, que tomaram conhecimento da agressão havida com a arma de caça, JC abandonou o domicílio comum e foi residir com a sua filha na residência desta sita na Rua..., na Lagoinha.

Com o intuito de que JC regressasse ao lar, desde o dia 2 de Fevereiro de 2012 que o arguido se dirigia diariamente à Rua..., Lagoinha, residência onde se encontravam a sua esposa e filha.

Nessas ocasiões, o arguido gritava junto do portão da referida habitação pelo nome de J e afirmava “mato-vos”.

Com o mesmo propósito, todos os dias o arguido esperava JC e CC à porta da residência desta última.

Em data não concretamente apurada o arguido dirigindo-se a CC, disse que “lhe arrebentava com o cagar”.

Em data e circunstâncias não concretamente apuradas, o arguido entregou a CC a arma de caça que possuía, que a guardou em sua casa.

Em data e circunstâncias não apuradas, tal arma desapareceu daquele local.

No dia 6 de Março de 2012, pelas 11 horas o arguido, fazendo-se transportar no veiculo de marca Toyota, modelo Hiace, de cor cinzenta e de matricula ---LR, propriedade de JC, munido de uma arma de caça, de marca e modelo AYA Heguirre y Aranzabal, com o nº ---, de calibre 12, de dois canos laterais, dirigiu-se à Rua..., na Lagoinha.

Aí chegado, parqueou o seu veículo automóvel de forma a não ser avistado.

Todavia, quando CC se aproximava da sua residência acompanhada por JC no veículo de marca Ford, modelo Transit, de cor vermelha e de matrícula ---EN, apercebeu-se da presença do veículo automóvel habitualmente utilizado pelo arguido e prosseguiu a marcha, sem parar no local.

O arguido iniciou perseguição ao veículo onde seguiam CC e JC até que CC o imobilizou.

Nesse momento, o arguido saiu do interior do seu veículo automóvel, aproximou-se do veículo em que aquelas seguiam e interpelou JC perguntando-lhe se iria voltar para casa, ao que a mesma respondeu que não.

Aproveitando a circunstância de o arguido se encontrar apeado e afastado do veículo automóvel de matrícula ---LR, CC retomou a marcha do seu veículo.

Contudo, o arguido correu para o interior do seu veículo automóvel, iniciou a marcha e logrou alcançá-las numa rua de terra batida que une a Rua --- com a Rua das ---, na Lagoinha.

Conseguindo ultrapassar o veículo automóvel de matrícula ---EN conduzido por CC o arguido imobilizou o seu veículo na frente daquele, obrigando-a a imobilizar também, o veículo que conduzia.

Acto contínuo, o arguido saiu do interior do veículo automóvel, aproximou-se do veículo automóvel de matrícula ----EN e dirigiu-se novamente a JC perguntando-lhe, em tom de voz elevado: “Voltas para casa?!”, tendo esta dito que não.

Em face da resposta de JC o arguido disse “Não vais para casa, pronto..!”, logo se dirigindo à porta lateral direita do seu veículo do interior do qual retirou a referida arma de caça, que trazia consigo.

Seguidamente, colocando-se de frente para o veículo conduzido por CC, empunhou a referida caçadeira e, apontando para a parte superior do corpo de CC e JC, efectuou dois disparos, visando com o primeiro atingir CC e com o segundo JC.

O primeiro disparo efectuado pelo arguido atingiu o vidro da frente do veículo sobre o lado inferior esquerdo imediatamente acima da escova e do lado do condutor, seguiu na direcção do banco do meio, partindo uma pequena mola em plástico existente no tablier, existindo sinais de impacto no tablier, no encosto de cabeça e no gradeamento existente atrás dos bancos.

O segundo disparo foi direccionado ao lado direito, ou seja, na direcção do lugar do passageiro, perfurou o vidro frontal, furou a pala protectora do sol passou por cima do banco, sendo que a maioria dos chumbos foram projectados numa divisória existente na parte de trás da carrinha.

Nesta sequência, JC foi atingida por diversos chumbos do projéctil disparado da referida caçadeira na região parietal direita da cabeça, superficial.

Em consequência, sofreu escoriações na região periorbitária bilateral e nasal provocadas pelos estilhaços do vidro frontal do veículo que foi projectado pelo impacto do projéctil, que lhe demandaram um período de dez dias de doença.

CC reiniciou a marcha do seu veículo automóvel e efectuando manobra de marcha-atrás, conseguiu abandonar o local.

Naquele mesmo dia, no veículo automóvel, de matrícula ---LR, conduzido pelo arguido foi encontrado no seu interior:

a) colocada sobre o banco do passageiro, a arma melhor descrita a 15), municiada com cartuchos chumbo nº5 de calibre 12, encontrando-se dois introduzidos na câmara da arma;

b) dois cartuchos da mesma marca e calibre que os que se encontravam colocados na arma.

c) uma caixa de cartuchos GB, calibre 12 com dezassete cartuchos no seu interior;

d) uma faca com 19 centímetros de lâmina que se encontrava debaixo do banco do condutor.

No dia 6 de Março de 2012, foi encontrada na residência do arguido, mais concretamente numa arrecadação/escritório existente em frente da porta principal, dentro de um dossier:

a) um livrete de manifesto de armas com o nº D---, emitido a 14 de Maio de 2002, referente à arma espingarda de caça, de marca “Aguirre Y Aranzabal”, com o nº 346217 registada em nome do arguido;

b) uma licença de uso e porte de arma, em nome do arguido, com validade até ao ano de 1978.

O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de molestar JC no seu corpo, actuando sempre dentro da residência da família.

No dia 6 de Março de 2012, o arguido actuou sempre como objectivo de constranger JC a regressar a casa e ao constatar que não conseguia alcançar tal finalidade, disparou contra as mesmas nos termos apurados, representando a morte destas como consequência necessária dessa sua actuação.

Tal consequência só não ocorreu por motivos alheios à sua vontade.

Em todas as situações o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que todas as condutas que praticou eram proibidas e penalmente puníveis.

***
Quanto aos pedidos cíveis deduzidos nos autos (na parte deles que extrapolam dos factos que decorrem do que provado resulta da instância criminal)

Do que foi formulado por CC, a fls. 359 e ss. dos autos:
A mesma, na sequência dos disparos feitos pelo arguido, nas circunstâncias apuradas, viu a sua vida em perigo (artº 16º).

Vive em temor pela sua vida e pela vida de sua mãe (artº 21º).

Não conseguindo dormir, revivendo essa mesma situação com frequência (artº 22º).

Na qual sentiu pânico e um medo muito grande de que a sua mãe pudesse morrer na sequência do disparo que o arguido efectuou contra a mesma (artº 23º)

Sofre de pesadelos em que revive essa situação, tomando medicação para dormir, sendo medicamente acompanhada (artºs 24º e 31º).

Sentindo grande dor (artº 25º).

Até à data dos factos exercia a actividade de venda ambulante de peixe, que abandonou (artº 32º).

Os dois disparos atingiram o pára-brisas do veículo marca Ford, modelo Transit, de matrícula --EN, perfurando-o (artº 42º).

Do pedido formulado por JC, a fls. 336 e ss:
As condutas do arguido causaram-lhe sofrimento, medo e ansiedade (artº 16º).

A mesma, na sequência dos disparos feitos pelo arguido, nas circunstâncias apuradas, viu a sua vida em perigo (artº 18º).

Sente medo do arguido (artº 20º).

Vive em temor pela sua vida e pela vida da sua filha C (artº 25º).

Não conseguindo dormir, revivendo essa mesma situação com frequência, na qual sentiu pânico e as dores inerentes aos ferimentos causados pelos chumbos que a atingiram (artigos 26º e 27º).

Sofre de pesadelos em que o revive e em que revive o medo que sentiu de que a filha fosse morrer, tomando medicação para dormir (artº 28º).

Sentindo uma grande dor (artº 29º).

***
Mais se provou:
Que o arguido é caçador e titular de licença de detenção vitalícia de arma ao domicílio, respeitante a uma caçadeira nº ---, marca “Louis de Blus”, calibre 12.

Que das ocasiões em que JC saiu de casa (anteriores a Fevereiro de 2012), e quando o arguido a procurou, “cortejava-a” e prometia-lhe mudar, nisso acreditando JC que regressava a casa porque gostava dele e o perdoava e também, por desejar voltar para o “conforto” da sua casa, sendo sempre sua ideia a de continuar o casamento porque estava apaixonada e sozinha (não tinha pais, nem irmãos).

Que a mesma nunca apresentou queixa do arguido, porque estava “obcecada” e apaixonada por ele.

Que a mesma foi comerciante de peixe - que comprava na lota e vendia ambulantemente - durante 22, 23 anos (tendo dado baixa dessa actividade há cerca de 4 anos a esta parte), onde auferia o suficiente para viver.

Que no mês de Janeiro de 2012, a agressão referida no artº 15º da acusação foi feita com uso do cano dessa arma.

Que quando CC se apercebeu da presença do arguido, nos termos referidos no artº 33º da acusação, prosseguiu a sua marcha para que a própria e JC que seguia com ela, não se cruzassem com o mesmo.

Que o primeiro disparo, direccionou-o o arguido no sentido de CC e o segundo no sentido de JC (ao contrário por isso, do que a tal propósito é descrito nos artigos 42º a 44º da acusação).

Que tais disparos foram feitos a distância não concretamente apurada, situada entre 2 a 5 metros do vidro frontal da viatura em que ambas seguiam.

O arguido, ao actuar com o propósito concretizado de molestar JC no seu corpo, fê-lo sabendo que como consequência necessária dessa conduta lhe criava medo, perturbação e um clima de agressividade nocivo para a sua estabilidade pessoal.

Mais se provando, quanto ao dolo que presidiu à actuação do arguido, no dia 6 de Março de 2012:

Que o mesmo se dirigiu ao local nas circunstâncias apuradas, com o objectivo de constranger JC a regressar a casa, caso necessário por intimidação com recurso à arma de fogo de que fez acompanhar, tendo seguido a viatura de C e abordado J com esse intuito.

Ao constatar que por essa forma não lograva alcançar tal finalidade, resolveu então disparar primeiro, contra CC (a qual ao acolher na sua casa JC - por um lado - e por outro por ser quem conduzia o veículo e tinha a disponibilidade do meio que possibilitaria a fuga de J, se interpunha como um obstáculo entre o arguido e essa sua finalidade) visando removê-la do seu caminho, representando que a morte desta ocorresse como consequência necessária da sua conduta.

Ainda na prossecução dessa mesma finalidade, verificando que não lograva alcançá-la pelo meio com que se tinha proposto fazê-lo e não aceitando que JC não regressasse consigo à casa de ambos, atirou a seguir na sua direcção, representando que a morte desta ocorresse como consequência necessária da sua conduta.

Que o resultado morte de ambas, que representou como consequência necessária da sua conduta não ocorreu designadamente, porque (quanto a CC) apesar do disparo ter sido direccionado contra si, foi feito obliquamente e por isso, os chumbos divergiram na direcção do local do “pendura”;

E quanto a JC, pelo facto do tiro que lhe foi dirigido ser o segundo e ter sido feito para cima do local em que se encontra a cabeça do pendura, tendo resultado essa trajectória ascendente, do ressalto ascendente da própria arma, causado pelo primeiro disparo.

Da perícia ao dano corporal de fls. 392 e ss., respeitante a CC (cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos), consta designadamente que à data da sua elaboração (9 de Agosto de 2012) a mesma “(…) desenvolveu um quadro clínico de síndrome de stress pós-traumático associado a um síndrome depressivo, anomalia psíquica que permanece em evolução (…)”.

Do relatório social do arguido que faz folhas 580 e ss. dos autos (cujo teor - na parte dele em que se colheram informações que têm por fonte, elementos da sua família que são intervenientes processuais, ou que estão em situação de manifesto conflito com o mesmo - naturalmente não se valorou) consta designadamente que:

“(…) iniciou o seu percurso escolar apenas com 8 anos de idade, situação que se terá devido ao facto do pai não valorizar a escolarização, tendo concluído o 4º ano de escolaridade aos 12 anos de idade (…) aos 13 anos já conseguia disputar a apanha da uva com os adultos, auferindo salário similar, sendo esta a sua primeira experiência profissional (…) apresenta um percurso laboral continuado, iniciado aos 13 anos de idade (…).

(…) conheceu JC (…) tinha esta 12 anos de idade e o próprio cerca de 17 anos, tendo iniciado nestas idades o relacionamento de namoro.

O casamento viria a ocorrer (…) durante o período em que o arguido se encontrava no cumprimento do serviço militar obrigatório, em Angola iniciando vivência comum quando (…) tinha cerca de 23 anos e a esposa 18 anos de idade.

O casal sempre viveu autonomamente (…) a situação financeira do agregado (…) foi sempre mantida através do desempenho laboral de ambos os elementos, verificando-se durante parte substancial desse relacionamento uma situação estável e confortável (…).

(…) descreveu (…) o seu relacionamento conjugal como tendo sido marcado pela união e harmonia (…) qualificando no geral como “uma relação muito boa” (…), nutrindo pela cônjuge “muito amor”.

À data (…) do presente processo (…) o arguido encontrava-se a viver sozinho na (…) morada de família (…) uma vivenda que se insere numa quinta, com boas condições de espaço e de conforto (…) dedicava-se à criação de animais e à agricultura de subsistência.

Nesta fase, a (…) situação financeira do casal era algo precária, dado a actividade de venda ambulante de peixe ter deixado de ser rentável, negócio este que terá cessado em 2007. (…) o arguido efectuava ainda alguns biscates nesta actividade e encontrava-se já reformado, auferindo 190 euros mensais sendo destes rendimentos que subsistia.

O casal encontrava-se separado por motivos que o arguido (…) supunha serem “amuos de cônjuges” (…).

O arguido não conseguia suportar estar separado (…) e “não via a minha vida sem ela”(…) estando a viver alegadamente um estado de desgaste emocional e psicológico, referindo não estar a conseguir alimentar-se ou a dormir o suficiente.

(…) referiu-nos ter por várias vezes, sem sucesso, tentado mobilizar a cônjuge para regressar à casa do casal. O seu quotidiano estaria nesta fase centrado nesse objectivo, passando o seu tempo em casa ou a tentar contactar com o cônjuge. (…).

Na entrevista mostrou-se tranquilo e com adequada capacidade ao nível do discurso e do relacionamento interpessoal, tentando transmitir uma imagem positiva de si mesmo e descrevendo a sua vida conjugal de forma idealizada (…).

O seu comportamento tem-se revelado no geral, adaptado ao contexto penitenciário (…).

De início e por vontade própria, não recebeu qualquer visita (…).

Tem vindo a beneficiar de apoio psicológico e efectua também mediação psicotrópica para distúrbio do sono.

(…) denota dificuldades ao nível da descentração e da empatia, aspecto que o impede de entender aprofundadamente o impacto dos crimes para as vítimas, reconhecendo contudo que “não devem estar bem”(…).

Do seu CRC, junto aos autos a fls. 590 “nada consta”.

Quem o conhece nada lhe aponta, não sabendo de conflitos que o envolvam, ou que algo de estranho existisse na sua relação conjugal.

É tido por irmã sua como “bom rapaz, bom irmão, bom marido e bom pai”, que ajudava os filhos, trabalhando com eles e apesar de por vezes se “alterar um bocadinho”, não era “muito, muito, muito”.

Para esta sua irmã, o arguido não tem mau coração, era pessoa para ajudar um vizinho, ia buscar e levar a neta à escola, não lhe conhecendo conflitos com vizinhos.

Em julgamento o arguido quis pedir desculpa à sua família, tendo declarado que a sua pena já estava a ser cumprida, por estar afastado dos seus.
***
Não se provou:
Que JC tenha regressado para junto do arguido, por exigência deste e ameaça segundo a qual não o fazendo, os seus filhos pagariam a vergonha por que estava a passar (artigo 9º).

Que o arguido tenha actuado como descrito no artigo 11º, “com o fito de obrigar” o regresso a casa de JC.

Que as agressões descritas no artº 14º da acusação fossem feitas com “periodicidade diária”.

Que a agressão descrita no artigo 15º da acusação tenha sido feita com recurso à coronha de uma arma de caça (o que prejudica a resposta ao artigo 16º da mesma peça processual), nem que esta arma fosse de calibre 12, de marca “Luís de Buis”.

Que no mês de Janeiro de 2012, o arguido tenha afirmado por diversas vezes, que mataria JC e que, seguidamente, se mataria (artigo 17º da acusação).

Que JC nunca tenha apresentado queixa contra o arguido, por ter receio do que aquele pudesse fazer a si e aos seus filhos (artigo 18º da acusação).

Que como forma de se redimir, o arguido tenha escrito diversas cartas a JC pedindo-lhe que regressasse a casa de ambos, relatando-lhe o seu dia-a-dia na sua ausência (artº 20º da acusação).

Que ao usar a expressão “mato-vos”, o arguido se dirigisse (com relevo para a decisão a proferir) directamente a CC (artº 22º da acusação).

Que diariamente, o arguido seguisse no encalço de J e CC, obrigando esta última a ter cuidados redobrados na condução (artº 23º da acusação).

Que a expressão usada pelo arguido, o tenha sido no mês de Fevereiro de 2012 (artº 24 da acusação).

Que ao verificar que JC não regressava a casa, o arguido tenha tomado a decisão de lhe tirar a vida, bem como à sua filha e de posteriormente pôr termo à sua própria vida (artº 25º da acusação).

Que tenha sido no dia 4 de Março de 2012, pelas 20 horas, que o arguido tenha entregue a arma caçadeira a CC, que a mesma tivesse a marca e modelo AYA Heguirre y Aranzabal, com o nº ---, de calibre 12, que o arguido o tenha feito alegando pretender reconciliar-se com JC e com vista a convencer aquela e a sua família das suas intenções.

Que com a entrega da arma a CC, visasse o arguido ludibriar a sua família com esta atitude, nem que de acordo com qualquer plano por si previamente traçado, em data e hora não concretamente apuradas mas entre as 20 horas do dia 4 de Março de 2012 e as 10 horas e 45 minutos do dia 6 de Março de 2012 se tenha dirigido à residência de sua filha (artº 27º da acusação).

Que aí tenha chegado e cortado a vedação circundante da residência, acedendo ao seu logradouro (artº 28º da acusação).

Que após se tenha aproximado da habitação e abrindo a janela da casa de banho, por esta se tenha introduzido, acedendo ao interior da residência, retirando a referida arma em seguida tenho abandonado tal local, levando consigo a referida arma (artºs 29º e 30º da acusação).

Que no dia 6 de Março de 2012, pelas 11 horas, quando o arguido se referiu ao local mencionado na acusação, o tenha feito de acordo com qualquer plano anteriormente gizado por si (artº 31º da acusação).

Que tenha parqueado o seu automóvel atrás de máquinas sitas no local (artº 32º da acusação).

Que ao avistá-lo nesse local, quando CC e JC ao prosseguirem a marcha no veículo em que seguiam, o tenha feito para “fugir” (artº 33º da acusação).

Que J, ao agir como descrito na acusação, não obstante o tenha feito com receio da reacção do arguido (artº 40º da acusação).

Que ao efectuar os dois disparos, o arguido tenha visado com o primeiro, atingir JC e com o segundo CC (atº 42º da acusação).

Que o disparo referido no artº 43º da acusação tenha sido o primeiro e que o segundo disparo tenha sido o que se refere no artº 44º da mesma peça processual.

Que CC tenha sido atingida por estilhaços do vidro frontal do veículo (artº 47º da acusação).

Que após efectuar os dois disparos o arguido tenha voltado a municiar a arma (artº 48º da acusação) e consequentemente, que CC disso se tenha apercebido (artº 49º da acusação).

Que o arguido tenha efectuado um terceiro disparo (artº 50º da acusação).

Que o arguido não seja titular de licença de uso e porte de arma (artº 53º da acusação).

Que o arguido tenha actuado como apurado, fazendo-o com o directo propósito de criar permanente medo, perturbação e um clima de terror nocivo à estabilidade emocional de JC (artº 54º da acusação), nem que a saúde de JC tenha sido molestada pela sua actuação (mesmo artº).

Que tenha actuado com o propósito directo de causar medo e inquietude em CC (artº 55º da acusação).

Que desde a altura em que JC abandonou o domicílio conjugal, indo viver com a filha, o arguido tenha firmado o propósito de pôr termo à vida de ambas (artº 57º da acusação) e que nessa sequência, tenha actuado nos termos descritos nos artigos 58º e 59º da acusação - “descrição” que sempre seria conclusiva de facto).

Que o arguido tenha actuado com o (directo) objectivo de tirar a vida a C e JC, e tenha representado a morte destas como consequência directa dos disparos (artº 60º da acusação).
Que não haja justificação para a detenção pelo arguido, da faca que trazia no interior da sua viatura (artº 62º da acusação).
**
Quanto aos pedidos pedidos cíveis deduzidos nos autos, não se provam (no que respeita ao que foi formulado por CC, a fls. 359 e ss. dos autos):

Os factos que constituem mera repetição dos que constam da acusação e não lograram demonstração (artigos 8º, 9º, 10º - quanto à data nele indicada – 12º e 13º).

Que a demandante tivesse sido ameaçada pelo arguido (prejudicando todos os “factos” que a propósito dessas alegadas ameaças foram invocados nos artigos 3º, primeira parte do 11º, 20º, 26º e 27, respectivamente).

Que a demandante actualmente veja a sua vida em perigo (artº 16º), sendo que as restantes asserções vertidas neste artigo são meramente conclusivas e por isso irrespondíveis.

Quanto ao artº 31º, nenhum outro que não o segmento que a seu propósito se apura (“supra” referido no local próprio).

Que tenha abandonado a sua actividade de venda ambulante em razão de qualquer conduta do arguido (artº 32º).

Que o custo de reparação do veículo Ford Transit, emergente dos dois disparos que perfuraram o seu pára-brisas ascenda ao montante de 1 000,00 euros.

Quanto aos factos alegados nos artigos 4º a 7º, referem-se a actos perpetrados contra J e por isso, não têm cabimento em pretensão indemnizatória deduzida por terceiro (no caso, pela demandante CC).

Quanto às demais asserções vertidas nos demais artigos do pedido ora em apreço (que não expressamente mencionadas “supra”), por se tratarem tão-somente de conclusões de facto e/ ou de direito, são irrespondíveis.
*
Quanto ao pedido de indemnização civil formulado por JC:

Não se consideraram os factos que constituem mera repetição dos que constam da acusação e não lograram demonstração (artigos 9º, 11º, 12º e 14º).

Nem aqueles que extrapolam da acusação (não podendo o pedido de indemnização civil, que encontra a sua causa de pedir nos factos ilícitos descritos na acusação, deles extrapolar), não se tendo por isso considerado os factos alegados no artº 17º segundo os quais o arguido “fazia cenas de ciúmes, imputando-lhe amantes, tratando-a como sua criada, isolando-a dos filhos, familiares e amigos em geral fazendo-a sentir diminuída e inferior”.

Que a demandante actualmente, veja a sua vida em perigo e a sua integridade física violentada (artº 18º).

Que actualmente a demandante permaneça com chumbos na cabeça, na boca e no peito.

Quanto às demais asserções vertidas nos demais artigos do pedido ora em apreço (que não expressamente mencionadas “supra”), por se tratarem tão-somente de conclusões de facto e/ ou de direito, são irrespondíveis.

Quanto aos factos constantes desses mesmos pedidos (artigos 28º e 29º do que foi deduzido por CC e artigos 33º e 34º do que foi deduzido por JC, respectivamente) e documentos nele referidos:

Apurou-se em julgamento que os mesmos se fundam em meio de prova proibido, por violação por banda de CC de correspondência privada entre o arguido e JC, sem autorização ou conhecimento destes (e sem que tal correspondência tenha sido apreendida por intermédio de despacho judicial).

Por isso, tendo em conta o preceituado pelo artigo 126º/3 do Código do Processo Penal, o Tribunal não ponderou (como não podia fazê-lo) tais documentos, nem os factos alegados que neles se estruturam.

Sendo que, consubstanciando tal actuação de CC a prática de ilícito criminal (nos termos do artigo 194º/1 do Código Penal), não se procede nos termos previstos pelo artigo 126º/4 do Código do Processo Penal, por tal ilícito estar dependente de participação ou de queixa (que nos autos não foi apresentada).
***
Quanto às expressões contidas nos artigos 7º “agressões físicas e verbais”, 8º “agressão física levada a cabo pelo arguido”, 10º “agressões físicas e verbais”, 12º “habituais vexames provocados pelo arguido” e 13º “as agressões físicas e verbais” respectivamente, da acusação:

Consubstanciam conclusões de facto, sendo por isso irrespondíveis.

III – FUNDAMENTAÇÃO

No alicerçamento da convicção, o tribunal dividiu a matéria a ponderar em três momentos temporais distintos.

De um lado, os factos apurados que ocorrem antes de 2 de Fevereiro de 2012 (em que se alicerça a imputação pelo crime de violência doméstica);

De outro, os que se verificam entre 2 de Fevereiro de 2012 e 6 de Março desse mesmo ano (em que se alicerça a imputação pelos crimes de ameaça e de violação de domicílio).

Finalmente;
Os que ocorrem no dia 6 de Março de 2012 (em que se alicerça a imputação pelos demais crimes, de homicídio qualificado na forma tentada e detenção de arma proibida).

1. E assim, quanto ao primeiro momento:

O tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações prestadas pela assistente JC, que no-los relatou de uma forma tão precisa quanto a sua lembrança o permitiu (atente-se que o lapso temporal descrito na acusação a propósito dos mesmos é muito extenso, sendo por isso natural que no relato feito, respeitante aos factos penalmente relevantes – de execução continuada – a concretização das datas em que os mesmos atomisticamente ocorrem, seja tarefa difícil).

Também nos deu conhecimento das razões que estiveram na origem das suas saídas de casa e dos motivos pelos quais sempre retornou à mesma (e ainda, dos motivos pelos quais nunca apresentou queixa contra o arguido).

Descrevendo o arguido como pessoa “implicativa”, do género “quero, posso e mando” e a relação conjugal como pautada desde o seu início, por discussões havidas entre ambos e como também desde o início da sua relação, o arguido lhe dava murros, pontapés, bofetadas, onde calhava (ainda que não o fizesse na cara, razão pela qual não havia marcas visíveis dessas agressões).

Tais agressões eram acompanhadas de insultos, já que desde o início que o arguido lhe chamava “puta, cabra, vaca e xantra”.

Relativamente aos momentos em que se separaram, deu-nos conhecimento de que o divórcio só ocorreu por questões financeiras (respeitantes a dívidas, com vista a evitar a sua comunicabilidade, tendo continuado a viver juntos), tendo voltado a contrair matrimónio por uma questão de “medo” (como nos referiu num primeiro instante) sendo que a instâncias do tribunal acabou por admitir que esse medo se prendia apenas com a circunstância da assistente não ter pais, nem irmãos e finalmente, que o fazia porque estava obcecada (apaixonada) por ele, o que terá justificado também a circunstância de nunca ter recorrido ao médico após a ocorrência das ditas agressões já que nesse contexto, nunca quis revelar o que se passava.

Até porque a assistente não era economicamente dependente do marido (durante 22, 23 anos, foi comerciante de peixe, de cuja actividade deu baixa há cerca de 4 anos a esta parte e onde ganhava o suficiente para viver) e dessa forma, a sua ideia era sempre a de continuar o casamento, porque estava apaixonada e sozinha (na sua expressão “era a sua casa, os seus filhos e ele”).

Tal relato (prestado de forma sentida e convincente) foi corroborado pelo teor das declarações prestadas pela assistente CC (filha do arguido e da assistente J), a quem ficou na memória o primeiro episódio, em que o pai bateu na mão uma arma (teria a assistente cerca de 5 anos de idade), dizendo-lhe “traço-te à dentada, tiro-te o sebo”, recordando ainda que quando teria cerca de 10 anos de idade, numa altura em que a mãe estava grávida do irmão, o arguido lhe deu um murro na cabeça, que ela ficou “com o rabo na cadeira” tendo assistido, até à altura em que saiu de casa dos pais (com cerca de 18, 19 anos) a situações em que o pai lhe dava socos na cabeça e pontapés nas pernas (o que ocorria dentro de casa, até em almoços que nela se faziam), até que a assistente deixou (a partir dos seus 21, 22 anos) de ir almoçar e jantar a casa dos pais, tendo deixado de assistir a tais episódios, declarações que genericamente foram confirmadas no depoimento prestado por TC, filho do arguido e de JC, que viveu com os pais até há cerca de 3, 4 anos atrás (em 2009 ainda vivia com eles) e que por várias vezes assistiu a cenas de violência (era “pequeno”, a primeira vez que assistiu a tal), tendo presenciado situações em que o pai dava murros, chapadas e pontapés à mãe, a quem chamava “puta, vaca, xantra”, recordando que esta ficava com nódoas negras, mas não ia ao hospital (no entender desta testemunha, por a mãe ser uma senhora do “antigamente”, com vergonha de assumir a situação e que ocultava o que se passava).

Mais nos tendo referido esta testemunha que, com o passar do tempo as coisas pioraram, em especial quando saiu de casa, uma vez que enquanto esteve lá, sempre tentava colocar “paninhos quentes” (tendo por várias vezes segurado o pai, pondo-se à frente dele para que este não agredisse a mãe).

Ou seja, o relato feito por JC (especialmente credível, na medida em que foi notória a sinceridade das suas palavras e o profundo apego que sentia pelo marido, antes da ocorrência da situação dos disparos – de tal forma que o tribunal ficou convicto que, se o arguido não tivesse disparado contra a filha de ambos, JC porventura acabaria por regressar para ele, mesmo após o disparo que foi feito contra si), resulta corroborado nesta parte pelo que foi dito pelos seus filhos (as únicas pessoas que, por terem vivido na sua casa assistiram aos acontecimentos que decorreram no seu interior) tendo a credibilidade da primeira abonado o conteúdo das declarações prestadas por estes últimos (nos quais se sentiu evidente hostilidade contra o arguido, seu pai e sem cujo beneplácito, por isso mesmo – pela hostilidade revelada - os respectivos relatos poderiam ter inculcado dúvidas que no descrito contexto, não se verificaram).

Quanto ao episódio descrito na acusação, segundo o qual na data ali referida o arguido teria batido em JC com a coronha de uma arma, foi a própria quem nos esclareceu que em tal data não se verificou esse episódio (que terá ocorrido há “anos atrás” – não se apurando quando – em que o arguido lhe terá batido com essa parte, usando uma caçadeira, até que a arma caiu no chão e partiu a coronha).

Quanto à sua saída, em 2009 para casa da sua sobrinha (onde ficou uma semana), referiu-nos JC tê-lo feito porque o arguido lhe dizia que a “traçava à dentada”.

Precisando, refere ter visto o marido a “fazer sexo com animais”, cena que a perturbou deveras e que fez com que o arguido lhe tenha “dado pancada” e a ameaçasse de morte, caso dissesse alguma coisa, razão pela qual, saiu.

Tendo-o feito essencialmente (e impressivamente dizemos nós), por o episódio a que assistiu a ter incomodado muito.

Da casa da sua sobrinha foi para a de sua filha, porque o arguido não sabia onde J se encontrava e dirigia-se a casa dos filhos a quem dizia que ou o informavam do sítio onde ela estava, ou matava-os e rebentava com eles (a saída de casa da sua sobrinha para a casa de sua filha prendeu-se com o facto da mesma tentar contribuir para que o arguido “descansasse” e “deixasse os filhos em paz”).

Na casa da filha permaneceu cerca de 2, ou 3 dias, altura em que o arguido ali se dirigia, cortejando-a, dizendo que a amava e pedindo-lhe para que regressasse para a casa deles, o que a mesma foi porque o perdoou e quis acreditar que ele mudava e também, porque quis voltar para o conforto da casa dela, onde “meia dúzia de dias depois”, a vida conjugal voltou ao que era, voltando o arguido a chamar-lhe “puta, cabra, vaca, xantra”.

Todavia, porque em 2010/2011 o arguido lhe chamou “filha da puta”, facto que a magoou deveras, porque a sua mãe já tinha falecido e em vida os tinha ajudado muito, JC voltou a sair para casa de sua filha (foi o filho e a nora que a foram buscar) onde esteve cerca de uma semana, finda a qual (o arguido voltou a cortejá-la, a dizer que a amava e a pedir-lhe que voltasse) a mesma regressou à casa de família, por (de novo), o ter perdoado.

Tal episódio é confirmado pelo depoimento prestado pelo filho TC, que referiu que a segunda vez que a mãe saiu de casa, foi o próprio quem a foi buscar (a mãe dizia que o pai a ia matar e que havia uma traição qualquer que ela não referiu qual era, o que preocupou a família, que sabia que o pai tinha uma arma em casa - é caçador) tendo-nos referido que a mesma ficou uns tempos na casa da irmã, tudo se vindo a repetir, com o pai a rondar a casa da irmã, fazendo promessas de que ia mudar (os filhos promoveram reuniões conjuntas com os pais, aconselhando-os a mudar, a viver a vida em paz), tendo a mãe regressou de novo, à casa de ambos.

Quanto às razões que levaram JC a sair de casa e 2 de Fevereiro de 2012, prenderam-se com o facto de um, dois meses antes o arguido a ter fechado num quarto e ter-lhe batido com o cano de uma arma caçadeira (a que mais tarde foi usada, nos disparos) nas pernas, tendo-a deixado cheia de hematomas e de, ao ter relatado esse facto aos filhos, CC ter decidido ir buscá-la e levá-la para sua casa (o que é corroborado pelas declarações desta, que confirma tê-lo feito, por ter visto a mãe com o rosto vermelho e tendo-lhe perguntado o que se passava, a mesma lhe ter acabado por dizer que o arguido lhe tinha dado socos na cabeça e nas pernas e que há um mês atrás, ele a tinha fechado no quarto e tinha-lhe batido com uma arma, dizendo-lhe “traço-te à dentada, rebento-te com o cagar, porca xantra, vaca, etc”).

Também TC prestou o seu depoimento nesse mesmo sentido, dizendo ter sabido que da última vez que a mão saiu, iria para casa da irmã (tal aconteceu a seguir ao nascimento da sua filha, a 26 de Janeiro), porque houve uma reunião familiar na qual a sua mãe “rebentou”, contando-lhes “tudo” (desde o facto do arguido lhe ter batido com uma espingarda, às “violações dos animais”), tendo-se decidido que a mesma iria para casa da sua irmã.

Tendo sido da confluência destas declarações (entre si congruentes) que o tribunal formulou a sua convicção, no sentido apurado.

2. Quanto ao segundo momento:

O tribunal alicerçou a sua convicção (no que às alegadas ameaças respeita), nas declarações prestadas pelas assistentes, que são consentâneas, ao referir que nas circunstâncias apuradas, o arguido se dirigia a casa de CC (onde à data viviam a própria, o seu marido e filha, juntamente com JC) a cujo portão gritava “eu mato-vos” (ou seja, sem que no descrito contexto se possa extrair dessas palavras que estas se dirigissem concretamente a alguém – e com relevo, a CC– até porque não se demonstra que nessas ocasiões o arguido soubesse que a mesma – ou alguém – estava no interior dessa residência).

Quanto à expressão “rebento-te com o cagar”, dirigida a CC:

É a própria quem, referindo ser expressão de uso recorrente pelo arguido, não consegue precisá-la no tempo, nem nas circunstâncias em que a mesma lhe foi endereçada.

Quanto à imputação do crime de violação de domicílio:

Prende-se o mesmo com o facto de, neste segundo período, o arguido ter entregue a CC de acordo com declarações da própria, uma arma de caça (cuja concreta identificação não se apura), que a mesma terá guardado em sua casa (nessa parte JC confirma ter visto uma arma dessa natureza, na casa da filha), que veio a desaparecer desse local em data não concretamente apurada, já que CC só se apercebe disso, após a situação dos disparos.

Ficando a mesma convicta de que foi o arguido quem a retirou de sua casa, porque quando disparou contra si e sua mãe, o mesmo usou uma arma de caça (não se sabendo, por falta de identificação da que foi guardada, se se trata da mesma arma) e porque depois (quando deu pela sua falta), constatou que a janela da casa de banho de sua casa estava aberta e havia marca de pés na parede (a janela não estava arrombada, nem a portada da janela que estava aberta).

Trata-se todavia de mera conclusão da própria porquanto, quanto à autoria desses factos (quem terá entrado pela janela e levado a arma em causa) é algo que não se apura, por não ter sido presenciado por ninguém.

Não tendo o depoimento prestado por AV (militar da GNR, que no dia dos disparos ao final da tarde, se dirigiu por solicitação da própria a casa de CC, porque alegadamente a teriam arrombado e levado uma arma do seu interior), revelado qualquer utilidade sobre tal matéria, na medida em que o que esta testemunha verificou foi o mesmo que sobre tal particular referiu a assistente (vendo que a vedação do muro estava cortada e que existiam junto da janela da casa de banho - que não estava forçada e apenas, encostada) marcas de pés (por isso, sem que a testemunha pudesse saber quem ali terá entrado).

3. Quanto aos factos ocorridos no dia 6 de Março de 2012:

As declarações prestadas pelas assistentes J e CC foram determinantes ao seu apuramento.

Na realidade, da conjugação de ambas (cujo teor é coincidente, dando-nos relato do que percepcionaram, nos termos das posições em que seguiam dentro da Ford Transit – a primeira no lugar do pendura e a segunda ao volante da mesma) resultou uma concatenação descritiva que, relatada por quem revelou ter conhecimento dos factos, com evidente comoção e sofrimento, não nos suscitou dúvidas quanto ao modo como tudo se terá passado (apesar de, em segmentos específicos – designadamente, quanto à ordem dos dois tiros, e à existência de um terceiro disparo – o tribunal não os ter acolhido na totalidade, pelas razões que “infra” se explicitarão, que de todo abalam a credibilidade das declarações prestadas).

Tais declarações permitiram percepcionar a dinâmica da conduta praticada, desde a altura em que as assistentes avistam a Toyota em que o arguido se fez transportar, parada junto da residência de CC, quando se dirigiam para a mesma;

Como ao vê-lo, CC segue marcha, para que não se cruzarem, como o arguido seguiu atrás delas, até que CC parou altura em que o arguido sai da viatura, dirigindo-se a J, perguntando-lhe “vais para casa ou não”?;

Como o arguido, após ter ouvido J a dizer que não, diz “ai não vais, pois não” (com um tom exaltado que leva a que CC reinicie marcha, saindo do local);

Como o arguido persegue a viatura em que estas seguiam, conseguindo ultrapassá-la e parar a Toyota à frente da Transit (impedindo que esta prossiga a sua marcha), e voltando a sair da carrinha repete a abordagem a J, dizendo-lhe “então não vais para casa”, para logo em seguida se dirigir à porta central da Toyota, de onde tira a arma caçadeira que aponta (na percepção de ambas) na direcção de J (a cerca de 2 metros, 2 metros e meio) para onde dispara (atingindo-a com chumbos na cabeça, altura em que esta baixa a cabeça, ensanguentada – nada mais vendo e apenas, ouvindo logo a seguir o som do segundo tiro, não ouvindo um terceiro) e como C vê a mãe cair para o seu lado, logo se apercebendo do arguido a apontar na direcção do seu peito, conseguindo a mesma inclinar-se para o vidro do lado do condutor, baixando-se e nessa posição arrancando em marcha atrás, fugindo do local;

Percepcionando o arguido a correr atrás da carrinha com a espingarda, a tentar atirar para a roda (afirma ter visto o arguido a disparar um terceiro tiro, que não atingiu a carrinha);

O pavor que ambas sentiram (que foi manifesto, no decurso do relato feito), quer pela própria vida, quer pela vida uma da outra (C, que ao ver a sua mãe com sangue na cabeça, teve muito medo de a perder, logo se dirigindo ao Hospital de S. Bernardo, dizendo-lhe “aguenta, mãe, aguenta!” e J que, ao ouvir o segundo tiro pensou que a sua filha tinha morrido).

Tendo-se ainda apurado que no caminho para o Hospital, porque tinha medo que o arguido voltasse a interceptá-las, C ligou para a GNR, pedindo ajuda, tendo J dado entrada naquela instituição Hospitalar (onde ficou em observação, saindo no dia seguinte), com ferimentos na cabeça e cara, peito e boca e chumbos alojados no corpo.

Mediante reprodução de folhas 29 e ss., C confirma o teor das mesmas que retratam a Ford Transit com as marcas dos disparos - tal como na sua percepção ocorreram - sendo as de fls. 45 e ss., respeitantes ao local onde o arguido as alcançou, bloqueando-lhes a marcha e efectuou os disparos.

Tais declarações foram por seu turno, conjugadas com o depoimento prestado pela testemunha RL, militar da GNR (à data dos factos, no posto de Palmela, tendo conhecido arguido e familiares, pelo desempenho de funções), que se encontrava de patrulha às ocorrências, tendo recebido via rádio, comunicação do que se estaria a passar.

E como por mero acaso, estando a viatura em que seguia perto do local onde tudo teria acontecido (Lagoinha), mercê da indicação do veículo, matrícula, aspecto do suspeito, teve a sorte de logo a seguir o encontrar (vendo uma Toyota, que vinha em sentido oposto), à qual deu ordem de paragem.

Referiu que o arguido não mostrou qualquer tipo de resistência, tendo colaborado sempre, sendo que a testemunha (porque tinham indicação de que poderia trazer uma arma), revistou a viatura onde seguia, onde encontrou uma arma de fogo, carregada com duas munições (a testemunha foi quem a apreendeu), tendo ainda encontrado uma caixa de cartuchos e uma faca.

Recorda-se de que o arguido trazia umas cartas (que ou estavam no bolso, ou espalhadas na viatura, já não se lembra bem).

Reproduzidas fls. 58 a 62, confirma tratar-se do auto de notícia elaborado e do auto de busca domiciliária, à residência do arguido, que o mesmo autorizou. Quanto a fls. 10, 12, confirma o seu teor, referindo tratar-se da apreensão da arma de caça, munições e faca encontradas no interior da viatura (correspondendo fls. 216 ao exame feito pela PSP, à faca que apreendeu).

Esta testemunha prestou um depoimento credível, no sentido apurado pelo tribunal, revelando possuir conhecimento directo sobre os factos que relatou.

Quanto a JP (militar da GNR, na altura dos factos, no posto de Palmela que fazia parte da patrulha da testemunha anterior) depôs no mesmo sentido, apenas acrescentando terem sido recolhidos 3 cartuchos do local indicado como sendo dos disparos (a essa questão, dos 3 cartuchos, bem como do terceiro disparo, referir-nos-emos “infra”).

Determinante para a compreensão da dinâmica dos disparos, foi o depoimento prestado por JN (inspector da PJ da direcção de Setúbal, que interveio nas diligências probatórias - assim conhecendo os intervenientes) a qual nos referiu que após a notícia dos factos se dirigiram ao hospital S. Bernardo, recordando que a vítima ainda tinha chumbos na cabeça, onde examinaram a viatura indicada (que estava no parque).

Mediante reprodução de folhas 29 e ss., confirma o seu teor, dizendo ser claro que os disparos foram feitos por uma a arma de caça (desconhecendo qual o chumbo que foi usado).

Referiu que o orifício feito no vidro é reduzido, razão pela qual não há a dispersão do chumbo (o que o faz concluir que o disparo foi feito suficientemente perto do vidro, na medida em que não chegou a haver essa dispersão admitindo que talvez a distância fosse de 5 metros, ainda que não possa sabê-lo de facto).

O disparo oblíquo (numerado como 1) dirige-se ao condutor, mas vai para a direcção do pendura. O outro (numerado como 2), mais acima.

O facto do tiro numerado como 2 ser feito para cima, dá a indicação de que é o segundo disparo (justamente, porque essa trajectória ascendente resulta do disparo ser imediato e da arma se encontrar em ressalto ascendente, emergente do primeiro tiro - sendo que nessa trajectória, nunca se atingiria o local em que fica a cabeça do pendura, passando-lhe muito acima).

Sendo que tal explicação, para além de intrinsecamente bem estruturada, acaba por se coadunar com o que numa primeira analise, seria uma contradição com as declarações prestadas pelas assistentes.

E senão vejamos:

As assistentes, pese embora percepcionarem como sendo o primeiro disparo o que foi direccionado a J (esta última não vê o segundo, ao qual apenas a C assiste - ainda que já em movimento para o vidro do seu lado esquerdo), dizem ambas que foi em resultado do primeiro disparo que J foi atingida na cabeça.

Ora, como se pode verificar pela trajectória (oblíqua) do vestígio numerado como 1, este dirige-se ao condutor, mas vai na direcção do pendura.

Sendo por isso muito provável, que tenha sido efectivamente este disparo o que acerta na cabeça da J (até porque muito provavelmente – probabilidade esta que resulta das regras da experiência comum – a mesma, ao verificar que o arguido se prepara para disparar contra o pára brisas, ter-se-á baixado por instinto, de sorte a proteger-se do disparo).

E ao fazê-lo, terá encostado a sua cabeça para o seu lado esquerdo, no sentido do condutor (o que é atestado pelas declarações de C, na parte delas em que diz que após o primeiro disparo vê a mãe cair para o seu lado – o que sinaliza que a inclinação do corpo de J, aquando do disparo era precisamente essa).

E sendo-o, a cabeça da mesma estaria próxima do local em que a trajectória (oblíqua) do disparo ocorre (como se extrai da visualização dessa trajectória, reconstruída nas fotos e legendagem das fotos 24, 25, 26 e 27, das ditas folhas e da dispersão dos chumbos na divisória da cabine das fotos 15 e 16, que atestam a sua concentração por toda ela, com mais incidência no canto superior esquerdo – que corresponderá ao segundo disparo que, com o ressalto da arma é direccionada nesse sentido, num local em que a cabeça do pendura não seria atingido).

Razão pela qual, o tribunal deu como apurado os factos nesse sentido (e não no da descrição feita a esse propósito pelas assistentes, cuja percepção dos mesmos estaria decerto condicionada pelo inesperado da situação, pelo medo e também, pela perspectiva emergente da movimentação defensiva dos seus corpos).

A distância a que o arguido se encontra quando dispara (entre 2 metros e meio e 5 metros do pára-brisas) e o facto dos mesmos serem direccionados com espaçamento entre si, não inculca dúvidas quanto à vontade do arguido em atingir as duas pessoas que iam no interior do veículo.

Determinante foi ainda o depoimento prestado por RS, técnico especialista da PJ (da polícia técnica), que procedeu à recolha de vestígios (ao arguido e no local em que os disparos ocorreram).

Esta testemunha examinou ainda a carrinha Ford Transit (legendando a trajectória provável dos disparos, conforme folhas 29 e ss., de acordo com as conclusões a que chegou por intermédio desse exame), precisando que a numeração (como 1 e 2) dos vestígios foi feita aleatoriamente, nada tendo a ver com a ordem dos tiros, uma vez que não estabeleceu essa conclusão.

Refere esta testemunha que os chumbos do vestígio numerado como 2 são muito altos e não atingiriam quem estivesse no lugar do pendura (a menos, que fosse muito em cima).

Mas tudo o demais – designadamente o facto de ter havido disparos direccionados para dois sítios assim afastados - leva a crer que se quis atingir as duas pessoas.

Após terem obtido a informação de que o suspeito tinha sido interceptado, procedeu à recolha de vestígios de pólvora ao arguido, acompanhando a busca realizada à residência do arguido, com consentimento deste.

No local da prática dos factos apesar das vítimas referirem 3 disparos, só foram encontrados dois cartuchos.

Quanto à autoria do arguido nos dois disparos, se dúvidas existissem da conjugação das declarações prestadas pelas pessoas já referidas (o que não acontece), sempre as mesmas seriam dissolvidas pela leitura dos relatórios do LPC, de fls. 417 e ss. (em que se compararam os vestígios de pólvora recolhidos ao arguido, com os vestígios de pólvora existentes nos dois cartuchos recolhidos no local, em que se conclui que o mesmo por um lado, disparou uma arma e por outro que a arma usada é compatível com a pólvora detectada nos cartuchos) e de fls. 567 e ss. que, para além conter exame à arma de caça apreendida ao arguido, se procede à comparação entre esta e os dois cartuchos recolhidos no local, ali se concluindo indubitavelmente, terem sido deflagrados pela mesma (precisando-se até, qual deles o foi pelo cano esquerdo ou direito dessa arma).

Com relevo para a dilucidação sobre a existência de dois ou de 3 disparos, revelou-se ainda o depoimento prestado pela testemunha JR (vive numa casa sita entre a Rua ...e a Rua ..., local em que ocorreram os disparos), recordando que estava em casa e ouviu 3 tiros (dois disparos seguidos e o terceiro uns segundos depois) aos quais não ligou muita importância e quando foi lá fora (cerca de 10 minutos após ter ouvido os disparos), já não viu nada.

Recorda que tal se terá passado pela manhã (cerca das 10 h, talvez).

Precisando, refere não ter ligado aos tiros, porque no local é usual fazerem tiros, na caça.

Reproduzidas folhas 46 e ss., confirma que o local retratado é aquele em que vive (o muro que nelas se vê, é o da sua casa).

Ou seja;
Apenas CC se refere a um terceiro tiro (J que a acompanha, não o ouve).

Sendo certo que para que tal possibilidade resultasse viável (tendo em conta as características da arma e a deflagração dos dois cartuchos com que foi municiada), necessário se tornaria que o arguido logo após, voltasse a municiá-la (abrindo-a e fechando-a em conformidade) sendo muito mais rápido nessa operação do que CC a “pisar do acelerador”, já que esta faz imediata manobra de marcha atrás, após terem ocorrido os ditos disparos, sendo a nosso ver improvável que nessas circunstâncias, numa ocasião em que tem a sua cabeça baixa (no sentido da janela do seu lado, segundo nos declarou e sendo de presumir que assim se manteve, por uma questão de instinto de protecção enquanto fazia tal manobra e “fugia pela vida”) conseguisse ainda assim ver o arguido a fazê-lo e a ir atrás da carrinha, tentando alcançá-la com disparos.

Por outro lado, escassamente se entende a razão pela qual no local da prática dos factos, só foram encontrados 2 cartuchos e não 3, pois que mesmo que se concedesse por simples hipótese de raciocínio que alguém (designadamente o arguido, com vista a “encobrir” o sucedido) retirasse um cartucho do local e deixasse lá outros dois, comprovadamente deflagrados.

Sendo que no local em causa (tal como no-lo referiu a última testemunha) é habitual haver tiros (o que poderá justificar a existência de um terceiro disparo feito nessa mesma ocasião - por mero acaso - por qualquer outra pessoa que se encontrasse nas imediações).

Por isso que “in dúbio”, se teve como indemonstrada a existência desse tiro.

Sendo que o tribunal alicerçou a sua convicção nos elementos já referidos, fazendo-o conjugadamente com o teor dos documentos apreendidos em sede de busca domiciliária (auto de fls. 64 e ss.) designadamente de licença de uso e porte de arma caducada e livrete de manifesto da arma que foi usada pelo arguido na prática dos factos), do boletim de episódio urgência (de JC) de fls. 181 e ss., das fotos desta de fls. 167 e ss, do relatório de exame e avaliação feito à faca e 2 cartuchos (a fls. 216), o teor do ofício de fls. 217 (segundo o qual o arguido é titular de licença para a detenção vitalícia de arma caçadeira no domicílio, da perícia de dano corporal de folhas 218 e ss., respeitante a JC, da perícia de dano corporal de folhas 393 e ss., respeitante a CC (onde se alude a lesões resultantes de traumatismo de natureza corto- contudente ou outro actuando como tal - sendo que na ausência de qualquer registo clínico no Hospital de S. Bernardo respeitante às mesmas, o tribunal não as teve como decorrência da situação descrita pela própria).

Quanto ao estado civil do arguido e JC – e do seu divórcio e subsequente casamento - o tribunal fundou a sua convicção na análise do assento de casamento de fls. 259.

Quanto à relação de filiação de CC com o arguido e JC, o tribunal fundou a sua convicção na análise do assento de nascimento daquela, junto em fase de julgamento a fls. 556.

Quanto à relação de filiação de TC com o arguido e JC, o tribunal fundou a sua convicção na análise do assento de nascimento daquele, junto aos autos a fls. 200.

Relativamente aos pedidos cíveis deduzidos nos autos, o tribunal alicerçou a sua convicção, quanto ao formulado por CC, nas declarações prestadas por JC e quanto ao formulado por JC, nas declarações prestadas por CC e quanto a ambos;

Nos depoimentos prestados pelas testemunhas VJ (neta do arguido, que foi criada com os avós e que ouviu o arguido a chamar “puta, filha da puta, cabra xantra”, a J a qual acompanhou (como sucedeu com CC, sua mãe) após a ocorrência dos disparos, MF (prima de J e 2ª prima da C), que viu a primeira, cerca de 2 meses antes dos disparos, cheia de hematomas no corpo, principalmente na perna, tendo acompanhado ambas após a ocorrência dos disparos, LC (nora do arguido e de J, que conhece há 5 anos e cunhada de C) que viu o corpo de J marcado, com hematomas na perna parecendo-lhe estar muito assustada, tendo-as acompanhado a ambas após a ocorrência dos disparos e PJ (marido de C e genro do arguido e de J), que acompanhou de perto a evolução da sua mulher e da sua sogra depois dos disparos, sendo que todas as identificadas testemunhas depuseram globalmente no sentido apurado pelo tribunal, quanto às pretensões indemnizatórias deduzidas nos autos.

Quanto à situação pessoal e condição económica do arguido:

O tribunal alicerçou a sua convicção na análise do seu relatório social, “supra” identificado nas folhas correspondentes e nos depoimentos prestados por JP (que era vizinho do pai do arguido, que conhece “desde miúdos” - há quarenta e tal anos a esta parte – vendo o arguido com menos frequência depois do mesmo ter saído de casa do pai, conhecendo também as assistentes, não estando “de mal” com ninguém) e MC, irmã do arguido sendo que ambas as testemunhas o têm nos termos que o tribunal deixou consignados.

Quanto aos factos não apurados:
Para além das razões mencionadas a propósito dos que já foram referidos como tal (como factos não provados), quanto aos demais, a prova produzida em julgamento não se mostrou suficiente para a sua demonstração neles se destacando com relevo, os que respeitam a alegado plano traçado pelo arguido, no sentido de tirar a vida a J e CC, que a acusação alicerçou ao cabo e ao resto, nos escritos de fls. 14 dos quais extraiu a respectiva conclusão (sendo todavia que, desconhecendo o tribunal em que circunstâncias de tempo, modo, lugar tais escritos foram elaborados, ou qual a finalidade dos mesmos - pois que tais esclarecimentos, só o arguido no-los poderia ter prestado, tendo o mesmo exercido o direito que tem de não prestar declarações - não valorou como não podia, o respectivo conteúdo).

Quanto à circunstância de não se ter dado como provado que o arguido não tivesse justificação para ter na sua posse a faca que foi apreendida no interior da viatura em que seguia no dia 6 de Março de 2012, prendeu-se com o resultado do exame feito à mesma, em conjugação com o facto de se ter apurado que o arguido é caçador pelo que “in dúbio”, se ajuizou no sentido consignado.

Quanto aos factos respeitantes aos pedidos cíveis, dados como não provados:
A prova indicada a seu propósito não teve eficácia deles demonstrativa.

Designadamente, no que respeita ao estado psicológico de CC e de JC neles invocado, por os relatórios clínicos juntos aos autos a fls. 385 a 387 e 436 respectivamente e para os quais se alega remissivamente, não se tratarem de relatórios periciais (e assim, sem valor “tarifado”, carecerem de reprodução perante os seus autores, nos termos impostos pelo artº 355º/1 do Código do Processo Penal).

O mesmo se diga, quanto aos custos de reparação da Ford Transit relativamente aos quais nenhuma prova se fez (já que nesse particular se remete apenas para um documento que, para além de não atestar tal montante, também não foi objecto de reprodução, nos termos impostos pelo já citado artº 355º/1).

IV- ENQUADRAMENTO JUÍDICO-PENAL DOS FACTOS

Pratica o crime de ameaça (art.º 153º nº1 do Código Penal), quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, integridade física, liberdade pessoal (…), de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação (…).
Por seu turno, se tais factos forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, tal crime sê-lo-á na forma qualificada (artº 155º nº1 al a) do Código Penal).

Nos autos apura-se que o arguido, nas circunstâncias de espaço e tempo referidas, gritava junto do portão da habitação de C pelo nome de J e afirmava “mato-vos”.

Não se apurando todavia que tais palavras fossem concretamente dirigidas a CC.

Pelo que não resulta provado que com a sua conduta o arguido tenha preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça à pessoa de CC, pelo qual vinha acusado (de cuja prática deverá ser absolvido).
*
Pratica o crime de violação de domicílio (art.º 190º nº1 do Código Penal) quem (no que interessa) sem consentimento, se introduza na habitação de outra pessoa.

E nos autos provando-se embora que nas descritas circunstâncias, alguém entrou na residência de CC, não se demonstrou a autoria desses factos.

Assim se concluindo que o arguido deverá ser absolvido da prática desse ilícito, porque indemonstrada actuação sua que preencha o tipo respectivo.
*
Quanto ao crime de detenção de arma proibida (respeitante à faca que foi apreendida ao arguido) p. e p. pelo art.º 86º nº 1 al. d), com referência aos art.ºs 2º nº1 al. m), 3º nº 2 al. d), todos da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 17/2009 de 6 de Maio (em redacção que se mantém na sua versão contida na já referida Lei nº 12/2011, aplicável aos autos - à excepção da alínea d) do seu artº 3º nº 2, que passa a integrar a alínea f) desse mesmo artigo e número).

Apura-se que o arguido, na data referida nos autos, trazia no interior da viatura em que seguia (debaixo do banco do condutor) uma faca com 19 centímetros.

A qual se trata de arma branca, de classe A (2º nº1 al. m) de detenção proibida, caso não esteja afecta designadamente, ao exercício de prática venatória (artº 3º nº 2 – f).

Nos autos não se prova (nos termos oportunamente referidos na fundamentação de facto) a falta de afectação respeitante a essa detenção, razão pela qual haverá que absolver o arguido da prática deste crime pelo qual vinha acusado, por da sua conduta não ser de concluir pelo preenchimento do seu tipo objectivo.
*
Pratica o crime de violência doméstica (no que aos autos interessa), quem de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psicológicos ao cônjuge (artº 152º/1 –a) do Código Penal).

Os maus tratos referidos, traduzem-se em ofensas à integridade física simples, abarcando os maus tratos psicológicos, qualquer perturbação ou lesão atinente (tenha ou não reflexos físicos, sendo ou não típica – ao contrário do que na versão anterior do mesmo diploma, introduzida pela Lei 7/2000, de 27.5, alguns autores entendiam, por interpretação restritiva).

Por isso que as expressões injuriosas, sem embargo de encontrarem previsão típica, se incluem no corpo do citado preceito.

Por seu turno, quando tais maus tratos sejam produzidos no domicílio comum, de tal circunstância flui a agravação contida no nº 2 do artº 152º.

No autos demonstra-se que o arguido, que é casado com JC (com a qual voltou a casar depois de um divórcio de conveniência financeira e com a qual sempre viveu, mesmo quando dela divorciado) desde o início do seu relacionamento conjugal (nos termos circunstanciadamente descritos “supra”) agrediu JC, ofendendo a sua integridade física, dirigindo-lhe expressões atentatórias da sua honra e dignidade, que em si mesmas se constituem em ilícito típico (de injúrias), fazendo-o no interior do seu domicílio comum.

Mais se demonstrando que o mesmo agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de molestar JC no seu corpo sabendo que como consequência necessária dessa conduta lhe criava medo, perturbação e um clima de agressividade nocivo para a sua estabilidade pessoal.

E tal é quanto basta, para que se considere que com a sua actuação preencheu os tipos objectivo e subjectivo do crime pelo qual vinha acusado, na sua forma qualificada (pelo nº 2).

Correspondendo-lhe uma moldura penal abstracta de 2 a 5 anos de prisão.
*
Quanto aos dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada:

O crime de homicídio está descrito no artigo 131º do Código Penal, constituindo o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida e realizando-se o respectivo tipo objectivo de ilícito com a morte de pessoa diferente do agente (como o define Figueiredo Dias, em anotação ao artigo 131º, do Comentário Conimbricense do Código Penal tomo I, págs. 3 a 22).

Comportando a sua prática na forma tentada (nos termos do artº 22º do mesmo compêndio) sendo por ela que o arguido vem acusado.

No caso, por homicídio qualificado na forma tentada (p.e p. pelos artºs 131º, 132º/1-b) e j), 14º/1, 26º, 22º/1 e 2-b), 23º/1 e 73º, todos do Código Penal, no que respeita à pessoa de JC).

E por homicídio qualificado na forma tentada (p.e p. pelos artºs 131º, 132º/1-a) e j), 14º/1, 26º, 22º/1 e 2-b), 23º/1 e 73º, todos do Código Penal, no que respeita à pessoa de CC).

Por isso que - por referência à sua prática na forma tentada - nos ateremos em seguida às qualificativas em causa.

Quanto ao elemento objectivo do “tipo legal” de homicídio.

O homicídio qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio simples, podendo, portanto, ser agravado ou privilegiado, consoante as circunstâncias de facto que se apurem do ponto de vista dos elementos constitutivos do tipo de culpa, só assim se podendo compreender e aceitar que haja hipóteses em que estejam presentes os elementos agravantes e, ainda assim, a qualificação não ocorra.

A qualificação do crime vem prevista no art. 132 e aí o legislador não quis organizá-la de uma forma taxativa, antes optou por uma fórmula aberta, embora cingida a certos parâmetros, que deixa ao julgador uma margem de ponderação das circunstâncias, por forma a casuisticamente determinar se este ou aquele facto integra o conceito legal de homicídio qualificado.

Isso é feito pela afirmação genérica de um especial tipo de culpa, que vem assim descrito no nº 1: ”Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos“.

Mas aliou-se essa afirmação genérica à chamada técnica dos exemplos –padrão, em que a cláusula geral seria constituída por um tipo de culpa (artº 132º nº 1) combinando-a com uma exemplificação não definitiva e facultativa (artº 132 nº 2).

Alguns desses exemplos padrão, estão formulados no nº2 do artº 132.º.

Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito.

No art 132º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores.

Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade

Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do agente.

Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor.

Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente.

Donde que, a razão da qualificação do homicídio resida nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada.

Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade do agente que o comete.

Vejamos, pois se in casu, as circunstâncias em que a conduta praticada contra JC decorreu permitem concluir, como se fez na acusação, pela verificação das aludidas circunstâncias qualificativas.

Como acabamos de ver essa verificação pressupõe, antes de mais, que a morte seja “produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade” (artº 132º nº 1) – circunstâncias que, como se disse, são elemento do tipo de culpa e que se encontram exemplificativamente enumeradas no nº 2 deste artigo.

Ora, estas circunstâncias não funcionam automaticamente, sendo mister que nas mesmas se revele uma culpa agravada, uma vez que o “especial tipo de culpa” do homicídio doloso é em definitivo conformado através da verificação da especial censurabilidade ou perversidade, conceitos indeterminados que se hão-de preencher.

Assim, há, no caso concreto que aferir, em face da factualidade demonstrada se se verifica a especial censurabilidade quando as circunstâncias em que a morte (no caso, a morte tentada) causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal com os valores” e especial perversidade quando ocorre “uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade”.

Como resulta dos factos descritos supra, afigura-se-nos insusceptível de qualquer dúvida – ao nível dos seus elementos objectivos, como da representação e vontade de realização – a subsunção da apurada conduta do arguido aos preceitos legais supra referidos na parte atinente ao crime de homicídio qualificado, mormente preenchendo a circunstância qualificativa desenhada na al. b) do citado nº2 do art.132.º, por reveladoras de especial censurabilidade e perversidade.

Efectivamente, o arguido vem acusado de ter praticado o crime contra a sua cônjuge, tendo-se apurado que a motivação que directamente origina tal actuação se prende com um apego de jaez que denominaríamos como “real” (no sentido da “coisificação” da mesma) a Jesuína e com uma determinada perspectiva de relacionamento conjugal dominial (sendo o arguido evidentemente, o “dominus”) em que a autonomização da conduta da sua cônjuge (ademais, num sentido não querido pelo arguido) não é consentida, sem a sua autorização.

Sendo de crer em que esta imbricação de vidas, assim projectada pelo arguido (em que a da sua cônjuge se dilui na sua) seja efectivamente entendida pelo mesmo, como sendo amor.

Todavia, a causa directa que faz detonar a actuação do arguido prende-se com a circunstância de perceber que não consegue “redireccionar” a vontade de Jesuína ao domínio habitual (constatando que a mesma efectivamente, não pretende retornar à casa comum) interiorizando o “não” da mesma como um desafio à sua autoridade.

Por isso que a frustração inerente direcciona-a (em forma de disparo) contra J e, numa atitude profundamente distanciada em relação a uma determinação normal com os valores (desde logo os que emergem dos que decorrem da protecção e assistência que define a própria “conjugalidade”) resulta da conduta a “simples” auto – satisfação egoísta sublimada através do castigo (a privação da vida, que aceita como resultado necessário dessa sua directa e primeira motivação - e que apenas não se concretiza por motivos alheios à sua vontade).

É pois indubitável a existência do quadro de especial censurabilidade e perversidade imposto pelo nº 1 do artº 132, que flui na circunstância “padrão” contida na alínea b) do seu nº 2.

Quanto à qualificativa da alínea j) do nº 2, pela qual o arguido vem acusado (prática do crime com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou com persistência na intenção de matar por mais de 24 horas.

É algo que de todo em todo (resultando até da sua motivação já referida, o contrário), se demonstra.

Pelo que a conduta praticada não se lhe poderá subsumir.

Quanto ao elemento subjectivo do tipo de homicídio.

O tipo subjectivo de ilícito do homicídio previsto no artigo 131º, exige o dolo em qualquer das formas previstas no artigo 14º: directo, necessário ou eventual.

“Trata-se de um tipo relativamente ao qual se verifica aquilo que a doutrina chama de total congruência entre a sua parte objectiva e a parte subjectiva. Importa todavia sublinhar (...) que, para se verificar dolo eventual relativamente a condutas objectivamente e mesmo extremamente perigosas, não basta que o agente preveja o perigo de resultado e se conforme com ele(...), tornando-se antes sempre necessário que aquele preveja e se conforme com o próprio resultado. (...) Mesmo em casos deste teor, uma comprovação cuidadosa do elemento intelectual e do elemento volitivo do dolo – para a qual a análise da motivação constituirá, em muitas hipóteses, um passo decisivo da convicção judicial – torna-se sempre indispensável.” (mesmo autor e obra citada, pág. 17).

Já relativamente ao homicídio qualificado, discute-se se o dolo também tem que ser específico quanto a cada um dos elementos. Em conformidade com a posição supra assumida quanto à total congruência entre o tipo objectivo e subjectivo, entendemos (na esteira do citado autor) que o dolo apenas se deve reportar ao tipo objectivo, pertencendo as circunstâncias qualificativas ao tipo de culpa.

No caso dos autos a intenção do arguido no cometimento do crime de homicídio torna-se patente pelos motivos já referidos supra e, sinteticamente, porque quis castigar J e, prevendo a sua morte como consequência necessária dessa sua directa voluntariedade, actuou aceitando tal consequência (artigo 14º, nº 1).

Concluindo, temos como incontroverso que o arguido actuou com dolo necessário pois representou (elemento intelectual ou cognitivo do dolo) um facto que preenche um tipo de crime (a morte de Jesuína), como consequência necessária da conduta e actuou aceitando tal consequência (elemento volitivo) que só não se verificou por circunstâncias alheias a essa sua vontade (artº 22º/2 –b) do C. Penal).

Praticando um crime de homicídio qualificado na forma tentada, ao qual corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 2 anos e 4 meses a 16 anos e 8 meses.
*
Quanto ao mesmo tipo de crime, no que respeita a CC.

Por uma questão de brevidade de exposição, remete-se para o que já se referiu a propósito dos conceitos de especial censurabilidade e especial perversidade da conduta impostos pelo tipo em apreço.

Sendo que, no que a CC respeita e como resulta dos factos descritos supra, também se nos afigura insusceptível de qualquer dúvida – ao nível dos seus elementos objectivos, como da representação e vontade de realização – a subsunção da apurada conduta do arguido aos preceitos legais supra referidos na parte atinente ao crime de homicídio qualificado, mormente preenchendo a circunstância qualificativa desenhada na al. a) do citado nº2 do art.132.º, por reveladoras de especial censurabilidade e perversidade.

Efectivamente, o arguido vem acusado de ter praticado o crime contra a sua filha.
E tendo-se apurado que a motivação que directamente origina tal actuação se prende com o objectivo de constranger a sua cônjuge a retornar a casa e que a causa directa que faz detonar a actuação do arguido se prende com a circunstância de perceber que não consegue alcançar tal finalidade pelo meio que se havia proposto fazê-lo, dispara contra CC (a qual, ao acolher na sua casa J – por um lado – e por outro, por ser quem conduzia veículo e tinha a disponibilidade do meio que possibilitaria a fuga daquela, se interpunha entre o arguido e essa sua finalidade visando removê-la do se caminho, representando a morte desta como consequência necessária a sua conduta).

Numa atitude profundamente distanciada em relação a uma determinação normal com os valores (desde logo os que emergem dos que decorrem da intrínseca protecção que define a relação de paternidade) de novo emergindo da conduta a “simples” auto – satisfação egoísta da sua necessidade emocional (que se prende com o retorno de Jesuína a qualquer preço e desde logo com a privação da vida de C, que aceita como resultado necessário dessa sua directa e primeira motivação - e que apenas não se concretiza por motivos alheios à sua vontade).

É pois indubitável a existência do quadro de especial censurabilidade e perversidade imposto pelo nº 1 do artº 132, que flui na circunstância “padrão” contida na alínea a) do seu nº 2.

Quanto à qualificativa da alínea j) do nº 2, pela qual o arguido vem acusado (prática do crime com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou com persistência na intenção de matar por mais de 24 horas.

É algo que (tal como já se referiu antes) de todo em todo se demonstra.

Também aqui temos como incontroverso que o arguido actuou com dolo necessário (artº 14º do C. Penal) pois representou (elemento intelectual ou cognitivo do dolo) um facto que preenche um tipo de crime (a morte de C), como consequência necessária da conduta e actuou aceitando tal consequência (elemento volitivo) que só não se verificou por circunstâncias alheias a essa sua vontade (artº 22º/2 –b) do C. Penal).

Praticando um crime de homicídio qualificado na forma tentada, ao qual corresponde a moldura penal abstracta já referida.
*
Da punibilidade da conduta (na parte dela que tem JC como seu objecto) pela prática de dois crimes (de violência doméstica e de homicídio qualificado na forma tentada) segundo as regras do concurso real e efectivo, como consta da acusação.

Como já se aludiu “supra” indubitável resulta que com a sua conduta, o arguido praticou o crime de violência doméstica por (designadamente), ter infligido maus tratos físicos à sua cônjuge.

Que se traduzem (como também já se referiu), em ofensas à integridade física simples.

Tal crime (de violência doméstica) estabelece todavia no seu nº 1 uma pena abstracta que deixa de ser aplicável se pena mais grave couber “por força de outra disposição legal”.

Ou seja, tal norma faz aplicação do denominado princípio da subsidiariedade, no âmbito do chamado concurso impróprio, aparente ou normativo.

Segundo Stratenwerth (citado em Código Penal Anotado e Comentado, Vítor de Sá Pereira e Alexandre Lafyette, em anotação aos artigos 152º e 243º) “a subsidiariedade significa que uma lei penal só se aplica de modo auxiliar, isto é, só se o facto não está cominado com pena (maior) segundo outros preceitos”. Na verdade “com o fim de ampliar ou intensificar a protecção jurídico-penal, em muitas ocasiões se comina com pena determinadas condutas que se apresentam como estádio ou forma prévia, ou variante menos intensa, de um ataque a um determinado interesse juridicamente protegido que o ordenamento penal já abarca noutra disposição. Em tais casos, fica desprezado o tipo secundário se o ataque em sentido estrito, ou o ataque de maior gravidade, por sua vez concorre e é punível. Ora bem, a subsidiariedade só tem significado autónomo – face à especialidade e à consumpção – na medida em que a infracção à norma secundária não acompanhe necessária e habitualmente o delito preferente”. E, aliás, através da referida ressalva também se evitam os “indesejáveis casos de consunção impura”, figura que nem todos os autores acolhem”.
É o que nos autos sucede quanto aos ilícitos em concurso, na medida em que a punição da violência doméstica tem por escopo preservar um determinado conceito de paz doméstica, cuja negação se repercute na própria paz social atribuindo aos ofendidos um instrumento capaz de garantir eficaz protecção, designadamente da sua vida e integridade física contra qualquer inflicção de maus tratos (nos quais se incluem os físicos ou psíquicos).

Que relativamente ao homicídio (nele incluído o homicídio na forma tentada) o qual se destina a proteger o supremo bem que é a vida, se apresenta como estádio, forma prévia, ou variante menos intensa, de ataque.

E na medida em que a infracção à norma secundária (a paz doméstica, por intermédio de mau trato) não acompanha necessária e habitualmente o delito preferente (no caso, o de homicídio) tem-se por verificada a referida relação de subsidiariedade.

Havendo a conduta que ser punida em consonância, pelo ilícito mais grave ou preferente (no caso, pelo homicídio qualificado na forma tentada), nos termos das regras gerais do concurso aparente de normas.

V - Dos Pedidos Cíveis Deduzidos nos Autos

CC deduz pretensão indemnizatória pedindo designadamente, a condenação do arguido no pagamento de quantia de 1000 Euros, por danos patrimoniais causados.

Mas não tendo logrado provar qual o montante dos danos patrimoniais alegadamente sofridos, improcede tal pretensão, no que a eles respeita.

Quanto à pretensão indemnizatória respeitante a danos não patrimoniais, peticionada por J e CC.

Tendo em conta a factualidade apurada e valorando o preceituado pelo artº 483º do C. Civ. “ex vi” do artº 4º do CPP, facilmente se constata que os mesmos ocorreram, como resultado directo da conduta ilícita e culposa, praticada pelo arguido.

E que detêm gravidade que merece a tutela do direito, nos termos previstos pelo artº 496º do C. Civ., “ex vi” do artº 4º do C. Penal, cujo montante indemnizatório haverá que ser fixado equitativamente, considerando os critérios contidos no artº 494º do C. Civ. (com ponderação designadamente, do grau de culpabilidade do agente, da sua situação económica e da situação económica das lesadas).

VI – ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA PENA E DA SUA MEDIDA

No que respeita ao homicídio tentado, na pessoa de JC:

Considerando;
O princípio da culpa e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra o arguido (artº 71º do C. Penal), temos:

Que o grau de ilicitude do facto, traduzido na circunstância do arguido ter tentado matar JC nos descritos moldes (pessoa com a qual era casado e com a qual vivia desde 1969 e com da qual tem dois filhos), é indubitavelmente intenso.

A circunstância de momentos antes ter tentado também matar a filha de ambos (com JC a assistir a esse facto, assim se aliando ao sofrimento de quem é vítima, o sofrimento de uma mãe que assiste à tentativa de homicídio de filha sua) eleva o gau de ilicitude, já por si intenso, para um patamar muito elevado

Quanto à gravidade das suas consequências, pondera-se que em resultado da conduta perpetrada, JC sofreu escoriações na região periorbitária bilateral e nasal provocadas por estilhaços de vidro, que lhe demandaram um período de 10 dias de doença.

Por isso que, sem embargo da intensidade da ilicitude, a gravidade da conduta perpetrada não é desse ponto de vista, especialmente relevante.

O arguido agiu com dolo necessário (a sua voluntariedade directa dirige-se ao constrangimento de J no regresso a casa e na não aceitação da resolução contrária da mesma – por isso que a resolução criminosa é formada e mantida no âmbito da prática do crime de violência doméstica – sendo o homicídio tentado praticado previsto e querido, enquanto consequência necessária da frustração dessa sua directa intenção).

Quanto às apuradas motivações do arguido:

Fundam-se no carácter “dominial” da relação conjugal havida (nos moldes “supra” já referidos) e na não aceitação de que a nova separação do casal não fosse passageira (o desengano do arguido nesse particular, é marcado pelo momento em que J, interpelada a fim de que regresse a casa, se nega fazê-lo).

Com o que eclode a já aludida frustração do arguido, que determina o disparo.

Daí perpassando que neste particular (ao contrário do que consta da acusação), nos encontramos perante emoção geradora de “impulso”, com “actuação explosiva”.

Explosão e impulso que são o que o léxico indica:
Rápidos (mesmo quando devastadores).

Por isso que temos para nós e ora repetimos, que essa actuação final do arguido foi determinada pela “explosão impulsiva” da frustração.

A qual todavia, não pode deixar de ser acompanhada da análise da motivação directa da conduta que antecede esse momento, a qual se desenvolve no descrito contexto do exercício em desequilíbrio da relação conjugal, em que avulta a posição de domínio do arguido e de submissão da vítima, geradora de uma determinada visão do matrimónio segundo a qual, JC o objecto amado do arguido porque (imaginariamente) sua, não é consentida a autodeterminação do afastamento (sendo o disparo, “remate final” da “coisificação” da cônjuge).

Mas também, não se olvida que este exercício em desequilíbrio foi criado com o consentimento tácito de JC e sedimentado com o devir temporal em que a mesma adopta uma atitude de sujeição (beneficiando de condições objectivas – desde logo, da autonomia financeira que lhe permitiam afastar-se, assumindo postura de paridade, ao invés de postura de submissão) a qual sempre regressa para junto do arguido por “amor” e pelo “conforto do seu lar”.

Numa atitude em que a subjectividade da motivação respectiva corresponde a uma atitude de auto vitimização (que decerto, também terá sido confundida com amor), que indubitavelmente contribui para a validação do desequilíbrio no exercício do relacionamento conjugal a qual, não sendo suficiente para o afastamento da censurabilidade do facto, o mitiga apesar de tudo, para um grau de compreensão que não resultaria muito manifesto de uma sua primeira análise.

Quanto às exigências de prevenção geral:

Encontramo-nos perante um ilícito criminal que “de per si” (ou seja, atenta a sua natureza) é sempre gerador de significativo alarme social e que é praticado nesta localidade com alguma frequência (ainda que em contextos muito variados, desde logo do que ora se apura nos autos).

Afigura-se-nos assim pelo exposto que, as premências respeitantes às necessidades de prevenção geral são elevadas, graduando-se a sub – moldura penal neste domínio, como forma de as explicitar adequadamente, entre o meio e o limite máximo da pena (mais próximo contudo daquele primeiro).

O arguido beneficia de condição económica humilde, aparentando também ter um baixo nível de preparação cultural (sendo que este facto é “de per si” e em abstracto, potenciador de reacções menos elaboradas e mais “imediatistas” - já que em abstracto, a preparação cultural consente outro tipo de elaboração “escapista”, que ajuda na tolerância à frustração).

O arguido é delinquente primário o que, sendo embora o padrão de conduta exigível a qualquer cidadão não é despiciendo, se se considerar que o mesmo tem 65 anos de idade, e por isso “uma vida inteira” longe de condutas criminosas (facto que deverá ser valorado em seu abono).

E desse modo tudo visto e ponderado, sopesando tudo o que em abono e desbono do arguido foi referido, tem-se como adequado aplicar-lhe pela prática deste crime, uma pena de 9 anos de prisão.
*
Quanto ao mesmo ilícito, praticado na pessoa de CC:

Considerando;
O princípio da culpa e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra o arguido (artº 71º do C. Penal), temos:

Que o grau de ilicitude do facto, traduzido na circunstância do arguido ter tentado matar CC (sua filha) nos descritos moldes, é indubitavelmente intenso.

A circunstância de momentos antes logo após ter tentado também JC (com CC a assistir a esse facto, assim se aliando ao sofrimento de quem é vítima, o sofrimento de uma filha que assiste à tentativa de homicídio de sua mãe) eleva o gau de ilicitude, já por si intenso, para um patamar muito elevado

Quanto à gravidade das suas consequências, pondera-se que em resultado da conduta perpetrada, não resultaram lesões para a mesma, que tenham sido apuradas.

Por isso que, sem embargo da intensidade da ilicitude, a gravidade da conduta perpetrada não é desse ponto de vista, especialmente relevante (sendo-o ainda menos, por comparação ao que no mesmo segmento sucedeu com J).

O arguido agiu com dolo necessário, já que a sua voluntariedade directa dirige-se (como já se referiu) ao constrangimento de J no regresso a casa e na não aceitação da resolução contrária da mesma, sendo o homicídio tentado praticado com vista à remoção de CC - que perspectivou como sendo um obstáculo a essa sua finalidade - do seu caminho praticando tal facto (por si previsto e querido), enquanto consequência necessária da referida motivação directa.

Quanto à motivação da conduta:
Radica (como já referido), no empenho do arguido em fazer com que JC regresse à casa comum (a bem ou a mal).

O facto de ter disparado contra CC (que surgia como “obstáculo” a essa finalidade, nos descritos termos) traduz uma conduta em que avulta o egoísmo da auto-satisfação da sua motivação directa, a “qualquer preço” (mesmo quando este implique a morte de filha sua, que perspectivou como consequência necessária desse sua directa motivação) que a todas as luzes, é altamente reprovável.

No demais, reitera-se tudo o que já foi referido quanto às exigências de prevenção geral, condição económica e cultural do arguido e ausência de antecedentes criminais.

E desse modo tudo visto e ponderado, sopesando tudo o que em abono e desbono do arguido foi referido, tem-se como adequado aplicar-lhe pela prática deste crime, uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
*
Da Pena Única
Quando alguém pratique vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles – e no que ora interessa - é condenado numa pena única que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo, a mais elevada das penas aplicadas aos vários crimes.

Na medida da pena, são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente (respectivamente, nºs 1 e 2 do artº 77º do C. Penal).

Nos autos;
O limite máximo da pena a ponderar é de 15 anos e 6 meses de prisão, sendo de 9 anos de prisão o seu limite mínimo.
Na determinação em concreto da pena única, pondera-se;

Desde logo, que o princípio da proibição da dupla valoração impede que se considerem novamente como factores agravantes ou atenuantes, as circunstâncias que anteriormente alcançaram o mesmo desiderato na fixação das penas parcelares.

Sendo que;
Na fixação da pena única dentro dos limites definidos na Lei se tem vindo a entender que “na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira” criminosa), ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante” (neste sentido, tem vindo a evoluir a mais recente Jurisprudência do STJ, o que pode ser lido designadamente, no Acórdão proferido a 11 de Fevereiro de 2010, no âmbito do Proc. Nº 1610/08.3PBSTB.S1, onde com citação de Figueiredo Dias, “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291”, assim se diz, “tal qual”).

Ora, nos autos;

Os factos praticados pelo arguido ocorreram no mesmo dia e em actuação indubitavelmente “sequencial” ou “imediata”.

Sendo que no descrito contexto;

A íntima interligação dos factos praticados é de tal sorte notória que do ponto de vista dos actos de execução, aqueles quase se poderiam reconduzir a um só.

A tal obsta apenas;

A autonomia e diferenciação do objecto tutelado pela norma incriminatória por via da qual se pondera:

Existirem duas ofendidas distintas.
Não há pois lugar para a concluir quanto à “tendência” ou “carreira” criminosa do arguido e tão - somente;

Pelo acto ocasional que ofendeu em simultâneo, bens jurídicos distintos.

Todavia, recorda-se neste particular, o que no relatório social do arguido é referido quanto ao facto de denotar “(…) dificuldades ao nível da descentração e da empatia, aspecto que o impede de entender aprofundadamente o impacto dos crimes para as vítimas, reconhecendo contudo que “não devem estar bem”(…)”, o que de alguma forma inculca reservas quanto ao prognóstico favorável, em matéria de prevenção especial positiva (pois que, quando não há interiorização da gravidade da conduta praticada, do ponto de vista da lesão do bem jurídico que lhe corresponde, há sempre “sinal” de alarme, no que a esse segmento respeita).

Posto o que se tem por adequado e proporcional fixar em 12 nos de prisão, a pena única a aplicar ao arguido, pela prática dos dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada.
*
Da fixação do “quantum indemnizatório” dos pedidos cíveis deduzidos nos autos.
Quanto ao que foi deduzido por CC a fls. 359 e ss. dos autos (na parte dele que procede, ou seja respeitante aos danos não patrimoniais sofridos), para além do que da instância criminal resulta, mais se prova que a mesma, na sequência dos disparos feitos pelo arguido, viu a sua vida em perigo.

Que vive em temor pela sua vida e pela vida de sua mãe, não conseguindo dormir, revivendo essa mesma situação com frequência, na qual sentiu pânico e um medo muito grande de que a sua mãe pudesse morrer na sequência do disparo que o arguido efectuou contra a mesma, sofrendo pesadelos em que revive essa situação, tomando medicação para dormir, sendo medicamente acompanhada e sentindo grande dor.

Considerando os critérios contidos no artº 494º do Código Civil, valora-se a circunstância da actuação danosa do arguido, ser dolosa (pois que o facto respectivo ilícito e culposo, gerador os danos, praticou-o o arguido com dolo necessário).

Todavia, não estamos perante danos de carácter permanente (os físicos não existem e sem embargo dos psicológicos permanecerem, nada nos leva a crer em que não sejam superados pela mesma – até porque a sua idade permite razoavelmente crer em que beneficiará do tempo necessário para tal, sendo certo que a capacidade auto regeneradora do ser humano é algo que por norma, o acompanha como traço identitário da espécie).

Por outro lado, sopesa-se a circunstância do arguido ter sido já objecto da sanção penal que se lhe decidiu aplicar, a qual tendo em conta a sua idade (em que o tempo de vida que lhe resta não será, em termos da normal previsibilidade, tão generoso por comparação com o da lesada) não poderá deixar de ser trazida à colação em sede de equidade (na sua vertente punitiva dos danos causados).

Finalmente pondera-se ser humilde a sua situação económica (desconhecendo-se a da lesada, por tal facto – objecto de análise, nos termos do preceito legal acima citado – não ter sido trazido aos autos pela própria), facto esse que é muito relevante do ponto de vista da fixação ora em apreço (pois que, não podendo ser paga quantia a arbitrar a esse título, tal equivale na prática a uma sua não fixação, de todo).

E assim, “desfalcado” de parte dos elementos que deveriam ter sido introduzidos nos autos, por quem demandou, peticionando indemnização por danos não patrimoniais, o tribunal tudo ponderado, entende ser de fixar em 10 000 euros, o montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais causados pelo arguido (improcedendo a restante quantia peticionada a esse título).

Também os juros moratórios peticionados desde a data da prática do ilícito improcedem, por o quantitativo indemnizatório já abranger a depreciação monetária que lhes subjaz, conforme acórdão de fixação de jurisprudência, em tal temática em que se determina que tal tipo de juros (quando esteja em causa indemnização por danos não patrimoniais) só têm lugar a contar da data da fixação do seu “quantum”, até pagamento.
*
Quanto ao pedido de indemnização cível deduzido por JC:

Para além de toda a factualidade emergente da prova feita quanto à instância criminal, mais se apura que as condutas do arguido causaram-lhe sofrimento, medo e ansiedade e que a mesma, na sequência dos disparos feitos pelo arguido, nas circunstâncias apuradas, viu a sua vida em perigo, sentindo medo do arguido, vivendo em temor pela sua vida e pela vida da sua filha C, não conseguindo dormir, revivendo essa mesma situação com frequência, na qual sentiu pânico e as dores inerentes aos ferimentos causados pelos chumbos que a atingiram, sofrendo de pesadelos em que o revive e em que revive o medo que sentiu de que a filha fosse morrer, tomando medicação para dormir e sentindo uma grande dor.

Considerando os critérios contidos no citado artº 494º, valora-se a circunstância da actuação danosa do arguido, ser directamente dolosa quanto aos factos que integram o crime de violência doméstica (pelo qual não houve punição penal, mas cujos segmentos devem ser ponderados em sede indemnizatória), sendo-o também (ainda que em dolo necessário), quanto ao crime de homicídio qualificado tentado, pelo qual obteve punição.

Quanto os danos sofridos:

São os que resultam dos factos correspondentes à violência doméstica, que foram praticados com reiteração no tempo (mas para cujo contexto, também a lesada contribui de algum modo, nos termos já oportunamente referidos).

E também, os que decorrem da prática do ilícito pelo qual o arguido obteve condenação penal.

Sendo que, no que aos danos físicos respeita, a lesada sofreu as dores inerentes às lesões que se apuram (que não sendo decerto inócuas, não nos colocam num patamar de gravidade especialmente impressivo), não nos encontrando quanto a estes, perante danos de carácter permanente.

Outrossim, no que respeita aos danos psicológicos (que permanecem).

Sendo que quanto a estes (ao contrário da ponderação feita a propósito da outra lesada), se considera que na idade de JC, esta previsivelmente, não tem a seu favor a generosidade auto regeneradora do tempo (pelo que comparativamente, se têm como mais, muito mais impressivos, do que os que foram causados a CC).

Mas também aqui não pode deixar de se ponderar outro tanto, quanto ao arguido (reiterando-se que a sanção penal que lhe foi aplicada, tendo em conta a sua idade já detém um papel especialmente relevante, na sua vertente punitiva dos danos causados).

E ainda, a humildade da sua situação económica (desconhecendo-se a desta lesada, por tal facto – objecto de análise, nos termos do preceito legal acima citado – também não ter sido trazido aos autos pela própria), facto esse que é muito relevante do ponto de vista da fixação ora em apreço (pois que repita-se, não podendo ser paga quantia a arbitrar a esse título, tal equivale na prática a uma sua não fixação, de todo).

E assim, de igual modo “desfalcado” de parte dos elementos que deveriam ter sido introduzidos nos autos, por quem demandou peticionando indemnização por danos não patrimoniais, o tribunal tudo ponderado, entende ser de fixar em 25 000 euros, o montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais causados pelo arguido (improcedendo a restante quantia peticionada a esse título).

Também os juros moratórios peticionados desde a data da prática do ilícito improcedem, nos mesmos moldes anteriormente aludidos.»

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos e dos poderes de cognição do tribunal ad quem.
1.1. O arguido, suscita duas questões no seu recurso.

Entende que a pena de 12 anos é excessiva, pelo que se impõe fixar a mesma próximo do mínimo legal e pretende ver reduzida as quantias que foi condenado a pagar às assistentes. Relativamente à assistente CC entende que o montante de 10 000 euros atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais deve ser reduzido para a quantia de 1000 euros e relativamente à assistente JC que o montante de 25 000 euros atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais deve ser reduzido para a quantia de 1500 euros.

1.2. As assistentes, por sua vez, vêm impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na parte em que não julgou provados factos que entende resultarem provados da audiência de julgamento e dos quais resultará que o arguido agiu com dolo direto e não com dolo necessário como se considerou no acórdão recorrido, de onde concluem que a medida das penas aplicadas ao arguido pelos crimes de homicídio qualificado na forma tentada pelos quais foi condenado deve ser superior ao fixado. Nesta parte, impõe-se decidir previamente se as assistentes têm legitimidade para recorrer em face do Assento 8/99 de 23 de fevereiro.

As assistentes impugnam ainda a decisão proferida sobre matéria de facto referente à condenação do arguido pela prática do crime de ameaça na pessoa de CC como esta pretende, donde resultará a revogação da decisão recorrida na parte em que absolveu o arguido da prática deste mesmo crime e a sua condenação na pena respetiva, com a consequente realização do cúmulo jurídico.

Por último pretendem, unicamente em matéria de direito, que o arguido seja condenado também pelo crime de violência doméstica na pessoa de JC, pelo qual vinha acusado, por se verificar uma relação de concurso efetivo entre este e o crime de homicídio qualificado na forma tentada na pessoa daquela mesma assistente e não uma relação de concurso aparente como entendeu o tribunal a quo, com a determinação da respetiva pena concreta e consequente reformulação do cúmulo jurídico.

2. Decidindo
2.1. - O recurso das assistentes
2.1.1. - Questão prévia – a legitimidade e interesse em agir das assistentes para recorrerem em matéria de medida da pena no caso concreto.

Ao impugnarem a decisão proferida sobre a matéria de facto julgada não provados sob as páginas 13 (linhas 12 a 14), 14 (linhas 8 e 9, 14 a 17, 20 a 23, 30 a 33)[2] - assim identificada dada a ausência de numeração do acórdão recorrido -, as assistentes pretendem a modificação daquela decisão em matéria de facto de modo a julgar-se que o arguido agiu com dolo direto (cfr conclusões c), e) e g)), pelo que deverão as penas concretamente aplicadas pelos crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, ser aumentadas e recalculado o cúmulo jurídico operado – cfr conclusão h), pretensão esta que, em abstrato, se mostra conforme com o caráter instrumental da impugnação em matéria de facto relativamente à decisão das questões da culpabilidade (art. 368º CPP) ou da determinação da sanção (art. 369º CPP)[3].

Decidiu-se, porém, no Assento 8/99 de 30 de agosto que «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do MP, relativamente à espécie e medida da pena, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».

Embora na situação processual versada naquele assento estivesse em causa a legitimidade e interesse em agir do assistente para recorrer de sentença que substituiu pena de prisão por suspensão da execução dessa mesma prisão, os termos do assento abrangem expressamente a medida da pena, que é (a única) consequência jurídica que as assistentes associam à pretendida modificação da matéria de facto no caso presente uma vez que não recorrem em matéria civil, pelo que a pretendida modificação da matéria de facto apenas incidiria na medida da pena como expressamente referem nas suas conclusões que, como é pacificamente entendido, delimitam o objeto do recurso.

Assim sendo, impõe-se concluir que nesta parte as assistentes não recorrem de decisão contra elas proferida (art. 401º), na medida em que na parte em que fixou a medida concreta das penas correspondentes aos crimes de homicídio qualificado tentado praticado pelo arguido nas pessoas de ambas as assistentes, a decisão recorrida não afeta as assistentes, com o sentido e alcance com que o art. 69º nº 2 c) do CPP se refere ao direito de recorrer das decisões que os afetem, mesmo que o MP o não tenha feito.

Na verdade, tal como entendemos de modo mais desenvolvido no Ac TRE de 22 de janeiro de 2013, acessível em www.dgsi.pt, ao reportar-se às decisões que os afetem, o art. 69º, que define a posição processual e atribuições dos assistentes, reconhece aos assistentes o direito de recorrer das decisões que, objetivamente, causem prejuízo ao interesse prosseguido pelo assistente, independentemente da sua conduta anterior no processo conforme se decidiu no AFJ 5/2011 do STJ de 9.02.2011.

Independentemente de outras considerações, nomeadamente quanto às noções de legitimidade para recorrer e interesse em agir enquanto seu requisito negativo, entendemos manter-se atual (cfr artigos 445ºnº3 e 446º nº3, do CPP) o sentido do citado Assento 8/99 nos casos, como o presente, em que à pretendida modificação da matéria de facto as assistentes associam apenas a pretensão de ver o arguido condenado em medida de pena superior, pelo que lhes falece legitimidade para recorrer do acórdão condenatório nesta parte.

Diferentemente, detêm as assistentes legitimidade para recorrer da absolvição do arguido pelo crime de ameaças e pelo crime de violência doméstica, pois como se encontra expressamente afirmado no citado AFJ 5/2011 “Em processo por crime público ou semi-público, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público».

2.1.2. – Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto pertinente ao crime de ameaça contra CC, de que o arguido foi absolvido.

Dos factos julgados não provados que as assistentes referem no texto da motivação conjunta e respetivas conclusões, apenas os descritos sob as linhas 6 e 7, 10 e 11 da página 13 do acórdão recorrido se reportam ao crime de ameaça alegadamente perpetrado contra a assistente CC, os quais transcrevemos de novo por facilidade de exposição e leitura:

- Linhas 6 e 7 de página 13: «Que ao usar a expressão “mato-vos”, o arguido se dirigisse (com relevo para a decisão a proferir) directamente a CC (artº 22º da acusação)».

- Linhas 10 e 11. «Que a expressão usada pelo arguido, o tenha sido no mês de Fevereiro de 2012 (art. 24 da acusação).».

Os termos da impugnação nesta parte suscitam a questão da sua relevância e eventual improcedência por falta daquela mesma relevância, em face da referida instrumentalidade da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, questão que passamos a decidir de imediato.

a) 3.1. O art. 412º nº 3 do CPP impõe ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto que especifique os pontos de facto que considera incorretamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Ao impor a indicação dos pontos de facto – encontrem-se eles entre os provados ou não provados, na sentença sob recurso – que o recorrente considera incorretamente julgados, o art. 412º nº3 als. a) e b) do CPP obriga, implicitamente, à indicação de qual devia ter sido a decisão do tribunal quanto a esses mesmos pontos de facto, indicação essa que resulta igualmente da teleologia dos recursos entre nós.

Na verdade, como escreve José Damião da Cunha "… os recursos configuram-se no Código de Processo Penal "como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo...

Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorretamente decididos... Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância: é, além disso, necessário que apresente as razões da discordância e, bem assim, as provas...que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória (cfr., A Estrutura dos Recursos,..., in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Abril - Junho 98, págs. 259/260).

A esta luz, os factos que o recorrente considere terem sido erroneamente julgados e a versão antagónica dos mesmos – ou complementar, como sucederá nos casos de invocação de causa de justificação ou desculpação, por exemplo - que pretende ver reconhecida no recurso, hão-de respeitar a alguma das questões relativas à decisão sobre a culpabilidade, a que se reporta o art. 368º do CPP, ou à determinação da sanção a que se refere o art. 369º, ambos do CPP.

Na verdade, como diz Damião da Cunha[4] “… o ponto de facto deve ter correspondência num «ponto» do dispositivo da sentença (nas questões que nela estão contidas). Pelo que (…) o «ponto de facto» que é impugnado (por ser considerado incorrectamente decidido) é aquele que, se tivesse sido correctamente decidido (na óptica do recorrente), teria conduzido à alteração da decisão (absolutória ou condenatória) ou à alteração da medida da pena.”.

b) Ora, constatamos no caso sub judice que mesmo a proceder integralmente a impugnação em matéria de facto, julgando-se provados os factos ora impugnados, não pode concluir-se que o arguido praticou um crime de ameaça na pessoa de CC, p. e p. pelo art.º 153º nº1 e 155º nº1 al a) do Código Penal, como esta pretende, porquanto estamos em face de um crime doloso e os factos relativos ao dolo não constam da matéria de facto provada nem os eventualmente integrados na factualidade não provada foram objeto da presente impugnação.

É verdade que na generalidade dos casos a prova dos factos relativos ao dolo é indireta por resultar de inferências lógicas a partir de factos objetivos direta (ou indiretamente) provados. No entanto, isto significa que o impugnante deve identificar claramente os factos impugnados, qual a decisão que, no seu entender, deve resultar da prova que suporta a impugnação que, como é claramente entendido, deve ser especificada, tudo nos termos do artigo 412º nºs 3, 4 e 6, do CPP.

Não o fazendo o recorrente nas conclusões nem no texto da motivação, o juiz relator não pode convidá-lo ao aperfeiçoamento como é pacificamente entendido na jurisprudência ordinária, com respaldo na jurisprudência constitucional. Por outro lado, não deve ser o tribunal de recurso a substituir-se ao recorrente especificando qual o facto positivo ou negativo relativo ao dolo que se imporia impugnar, qual a prova ou considerações pertinentes para que pudesse concluir-se diferentemente da decisão de primeira instância e qual o conteúdo ou teor da decisão a proferir pela Relação, acabando por concluir então no sentido da procedência ou improcedência da impugnação … que o próprio tribunal formulara, com manifesta violação do princípio do acusatório em prejuízo do arguido.

Note-se que não estamos em face de meras proposições tabelares a invocar e decidir de forma mais ou menos automática, pois a própria definição do facto a impugnar e do facto a julgar provado na perspetiva do recorrente implica muitas vezes compreensões e mesmo pré-compreensões suas tanto em matéria de direito substantivo como processual, que o juiz não pode assumir fora de quadros de reconhecida simplicidade e univocidade, o que não é caso, conforme resulta desde logo do confronto do artigo 55º da acusação e da factualidade julgada não provada com os contornos do tipo objetivo do crime de ameaça e, consequentemente, do respetivo tipo subjetivo, sempre ficando por definir qual o facto subjetivo concreto que a recorrente entenderá dever julgar-se provado.

Concluímos, pois, que dos termos concretos da impugnação da assistente nunca resultaria a condenação do arguido pelo crime de ameaça de que vem absolvido, por falta de apuramento dos factos relativos ao respetivo elemento subjetivo, pelo que sempre improcede a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto por ser a mesma juridicamente irrelevante.

2.1.3. – A absolvição do arguido pelo crime de violência doméstica – concurso efetivo ou aparente com o crime de homicídio qualificado tentado na pessoa de JC?

O arguido vinha acusado da prática de um crime de violência doméstica, na pessoa de JC, p. e p. pelo art.º 152º nº1 al. a), nº2 e 5 do Código Penal em concurso efetivo com um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de JC, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º nº1 al. b) e j), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal.

No entanto, o tribunal a quo considerou estarmos perante hipótese de concurso aparente ou de normas pois ambos os tipos penais encontram-se numa relação de subsidiariedade entre si, pelo que decidiu absolver o arguido do crime de violência doméstica como referido supra.

JC, ofendida constituída assistente, entende, porém, que o arguido dever ser punido por ambos os crimes em concurso efetivo, por não estarem em causa os mesmos factos da vida real, por serem distintos os episódios de violência doméstica, ocorridos em 2009, 2010 e janeiro de 2012, e a tentativa de homicídio, que teve lugar em 06 de Março de 2012.

Também o MP em 1ª instância parece inclinar-se para esta solução, que é claramente assumida pelo senhor Procurador-Geral adjunto nesta Relação. Pronuncia-se contra ela o arguido na resposta a que se reporta o art. 417º nº2 do CPP.

Vejamos.

a) Só pode falar-se de concurso aparente de crimes se vários tipos legais – no que aqui importa – são preenchidos pela conduta do arguido.

No caso presente os factos que integram os elementos objetivos do crime de homicídio qualificado na forma tentada na pessoa de JC, cônjuge do arguido, ocorreram em 6 de março de 2012, como aludido, e não se discute nos autos a respetiva qualificação jurídica.

Para que possa verificar-se concurso aparente de crimes, tal como considerado pelo tribunal a quo, é necessário que o comportamento concreto do arguido que se traduz na referida tentativa de homicídio possa considerar-se também ato de materialização da violência doméstica abrangida pelo tipo legal respetivo, previsto no art. 152º do C. Penal. Se assim não for, não pode sequer falar-se em concurso de normas porque apenas um dos tipos legais em causa se mostra preenchido – o tipo legal de homicídio qualificado na forma tentada.

Comecemos, pois, por procurar responder a esta questão.

b) O art. 152º do C. Penal prevê e pune condutas da mais diversa natureza que possam constituir inflição de maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, como se refere o seu nº1 a título exemplificativo, desde que praticados contra alguma das pessoas a que se referem as diversas alíneas daquele mesmo nº1.

Este mesmo nº1 contém na sua parte final uma cláusula de subsidiariedade expressa ao prever que a pena correspondente ao crime de violência doméstica (prisão de um a cinco anos) cede perante pena mais grave que couber à conduta do agente por força de outra disposição legal. Assim, se a sua conduta preencher igualmente os elementos típicos dos respetivos crimes, o agente será punido unicamente pela pena que couber, v.g., ao crime de ofensa à integridade física grave (art. 144º), de sequestro qualificado (158º nº2), de coação sexual (art. 163º nº1), de violação (art. 164º nº1), de abuso sexual de pessoas incapaz de resistência (art. 165º), de abuso sexual de crianças (art. 171º), de lenocínio de menores (art. 175º nº3) ou de pornografia de menores (art. 176º nº2), preceitos do C. Penal.

Independentemente das questões de política criminal que esta opção legislativa suscita, sobretudo em virtude de apenas ser aplicável a pena correspondente ao crime mais gravemente punido em que se materializou a violência doméstica sem qualquer agravação em função desta violência[5], o art. 152º do C. Penal deixa claro que no caso de a factualidade integradora de violência doméstica ser punida com pena mais grave será essa situação que será efetivamente tutelada, resultando desconsiderados no seu conjunto os maus tratos físicos ou psíquicos sofridos pela vítima do ponto de vista da sua punição pelo tipo previsto no art. 152º do C. Penal, sem prejuízo, porém, da sua consideração em sede de medida da pena.

Ora, considerando que o bem jurídico protegido corresponde à saúde da vítima, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos[6], a questão a decidir nesta sede - independentemente de a conduta dolosa daquele que mata outrem (homicídio consumado) poder ser abrangida pelo tipo legal de violência doméstica – começa por reconduzir-se a saber se o agente que tenta matar alguma das pessoas abrangidas pelas alíneas do nº1 do art. 152º num contexto de violência doméstica, é enquadrável na inflição de maus tratos físicos e psicológicos a que se reporta o artigo 152º do C. Penal, desde que praticada contra uma das pessoas a que reporta o nº1 do art. 152º.

Respondemos afirmativamente a esta questão, considerando que a tentativa de homicídio pode constituir ato de materialização de violência doméstica abrangido pelo tipo legal do art. 152º do C. Penal quer do ponto de vista objetivo, por constituir ato suscetível de afetar a saúde da vítima, enquanto bem jurídico complexo que é expressão da dignidade pessoal da vítima, pelo menos nas hipóteses de não consumação do crime, quer subjetivo, na medida em que o dolo de homicídio pressupõe o dolo necessário ou eventual, consoante os casos, de lesão à saúde da vítima enquanto bem jurídico complexo tutelado pelo tipo legal de violência doméstica.

O art. 152º não prevê formas vinculadas de execução do crime de violência doméstica e a noção legal de maus tratos físicos e psicológicos é exemplificativa e suficientemente ampla para abranger os maus tratos daquela natureza que decorram de atos de execução do crime de homicídio não consumado, o que se revela consonante com o entendimento do Conselho da Europa (no que aqui importa) que – conforme refere Taipa de Carvalho - « …caraterizou os maus tratos como “ato ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade”.» - Cfr comentário citado p. 517.

Por outro lado, no caso concreto não se colocarão dúvidas relevantes quanto ao enquadramento da tentativa de homicídio de JC, cônjuge do arguido, no conjunto de factos que desde 2009 materializam a violência doméstica contra si exercida, como se constata de forma concludente da descrição dos factos ocorridos em 6 de março de 2012, de que resulta com clareza, como ali descrito, que o arguido actuou sempre com o objectivo de constranger JC a regressar a casa e que foi ao constatar que não conseguia alcançar tal finalidade que disparou contra ela prevendo e querendo a sua morte como consequência necessária.

Concluímos, pois, que contrariamente ao entendimento e pretensão da assistente JC os factos que integram o tipo legal de homicídio qualificado na forma tentada integram o conjunto de factos que desde o início da sua relação e particularmente desde 2009 materializam a violência doméstica exercida contra si, pelo que tais factos integram igualmente o tipo penal de violência doméstica previsto e punível pelo artigo 152º nº1 al. a), nº2 e 5 do Código Penal.

Verifica-se, pois, a relação de subsidiariedade expressa entre ambos os tipos legais que conduz à punição do arguido pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada na pessoa de JC, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º nº1 al. b) e j), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal, tal como decidiu o tribunal a quo, pelo que improcede o recurso da assistente também nesta parte.

2.2. - O recurso do arguido

Como vimos antes, o arguido entende que a medida da pena única de 12 anos é excessiva devendo antes ser fixada próximo do mínimo legal sem fazer qualquer referência às penas parcelares, pelo que se impõe apreciar agora se a pena única aplicada em cúmulo jurídico o deve ser em medida inferior como pretende o recorrente. Em matéria cível pretende ver reduzida as quantias que foi condenado a pagar às assistentes. Para 1000 euros relativamente à assistente CC e 25 000 euros no que concerne à assistente JC, como referido.

2.2.1. – A medida da pena.
Nos termos do art. 77º nº 2 do C. Penal a pena única aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares e como limite mínimo a mais elevada destas penas. Assim, no caso concreto o limite mínimo da moldura legal do concurso é de 9 anos de prisão e o respetivo limite máximo é de 15 anos e 6 meses de prisão, tal como foi considerado pelo tribunal a quo ao fixar a pena única em 12 anos de prisão.

O recorrente assenta a sua pretensão a medida da pena inferior à determinada, na circunstância de não ter antecedentes criminais e em atenção à sua inserção familiar e profissional e às suas condições pessoais de que enfatiza ser pessoa de baixa cultura e ter condição humilde, para além da sua idade e do tempo de vida que previsivelmente lhe resta, concluindo que aquela pena, por ser excessiva, não satisfaz a finalidade de reintegração do agente na sociedade afirmada no art. 40º nº1 do C. Penal.

Ora, de acordo com o nº 1 do citado artigo 77º, são considerados na medida da pena única, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, dizendo F. Dias[7] a este propósito que tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes.

Na avaliação da personalidade do arguido relevará sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência ou mesmo a uma carreira criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, cabendo efeito agravante à pluralidade de crimes apenas na primeira hipótese. Por último, será igualmente de grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial positiva ou de socialização).

Quando se afirma que só no caso de a pluralidade de crimes revelar uma tendência criminosa da personalidade terá lugar a agravação, não pode deixar de considerar-se que tal vale apenas para a caraterização da personalidade enquanto fator determinante da medida da pena única, nada impedindo, porém, que deva atribuir-se efeito desfavorável à gravidade do ilícito global e/ou às especiais necessidades de prevenção especial mesmo que se entenda eu a personalidade revelada no facto global não apontar nesse mesmo sentido.

É, pois, à luz destes fatores que o tribunal encontrará a pena única ajustada ou adequada à prossecução das finalidades das penas no caso concreto, tal como afirmadas no art. 40º do C. Penal, sendo certo que o tribunal poderá considerar os fatores concretos de determinação concreta da pena estabelecidos no art. 71º do C. Penal por referência ao conjunto dos factos (e não a cada um dos factos singulares como verificado para cada uma das penas parcelares), sem violação da proibição de dupla valoração (cfr F. Dias, ob, citada p. 292).

No caso concreto, embora não nos afastemos consideravelmente da apreciação do tribunal a quo, entendemos que se mostra adequada a diminuição da medida concreta da pena única para 11 anos em atenção, sobretudo, a que a gravidade global do ilícito, que nos é dada pelo conjunto dos factos, não pode reputar-se particularmente elevada sobretudo do ponto de vista do desvalor do resultado, pois é puco significativa no seu conjunto a lesão de outros bens reflexamente abrangidos pela tutela penal representada pela punição da tentativa de homicídio, máxime a integridade do corpo e da saúde das vítimas, sem prejuízo do sofrimento e dores sofridos pelas vítimas na sequência dos factos de 6.03.2012 e pela assistente J com os maus tratos sofridos desde o início da sua relação.

Na verdade, embora não possa dizer-se o mesmo na perspetiva do desvalor da ação, designadamente em função do meio utilizado pelo arguido – arma de fogo – e ao circunstancialismo concreto em que agiu o arguido, não podemos esquecer que o nosso direito penal é essencialmente um direito penal do facto em que a culpa concreta pelo facto concretamente praticado opera como limite inultrapassável da medida da pena, parcelar ou única.

Assim, tendo em conta as penas parcelares aplicadas e os consequentes limites da moldura legal do concurso, entendemos que a pena de 11 anos de prisão se mostra ajustada à gravidade global do ilícito e consequentes necessidades de prevenção geral positiva, do mesmo modo que satisfaz suficientemente as especiais necessidades de prevenção especial (sobretudo em face da forma obstinada como o arguido insistiu com a cônjuge vítima durante anos e da reação final à sua recusa), pelo que embora se decida reduzir a pena única em atenção à menor gravidade global do ilícito, como referido, entendemos fazê-lo apenas em 1 ano e não de modo a aproximar a medida concreta da pena do seu limite mínimo (ou seja, 9 anos), como pretendia o arguido recorrente.

Procede, assim, parcialmente, o recurso do arguido em matéria de medida da pena.

2.2. – Pedidos cíveis

No presente recurso, o arguido recorrente não discute a existência de danos não patrimoniais e a sua ressarcibilidade, mas somente o valor das indemnizações por danos não patrimoniais arbitradas a cada uma das assistentes.

Em síntese, entende que o tribunal a quo condenou o Recorrente ao pagamento de valores excessivos atentos os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, que a situação patrimonial do arguido é humilde pois aufere pensão de reforma de baixo valor (€ 190,00 mensais, que não ficou provado que o arguido tenha usado de qualquer premeditação na prática dos factos, que o recorrente tem boa aceitação na comunidade em que se encontra inserido, que dos disparos perpetrados pelo arguido não resultou grande perigo para as vidas das assistentes, que os danos invocados pela filha CC não são de carácter permanente.

Por conseguinte, conclui o recorrente, resulta adequado ao caso concreto fixar a compensação por danos não patrimoniais em € 1.000,00 (mil euros) à filha CC e €1.500,00 (mil e quinhentos) ao cônjuge JC, como aludido.

Vejamos
2.1.1.- Ao prever nos artigos 496º nº3 e 494º, do C. Civil, que o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta o grau de responsabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, o legislador terá optado por conceber a indemnização por danos não patrimoniais com uma natureza acentuadamente mista. Como refere o Prof. A. Varela, aquela indemnização “ …por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”[8].

No caso concreto há que considerar, sobretudo, a culpa do arguido por um lado e a concreta gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelas assistentes bem como a situação económica do arguido, por outro, sendo certo que não se apuraram factos relevantes sobre a situação económica das assistentes.

A culpa do arguido na produção dos danos emergentes dos crimes de que são vítimas as assistentes está bem presente na gravidade dos respetivos ilícitos penais, de caráter doloso, de que é o único autor.

Quanto à gravidade dos danos não patrimoniais, resultou provado quanto à assistente C, sua filha, que a mesma, na sequência dos disparos feitos pelo arguido, nas circunstâncias apuradas, viu a sua vida em perigo, pela qual temeu, tendo ainda sentido pânico e um medo muito grande de que a sua mãe pudesse morrer na sequência do disparo que o arguido efetuou contra a mesma. Sofre de pesadelos em que revive essa situação, tomando medicação para dormir, sendo medicamente acompanhada e sentindo grande dor.

No que concerne a JC, importa ter em conta, para além das consequências do crime de homicídio tentado, os danos não patrimoniais advenientes dos factos integradores do crime de violência doméstica que se mostrar igualmente preenchido, não obstante a apontada relação de subsidiariedade expressa levar a que seja punido com a moldura do crime de Homicídio tentado.

Assim, há que tomar em conta que desdém o início da sua relação, que o arguido desferia murros, pontapés e bofetadas a JC em todas as zonas do corpo, incluindo a cabeça, apelidando-a de “puta, vaca, cabra”, o que lhe causou sofrimento, medo e ansiedade, tal como importa considerar que na sequência dos disparos feitos pelo arguido a assistente J viu a sua vida em perigo, sente medo do arguido e vive em temor pela sua vida e pela vida da sua filha C. Não conseguindo dormir, revivendo essa mesma situação com frequência, na qual sentiu pânico e as dores inerentes aos ferimentos causados pelos chumbos que a atingiram. Sofre de pesadelos em que o revive e em que revive o medo que sentiu de que a filha fosse morrer, tomando medicação para dormir, sentindo uma grande dor.

Relativamente à situação pessoal e económica do arguido, apurou-se que a mesma era precária pois o arguido efetuava alguns biscates na atividade de venda ambulante de peixe e auferia ainda 190 euros mensais, sendo destes rendimentos que subsistia.

Significa isto que no juízo a formular sobre os quantitativos fixados no acórdão recorrido assume relevo significativo a intensidade dos danos não patrimoniais sofridos por ambas as vítimas - ainda que sejam superiores os sofridos pela assistente JC tal como se considerou na decisão recorrida -, bem como a culpa intensa do arguido.

Todavia, há que atender também à precária situação económica do arguido por um lado e, por outro, à relevância que não pode deixar de reconhecer-se na fixação do quantum indemnizatório de acordo com a equidade[9], aos valores comummente atribuídos pela jurisprudência dos tribunais superiores em situações de indemnização por danos não patrimoniais, nomeadamente os danos sofridos pelo próprio em função da perda iminente do direito à vida a indemnização e o sofrimento dos familiares próximos pela perda da vida do seu familiar, que constituem um a referência a ter em conta por constituírem valores máximos a considerar nesta matéria.

Assim, considerando que nesses casos os valores oscilam entre o correspondente a 10 000 e 20 000, euros[10] e ainda a precária situação económica do arguido, entendemos que se impõe reduzir os valores atribuídos pelo tribunal a quo, continuando a considerar-se serem mais extensos e intensos os danos sofridos pela assistente JC
.
Considera-se, pois, justo, equitativo, fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais em 15 000 euros a favor da assistente JC e em 6 000 euros favor da assistente CC, procedendo o recurso do arguido nesta parte.

III. Dispositivo
Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

1. – Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelas assistentes, JC e CC;

2. – Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido tanto em matéria penal como em matéria cível, revogando o acórdão condenatório na parte em que condenou o arguido na pena única de 12 anos de prisão e em que o condenou a pagar a JC o montante de 25 000[11] (vinte cinco mil) euros e a pagar a CC o montante de 10 000 (dez mil) euros, ambas a título de indemnização de danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais;

3. Condenar, em substituição:
a) - O arguido, F, na pena única de 11 (onze) anos de prisão em cúmulo jurídico da pena parcelar de 9 (nove) anos de prisão que lhe foi aplicada em 1ª instância pela autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º nº1 al. b), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal, na pessoa de JC e da pena parcelar de 6 anos e 6 meses (seis anos e seis meses) de prisão que lhe foi aplicada em 1ª instância pela autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º nº1 al. a), 14º nº1, 26º, 22º nº1 e 2 al. b), 23º nº1 e 2 e 73º, todos do Código Penal, na pessoa de CC;

b) O mesmo arguido a pagar à assistente JC a quantia de 15 000 (quinze mil) euros e à assistente CC a quantia de 6 000 (seis mil) euros, ambas as quantias a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios à taxa legal a contar da data do trânsito em julgado da decisão até pagamento.

Mantém-se o mais decidido no acórdão recorrido.

Custas pelas assistentes recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC - cfr art. 515º nº1 b) do CPP, na atual versão, introduzida pelo Dec-lei 34/2008 de 26 fevereiro e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) aprovado pelo citado Dec-lei 34/2008, conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Sem custas pelo arguido recorrente.

Évora, 4 de junho de 2013

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

-------------------------------------------------------------
(António João Latas)

----------------------------------------------------------------
(Carlos Jorge Berguete)

__________________________________________________
[1] - Sumariado pelo relator

[2] Os factos descritos nas linhas 6 e 7, 10 e 11, da página 13 do acórdão recorrido não respeitam aos crimes de homicídio.

[3] Vd José Manuel Damião Da Cunha, “ O Caso Julgado Parcial. Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, p. 710-1: “… quando o recorrente impugna um concreto «ponto de facto» que reputa como incorrectamente decidido, tal significa que impugna uma concreta afirmação de facto – um facto ou um circunstancialismo dado como provado ou não provado -, no sentido de que, se tal aspecto tivesse sido diversamente decidido, a decisão, em que o «facto» se insere, seria também ela diversa.

[4] José Manuel Damião Da Cunha, “ O Caso Julgado Parcial. Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção Num Processo de Estrutura Acusatória, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, p. 529

[5] Vd, sobre a questão, Ricardo de Matos, Dos maus tratos a cônjuge à violência doméstica in RMP nº 107 pp 110-1, Plácido Conde Fernandes Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal, - Revista do CEJ nº 8 (especial), 2008, p.313 e Taipa de Carvalho, comentário ao art. 152º in Comentário Conimbricense ao C. Penal, 2ªed.-2012 pp 528-9,.

[6] Plácido Conde Fernandes (cfr estudo citado na nota seguinte, p. 305) que se lhe refere como correspondendo ao entendimento já sedimentado sobre a natureza do bem jurídico. Vd, ainda, os demais autores igualmente citados na nota anterior, sendo Taipa de Carvalho n p. 512.

[7] Direito Penal Português. Consequências Jurídicas do Crime, 1ª ed.-1993 p. 291-2.

[8] A. Varela, Das Obrigações Em Geral I, 5ªed.Almedina Coimbra-1986 p. 568.

[9] Assim expressamente, entre outros, o Ac STJ de 07.02.2006, relatado pelo Cons. Borges Soeiro, acessível em www.dgsi.pt : “ Nesta linha se compreende que a actividade do juiz no julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjectiva, não se reconduza ao puro arbítrio.

Terá, também, de atentar aos valores indemnizatório a que a jurisprudência vai fixando, nomeadamente o STJ, como é por demais natural.”

[10] Vd, entre outros, os seguintes sumários acessíveis em www.st.j.pt (jurisprudência temática):
-
V - Deverão, igualmente, ser considerados os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência.

VI - Contando a vítima mortal de acidente de viação 24 anos de idade, sendo saudável, alegre, bem disposto e muito apegado à vida, vivendo com a mãe, que é surda-muda, em comunhão de mesa e habitação, e contribuindo para as despesas de saúde, alimentação e vestuário desta com parte significativa do seu salário, é adequada a fixação, em € 20.000, da indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela mãe, traduzidos no forte choque e grande desgosto de que padeceu em consequência da morte do filho.
04-03-2004 – Revista n.º 4439/03 - 2.ª Secção - Santos Bernardino (Relator) Bettencourt de Faria e Moitinho de Almeida”

- “VIII - Para compensar os danos não patrimoniais que decorrem para uma mãe da perda inesperada de um filho, de 22 anos de idade, solteiro, com quem vivia, e a quem devotava um amor e carinho exemplares, é ajustada a um julgamento equitativo a atribuição de um montante de 17.500 Euros, tanto mais que se não pode olvidar que a decisão que fixa a indemnização é uma decisão actualizadora (art.º 566, n.º 2, do CC).
(…)
01-07-2004 - Revista n.º 296/04 - 7.ª Secção - Araújo Barros (Relator) *, Oliveira Barros, Salvador da Costa, Ferreira de Sousa e Neves Ribeiro (vencido) “

-II - Sendo a vítima mortal de um acidente de viação (ocorrido por culpa exclusiva do outro interveniente) um jovem de 20 anos de idade, trabalhador e generoso, filho exemplar, que sofreu dores e angústia durante a hora que antecedeu a sua morte, tendo esta determinado um síndroma depressivo à autora, sua mãe, mostram-se justos e consonantes com a jurisprudência dominante os seguintes valores indemnizatórios: - Esc.8.000.000$00 pela perda do direito à vida;

- Esc.2.000.000$00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima;

- Esc.4.000.000$00, para cada um dos pais, pelos danos não patrimoniais próprios.
02-12-2004 - Revista n.º 3097/04 - 2.ª Secção - Ferreira Girão (Relator) *,Loureiro da Fonseca e Lucas Coelho

-“I - É adequada a indemnização de 49879,79 €, destinada a reparar o direito à vida, quando o falecido tinha 24 anos, era activo e trabalhador, dedicando-se a uma actividade empresarial.

II - É também adequada a indemnização de 19951,92 €, atribuída a cada um dos pais, a título de reparação dos danos não patrimoniais por eles sofridos.

III - Esta indemnização vence juros desde a citação, a menos que tenha sido objecto de actualização expressa.
10-11-2005 - Revista n.º 3017/05 - 2.ª Secção - Moitinho de Almeida (Relator) *, Ferreira de Almeida e Abílio Vasconcelos”

- “É adequado à gravidade dos factos fixar em € 39.903 o montante da indemnização global atribuída a ambos os Autores para compensar os danos não patrimoniais correspondentes ao desgosto e à dor que tiveram com a morte do seu filho, que era ainda um jovem, sendo especialmente relevante a intensidade do dolo com que actuou o lesante, que procurou intencionalmente obter a morte da vítima, conforme foi decidido em termos penais.
24-01-2006 - Revista n.º 3517/05 - 1.ª Secção - Borges Soeiro (Relator), Faria
Antunes e Moreira Alves”

II - Mostram-se equitativos os valores de 10.000 e 5.000 contos para compensar, respectivamente, o dano da morte da filha dos Autores (perda do direito à vida) e o desgosto sofrido por cada um dos Autores pela referida morte. Considerando a contribuição de 60% de culpa da vítima, a Ré seguradora só terá de pagar 40% de cada um dos referidos valores indemnizatórios.
14-11-2006 - Revista n.º 3485/06 - 6.ª Secção - Azevedo Ramos (Relator), Silva Salazar e Afonso Correia”

[11] Por lapso manifesto escreveu-se no dispositivo do acórdão recorrido 25 000 000 euros em vez de 25 000 e 1 000 000 euros em vez de 10 000, importâncias corretamente indicadas na fundamentação do mesmo acórdão e que por serem agora objeto de revogação não têm que ser objeto de correção nos termos do art. 380º do CPP.