Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
383/19.9T8VRS.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
VÍCIOS DO ART. 410.º DO CPP
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O Tribunal da Relação em matéria contra-ordenacional funciona como Tribunal de revista só conhecendo de direito, tendo em conta o que se dispõe no art.º 75.º, do RGCO.

2. Razão pela qual só podendo conhecer dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., oficiosamente, e não a pedido dos intervenientes processuais.

3. A Decisão Administrativa que não contenha os requisitos do artigo 58.º do RGCO está ferida de nulidade, sendo-lhe aplicável a disposição do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Pen.

4. As exigências de fundamentação da Decisão da Autoridade Administrativa, no tocante às contra-ordenações, hão-de ser menos profundas que as relativas aos processos criminais. De facto, não se podem transformar as decisões das Autoridades Administrativas em verdadeiras Sentenças Criminais.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Em Processo de Contra-Ordenação, por Decisão da CCDR-Algarve, foi à arguida D-T L aplicada a coima de € 12.000,00€ (doze mil euros), pela prática, a título de negligência, da contraordenação p. e p. pela al. ª b), do art.º 11.º, do regime jurídico da gestão de RCD, aprovado pelo Dec. Lei n.º 46/2008, 12 de Março, alterado pela pelo Dec. Lei n.º 772011, de 17 de Junho, conjugado com a al.ª f), do n.º 2, do art.º 18.º, do mesmo diploma, qualificada como contra-ordenação ambiental grave, punível nos termos da al.ª b), do n.º 3, do art.º 22.º, da LQCAOT, devendo ainda fazer cessar o depósito ilícito de RDC directamente no solo do seu estaleiro e proceder à limpeza total desse terreno.

Discordando dessa Decisão Administrativa, veio a arguida D-T L, impugná-la judicialmente.

Por Decisão do M.mo Juiz da Comarca de Faro - Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António - Juiz 2, datada de 9 de Outubro de 2019, veio julgar-se parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência, alterar-se a decisão proferida pela CCDR - Algarve condenando-se a recorrente “D T L, nos seguintes termos:

- Pela prática de uma contra-ordenação por violação do disposto na al. ª b), do n.º 11, do Dec. lei 46/2008, de 12 de Março, na coima especialmente atenuada de €6.000,00 (seis mil euros), mantendo-se nos restantes segmentos condenatórios a decisão recorrida.

Inconformado com o assim decidido, traz a arguida DT L, o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:

A) A recorrente não se pode conformar com a sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, pelo que dela interpõe o presente recurso.

B) O procedimento contraordenacional foi instaurado tendo por base o Auto de notícia nº 137/TC /16- EPNA de 4 de Outubro de 2016, por factos detectados em 28 de Setembro de 2016 elaborado pelo Núcleo de Protecção Ambiental do Destacamento Territorial de Tavira da Guarda Nacional Republicana.

C). Da análise do referido efectuada pela Exma. Instrutora do processo e da apreciação hierarquicamente do referido Auto de noticia resultou no concerne a Tipificação da Infracção o seguinte: Contraordenação ambiental muito grave, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º e da alínea d) do n.º 1 do art.º 67.º, ambos do regime geral da gestão de resíduos (RGGR), conjugada com o n.º 1 do art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março.

D). Foi instaurado um novo procedimento contra-ordenacional, extraindo-se cópia dos elementos do processo tendo por base em extracção de cópias de elementos e documentos que constam de um processo de contra-ordenação (Auto de noticia nº 137/TC /16- EPNA de 4 de Outubro de 2016, elaborado pelo Núcleo de Protecção Ambiental do Destacamento Territorial de Tavira da Guarda Nacional Republicana com anexo relatório fotográfico) em que a arguida foi absolvida e determinado o seu arquivamento.

E). No auto de noticia devem ser relatados os factos materiais sensorialmente perceptíveis que constituem a contraordenação, especificando-se o dia, a hora, o local, e as circunstâncias e, que foram cometidos, a identificação do arguido, e do ofendido do autuantes, bem como indicação das disposições legais que prevêem e punem a infracção coima e, sendo caso, a sanção acessória.

F). Assim, o auto de notícia nº.137/TC/16-EPNA, que serviu de base a condenação da recorrente, não constava a tipificação e as disposições legais que punia a essa infracção, (artigo 11º alínea b) do Dec. Lei 46/2008, de 12 de Março.)

G). Ao que o tribunal a quo, andou mal quando entendeu que não assistia razão a recorrente para declarar a nulidade do novo procedimento contraordenacional.

H). Com o devido respeito, o Tribunal a quo fez uma má apreciação da prova produzida, conforme refere a motivação da decisão de facto, para prova dos factos 1) a 2) foram tidos em consideração o auto de noticia datado de 4 de Outubro de 2016, por factos relatados na sequência de um pedido de fiscalização em 28 de Setembro de 2016.

I). Quanto ao âmbito do presente recurso, a segunda instância tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída, por regra, a sua intervenção em sede de matéria de facto, ficando, no entanto, ressalvada a eventual verificação de qualquer dos vícios enumerados no art. 410º/2 e 3 do CPP.

J). Mais, estando em causa uma sentença proferida em processo de contraordenação, são-lhe ainda aplicáveis os requisitos constantes do art.º 374º, nº 2, do CPP, por força do disposto no art.º 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.

K) Ora, da descrição fática do auto, nada se retira para além de que da visita inspetiva resultaram detetadas fatos, que constituiriam uma contraordenação ambiental muito grave prevista na al. d) n.º 1 do art.º 67º do Decreto-Lei n.º 178/2006 de 5 de Setembro alterado e republicado pelo Decreto-Lei 73/2011 de 17 de Junho conjugado com o n.º 1 do art.º 13º do Decreto-Lei 46/2008 de 12 de Março.

L) O auto notícia é um documento que vale como documento autêntico quando levantado ou mandado levantar pela autoridade pública (art. 363.º, n.º 3, do CC).

M). Ora, é inevitável o reparo à decisão proferida! Quando para prova dos factos 1) a 2 foram tidos em consideração o auto de noticia, fls 1 e 2.

N) E com o devido respeito diga-se que in casu a indicação da norma violada segundo as quais se pune, não foi sequer invocada para tipificar a infração no auto de noticia para dar a conhecer a arguida o que de facto teve de ilícito a sua conduta.

O). Quanto à omissão do elemento subjetivo, dita o Acórdão do STJ de 28.11.2002 (publicado in Acs Dout. do STA, 498, 1020) que “o auto de notícia, que anuncia a imputação ao arguido de um tipo de infracção, seguido de uma descrição meramente objectiva dos factos que pretensamente constituiriam a contra - ordenação, sendo absolutamente omisso quanto aos elementos subjectivos do infracção padece do vício de nulidade sanável nos termos do artigo 283º, nº 3, do CPP e art.º 41º, nº 1 do RGCO. O arguido fica prejudicado no seu direito de defesa se desconhecer esses factos, pois ficou impossibilitado de exercer, de forma plena e eficaz, aquele direito, relativamente a questões de importância fulcral, designadamente a culpa e o seu grau”.

P). Acresce que o auto de notícia apenas pode fazer fé exactamente dos factos que dele constam. Não se pode dele extrair mais factos. Se do mesmo não constarem a descrição do elemento subjectivo, também daquele não se pode retirar.

Q). Assim, o direito de defesa da arguida viu-se violado pelo menos em dois momentos, pelo que deveria a Digníssimo Tribunal a quo ter-se decidido pela nulidade do auto e da decisão administrativa.

R) Mais, da simples leitura da sentença, verifica-se que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo não descreve, em momento algum, a análise critica efectuada perante a prova produzida, não sendo possível à Recorrente perceber com base em que elementos o tribunal a quo criou a sua convicção.

S). Na verdade, da sentença constam apenas os factos dados como provados, a legislação aplicável ao caso controvertido e a conclusão (decisão) retirada pelo Tribunal.

T). Sendo assim imperceptível, qual o raciocínio efectuado pelo Tribunal a quo para considerar determinado facto como provado ou não provado.

U) A apontada omissão de fundamentação quanto aos factos supra aludidos determina a nulidade da sentença, nos termos dos artº 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2 do C. P. Penal.

V). Acresce que o tribunal a quo extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não têm assento razoável, nem lógico, na prova efetivamente produzida.

W) Quanto ao facto dado como provado no ponto 1 e 2, não foi valorado o depoimento das testemunhas da arguida, onde refere que nas obras a empresa arguida colocava as demolições (RCD) em contendores, como a testemunha FG, que os depósitos de RCD eram temporários, e que quando os contendores estavam cheios eram colocados no solo, mas existia uma “manta” com o produto especifico para impermeabilização do solo.

X). Os factos dado como provado no ponto 3: “A arguida não actuou com o cuidado que lhe era exigido, sendo a sua conduta censurável ……”. Ora, nenhuma norma autoriza o tribunal recorrido a presumir factos, ilicitude e culpa com base no auto de notícia e nenhuma norma o autoriza a “inverter” o ónus probatório, pelo que também não se poderia ter dado tal facto como provado.

Y). Também daqui resulta que os factos dados como provados nos pontos 1, 2 e 3 não poderiam ter sido dados como provados.

Z). Constata-se ainda erro notório na apreciação da prova, pois na parca fundamentação factual do tribunal recorrido assumiu papel de relevo probatório o auto de notícia em si considerado.

AA). Nenhuma norma revogou o princípio da livre apreciação da prova e a necessidade de as entidades acusadoras fazerem prova dos factos relevantes para o preenchimento de ilícitos criminais e contra-ordenacionais. Ou seja, mantém-se em vigor o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

BB) O valor probatório do auto de notícia é, simplesmente, livremente apreciado nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.

CC) O tribunal recorrido interpretou um auto de notícia como fazendo “fé em juízo” até prova em contrário e presumiu a veracidade dos factos até que a arguida apresentasse contraprova da não prática desses factos, ou seja, operou uma presunção iuris tantum, isso reflecte-se na apreciação probatória como “erro notório na apreciação da prova”, o vício de facto previsto no art. 410º, n. 2, al. c) do CPP, aplicável ao caso dos autos por remissão do art. 41º, n. 1 do Dec. Lei n.º 433/82, de 27-10.

DD) A sentença do Tribunal "a quo" tal como está fundamentada, traduz-se numa convicção arbitrária do julgador, e não numa convicção baseada na prova produzida em sede de Audiência de Julgamento.

EE). Daqui resulta a violação do princípio in dúbio pro reo que encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra a arguida.

FF). Ao que a sentença recorrida incorreu em erro sobre a norma aplicável ao considerar que a conduta da sociedade arguida era subsumível ao disposto na b) do artigo 11º do DL nº. 46/2008 de 12.03.

GG) A arguida/ recorrente é apenas produtora dos resíduos e no âmbito da sua actividade, procede a armazenagem preliminar/temporária dos mesmos no seu estaleiro para fins de transporte para uma instalação de tratamento de resíduos.

HH). Sendo que a empresa não procede à actividade de armazenagem, triagem, tratamento valorização e eliminação do tratamento de resíduos.

II) Nos termos do disposto no artigo 13º nº 3 al. a) do DL 46/2008 “está dispensada de licença”.

JJ) Ao que entendeu a tribunal a “quo” que a consumação da infração ocorreu em local análogo, quando a lei no artigo 11º dispõe no seu titulo “Gestão de RCD em obras particulares” nunca refere local análogo, antes dispõe nas obras sujeitas a licenciamento ou comunicação prévia nos termos do regime jurídica da urbanização a edificação, o produtor de RCD esta, designadamente obrigado a assegurar a existência na obra de um sistema de acondicionamento adequado que permita a gestão selectiva dos RCD a existência na obra de um sistema de acondicionamento adequado que permita a gestão selectiva dos RCD. Ao que esta disposição e bem explicita na obra.

KK). Ao que a sentença recorrida incorreu em erro sobre a norma aplicável ao considerar que a conduta da sociedade arguida era subsumível ao disposto na b) do artigo 11º do DL nº. 46/2008 de 12.03.

LL) E, como errado entender da sentença recorrida que o caso dos autos não tem cabimento na alínea b) artigo 11 º do citado diploma legal (Gestão de RCD em obras particulares).

MM) A actividade verificada no terreno adjacente praticada pela recorrente, recai na definição de “armazenagem preliminar” dos resíduos que recolhe como produtor dos mesmos para seu estaleiro para fins de transporte para uma instalação de tratamento de resíduos, o que está isenta de licenciamento.

NN). No caso concreto, está provado que os resíduos foram recolhidos no âmbito da sua actividade de produtor para as instalações, da arguida/ recorrente.

OO) O que, considerando que a operação de gestão dada como provada na decisão recorrida integra o armazenamento temporário de RCD e tratar-se de um armazenamento de resíduos que dizem respeito a resíduos da actividade da Sociedade arguida.

PP). Ao que o Tribunal a quo não veio provar que os RCD eram provenientes de obras particulares sujeitas a licenciamento ou comunicação prévia, no sentido de a arguida ter que assegurar na obra de um sistema de acondicionamento adequado que permita a gestão selectiva dos RCD, de toda não num local análogo.

QQ) A sentença recorrida incorreu em erro sobre a norma aplicável ao considerar que a conduta da Recorrente era subsumível ao disposto na alínea b) art. 11.º do referido diploma legal.

RR). De todo o exposto e atendendo que existiu erro de julgamento no que respeita à nulidade e questões de direito invocadas, violação dos requisitos da sentença, má apreciação da prova produzida, erro notório na apreciação da prova, a sentença aqui em crise não deverá merecer acolhimento na ordem jurídica.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e por via dele ser revogada a douta sentença recorrida, e substituída por uma outra que absolva a arguida/Recorrente.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público, no sentido de que deve a decisão recorrida ser confirmada, não merecendo provimento o recurso.

Nesta Instância, entende o Sr. Procurador Geral-Adjunto que a decisão recorrida deve ser mantida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Em sede de decisão recorrida foram considerados os seguintes Factos:

Factos Provados:

1 – No dia 28 de Setembro de 2016, pelas 12:00h, na sequência de pedido de fiscalização da CCDR-Algarve, elementos da GNR-SEPNA de Tavira, que a arguida “DT L” detinha em terreno adjacente ao seu estaleiro de construção civil, localizado no sítio da A…, C…. M…..um amontoado de resíduos de construção e demolição, concretamente pedaços de tijolo, de ladrilhos, de argamassa, pedras, fragmentos de betão e de madeira), armazenados, sem terem sido sujeitos a qualquer triagem, ou seja não separados por tipo de produto e natureza, colocados directamente no solo, no citado local não licenciado para o efeito;

2 – Os materiais referidos em 1) resultaram de obras de demolição e construção efectuadas pela empresa arguida, tendo sido por essa mesma empresa recolhidos e transportados para o local referido em 1), onde foram depositados do modo descrito, não assegurando um sistema adequado que permitisse ou facilitasse a gestão selectiva de resíduos;

3 – A arguida não actuou com o cuidado que lhe era exigido, sendo a sua conduta censurável, pois omitiu os deveres de diligência a que segundo as circunstâncias do caso, os seus conhecimentos e capacidades era obrigada e, em consequência, não agiu como podia e devia.

Mais se provou:

4 – A arguida foi constituída em 01 de Agosto de 2005 por contrato de sociedade e tem como objecto social a prossecução das seguintes actividades “Transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, nacional e internacional. Aluguer de máquinas e de equipamentos para construção civil. Demolição, escavação e terraplanagens. Comércio de materiais de construção”. Construção Civil e Obras Públicas. Compra e Venda de bens imobiliários.

5 – A arguida não tem antecedentes contra-ordenacionais.

Factos não Provados:

A – Os materiais referidos em 1) permaneceram depositados no local descrito menos de um mês;

B – Os materiais referidos em 1) destinavam-se a serem encaminhados para operadores de gestão de resíduos devidamente licenciados;

A restante factualidade constante da decisão administrativa ou da petição de recurso não foi levada aos factos provados ou não provados, por ser irrelevante para o mérito da causa, conclusiva ou de direito.

Em sede de fundamentação da decisão de facto consignou-se o seguinte:

A convicção do Tribunal, no tocante aos factos provados e não provados, fundou-se na análise crítica e conjunta da prova produzida e analisada em audiência de julgamento, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência e da livre convicção do julgador.

Desde logo, para prova dos factos 1) a 2) foram tidos em consideração o auto de notícia de fls. 1 e 2 que evidencia a factualidade aí descrita.

Valoraram-se o referido auto de notícia os testemunhos dos agentes da GNR que efectuaram a acção de fiscalização no local e dia assinalado nos factos provados, mostrando-se os seus depoimentos assertivos e coerentes entre si, corroborativos e complementares do teor do referido auto de notícia, apoiados pelos relatórios fotográficos junto aos autos que não foram impugnados pelo recorrente.

Descreveram o que observaram no local, denotando conhecimento directo e empírico dos factos aqui em apreço porquanto os presenciaram, sendo estes próprios os agentes fiscalizadores e os subscritores do auto de notícia de fls. 1 e 2 que baseou o presente procedimento contra-ordenacional.

Concretamente, identificaram os tipos de resíduos que se encontravam depositados no solo à data da fiscalização, acrescentaram que os mesmos estavam colocados directamente no terreno sem qualquer impermeabilização, e sem terem sido sujeitos a qualquer triagem prévia uma vez que estavam misturados entre si, sem qualquer selecção de acordo com o seu tipo e natureza.

Os seus depoimentos não suscitaram qualquer reserva, nem dúvida, revelando-se claros, seguros, circunscritos à factualidade em discussão e desprendidos de quaisquer considerações marginais ou paralelas, merecendo credibilidade, até porque apoiados por prova documental, conforme o auto de notícia.

Relativamente ao facto sob o n.º 2 tal resulta, ainda, demonstrado face às actividades sociais desenvolvidas pela própria arguida documentadas pela certidão do registo comercial de fls. 107 a 113 que também atesta a data da sua constituição, documento este que baseou o facto provado sob o n.º 4.

Ao actuar do modo descrito em 1) a 2) a recorrente não observou os deveres de cuidado a que estava adstrita e de que era capaz, atendendo a que desenvolvia, entre outras, as actividades de demolição, escavações e terraplanagem e de construção civil e obras públicas, fazendo-o há mais de dez anos à data da prática dos factos, não sendo, por outro lado, de vigência recente as normas aqui chamadas à colação, encontrando-se, por isso, obrigada a diligenciar pelo conhecimento das regras que tutelam as mesmas.

A ausência de antecedentes contra-ordenacionais provou-se pela certidão de fls. 114 a 116.

No que se reporta aos factos não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além daqueles que se referiram, nem distinto resultado probatório resulta da prova testemunhal e documental junta.

Na verdade, a testemunha JP prestou trabalhos pontuais e por conta própria à recorrente, executando escavações e demolições nas obras dessa empresa, limitando-se a carregar o produto dessas operações de escavações e demolições para contentores, não tendo feito o seu transporte nem conhecendo o seu destino.

Relativamente à testemunha FG, motorista da arguida à data da prática dos factos, o seu depoimento caracterizou-se por ser abstracto e vago, sem correspondência com os factos aqui concretamente em causa, desconhecendo, inclusive, que a GNR teria feito uma fiscalização ao local identificado em 1) dos factos provados, motivos pelos quais o seu testemunho não pôde ser valorado por este Tribunal.

De qualquer modo, do seu depoimento extraiu-se que se deslocou por vários anos ao terreno identificado em 1) dos factos provados, que o conhecia por força das suas funções e que, por diversas vezes, chegou a recolher, transportar e a depositar no solo desse terreno vários tipos de materiais de construção civil (terras e areias, como disse), ou seja RCD, o que, a nosso ver, até vai de encontro à tese da decisão administrativa.

Acrescentou, todavia, colando-se, ao que pareceu, à versão da recorrente, que tais “depósitos” (não se sabe quais, de quê e quantos?) eram temporários, apenas de 2 ou 3 dias, e destinavam-se a Faro onde havia um ponto de recolha e gestão de RCD.

Seja como for, no caso em apreço, e para a consumação da infracção em presença, pouco importa a eventual natureza temporária de tais armazenamentos, estando aqui em causa a colocação directa no solo de RCD sem estarem sujeitos a qualquer triagem prévia em obras sujeitas a licenciamento, ou em local análogo, no caso em terreno adjacente ao estaleiro, não se encontrando, por isso, correctamente acondicionados de maneira a assegurar a sua efectiva gestão selectiva, ainda que os destinasse a empresas operadoras de gestão de resíduos devidamente licenciadas para o efeito, o que não se demonstrou.

Assim sendo, e pelo modo exposto, o Tribunal decidiu julgar os factos como provados e não provados do modo como o fez.

Como sabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.

Analisando as conclusões formuladas pela aqui recorrente, vemos que várias são as questões por si colocadas a decisão deste Tribunal de recurso.

Uma das questões a querer ver discutidas por este Tribunal prende-se com a nulidade do procedimento contra-ordenacional.

Porquanto foi instaurado um novo procedimento contra-ordenacional com cópias de elementos de um outro processo contra-ordenacional do qual foi determinado o seu arquivamento, não havendo despacho a determinar a reabertura de novo processo, o que se trata de nulidade de procedimento que afecta a própria decisão administrativa ferindo-a também de nulidade.

O Tribunal recorrido, de forma fundamentada, veio conhecer da predita questão, tendo concluído não assiste [ir] razão à recorrente para declarar, pelos fundamentos invocados, a nulidade do procedimento contra-ordenacional e da decisão administrativa em recurso.

Tudo, por se ter entendido que no cumprimento de imposição legal, actuou bem a autoridade administrativa instaurando o(s) procedimento(s) contra-ordenacionais com vista ao apuramento (ou não) da prática pela recorrente de infracções ambientais com fundamento na factualidade cristalizada no referido auto de notícia, permitindo, ao mesmo tempo, o cabal exercício do direito de defesa do arguido ao qual não pode ser aplicada uma coima sem antes lhe assegurar a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada, nos termos do artigo 50 RGCOC.

Com efeito, no seguimento da instrução do processo contra-ordenacional n.º 1/2017 e analisada a prova recolhida e a defesa da arguida, concluiu a autoridade administrativa que os factos imputados não importariam a sua condenação pela prática da infracção imputada motivo pelo qual decidiu absolver e arquivar esse procedimento contraordenacional, mas proceder à instauração, que é oficiosa, de um novo procedimento contraordenacional n.º 1/2019 com vista ao apuramento efectivo da prática de uma outra contraordenação pela qual não vinha anteriormente acusada, sem diminuição dos direitos de defesa da arguida que teve oportunidade de exercer o seu direito ao contraditório, o que fez pelos meios adequados, inclusive por impugnação judicial.

Vem a recorrente em sede de recurso para este Tribunal repetir as mesmas questões.

Porquanto a aqui impetrante – atente-se no teor da sua motivação – pontos 1 a 23 e conclusões A) a H) -, mais do que impugnar a decisão revidenda que lhe indeferiu o recurso da decisão administrativa, volta a reiterar os vícios anteriormente alegados e sem que venha rebater os argumentos invocados na Decisão judicial, descrevendo, desta feita, um ataque, não à Decisão revidenda, antes à Decisão Administrativa dimanada da CCDR-Algarve.

O que nos traz, de pronto, à colação a razão de ser do recurso e seu objectivo.

Secundando o entendimento de Borges de Pinho, os recursos não passam de expedientes consagrados na lei e erigidos em ordem a reagir eficazmente perante decisões desconformes com a mesma lei e os princípios estruturais e enformantes da própria comunidade, perfilhando-se assim como garantias de defesa e protecção dos interesses em confronto, e em que é mister referenciar, na área do direito criminal, os interesses do próprio Estado na perseguição e punição do crime, e o dos particulares em assegurarem um processo justo, sem atropelo dos seus direitos de cidadão e de pessoa humana.

O recurso será, pois, o meio processual destinado a provocar a reapreciação da Sentença (melhor, diremos, da decisão) por forma a corrigir certas imperfeições que, pela sua importância, não consentem uma forma de remédio menos solene.

Tratando-se, desta forma, de um meio processual destinado a sujeitar a decisão judicial a uma nova apreciação jurisdicional por um tribunal superior.

Sendo, assim, um caminho para obviar aos erros cometidos na decisão judicial; assumindo-se, atenta a sua natureza, como remédios jurídicos.

O bastante para que se não possa conhecer, no particular, da pretensão recursiva trazida pela arguida DT L.

Se bem lemos quer a motivação, quer as conclusões de recurso, mormente da conclusão V) a CC) tudo indica pretender a aqui impetrante vir discutir a matéria de facto considerada pelo Tribunal recorrido.

O que nos conduz a ter de definir qual o âmbito de conhecimento deste Tribunal, devendo, para o efeito, chamar a terreiro o art.º 75.º, do R.G.C.O.

Normativo onde se diz que se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª Instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.

O que quer significar que o Tribunal da Relação funciona como Tribunal de revista, só apreciando questões de direito.

Vem tal questão da competência deste Tribunal de recurso a terreiro, porquanto o aqui impetrante quer ver discutida a factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, com base na invocação dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., mais concretamente, o da insuficiência para a decisão da causa da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.

Ora, funcionando este Tribunal como Tribunal de revista, o conhecimento dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., só oficiosamente tal poderá acontecer e não a pedido dos intervenientes processuais. E apenas se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para este Tribunal da Relação visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Só se podendo, desta feita, conhecer de tais vícios para remover obstáculos na decisão de direito, tudo de forma a evitar que a decisão de direito se alicerce numa base factual defeituosa, sendo o vício visível pelo simples exame factual, pondo em crise a correcção do silogismo judiciário, que não dispensa coerência, lógica, entre as suas premissas, como se deu nota no Acórdão do S.T.J., de 20-11-2013, no Processo n.º 2047/05.1TASTB.E1. S1, 3ª Secção.

Sendo competente para conhecer do recurso onde se invoque qualquer dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., o tribunal de 1.ª Instância, conforme decorre, entre o mais, do disposto nos art.ºs 61.º, 64.º e 65.º, do R.G.C.O.

Razões de operacionalidade judiciária, como sucede nos recursos penais para o S.T.J., nomeadamente de estabelecer maior equidade na distribuição de serviço entre os tribunais, explicam tal atitude na atribuição de competência.

No caso em apreço e mostrando-se escorreita a factualidade tida como provada e não provada, não há que proceder ao conhecimento oficioso dos invocados vícios, passando-se a conhecer do recurso e nos moldes acabados de tecer - restrito à matéria de direito.

No que tange à nulidade da decisão revidenda, por falta de exame crítico da prova, art.º 379.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Pen., aplicável ex vi, do art.º 41.º, do RGCO.

Importa referir, de pronto, que somos de entendimento de que a Decisão Administrativa que não contenha os requisitos do artigo 58.º do RGCO está ferida de nulidade, sendo-lhe aplicável a disposição do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Pen.

De seguida, importa saber qual a exigência ao nível da fundamentação da Decisão Administrativa.

No seguimento do acabado de referir, vemos o Acórdão da Relação do Porto, de 20-10.1999, no Processo n.º 106619, onde se referiu que as exigências de fundamentação da Decisão Administrativa (…) hão-de ser menos profundas que as relativas aos processos criminais; não se podendo transformar as decisões das autoridades Administrativas em verdadeiras Sentenças Criminais.

O que cabe perguntar é como se satisfaz a exigência de fundamentação no Processo de Contra-Ordenação (art.º 58.º).

Importa reter que as exigências de fundamentação da Decisão da Autoridade Administrativa, no tocante às contra-ordenações, hão-de ser menos profundas que as relativas aos processos criminais. De facto, não se podem transformar as decisões das Autoridades Administrativas em verdadeiras Sentenças Criminais.

E é assim que alguma jurisprudência vem entendendo que o art.º 58.º, n.º 1, al. c), ao nível da exigência de fundamentação se basta, no que toca á decisão, com a descrição do facto delituoso e a indicação da norma sancionatória.

E ao nível das exigências da indicação das provas obtidas tal se mostra satisfeito quando na proposta de decisão” que precede a decisão se alude a elas.

No mesmo sentido vemos o expendido por Oliveira Mendes e Santos Cabral, na sua obra Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, a págs. 155.

Referem tais autores que importa, porém, salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação á sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram á sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade da impugnação judicial, permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou remissão por esta elaborada.

E neste sentido parece apontar o C.P.A. ao afirmar no seu art.º 125.º que a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do acto.

No seguimento do entendimento perfilhado pelo Acórdão da Relação do Porto, de 12.03. 1997, no Processo n.º 10148, a exigência de fundamentação basta-se (…) com a descrição do facto delituoso e a indicação da norma sancionatória

A exigência da indicação das provas é satisfeita quando na “proposta de decisão” que precede a decisão se faz a elas alusão.

E no Acórdão de 19.03.1997, da mesma Relação, proferido no Processo n.º 10178, veio-se a entender que a fundamentação da Decisão Administrativa que aplica uma coima, uma vez que não estamos perante qualquer audiência de julgamento donde resulte a indicação de factos provados e não provados, há-de consistir na indicação dos factos que são imputados ao arguido, com a interpretação, ponderação e valoração da prova produzida e a integração desses factos na previsão legal.

Pelo que sejamos a entender que em razão da génese e teleologia do procedimento contra-ordenacional, a fundamentação, tal como está estabelecida no art. 58.º do referido diploma, será, pois, suficiente desde que justifique as razões pelas quais - atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas [art. 358.º, n.º 1, alíneas b) e c)] -, é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos .

Tendo em conta o expendido, vejamos se a fundamentação levada a cabo na Decisão em crise é manifestamente insuficiente para sustentar a prolação da decisão condenatória em causa, pois da análise da fundamentação de facto, não se vislumbra qualquer facto relativo à negligência e muito menos quanto ao dolo, como refere a aqui recorrente.

E bastaria à aqui impetrante ler com alguma atenção a fundamentação da decisão de facto levada a cabo pelo Tribunal recorrido para concluir, com segurança, para a sem razão do por si pretendido.

O mesmo valendo para a falta do elemento subjectivo.

Como se vem entendendo, os elementos subjectivos do crime pertencem á vida íntima e interior do agente. Sendo possível captar a sua existência através e mediante factualidade material que os possa inferir ou permita divisar, ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum.

Ou dito de outro modo, uma vez que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos matérias comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção.

Podendo, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência.

Do teor do auto de notícia decorre que questionado o gerente da arguida sobre se já tinha efectuado o pedido de regularização junto da CCDR Algarve relativo à actividade ali exercida, ao que respondeu prontamente que não em virtude de desconhecer que tal fosse necessário.

Daí que se mostre justificado que o Tribunal recorrido tenha vindo referir – no que tange ao elemento subjectivo da infracção – que ao actuar do modo descrito em 1) a 2) a recorrente não observou os deveres de cuidado a que estava adstrita e de que era capaz, atendendo a que desenvolvia, entre outras, as actividades de demolição, escavações e terraplanagem e de construção civil e obras públicas, fazendo-o há mais de dez anos à data da prática dos factos, não sendo, por outro lado, de vigência recente as normas aqui chamadas à colação, encontrando-se, por isso, obrigada a diligenciar pelo conhecimento das regras que tutelam as mesmas.

O bastante para que se conclua, contrariamente ao sustentado pela recorrente, que a decisão recorrida se encontra devidamente fundamentada no que ao elemento subjectivo diz respeito.

Pelo que, e se curar de outras delongas ou considerandos, sejamos a concluir pelo infundado do pretendido pela recorrente, a respeito, mormente, a questão atinente à sua actuação a título negligente.

E o mesmo se diga, por tudo o que se vem dizendo, no que tange ao exame das provas que fundamentam a decisão, bastando atentar na fundamentação de facto levada a efeito pelo tribunal recorrido para se concluir de forma diferente da pretendida pela aqui impetrante.

Restando, desta feita, concluir pela improcedência da pretensão recursiva trazida a pretório pela aqui impetrante.

Termos são em que Acordam em negar provimento ao recurso, confirmando-se a Decisão revidenda.

Custas pela recorrente, fixando-se em 4 Ucs, a taxa de justiça devida.

(texto elaborado e revisto pelo relator).

Évora, 4 de Fevereiro de 2020

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(José Proença da Costa)

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(Alberto Borges)