Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1273/08.6PCSTB.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: LEITURA DA SENTENÇA
NULIDADE INSANÁVEL
PUBLICIDADE DO PROCESSO PENAL
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Sumário: I - A leitura da sentença, publicamente, em audiência, é obrigatória, o que pressupõe a sua prévia elaboração e a respetiva assinatura, enquanto documento autêntico que ficará a constar do processo, pois que, enquanto não for elaborada, não pode ser lida, porque inexistente.
II - A consequência da falta de leitura pública da sentença, depois de elaborada, é a nulidade (insanável) da audiência de julgamento, onde é suposto ter tido lugar e não teve, por força do disposto no artigo 321º, nº 1, do C. P. Penal, onde se estabelece que “a audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável”, não podendo a exclusão da publicidade, quando admitida, abranger, “em caso algum, a leitura da sentença” (artigo 87º, nº 5, do mesmo C. P. Penal).
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


1. No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (2.º juízo Criminal) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 1273/08.6PCSTB, no qual foi julgado o arguido LMS, pela prática, como autor material, em concurso efectivo, de um crime de coacção grave, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 154 n.ºs 1 e 2 e 155 n.º 1 al.ª a), com referência aos art.ºs 10, 14 n.º 1, 22, 23 e 26, todos do CP, e um crime de ameaça grave, p. e p. pelos art.ºs 153 n.º 1 e 155 n.º 1 al.ª a), com referência aos art.ºs 10, 14 n.º 1 e 26, todos do CP.
A final veio a decidir-se:
1) Relativamente à parte crime, julgar parcialmente procedentes as acusações pública e particular (esta deduzida pela assistente IMP, Ldª, e acompanhada pelo Ministério Público) e, em consequência:
- Condenar o arguido, pela prática, como autor material, na forma tentada, de um crime de coação grave, p. e p. pelos art.ºs 154 n.ºs 1 e 2 e 155 n.º 1 al.ª a), com referência aos art.ºs 10, 14 n.º 1, 22, 23 e 26, todos do P, na pena de dois anos de prisão;
- Condenar o arguido, pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.ºs 153 n.º 1 e 155 n.º 1 al.ª a), com referência aos art.ºs 10, 14 n.º 1 e 26, todos do CP, na pena de um ano de prisão;
- Condenar o arguido, pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 n.ºs 1 e 2, com referência aos art.ºs 10, 14 n.º 1 e 26, todos do CP, na pena de dois meses de prisão;
- E, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e sete meses, subordinada a regime de prova, nos termos do disposto nos art.ºs 53 e 54 do CP.
2) Relativamente à parte cível, julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos demandantes (IMP, Ldª, e MP) e, em consequência:
- Condenar o demandado (LMS) no pagamento da quantia de 1.500,00 euros à demandante IMP, Ldª, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento, e absolve-la, nesta parte, quanto ao demais peticionado (a demandante havia pedido a condenação do demandado da quantia de 5.000,00 euros);
- Condenar o demandado (LMS) no pagamento ao demandante MP, a título de dano não patrimoniais, no pagamento da quantia de 4.000,00 euros, acrescida de juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento, e absolve-lo, nesta parte, quanto ao demais peticionado (o demandante havia pedido a condenação do demandado no pagamento da quantia de 7.500,00 euros).
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2. Recorreu o arguido dessa sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 – A sentença viola o art.º 372 do CPP, pois que a 15 de julho de 2013 procedeu-se à leitura da sentença, depositada em 21.01.2014, mas assinada e datada em 21.12.2013, com a menção “somente terminada de elaborar nesta data, em virtude do elevado número de sentenças que o signatário teve de elaborar entre maio e junho de 2013, quando colocado nesta comarca e em virtude de ter sido movimentado para o Tribunal Judicial de Viseu em setembro de 2013, em função do seu serviço diário”.
2 – A douta sentença só foi terminada de elaborar em 21.12.2103; o que o tribunal a quo leu em 15.07.2013 terá sido, somente, um mero rascunho ou uma resenha daquilo que viria a ser a sentença.
3 - Assim, uma vez que não se procedeu à leitura da sentença, deve a mesma ser considerada nula.
4 – Como se pode ler no acórdão da RP de 5 de fevereiro de 2003, CJ, XXVII, tomo 1, 215, “I – Não constitui sentença o rascunho que o juiz lê, contendo a decisão sobre os factos que na acusação se imputam ao arguido. II – A sentença escrita posteriormente pelo juiz e incorporada no processo sem prévia leitura pública é nula. III – Tal nulidade da sentença não pode ser colmatada com a leitura da mesma se entre o encerramento da discussão e essa leitura decorreram mais de 30 dias. IV - Num tal caso impõe-se a repetição do julgamento, pois a prova antes produzida perdeu eficácia”.
5 – Viola também o art.º 379 n.º 1 al.ª c) do CPP, uma vez que não se pronuncia sobre questões que teria que se pronunciar nem menciona todas asa partes presentes em julgamento, não as identificando.
6 – No despacho saneador, onde foi recebido o despacho de pronúncia, foi também recebida a acusação particular de fol.ªs 891 a 897, acompanhada parcialmente pelo MP, tendo também sido admitido o pedido cível de fol.ªs 911 a 916
7 – Existiam neste processo, encontrando-se presentes ou representados em sede de audiência de discussão e julgamento, para além do MP, os seguintes intervenientes: o arguido Luís Silva, a Sociedade Senhores do Fraque, enquanto arguida (?), uma vez que existia acusação particular deduzida contra ela, o senhor Brites, enquanto demandado, e o senhor MP, enquanto demandante.
8 – No entanto, a sentença é omissa no que respeita aos restantes intervenientes, não se pronunciando sobre nenhuma destas questões e condena o recorrente no pedido de indemnização cível feito pela IMP, Ldª quando este não foi aceite.
9 – Existe, assim uma omissão de pronúncia sobre factos que constam da acusação e sobre os quais o douto tribunal a quo não se pronunciou, estando, por isso, a sentença proferida ferida da nulidade prevista no art.º 379 al.ª c) do CPP.
10 – A sentença é nula por falta de exame críticos das provas, pois que não procede a uma fundamentação, ainda que sintética, quanto à matéria de facto, apenas procede à motivação das matéria de facto elencando o que as testemunhas disseram, passando imediatamente para a fundamentação de direito, sendo que a sentença tem como requisito essencial o dever de fundamentação (art.º 205 da CRP e 374 n.º 2 do CPP)
11 – Neste sentido veja-se o suMP do acórdão da RP de 16.12.2013, Proc. 72/10.0TAAMM.E1, in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “IV – A falta de exame crítico da prova impede a sindicância da decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que se desconhece qual foi o processo lógico e racional que o julgador seguiu na apreciação que fez, constituindo nulidade da sentença (art.º 379 n.º 1 al.ª a) do CPP). V - As fórmulas genéricas e tabelares utilizadas pelo tribunal da 1.ª instância na motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto a propósito da forma como o assistente (que teria sido “peremptório”) e as testemunhas (que teriam “deposto de forma credível, verosímil e congruente”) prestaram declarações e depoimentos, respetivamente, em julgamento, não substituem o exame crítico das provas produzidas em julgamento, que é exigido pelo art.º 374 n.º 2 do CPP, e nem satisfazem a exigência legal”:
12 – Não se pode, assim, considerar que tenha sido dado cumprimento à exigência de legal de fundamentação constante do n.º 2 do art.º 374 do CPP. A fundamentação não deverá ser uma súmula da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, mas sim uma súmula das razões da convicção do tribunal, através do exame crítico daas provas que serviram para formar essa convicção.
13 – Como melhor se explica no acórdão proferido pela 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. 56/06.2GCALQ.L1: “Esta exigência, que constitui um reforço da estruturação formal da sentença, permite ao julgador que explique aos destinatários da sentença e à comunidade em geral o processo de formação da sua convicção, ou seja, a razão porque decidiu da forma que deixou consignado, ou seja, a explicitação do “substrato racional que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova”, importando que a fundamentação convença os seus destinatários pela bondade e força da sua argumentação, assente em critérios lógicos e regras de experiência comum. Ao mesmo tempo, esta exigência permite um efetivo direito de defesa, sendo uma garantia do direito ao recurso, permitindo ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional subjacente, permitindo uma verdadeira sindicância do processo de convicção do tribunal recorrido, e ao mesmo tempo constitui um instrumento de legitimação da própria decisão. Em síntese, diremos que a fundamentação cumpre a sua função quando o julgador enuncia de forma clara e inequívoca o raciocínio que seguiu na formação da convicção, ou seja, as operações lógicas seguidas que permitam perceber “como” e “porque” o tribunal decidiu da forma que deixou consignado, assim demonstrando que não procedeu a uma ponderação de prova arbitrária, ilógica ou violadora de regras de experiência comum”.
14 – O recorrente não só não consegue depreender, por falta de fundamentação, os motivos da sua condenação, vendo o seu direito de recorrer da mesma severamente afetado, como não consegue depreender porque factos concretos foi condenado, uma vez que os dados como provados mais não são do que uma cópia da acusação, não sendo um reflexo daquilo que foi dito pelas testemunhas em audiência de discussão e julgamento.
15 – Nessa sequência, existe um erro notório na apreciação da prova.
16 – Relativamente ao ponto 5 da matéria de facto dada como provada, o tribunal a quo determinou que os factos ocorreram entre 24 de julho e dia não concretamente apurado do início do mês de agosto de 2008, quando tal não foi afirmado por nenhuma das testemunhas presentes, aliás, todas foram peremptórias em afirmar que teria sido entre final de julho/início de agosto de 2008, mas que não podiam precisar a data.
17 – Não sendo determinado na fundamentação se decorre de algum documento dos autos a data de 24 de julho como sendo o início dos factos, e não decorrendo do depoimento de nenhuma das testemunhas essa data, não vislumbra o recorrente no que se baseia o tribunal para dar como provado que os factos se iniciaram em 24 de julho.
18 – Relativamente ao ponto 6 da matéria de facto dada como provada – que terá sido nesse mesmo dia que o arguido se terá dirigido pela 1.ª vez à sede da IMP, Ldª – a verdade é que nenhuma das testemunhas referiu qualquer data precisa, pelo que o recorrente não consegue descortinar no que se baseou o tribunal para dar como provado tal facto, raciocínio que se aplica, pela mesma ordem, quanto aos factos dos pontos 8, 9, 12 e 15.
19 – Só pode concluir pelo erro na apreciação da matéria de facto, uma vez que o tribunal deu como provados factos (nomeadamente datas) que não foram mencionadas nas sessões de julgamento.
20 – A razão pela qual o tribunal deu como provados tais factos ainda poderia ser determinada, ainda que indirectamente, através da fundamentação, mas a sentença não se encontra devidamente fundamentada, de forma a deixar esclarecido (a quem a leia) o que levou o tribunal a tomar as decisões que tomou.
21 – O tribunal entendeu que o dia 24 de julho terá sido o primeiro dia que o arguido teve contacto com a assistente, que nesse dia de manhã se dirigiu à IMP, Ldª, que - não encontrando o assistente nesse local - lhe ligou e que no início da tarde (14h) se encontrava novamente à porta do estabelecimento e que nesse mesma tarde, em conversa com o assistente, lhe dirigiu várias ameaças, mas do depoimento das testemunhas nãos e retira essa ordem de factos.
22 – Não se levanta aqui a credibilidade dos depoimentos ou, mesmo, a incongruência que possa haver entre eles, até porque, volvidos mais de cinco anos sobre os factos, é normal que haja algumas imprecisões e desfasamento entre aquilo que as várias testemunhas dizem, aliás, seria de estranhar se todas eles viessem contar exatamente a mesma versão dos acontecimentos.
23 – A questão que se levanta é exactamente como é que, não sabendo as testemunhas precisar as datas e a ordem de como os factos ocorreram, consegue o tribunal dar como provada a data e a sequência dos mesmos.
24 – Este ponto relaciona-se directamente com o anterior, reforçando-o, ou seja, não basta que o tribunal diga que se baseou nos documentos e depoimentos, é necessário que haja um discorrer do raciocínio lógico que o levou a chegar à conclusão a que chegou; não havendo essa explicação, só pode o recorrente concluir pelo erro notório na apreciação da prova quanto aos pontos supra mencionados, pois da prova produzida não decorrem as datas dadas como provadas.
25 – O crime de ofensa a pessoa colectiva pelo qual o arguido foi condenado (art.ºs 41 n.º 1 e 187 n.º 1 do CP) é punível com pena de um mês a seis meses, sendo o prazo de prescrição de dois anos, a contar do momento da prática do facto (art.º 118 n.º 1 al.ª d) do CP).
26 – Independentemente das interrupções que possa ter havido, o prazo máximo de prescrição no caso é de 4 anos, pelo que, ocorrendo os factos durante os meses de julho e agosto de 2008, quando foi proferida a sentença já tinha decorrido tal prazo.
27 – A prescrição é de conhecimento oficioso, pelo que o tribunal não podia ter condenado o arguido pela prática de tal crime.
28 – O pedido cível deduzido pela demandante IMP, Ldª não foi aceite no momento do despacho saneador, mas ainda que o tivesse sido, esta condenação está relacionada com o crime de ofensa a pessoa colectiva, o qual se encontra prescrito, pelo que não pode o recorrente concordar com esta condenação.
29 – Nestes termos:
- Deve a sentença recorrida ser declarada nula, por violação do disposto nos art.ºs 372 e 379 n.º 1 al.ª c) do CPP e falta de exame crítico das provas;
- Deve a matéria de facto dada como provada ser corrigida, sanando-se os erros notórios na apreciação da prova que existem;
- Deve ser declarada a prescrição do procedimento criminal no que respeita ao crime de ofensa a pessoa colectiva e corrigir-se a condenação do arguido no que respeita à indemnização cível a pagar à demandante IMP, Ldª, seja porque tal pedido não foi aceite, seja porque o crime se encontra prescrito.
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3. Não foi apresentada resposta e o Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por considerar que a sentença é nula, por não ter sido lida publicamente (fol.ªs 1655 a 1663).
4. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do Código de Processo Penal).

5. Foram dados como provados na 1.ª instância os seguintes factos:

(………..)


8. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal); tais conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no de direito.
Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso (ver art.ºs 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do C.P.P., e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).
Feitas estas considerações, são as seguintes as questões colocadas pelo recorrente (nas conclusões da motivação do recurso) à apreciação deste tribunal:
1.ª – A nulidade da sentença:
A – por não ter sido lida publicamente (violação do art.º 272 do CPP);
B – por omissão de pronúncia (art.º 379 n.º 1 al.ª c) do CPP);
C – por falta de exame crítico das provas (art.º 379 n.º 1 al.ª a) do CPP);
2.ª – A existência de erro notório na apreciação da prova (art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP);
3.ª - Se o crime de ofensa a pessoa colectiva se encontra prescrito.
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8.1. – 1.ª questão
A – a nulidade da sentença.
Alega o arguido que a sentença é nula, pois que, sendo lida publicamente em 15.07.2013, a mesma apenas foi depositada em 21.01.2014, com data e assinatura de 21.12.2013, com a menção de que foi “somente terminada de elaborar nesta data em virtude do elevado n.º de sentenças que o signatário teve de elaborar…”, pelo que o que terá sido lido em 15.07.2013 foi “um mero rascunho ou uma resenha daquilo que viria a ser a sentença” (sic).
Vejamos.
Consta da ata da audiência de julgamento que teve lugar em 15.07.2013 - onde se dá conta que estiveram presentes o mandatário (Helena Pereira) e os defensores Isa Malão e António Olivença – que, uma vez declarada aberta a audiência, se procedeu “à leitura da sentença que segue, o que fez em voz alta”, tendo todos os presentes sido “devidamente notificados”.
Por sua vez, contraditoriamente, consta da própria sentença - depositada em 21.01.2014, com data e assinatura de 21.12.2013 – que a mesma foi “somente terminada de elaborar nesta data em virtude do elevado n.º de sentenças que o signatário teve de elaborar…
E se foi somente elaborada nessa data é óbvio que não podia ter sido lida em 15.07.2013, pois que nessa data não tinha ainda sido elaborada, não existia.
Isto não integra qualquer das nulidades da sentença, tal como vêm previstas no art.º 379 n.º 1 do CPP, antes tem a ver com as consequências da falta de leitura – pública - da sentença na audiência de julgamento, pois que, não obstante o teor da dita ata de 15.07.2013, é evidente que a sentença não foi lida nessa sessão de julgamento, pois que, repete-se, nessa data ela não tinha sido elaborada, não existia e, portanto, não podia ter sido lida.
Regem a este propósito os art.ºs 372 e 373 do CPP, donde resulta:
- por um lado, que a sentença – depois de assinada – “é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes. A leitura do relatório pode ser omitida…”, ou seja, é lida publicamente depois de elaborada e assinada, sendo, logo “após a leitura”, depositada pelo Juiz na secretaria;
- por outro, que - quando não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença - o presidente fixa publicamente a data dentro dos dez dias seguintes para a leitura da sentença e, na data fixada, procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria.
Ou seja, a sentença é lida publicamente depois de elaborada e assinada.
Ora, se em relação ao prazo para a leitura da sentença estabelecido no art.º 373 do CPP se vem entendendo que se trata de prazo meramente ordenador – não afetando o valor do ato nem acarretando quaisquer consequências jurídicas (ver, v.g., acórdão do STJ de 15.10.1997, Col., Jur., Ano V, tomo 3, 197) – já a sua leitura, publicamente, em audiência, é obrigatória, como resulta de tais preceitos, o que supõe a prévia elaboração e respetiva assinatura, enquanto documento autêntico que ficará a constar do processo, pois que enquanto não for elaborada não pode ser lida, porque inexistente.
E sendo assim, como é, não se pode afirmar que a sentença foi lida publicamente, em 15.07.2013, porque nessa data não existia, não tinha sido elaborada.
A consequência dessa falta de leitura pública da sentença, depois de elaborada, é a nulidade – insanável – da audiência de julgamento onde é suposto ter tido lugar e não teve, ex vi art.º 321 n.º 1 do CPP, onde se estabelece que “a audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável”, não podendo a exclusão da publicidade, quando admitida, abranger, “em caso algum, a leitura da sentença” (art.º 87 n.º 5 do CPP).
Como se escreveu a este propósito no acórdão do TC n.º 698/2004, de 15.12.2004, Proc. n.º 991/04, in www.tribunalconstitucional.pt, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, p. 801), “«a publicidade das audiências dos tribunais… é seguramente uma exigência do próprio conceito de Estado de direito democrático (art.º 2.º)», que se justifica pela necessidade de «reforçar as garantias de defesa dos cidadãos perante a justiça, mas também em proporcionar o controlo popular da justiça, robustecendo, por isso, a legitimidade pública dos tribunais»”.
No mesmo sentido – dá-se conta nesse acórdão – pode ver-se o acórdão do TC n.º 110/85 (Acórdãos do TC, 6.º vol., pág. 273 e seguintes), onde – escreve-se – “depois de se afirmar que a razão de ser histórico-constitucional do princípio da publicidade da audiência deve encontrar-se numa «conquista que foi contra o secretismo do processo inquisitorial do “antigo regime”», se acentua… que se trata, «sobretudo, de garantir uma espécie de controlo da justiça pela colectividade, tomando possível a todo e qualquer cidadão o acesso à sala de audiência e possibilitando o conhecimento público de todas as declarações e depoimentos… permitindo, a final, apreciar fundadamente a sentença q ue vier a ser proferida».

Por outro lado, e no que respeita agora ao âmbito material de aplicação daquele princípio, pode seguramente afirmar-se que, independentemente das dívidas que possam legitimamente colocar-se sobre o exato alcance do conceito de «audiência», tal como é utilizado no art.º 206 da Constituição, o mesmo abrange, além da própria audiência de discussão e julgamento, a decisão judicial a proferir na sequência da mesma” (aí se dá conta, citando, de novo, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., loc. cit., que as razões apontadas para a publicidade da audiência valem quanto à decisão, o que decorre do princípio do Estado de direito democrático).
Neste mesmo sentido pode ver-se o acórdão da RL de 27.05.2009, in www.pgdlisboa.pt, onde se identificam, no mesmo sentido, os acórdãos daquele tribunal de 9.09.2008, 6.01.2009, e 3.02.2009, Processos n.ºs 4872/2008, 8306/2008 e 831572008, todos in www.dgsi.pt, e da RG de 9.03.2009, Proc. n.º 2625/08, também in www.dgsi.pt.
Atento quanto se deixa dito, a omissão da leitura pública da sentença em audiência de julgamento tem como consequência a nulidade, insanável, da sessão de julgamento que teve lugar em 15.07.2013 e dos termos subsequentes.
A procedência desta questão prejudica o conhecimento das demais suscitadas, acima enunciadas.
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9. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido/demandado e, consequentemente, em anular a sessão de julgamento que teve lugar em 15.07.2013 e os termos subsequentes do processo que dela dependem, ordenando-se a sua repetição, com a leitura pública da sentença.
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Sem tributação.

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 05-05-2015

Alberto João Borges

Maria Fernanda Pereira Palma