Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1096/14.3TBSTR-E.1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: PERSI
CONSUMIDOR
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - A promoção do vencimento imediato da totalidade das prestações associadas ao plano de liquidação do contrato de crédito é sempre opcional, pelo que o credor pode sempre optar por aguardar o cumprimento do devedor inadimplente, fixando-lhe, por exemplo, um outro custo total do crédito (TAEG).
- O devedor tem de saber qual é a reação da entidade bancária, promovendo a perda do benefício do prazo e em que medida, ou decidir não usar dessa faculdade que a lei lhe atribui, refazendo o custo das prestações em dívida.
- A resolução contratual só é eficaz se comunicada por declaração recetícia.
- O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25/10, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1.
- O recurso a tal procedimento constitui uma condição prévia de admissibilidade e procedibilidade da presente ação, sendo a sua falta uma exceção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1096/14.3TBSTR-E.1

2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:


I
Caixa (…) instaurou em 10/06/2014 a presente execução para pagamento de quantia certa contra (…) e (…).
Peticionando a cobrança de € 62.204,73 e tendo como título executivo uma escritura de mútuo e hipoteca datada 09/10/2007 no valor de € 55.000,00, concedido aos executados para aquisição de um imóvel e realização de obras no mesmo.
Os autos prosseguiram os seus termos até à fase de venda, não concretizada.

Em 26/01/2022 foi ordenada a notificação da exequente para, em 10 dias, esclarecer se os títulos executivos se referiam aos seguintes contratos de crédito com clientes bancários e/ou respetivos fiadores:
“a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.”
Conforme previsão do artigo 2.º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro (Plano de Ação para Risco de Incumprimento) na redação em vigor à data (1ª versão).
Mais se determinou que, nessa eventualidade, a exequente deveria juntar aos autos o respetivo PERSI no prazo de 10 dias, bem como juntar aos autos os documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, bem como ainda os contratos subjacentes.

A exequente (agora, substituída por … Activity Company na qualidade de cessionária) veio esclarecer que o título executivo é um contrato de mútuo com hipoteca, junto aos autos, e que “no que concerne à integração no PERSI, que o crédito se encontra em incumprimento desde 09.05.2010, conforme indicado no requerimento executivo, sendo que à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o contrato já se encontrava resolvido, tendo a Caixa (…), S.A., Exequente à data, e atual Cedente, avançado para a cobrança coerciva da dívida através da presente ação executiva, não havendo, por essa razão, lugar à integração do PERSI, conforme previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 227/2012.”

Por despacho de 02/03/2022 o tribunal ordenou de novo a notificação da exequente para, em 10 dias, juntar aos autos documentos comprovativos da interpelação/resolução extrajudicial dos contratos exequendos e/ou subjacentes, designadamente registos postais e/ou respetivos avisos de receção.

Veio a exequente em 11/05/2022 informar e requerer que:
“1. O título executivo corresponde a um contrato de mútuo garantido por hipoteca registada sobre o bem imóvel penhorado, estando o mesmo em incumprimento desde a data de 09.05.2010, não tendo mais os Executados retomado as prestações devidas.
2. O incumprimento verificado, por ausência da realização dos pagamentos devidos nos termos acordados contratualmente, nos termos do disposto do artigo 781.º do Código Civil, determinou o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas,
3. Visto que, o contrato objeto dos presentes autos, nos termos já expostos em sede de requerimento executivo, apresentava datas certas e devidamente determinadas para o pagamento de cada prestação de reembolso.
4. Isto é, o pagamento das prestações mensais, constantes e sucessivas consistia em obrigações cujo cumprimento apresentava um prazo estipulado, conforme resulta aliás expressamente do referido contrato junto com o Requerimento Executivo.
5. Nestes termos, as obrigações venceram-se e tornaram automaticamente exigíveis por ausência da realização dos pagamentos devidos nos termos acordados contratualmente, nos termos do artigo 781.º do Código Civil,
6. E bem assim, do estipulado entre as partes, já que resulta do contrato de mútuo que o Banco mutuante tem o direito de considerar imediatamente vencida a totalidade da dívida perante o incumprimento de qualquer obrigação decorrente do referido contrato,
7. Com efeito, nos termos dos contratos de mútuo peticionados nos autos, a Caixa (…), S.A. tem o direito de “considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento” no caso de “incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato” – cfr. Cláusula 15.ª do documento complementar do contrato de mútuo celebrado.
8. Extraindo-se do contrato que o Banco reservou para si o direito de considerar o crédito imediatamente vencido, em caso de falta de cumprimento de quaisquer obrigações assumidas no âmbito do referido contrato.
9. Como tal, as partes contratuais aceitaram o vencimento antecipado dos empréstimos, independentemente de interpelação, no caso de incumprimento de uma obrigação contratual, como seja, a do pagamento das prestações mensais.
10. Sem prejuízo do supra exposto, sempre se dirá que, os Executados tomaram efetivamente conhecimento da opção do Banco pelo vencimento antecipado de todas as prestações e bem assim da perda de interesse na manutenção da relação contratual, com a respetiva resolução do mesmo, através da citação judicial realizada nos presentes autos.”

Por despacho de 24/05/2022 foi ordenada a notificação da exequente para, esclarecer expressamente se extrajudicialmente enviou escritos de resolução dos contratos, posteriormente ao incumprimento em 09/05/2010, antes da instauração da execução, caso em que deverá juntar aos autos tais escritos, e respetivos documentos comprovativos, designadamente registos postais e respetivos a/r; ou, se pelo contrário, a exequente, em face do incumprimento em 09/05/2010, simplesmente considerou a exigibilidade automática dos contratos, mas sem enviar qualquer escrito de resolução, o que deverá esclarecer – artigo 417.º NCPC.”


Não tendo ocorrido resposta, a esta última notificação o tribunal em 21/06/2022 decidiu rejeitar a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por PIDAC, julgando-se verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo-se a execução – artigo 18.º, n.º 1, esp. alínea b), do Decreto – Lei n.º 227/2012, artigos 7.º e 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, e artigos 726.º, 728.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC.


Inconformada com tal decisão veio a exequente recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

A. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância que determinou a rejeição da ação executiva para pagamento de quantia certa intentada pela ora Recorrente, julgando verificada exceção dilatória inominada de falta de integração no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – instituído pelo D.L. n.º 272/2012, de 25/10.

B. Fundamenta a decisão que a ora Recorrente não logrou fazer prova de ter o Banco Cedente procedido à integração da Executada no procedimento extrajudicial de situações de incumprimento aplicável ao contrato de mútuo com hipoteca dado à execução: “(…) Não tendo sido alegada, e muito menos documentalmente comprovada, qualquer resolução dos contratos exequendos anterior a 01/01/2013, ónus que incumbe à exequente, não havendo sequer escritos de resolução, não pode deixar de se concluir que a exequente não demonstrou a resolução do contrato em data anterior a 01/01/2013 que a isentasse do cumprimento do PERSI.

(…) Consequentemente, por tudo o supra exposto, não tendo a exequente cumprido previamente o PERSI, nos termos impostos pelo Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, falta condição objetiva de procedibilidade, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda, bem como falta de admissibilidade liminar, o que constitui exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância executiva (...)”.

C. Notificada para comprovar a integração dos Executados em PERSI, a ora Recorrente informou que à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o contrato já se encontrava resolvido, tendo a Caixa (…), S.A., Exequente à data, atualmente Cedente, avançado para a cobrança coerciva da dívida através da presente ação executiva, não havendo, por essa razão, lugar à integração do PERSI, conforme previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 227/2012.

D. O título executivo dado à execução corresponde a um contrato de mútuo garantido por hipoteca registada sobre o bem imóvel penhorado, estando o mesmo em incumprimento desde a data de 09.05.2010, não tendo mais desde a referida data os Recorridos retomado as prestações devidas.

E. O incumprimento verificado, por ausência da realização dos pagamentos devidos nos termos acordados contratualmente, nos termos do disposto do artigo 781.º do Código Civil, determinou o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, visto que, o contrato objeto dos presentes autos, nos termos já expostos em sede de requerimento executivo, apresentava datas certas e devidamente determinadas para o pagamento de cada prestação de reembolso.

F. Isto é, o pagamento das prestações mensais, constantes e sucessivas consistia em obrigações cujo cumprimento apresentava um prazo estipulado, pelo que, nestes termos, as obrigações venceram-se e tornaram automaticamente exigíveis por ausência da realização dos pagamentos devidos nos termos acordados contratualmente, nos termos do artigo 781.º do Código Civil e bem assim, do estipulado entre as partes, já que resulta do contrato de mútuo que o Banco mutuante tem o direito de considerar imediatamente vencida a totalidade da dívida perante o incumprimento de qualquer obrigação decorrente do referido contrato.

G. Com efeito, nos termos do contrato de mútuo peticionado nos autos, a Caixa (…), S.A. tem o direito de “considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento” no caso de “incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato” – cfr. Cláusula 15.ª do documento complementar do contrato de mútuo celebrado, extraindo-se do contrato que o Banco reservou para si o direito de considerar o crédito imediatamente vencido, em caso de falta de cumprimento de quaisquer obrigações assumidas no âmbito do referido contrato.

H. Como tal, as partes contratuais aceitaram o vencimento antecipado dos empréstimos, independentemente de interpelação, no caso de incumprimento de uma obrigação contratual, como seja a do pagamento das prestações mensais.

I. No que concerne à respetiva resolução, na sequência do incumprimento verificado, por ausência da realização dos pagamentos devidos nos termos contratuais, a qual determinou o vencimento antecipado de todas as prestações, operando a resolução imediata e automática dos contratos em causa, ao abrigo, não só do disposto no artigo 436.º, n.º 2, do Código Civil, mas também do determinado nos mencionados contratos, que estipulam “a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados ”.

J. Ou seja, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigo 405.º CC), a ora referida resolução operou automaticamente, em consequência do livremente contratualizado pelas partes, resultando assim claro que a resolução operada, em consequência do supra exposto nos pontos anteriores, foi legítima e eficaz,

K. A exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de 30 dias, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, dependerá, nos termos do respetivo art. 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento – conforme propugna o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1, datado de 19.02.2019, disponível em www.dgsi.pt .

L. Neste sentido, confira-se o que refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo n.º 949/14.3TBSSB-E.E1: “A aplicação do regime de regularização de situações de incumprimento (PERSI) implementado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, aos casos de mora iniciados antes da entrada em vigor deste diploma, tem como pressuposto, além da manutenção da mora no incumprimento das obrigações contratuais, que o contrato permaneça em vigor, o que não ocorre se àquela data o contrato já tiver sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento. II. Assim, verificando-se que o contrato de crédito já havia sido resolvido antes da entrada em vigor do referido diploma, não tinha a instituição bancária que integrar o consumidor cliente bancário em PERSI, nem informar o fiador dessa possibilidade, antes de instaurar a execução.”(sublinhado e negrito nossos)

M. Destinando-se o PERSI apenas aos clientes bancários que, na referida data de 01.01.2013, se encontrem em mora, conclui-se que sobre o Banco exequente não impendia a obrigação de integrar os executados no referido procedimento, porquanto o contrato já não se encontrava em vigor, tendo já ocorrido o incumprimento definitivo e subsequente resolução.

N. Conforme demonstrado, à data da entrada em vigor do referido diploma já o contrato em causa se encontrava extinto, por resolução, na sequência do incumprimento das obrigações contratuais, pelo que, não se encontrava obrigada a instituição bancária, por força do regime previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, a proceder à integração dos devedores em PERSI, antes de instaurar a presente ação executiva.

Sem embargo, sempre se dirá que,

O. A ora Recorrente viu-se impedida de comprovar se previamente à instauração da ação executiva tentou efetivamente a regularização extrajudicial da dívida, e de que modo o fez, designadamente se existiram entre as partes negociações nesse sentido e se os Recorridos foram eventualmente incluídos em procedimentos equiparados ao PERSI, nos quatro anos decorridos entre a data de incumprimento e a entrada da ação executiva, dando materialmente cumprimento ao definido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, e se, ainda assim era exigível ao Banco a integração dos Executados no regime do PERSI, sendo certo que, as instituições bancárias avançam sempre com a execução das dívidas hipotecárias apenas em última instância, precisamente para evitar o constrangimento que uma ação executiva acarreta, designadamente a perda da casa de morada de família para os mutuários.

P. Com efeito, o objetivo prosseguido pelo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL 227/2012, de 25/10, é o de envolver as instituições de crédito na apresentação de propostas de regularização de situações de incumprimento adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.05.2016, Proc. n.º 194/13.5TBCMN-A.G1, disponível em www.dgsi.pt ).

Q. Confira-se a este respeito o que se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09.02.2017 (processo n.º 194/13.5TBCMN-A.G1.S1) disponível em www.dgsi.pt : “Porém, resultando da facticidade provada que em Maio de 2011, i.e., antes mesmo da entrada em vigor do referido diploma, a exequente havia iniciado um procedimento extrajudicial de regularização da situação de incumprimento dos executados, equiparado ao PERSI, que se prolongou até Março de 2013 e que só não se concretizou através de dação em cumprimento de um imóvel por facto imputável a estes últimos, não é de aplicar ao caso o regime previsto no DL n.º 272/2012, de 25-10, sob pena de a pretensão dos executados / oponentes configurar abuso de direito”.(..) A circunstância de os executados / oponentes não terem sido formalmente integrados no PERSI não lhes retirou direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas, posto que a ação executiva só foi instaurada depois de gorada a concretização da solução negociada por razões só àqueles imputáveis.” Ainda, como refere o supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (processo n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1, datado de 19.02.2019): “Ademais, sob pena de se incorrer em abuso de direito, não faria sentido que, bem mais de um ano depois do início do incumprimento e depois de terem estado em curso negociações, sem sucesso (de parte a parte), fosse exigível à exequente a integração formal dos executados no regime do PERSI.”

R. Do exposto advém que, não podia o tribunal a quo ter decidido nos moldes expostos supra, extinguindo a ação executiva, sem apurar se os executados deveriam efetivamente ter sido automaticamente integrados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), ficando, em consequência, o Banco exequente impedido de intentar a ação executiva para satisfação do seu crédito.

S. Não poderia deixar de se conceder e viabilizar a oportunidade ao Recorrente de fazer prova da existência de negociações ou integração noutros procedimentos equiparados, bem como, sem prejuízo do exposto supra, da interpelação e resolução dos contratos, verificando-se se o Banco promoveu todas as diligências necessárias a que se encontrava obrigado antes de intentar ação executiva, permitindo-lhe o recurso a meios de prova adicional, nomeadamente a prova testemunhal.

T. Não obstante, entendeu o tribunal a quo, não determinar o prosseguimento dos autos, determinando a sua extinção sem mais – denote-se que a sentença de que ora se recorre foi proferida nos autos principais de execução, em plena fase de venda judicial, após decisão de adjudicação do bem imóvel que é garantia hipotecária da ora Recorrente a terceiro, tendo sido a questão espontaneamente analisada e apreciada pelo tribunal, sem que tenha sido suscitada pelas partes – pelo que, a Recorrente, querendo, estava absolutamente impedida de recorrer a outros meios de prova.

U. Por tudo o exposto, considera a ora Recorrente que a sentença recorrida contém na sua fundamentação, atento o enquadramento jurídico aplicável à questão sub judice, erro na interpretação e aplicação do Direito, não podendo conformar-se com a referida decisão, pelo que requer a intervenção deste douto Tribunal para que a questão em apreço seja objeto de prolação de acórdão.

V. É entendimento da ora Recorrente, que, não poderia ter considerado o tribunal a quo, que se encontrava verificada exceção dilatória insuprível, por falta de implementação do PERSI, tendo conduzido à extinção da ação quanto ao crédito emergente do contrato, porquanto é manifesto que sobre o Banco exequente não impendia a obrigação de integrar os executados no referido procedimento, dado que o contrato já não se encontrava em vigor, tendo já ocorrido o incumprimento definitivo e subsequente resolução.

W. Ainda que assim não se entenda, sem conceder, sempre deveria o tribunal a quo ter apurado se, de facto, os Recorridos deveriam efetivamente ter sido integrados no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), ou se à semelhança do que sucedeu nos casos idênticos analisados nos doutos arestos do Supremo Tribunal de Justiça (acórdãos devidamente identificados supra), se o Banco tendo já dado materialmente cumprimento ao definido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, não lhe seria já então exigível a integração dos Executados no regime do PERSI.

X. Nestes termos, sempre deverá ser determinado o prosseguimento da ação executiva, devendo a sentença proferida pelo tribunal a quo ser revogada, substituindo-se por outra que determine o prosseguimento da ação executiva, uma vez não verificada a exceção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração da presente ação executiva e, que determinou a absolvição da Executados da instância executiva, ou, no caso de assim não se entender, seja proferida decisão que determine o prosseguimento da ação executiva, admitindo-se a produção de prova adicional de modo a apurar se efetivamente era exigível ao Banco a integração dos executados no regime do PERSI.

A final requer se revogue a sentença recorrida, substituindo-se por outra que determine o prosseguimento da ação executiva, uma vez não verificada a exceção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração da presente ação executiva, ou, caso assim não se entenda, seja proferida decisão que determine o prosseguimento da ação executiva para produção de prova adicional de modo a apurar se efetivamente era exigível ao Banco a integração dos executados no regime do PERSI.

Não foram apresentadas contra-alegações.


II

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), a questão a decidir é a seguinte:

Da (não) obrigatoriedade do cumprimento do PERSI na situação dos autos por haver já ocorrido a resolução do contrato de mútuo bancário quando entrou em vigor o PERSI, em 01 de janeiro de 2013.


III

Os factos a considerar resultam do Relatório supra, sendo ainda de considerar o seguinte:

- O incumprimento ocorreu em 09/05/2010;

- O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 que regula o PARI e o PERSI entrou em vigor no dia 01/01/2013;

- A Caixa (…) instaurou a execução em 10/06/2014;

- A cessão de créditos ocorreu em 30/01/2019.


IV

Fundamentação:

O DL n.º 227/2012, de 25/10 veio regular o PLANO DE AÇÃO PARA O RISCO DE INCUMPRIMENTO (PARI) estabelecendo princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criando a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.

Estabelece o artigo 2.º daquele diploma, na redação em vigor à data dos factos (1ª versão) que:

«1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:

(…)

b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;

c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;

(…).»

O título executivo configura um contrato de crédito garantido por hipoteca sobre bem imóvel e também um contrato de crédito a consumidores abrangido pelo Dec-Lei n.º 133/2009, de 2/06, alterado pelo Dec-Lei n.º 72-A/2010, de 18/06.

Estabelece ainda o artigo 39.º do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25/10, a propósito da sua aplicação no tempo que:

«1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.

2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º.

3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º».

A obrigatoriedade de integração no PERSI implica para as instituições de crédito o Procedimento previsto nos artigos 12.º a 21.º do Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25/10, com vista à regularização das situações de incumprimento.

Considerando que o diploma entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013 (artigo 40.º) importa apurar se, em tal data, os executados se encontravam em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contratos de crédito titulado nos autos, estando as obrigações vencidas há mais de 30 dias.

É sabido que o incumprimento ocorreu em 09/05/2010, o Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25/10 que regula o PARI e o PERSI entrou em vigor no dia 01/01/2013 e, a Caixa (…) instaurou a execução em 10/06/2014, o que, permite dar como verificada a sequenciação cronológica apta à integração dos executados no PERSI.

Objeta, contudo, a exequente que à data em vigor do Dec.-Lei que regula o PARI (01/01/2013) os executados estavam já não em mora, estando o contrato automaticamente resolvido, por via do artigo 781.º do Código Civil, que estipula que: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”. Logo, a falta de liquidação de duas ou mais prestações por parte dos executados implicou o vencimento imediato de todas elas, sem necessidade de interpelação resolutiva. E tal ocorreu a partir de 09/05/2010, ou seja, em data anterior à do diploma. Mas mesmo que se entendesse ser necessário uma interpelação resolutiva, a mesma teria ocorrido com a instauração da ação executiva.

Entendeu o tribunal a quo que a exequente/cedente estava obrigada a cumprir o PERSI relativamente aos executados, porque o contrato que integra o título executivo está previsto no diploma que o contempla e que a exequente não fez prova nem de interpelação resolutiva, nem de integração no PERSI, não obstante as diversas notificações por parte do tribunal a quo, dando-lhe prazos para o efeito. Pelo que não os interpelou, nem resolveu os contratos extrajudicialmente, antes de 01/01/2013; e a citação no âmbito da execução, a valer como resolução judicial do contrato, para efeitos substantivos, é sempre posterior a 01/01/2013 (data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10), sendo, assim, obrigatório, o cumprimento do PERSI.

Ou seja, a exequente/cedente não demonstrou a resolução do contrato em data anterior a 01/01/2013 que a isentasse do cumprimento do PERSI.

O que tem a nossa concordância.

Perante o incumprimento do devedor nas condições supra referidas, o credor tem a faculdade de exigir a totalidade das prestações ainda não liquidadas, promovendo a perda de benefício do prazo de pagamento escalonado do devedor em relação às restantes prestações vincendas.

Não obstante, a promoção do vencimento imediato da totalidade das prestações associadas ao plano de liquidação do contrato de crédito é sempre opcional, pelo que o credor pode sempre optar por aguardar o cumprimento do devedor inadimplente, fixando-lhe, por exemplo, um outro custo total do crédito (TAEG).

O devedor tem de saber qual é a reação da entidade bancária, promovendo a perda do benefício do prazo e em que medida, ou decidir não usar dessa faculdade que a lei lhe atribui, refazendo o custo das prestações em dívida.

A promoção da resolução do contrato não carece de intervenção judicial para a sua efetivação, bastando a verificação dos respetivos requisitos para que o credor possa, extrajudicialmente, nomeadamente por interpelação ao consumidor, optar por resolver o contrato de crédito, mas essa interpelação extrajudicial só é eficaz mediante declaração à outra parte (artigos 436.º e 224.º, n.º 1, do CC).

A resolução contratual só é eficaz se comunicada por declaração recetícia.

Como refere a decisão recorrida, não tendo sido alegada, e muito menos documentalmente comprovada, qualquer resolução dos contratos exequendos anterior a 01/01/2013, ónus que incumbe à exequente, não havendo sequer escritos de resolução, não pode deixar de se concluir que a exequente não demonstrou a resolução do contrato em data anterior a 01/01/2013, que a isentasse do cumprimento do PERSI.

O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1.

O que se torna oponível ao cessionário exequente.

Desde logo porque a verificação dos pressupostos para a integração do devedor no PERSI ocorreu em momento anterior à cessão de créditos pela entidade mutuante para uma sociedade de titularização de créditos, pelo que é oponível à cessionária.

Assim, no presente caso, havia obrigatoriedade do cumprimento do PERSI e este não foi cumprido.

Bem andou o tribunal a quo ao decidir que, não tendo a exequente cumprido previamente o PERSI, nos termos impostos pelo Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, falta uma condição objetiva de procedibilidade, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda, bem como falta um fundamento de admissibilidade liminar, o que constitui exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância executiva.

Improcede, por consequência ao recurso.

Em suma:

(…)


V

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Évora, 09/02/2023

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)

Jaime Pestana (2º Adjunto)