Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2658/16.0T8STR.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE DO BANCO
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1 - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.
2 - Provando-se que no âmbito do contrato de intermediação financeira o funcionário do Banco propôs ao autor uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto (Obrigações SLN) com garantia do capital investido e que o autor deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo Banco com capital garantido, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente, designadamente o reembolso do capital investido.
3 - Pois, face ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores está demonstrado quando, face à factualidade provada, podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, e não tivesse havido omissão de informação por um lado e informação enganosa por outro, o autor não teria investido naquele produto financeiro.
4 - Tendo-se reconhecido, no contexto factual em que ocorreu o negócio, que o Banco agiu com culpa grave, é inaplicável o reduzido prazo prescricional previsto no n.º 2, do artigo 324º do CdVM, sendo antes aplicável o prazo prescricional ordinário.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

AA, intentou ação declarativa de condenação com processo comum, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Cível de Santarém – J5), contra Banco BIC Português, S. A., em que invoca no âmbito de intermediação financeira efetuada em 2007 na Agência de Torres Novas do Banco Português de Negócios S. A. (posteriormente adquirido pelo réu) ter sido induzido em erro pelo funcionário do banco, para subscrição de um produto financeiro, que não subescreveria se não fosse essa atuação, o que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais, concluindo por peticionar a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 56.147,26, (a título de danos patrimoniais), bem como a quantia de € 3.500,00 (a título de danos não patrimoniais), acrescidas juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
Citado o réu veio contestar, por exceção, arguindo a incompetência territorial, bem como a prescrição e, por impugnação, pondo em causa parte dos factos alegados pelo autor, concluindo por pedir a absolvição do pedido.
Em sede audiência prévia foi julgada improcedente a exceção da incompetência territorial e, relativamente à prescrição, foi relegado para final o seu conhecimento.
Corrida que foi a subsequente tramitação processual e realizada audiência final veio a ser proferida sentença na qual se decidiu:
Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, considera-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se o Réu Banco BIC Português, S.A., a pagar ao Autor AA, a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-se quanto ao mais pedido.
Custas por Autor e Réu na proporção do decaimento. – cfr. artº527º do CPC.
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Irresignado, veio o réu interpor o presente recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
I. O Banco Recorrente não pode assim concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 5, 6, 8, 9 e 10.
II. Considerando a prova testemunhal produzida, mormente o depoimento da testemunha João … (cujas passagens essenciais que aqui se dão por integralmente reproduzidos), bem como o boletim de subscrição do produto assinado pelo Autor deverá ser alterada a matéria de facto retirando a referência à garantia pelo BPN, ou risco exclusivamente banco constante do facto provado nº 5 dos factos provados.
III. Pela análise dos mesmos elementos de prova deveriam, assim, terem sido dados como não provado os factos constantes do ponto 6, 8, 9 e 10 dos factos dados como provados.
IV. Consequentemente deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos dados como não provados descritos nos pontos 4, 5, 6 e 7.
V. O depoimento da testemunha Maria …, esposa do Autor, deverá ser analisado como se de verdadeiras declarações de parte se tratem uma vez que a testemunha é co-proprietária dos fundos em causa.
VI. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.
VII. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referencia à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
VIII. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.
IX. Mesmo que se compare o investimento efetuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 50.000,00 euros.
X. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.
XI. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.
XII. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.
XIII. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%.
XIV. O investimento efetuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
XV. Pelo que o investimento efetuado era então adequado a alguém como o Recorrente
XVI. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negócio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.
XVII. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.
XVIII. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.
XIX. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com exceção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.
XX. Os arts. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução.
XXI. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem densificados nos preceitos seguintes. Por isso, não tem qualquer cabimento a alegação do Recorrente de que o Recorrido violou as disposições versadas no art. 312º nº 1 alíneas d) e e). A afirmação desses deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
XXII. A menção do art. 312º nº 1 alínea e) quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura e não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si. Por isso o art. 312º nº 1 alínea e) em nada se relaciona com a situação aqui em crise, de nada servindo a sua invocação para aí estribar um ilícito do Banco Réu.
XXIII. O dever de informação previsto no art. 312º nº 1 alínea d) do CdVM respeitante aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas é depois densificado no art.º 312º-E nºs 1 e 2.
XXIV. A referência do nº 1 deste artigo à natureza do instrumento financeiro refere-se às características e funcionamento do instrumento financeiro.
XXV. O que, no caso presente, foi suficientemente cumprido pelo Banco Recorrido, conforme resulta da boa análise da matéria de facto provada.
XXVI. A menção do art. 312º-E nº 1 do CdVM quanto aos riscos do tipo do instrumento financeiro remete para o nº 2 do mesmo preceito, onde o legislador esclareceu a que riscos se refere e sobre os quais está o intermediário financeiro obrigado a informar o investidor, desde que tais riscos sejam aplicáveis, claro está, ao tipo de instrumento financeiro escolhido para o envessamento.
XXVII. Nos termos da lei, são estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação.
XVIII. Os riscos a que se refere o art. 312º-E nº2 são riscos endógenos e próprios do tipo de instrumento financeiro e não motivados por quaisquer fatores extrínsecos aos mesmos.
XXIX. Ora, o investimento sobre que versa o presente processo foi feito em Obrigações e é, portanto, um investimento de baixo risco por se tratar de investimento não sujeito a qualquer volatilidade.
XXX. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto!
XXXI. E não se confunda o cumprimento do dever de informação quanto ao risco da perda da totalidade do investimento com a necessidade de advertência do investidor sobre os riscos de incumprimento pelo obrigado da obrigação de compra decorrente do cumprimento da opção de venda, ou sequer com qualquer advertência sobre uma hipotética insolvência desse mesmo obrigado.
XXXII. É que essa característica a excludente do risco de perda da totalidade do investimento em nada se confunde ou exclui o risco geral de incumprimento de toda e qualquer obrigação.
XXIII. De facto, esse é um RISCO GERAL e latente de toda e qualquer obrigação e não qualquer risco específico do tipo de instrumento financeiro escolhido e, portanto, não se insere naquela previsão do art. 312º-E nº 2 alínea a).
XXXIV. Sucede e acresce ainda que, as disposições supra referidas resultam todas da redação que o D.L. 357-A/2007 de 31/10 deu ao CdVM (diploma este que procedeu à transposição da D.M.I.F.).
XXXV. Conforme se prescreve no art. 21º, tal diploma entrou em vigor no dia 01/11/2007 e, logo, não estava ainda em vigor aquando da subscrição das Obrigações aqui em crise, não sendo por isso aquelas disposições supra citadas aplicáveis a este caso em concreto.
XXXVI. A redação do CdVM anterior à DMIF era muito mais ligeira na obrigação de informação do intermediário financeiro. XXXVII.E, então, não estava sequer tão densificado o dever de informação, conforme hoje resulta das disposições dos arts. 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas com o já referido D.L. 357-A/2007 de 31/10.
XXXVIII. À data da subscrição das Obrigações, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)!
XXXIX. Para além disto, a anterior redação do CdVM apenas afirmava no art. 323º uma regra geral quanto ao dever de informação nos negócios de execução, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.
XL. Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redação do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do Spo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
XLI. A falta de entrega da nota informativa das Obrigações não constitui qualquer ilícito do Banco Réu enquanto intermediário financeiro, uma vez que em lado algum do CdVM resulta qualquer obrigação de entregar esse documento. O CdVM apenas obriga a prestar informação, não obriga a qualquer entrega de notas informação das Obrigações subscritas.
XLII. O incumprimento do dever de informação implica uma presunção de culpa do intermediário financeiro, nos termos do art. 304º-A nº 2 do CdVM, porém não existe qualquer presunção de ilicitude a este respeito, cabendo portanto ao lesado e aqui Autor alegar e provar o que concretas informações é que o Réu deveria ter dado que não deu.
XLIII. O que, como não foi feito, condena a presente ação ao fracasso.
XLIV. A ideia que fica de toda a prova produzida é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros.
XLV. A expressão garantia tem que ver por isso com um retorno certo do capital e não com qualquer caução que o Banco prestasse.
XLVI. E aliás diga-se que, o próprio funcionário do Banco associou essa garantia de capital e juros com o reembolso dos títulos ser afetada ao valor nominal acrescido dos respetivos juros na data de vencimento de cada emissão, conforme consta da nota informativa!
XLVII. Fica assim suficientemente esclarecido o que o funcionário pretendia dizer!
XLVIII. Ora, esta expressão do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeiro de Setembro de 2008 (com a falência do Lehman Brother’s). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes.
XLIX. Por isso, esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar.
L. E tal terá sucedido também com o Autor, que se importou mais com a melhor rentabilidade oferecida, do que propriamente com a identidade de quem ficaria perante si obrigado.
LI. Mais, um declaratário normal colocado no lugar do Autor, não teria depreendido daquela singela expressão de “garantia de capital e juros” que era afinal o Banco quem caucionava as obrigações da SLN!
LII. E a informação a prestar pelo intermediário financeiro tem que ser prestada segundo o critério objetivo previsto no art. 312º-Anº 1 alínea c) CdVM, ou seja, de forma a ser percetível pelo destinatário médio.
LIII. Nada obrigando a que o intermediário financeiro tenha, para além do dever de informar, o dever também de se assegurar que o investidor compreendeu a informação!
LIV. Por tudo isto é necessário concluir que o Banco Réu agiu sem culpa.
LV. Não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo Autor nas Obrigações SLN.
LVI. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber da SLN e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
LVII. O Autor não alegou qualquer facto (e por inerência não está provado!) qualquer matéria que pudesse ser reconduzida ao nexo de causalidade entre o dano produzido e a falta de realização do teste de adequação.
LVIII. Na verdade, não está alegado nem provado que se o Banco Réu tivesse feito o teste de adequação, teria concluído que a aplicação financeira não se adequava ao perfil de risco do investidor Autor.
LIX. Faltando essa matéria, é inócua e irrelevante a falta de realização de um teste de adequação, pois esta matéria não poderá produzir a responsabilização do Banco Réu. O que se afirma aqui, sem prejuízo de se sublinhar também que, no entender do Banco Réu, o investimento efetuado era adequado ao perfil de investidor do Autor.
LX. O Autor não alegou nem provou também que se não fosse aquela putativa garantia de capital e juros, não teria subscrito a aplicação financeira em Obrigações SLN!
LXI. Logo claudica também o nexo de causalidade entre o facto e o dano!
XII. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave.
LXIII. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor.
LXIV. Terá havido portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se portanto de uma indução negligente em erro –.
LXV. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.
LXVI. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave.
LXVII. E considerando a matéria de facto provada, constatamos que já estavam volvidos mais de dois anos entre a data em que o Autor tomou conhecimento da concreta aplicação efetuada e a data em que propôs a ação.
LXVIII. E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
LXIX. Uma qualquer discrepância entre a vontade negocial e a conjetural só pode ter eficácia destrutiva.
LXX. Ou seja, a vontade conjetural pode invalidar a negocial, mas não pode ser, ela própria, elemento do negócio jurídico, sobrepondo-se à vontade negocial, sendo ela própria base dos efeitos jurídicos pretendidos pelo declarante!
LXXI. A declaração do funcionário do intermediário não pode valer com o sentido que o investidor - declaratário normal - lhe atribuiu, nos termos do art. 236º CC, porque na realidade não houve da parte do Banco recorrido qualquer intenção de prestar uma garantia (nem tal resulta da matéria de facto provada) e, assim sendo, não se verifica o acordo de vontades que o art. 232º CC exige para ser concluído um negócio.
LXXII. Assim, o negócio jurídico celebrado em qualquer putativo erro não pode surtir os efeitos pretendidos pelo declarante, como se a sua vontade não tivesse sido viciada e, logo, não se pode agora obrigar o Recorrente a cumprir uma garantia, apenas porque o Recorrido ficou erradamente convencido que a mesma foi prestada!
LXXIII. À expressão “capital garantido e juros garantidos”, proferida aquando da subscrição de Obrigações SLN, falta a solenidade e ritualismo próprios da emissão de uma declaração negocial capaz de obrigar o Banco Réu.
LXXIV. Tal expressão também não pode ser reconduzível a uma assunção de dívida.
LXXV. Tal expressão, quando muito, constitui uma fiança e não uma assunção de dívida, como consta da sentença recorrida.
LXXVI. É indício disso mesmo a circunstância de, ao ser afirmada a garantia de capital juros, não estar certamente na mente do Banco Recorrente (ou do seu funcionário) prescindir do direito de ficar subrogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial. É que essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu já que a SLN (apesar de pertencer ao mesmo Grupo) não era uma sociedade sua filha, sendo antes sua mãe!
LXXVII. Pela mesma ordem de razões, não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, direto e objetivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à SLN em nada beneficiava o Réu Banco, sendo apenas e antes útil à cadeia hierárquica societária que detinha a SLN e à qual o Banco Réu era alheio, porque era então detido a 100% e não detentor...
LXXVIII. Acresce também que, à data da subscrição, todos criam que a emitente SLN estaria em condições de pagar o papel comercial emitido, verificando-se assim a característica essencial da fiança, traduzida na esperança de que o devedor principal pagará ao credor, sendo desnecessária a intervenção do fiador.
LXXIX. Todos estes indícios apontam, pois, no sentido de que a expressão foi, quando muito, uma fiança e não a solução acolhida pela sentença recorrida da assunção cumulativa da dívida.
LXXX. Tratando-se, como se trata, de uma fiança estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C.
LXXXI. No caso, vale o disposto no art. 327º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.
LXXXII. Não constando a garantia do documento de fls 53, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C.
LXXXIII. Uma tal garantia ou assunção de dívida viola igualmente o princípio pari passu de igualdade de tratamento dos detentores de valores mobiliários e, portanto, não pode ser admitida.
LXXXIV. De toda a forma, a condenação do Banco Réu com base na assunção de dívida extravasa em muito a causa de pedir e o pedido da presente ação e, logo, uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art. 615º nº 1 alínea e) do CPC..
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O apelado nas alegações que ofereceu pugnou pela manutenção do julgado.
Apreciando e decidindo

Como se sabe o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso - (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, as questões nucleares em apreciação são as seguintes:
1ª - Da nulidade da sentença;
2ª - Do erro de julgamento da matéria de facto;
3ª - Da (in)adequada subsunção dos factos ao direito aplicável, em especial no que respeita ao dever de informação do intermediário financeiro e à prescrição do direito a que o autor se arroga.
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Na 1ª instância, considerou-se provado o seguinte circunstancialismo factual:
1. O Autor era cliente do Réu na altura BPN, na sua agência de Torres Novas aí possuindo conta bancária.
2. A determinada altura estabeleceu relações de confiança com um funcionário do então denominado Banco BPN, ora Ré, de nome João … pessoa com quem havia estabelecido uma sólida relação de confiança, desde os tempos em que o referido indivíduo era funcionário de outra instituição financeira.
3. Abrindo conta de depósito na Agência de Torres Novas por sugestão do dito funcionário de poupanças
4. Sendo que essa relação ainda hoje se mantem, sendo o Autor titular da conta de depósitos à ordem nº 5055463.10.001.
5. Em Janeiro de 2007, o Autor foi contactado pelo referido funcionário João …, atuando em nome do mesmo, convenceu o Autor a fazer uma aplicação financeira, com capital garantido pelo BPN, com rentabilidade assegurada e sem qualquer risco de perda de capital
6. O referido funcionário sabia que o Autor, sempre tivera aplicações em depósitos a prazo, e não tinha conhecimento sobre produtos financeiros, não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.
7. E por isso, era considerado pelo Banco como um cliente de perfil de risco baixo.
8. Sucede que o seu dinheiro - €50.000,00, viria a ser colocado em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que Autor soubesse em concreto do que se tratava.
9. Decisão que o Autor não tomaria se, por parte do dito funcionário, não fosse manifestada a garantia total de capital e juros e a qualidade e segurança do produto antes da subscrição deste.
10. O Autor nunca recebeu qualquer documento que titulasse a operação ou nota informativa, tendo a sua assinatura sido cobrado no documento de fls. 53 denominado “Comunicação de Cliente”, preenchido nos serviços do Réu, através do qual é formalizada uma ordem de subscrição das referidas obrigações, sem que o conteúdo de tal documento fosse explicado ao Autor marido, o qual não percebeu o seu alcance, nem entendeu que estava a dar uma ordem de subscrição de obrigações.
11. O Autor não foi informado de quaisquer outras condições de subscrição, ou de quaisquer documentos relativos à subscrição
12. A partir de data não concretamente apurada o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos.
13. As Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 foram emitidas pela SLN, SGPS. S.A.
14. O Autor subscreveu também junto do Banco Réu Unidades de Participação do Fundo de Investimento Imobiliário IMONEGÓCIOS.

Foram considerados não provados, com interesse, os seguintes factos:
1. Que o Autor e Réu tenham contratado uma taxa de juros de 6,25%.
2. O Autor tem passado por momentos dificilmente retratáveis, ao ver as suas economias, amealhadas com tanto esforço, fugirem.
3. O Autor vive sob mágoa constante da perda total das economias que possui em virtude da conduta do Réu.
4. Aquando da subscrição das obrigações foi explicado ao Autor a diferença entre obrigação e depósitos a prazo.
5. O Autor foi informado que a emitente das obrigações era dona do Banco.
6. Ao autor foi explicado as condições de reembolso, mais concretamente que o reembolso antecipado da emissão só seria possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
7. E que a obtenção de liquidez apenas seria possível por via de endosso.
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Conhecendo da 1ª questão
O recorrente vem arguir a nulidade da sentença, na conclusão LXXXIV, salientando que «Logo uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art. 615º nº 1 alínea e) do CPC» porque a condenação não assenta em qualquer garantia válida, uma vez que tal garantia não consta do documento de subscrição e não constando «mais não resta que concluir que a mesma é nula, nos termos do artº 220º do C.C.».
Não podemos perfilhar de tal entendimento que conduziria à nulidade da sentença decorrente de óbice formal.
Pois, “a garantia dada pelo banco (e como resulta dos factos) não tem um sentido jurídico de assunção de garantia, mas antes um sentido comum: o recorrente, através do seu funcionário, garantiu a total segurança da operação e o reembolso das quantias investidas, e foi essa falsa informação que determinou a vontade negocial do cliente.
Em suma, não há qualquer contrato de garantia, mas apenas uma informação falsa, por parte do banco, que visa motivar os seus clientes a subscrever um produto financeiro, dizendo-lhes que aquele produto era similar ao depósito a prazo, sendo os riscos os mesmos, já que o banco garantia o reembolso.”[1]
O autor não exige o reembolso do capital e juros com base em qualquer garantia, mas tão só na responsabilidade civil do Banco, por grosseira violação dos seus deveres de informação.
Donde parece ser manifesto, que não estamos perante qualquer condenação superior ou em objeto diverso do pedido, pelo que não se verifica a apontada nulidade da sentença.
Improcede, nesta vertente, a apelação.

Conhecendo da 2ª questão
O recorrente vem pôr em causa a matéria de facto, requerendo a alteração indicando, em concreto, relativamente à matéria de facto provada os pontos n.ºs 5, 6, 8, 9 e 10 e relativamente à matéria de facto não provada os pontos 4, 5, 6 e 7, salientando que os primeiros deveriam ser dados como não provados (à exceção do 5, que apenas deveria ser parcialmente não provado) e os segundos deveriam, ao invés, ser considerados provados, por tal o impor o depoimento da testemunha João … (funcionário bancário), bem como o documento de fls. 53 “comunicação de cliente”, assinado pelo autor, no qual se solicita a “aquisição de obrigações”.
O Julgador a quo na sua motivação, para dar como provados os factos, ora questionados, afirmou:
No que diz respeito aos factos consubstanciadores das circunstâncias em que os Autores subscreveram o produto financeiro em causa e consequências dessa subscrição, tal como descritos nos pontos 2.1.5. a 2.1.12, o tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos das referidas testemunhas (João …, Alexandra … e Maria …), conjugado com a análise do documento de fls. 53 (“comunicação ao cliente”) e cópias dos extratos bancários de fls. 54 a 54v, tudo conjugado ainda, como se disse, com as regras da experiência comum.
Começando pelo depoimento da testemunha João …, cumpre desde logo referir algumas contradições. Desde logo a testemunha afirma que o Autor era um cliente de depósitos a prazo, que sempre teve dinheiro em depósitos a prazo e que a base da decisão do cliente foram as condições nomeadamente as taxas, para depois referir que tinha sido explicado a diferença entre obrigação e depósito a prazo, que estava tudo escrito, o prazo, maturidade e rentabilidade garantida.
Ora se o Autor, como diz a testemunha Alexandra …, tem apenas rudimentares conhecimentos financeiros e que de acordo com a testemunha Maria … exercia a profissão de mecânico, não é crível que lhe fosse dada uma explicação em termos de o mesmo se ter apercebido que adquiria um produto de risco e que a liquidez era feita no mercado secundário através de endosso.
Face às regras da experiência comum, não é crível que com este tipo de cliente se utilizasse termos técnicos que os mesmos manifestamente não compreenderiam o significado. O que se afigura razoável é que se tenha referido a este produto como uma poupança, como aliás é referido pela esposa do Autor “… uma poupança para mais tarde...” Esta testemunha foi ainda confrontada com o documento de fls. 53, na qual reconheceu as assinaturas, mas pareceu não compreender o seu conteúdo.
Cumpre ainda referir que o único documento que titula esta subscrição é o referido documento de fls. 53, não resulta dos depoimento ou dos documentos juntos, índicos que tenha sido entregue ao Autor qualquer documento que de forma cabal lhe desse a conhecer o tipo de produto que o mesmo adquirira.
Assim do conjunto destes depoimentos conjugados com as regras da experiência comum, o tribunal não tem quaisquer dúvidas em fixar esta factualidade nos exatos termos em que o fez.
Também, relativamente aos factos não provados, ora questionados o Julgador a quo, no que respeita à fundamentação referiu:
Finalmente a versão do Réu das circunstâncias em que foram subscritas as obrigações, tal como descrito nos pontos 4. a 7., não mereceu acolhimento, desde logo porque tais factos são incompagináveis com os dados como provados, não resultando, nem do depoimento das testemunhas, nem da análise dos documentos juntos, o mínimo indício que sustente tal versão dos factos.
O recorrente põe em causa a objetividade de apreciação dos factos materiais que o Mmo. Juiz a quo manteve como razão da sua convicção/decisão, designadamente a testemunhal e documental, não obstante o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, consignada na lei – art.º 607º n.º 5 do CPC.
Não havendo razões fundadas que emerjam da reapreciação da prova levada a cabo por este Tribunal Superior deve dar-se posição de primazia, relativamente à apreciação da credibilidade dos depoimentos e dos outros elementos probatórios, ao Julgador a quo, que deteve a possibilidade de ouvir, perante si, os relatos das pessoas inquiridas,[2] de confrontar os seus depoimentos com os outros elementos existentes nos autos, isto não obstante a valoração diferente que possa ser dada aos mesmos por terceiros, nomeadamente pelo ora recorrente, que lhes possibilita chegar a conclusões divergentes das do Julgador a quo.
Embora a recorrente retire conclusão diversa do teor dos depoimentos tidos como determinantes pelo Julgador a quo, este Tribunal Superior, da audição dos mesmos, entende que a valoração efetuada concatenada com os elementos documentais existentes nos autos, mostra-se consentânea com a realidade dos factos, atendendo às regras de experiência comum.
A testemunha João …, funcionário do Banco, que tratou diretamente com o autor a subscrição das “Obrigações SLN” sendo ele que promoveu o contacto e que o aconselhou a fazer esse “investimento”, referiu que o autor “confiava em mim, pelo menos nos produtos que eu apresentava, aconselhava-o nos produtos que havia de subscrever”, “era um cliente que, por norma, investia em depósitos a prazo, era um cliente de perfil de risco baixo” e a aplicação foi-lhe apresentada, como sendo uma “aplicação com risco do Banco” pois “o risco estava associado ao próprio banco” com “capital garantido, tinha remuneração garantida” sendo “uma aplicação segura, com capital garantido, com rentabilidade definida, com prazo de maturidade… e no final o dinheiro seria devolvido, juntamente com o pagamento dos juros durante o período”. Como as obrigações eram emitidas pela “dona do Banco” era um “produto que não tinha risco”, se estivéssemos a falar de outro emitente, as coisas seriam diferentes, e seriam abordadas por mim de forma diferente, agora ali o que estávamos a vender “era risco Banco” por isso “os produtos que eu apresentei sempre ao Sr. AA e à esposa, são produtos que não tinham risco, nomeadamente depósitos a prazo e este tipo de aplicação”.
Emerge do depoimento da testemunha que ele, enquanto funcionário do Banco apresentou as obrigações ao autor como sendo uma aplicação com risco do Banco, onde tinha uma rentabilidade mais atrativa que os depósitos a prazo e que embora não fosse um depósito a prazo, o risco era idêntico e por isso baixo ou neutro, porque estava associado ao próprio Banco.
A perceção do autor perante as explicações do funcionário do Banco que o aconselhou a fazer o investimento era que o capital estava garantido e os juros eram bons, sendo equivalente a um depósito a prazo, tal como resulta evidente do depoimento da testemunha Maria … que, apesar de ser mulher do autor, não pode ser desconsiderado, até porque assistiu à contratualização, não denotando ser irreal ou fantasioso o seu depoimento, mas antes consentâneo com as circunstâncias em que no tempo ocorreu a abordagem e consequente negociação entre o Banco, através do seu funcionário e o autor. Resultando, também, deste depoimento que, quer ela, quer o seu marido, ficaram com a perceção de que a aplicação era equivalente a um depósito a prazo até porque lhe foi dito “você pode, quando quiser o dinheiro, você pode recuperar o dinheiro quando quiser”.
Também a testemunha Alexandra …, funcionária do réu vem salientar no seu depoimento que o autor tinha “rudimentares conhecimentos financeiros” e uma grande relação de confiança com o funcionário João …, sendo que o banco dava orientação para que a transmissão das condições aos clientes fosse de que o produto em causa era uma obrigação de capital garantido, sendo nesse pressuposto que o autor terá colocado o dinheiro na aplicação, demonstrando “espanto, estranheza e admiração, alguma insegurança, um conjunto de coisas” quando se apercebeu que as condições que supunham estarem subjacentes ao produto eram diferentes das que pensava ter contratualizado.
No que respeita ao documento constante a fls. 53 que o recorrente refere como sendo o “boletim de subscrição do produto assinado pelo autor”, diremos que do mesmo não pode retirar-se a virtualidade de conduzir à alteração, da matéria de facto no sentido propugnado, atendendo a que o documento em causa, em papel timbrado do Banco, é uma “comunicação de cliente” composta por escrita parcialmente manual, a qual foi redigida, ao cremos,[3] pelo próprio funcionário do Banco, João … que apresentou e propôs a aplicação ao autor, limitando-se este, a apôr a simples rubrica.
Não vislumbramos, assim, razões para pôr em causa a objetividade do Julgador a quo na apreciação da prova, designadamente no que concerne à matéria factual posta em crise pelo recorrente, quer relativamente aos factos provados, quer aos não provados, não merecendo censura o julgamento da matéria de facto, sendo de corroborar a motivação consignada a tal propósito.
Mantém-se, assim, imutável a matéria de facto, improcedendo, neste segmento, o recurso.

Conhecendo da 3ª questão
Na apreciação da responsabilidade do réu enquanto intermediário financeiro na operação em causa nos autos, consignou-se na decisão recorrida o seguinte:
«Com supra já se referiu entre Autor e Réu foi celebrado um contrato de intermediação financeira, mediante o qual os Autor subscreveu Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
O conceito legal de obrigação vem definido no artº 348º nº 1 do Código das Sociedades Comercias como sendo um valor mobiliário que confere direito de crédito iguais sobre a entidade emitente. Consiste pois, “…num documento representativo de um direito de crédito que confere, ao seu titular, a faculdade de exigir a restituição da quantia monetária avançada, a que acrescem os juros acordados, na data do vencimento do empréstimo” [A. Barreto Menezes Cordeiro in Manuel de Direito dos Valores Mobiliários – Almedina 2016, pág. 158]
Face a este enquadramento, sendo emitente a SLN, SGPS. S,A [vide ponto 13.] era a esta entidade que, em princípio, o Autor deveria pedir o reembolso das quantias investidas. Contudo, diretamente, o Autor não celebrou qualquer contrato com a sociedade emitente, mas sim com o intermediário financeiro, desconhecendo até que estava a subscrever obrigações. Veja-se que até o único documento assinado pelo Autor [fls. 53 – “Comunicação de Cliente”] tem o logotipo e a identificação do banco Réu [BPN]. Ou seja não é um documento com origem na sociedade emitente das obrigações.
Estamos, pois, como se disse, perante um contrato de intermediação financeira, celebrado entre Autor e Réu, fundando-se a responsabilidade do Réu no disposto no artigo 304º A do CVM que dispõe:
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
E a violação que aqui está em causa é a violação do dever de informação a que o banco Réu está obrigado nos termos das disposições conjugadas dos artigos 312º do CVM e 77º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras [RGICSF - Dec. Lei nº 298/92 de 31 de Dezembro].
Com efeito, o artº 312º do CVM sob a epígrafe “Deveres de informação” dispõe:
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:
a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;
b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de proteção que tal implica;
c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;
g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;
h) Ao custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada. –
- …..”
Por sua vez o nº 1 do artigo 77º do RGICSF:
As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes
Assim sendo, e volvendo ao caso dos autos, face à factualidade dada como provada, donde se salienta o facto de o Réu estar perante um investidor não qualificado [vide 6. e 7.] nunca ter entregue qualquer documento ou explicado ao Autor que se tratava dum subscrição de obrigações doutra entidade, a liquidez do capital, vencimento da retribuição, prazo de reembolso e prazo e vencimento de juros é manifesto que violou grosseiramente este dever de informação a que estava obrigado, e mais grave é que assegurou aos Autor que o produto em causa era garantido com reembolso do capital e respetivos juros [Vide 5.], o que, no nosso entender, só pode ser entendido como uma assunção de um compromisso perante o Autor.
Face ao exposto, dado estarmos no âmbito das relações pré-contratuais no que diz respeito à violação do dever de informação e no âmbito das relações contratuais no que diz respeito ao compromisso assumido com o Autor (garantia de reembolso de capital e juros) e não tendo o Réu ilidido a presunção a que se faz referência o nº 2 do artº304º-A do CVM, nada a opor à pretensão dos Autor, o qual tem direito à restituição da quantia investida.
Quanto aos juros, cumpre referir que o Autor não logrou provar ter contratado uma taxa de 6,25%, pelo que nesta parte a ação terá que improceder, mantendo-se apenas a condenação em juros contados desde a citação até integral pagamento.»
A questão do dever de informação nas suas diversas facetas no âmbito da intermediação financeira efetuada por Bancos que “vendem” aos seus balcões papel comercial de outras entidades, com eles relacionadas, vem sendo, ultimamente, de forma reiterada abordada nos nossos tribunais como evidenciam, nomeadamente, os seguintes acórdãos:
a) Do STJ de 10/01/2013 no processo 89/10.4TVPRT.P1.S1; de 06/06/2013 no processo 364/11.0TVLSB.L1.S1; de 06/02/2014 no processo 1970/09.9 TVPRT.P1.S1; de 17/03/2016 no processo 70/13.1RBSEI.C1.S1; de 05/05/2016 no processo 8013/10.8TBBRG.G2.S1 e de 12/01/2017 no processo 428/12.3TCFUN.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
b) Do TRG de 27/04/2017 no processo 2928/16.7T8GMR.G1 e de 11/01/2018 no processo 401/16.2T8BGG.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
c) Do TRP de 02/03/2015 no processo 1099/12.2TVRRT.P1; de 30/05/2017 no processo 588/11.0TVPRT.P1 e de 11/04/2018 no processo 984/17.0T8PNF.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.
d) Do TRC de 12/09/2017 no processo 821/16.2T8GRD.C1; de 16/01/2018 no processo 3906/16.1T8VIS.C1; de 23/01/2018 no processo 3246/16.6T8VIS.C2 e de 23/01/2018 no processo 4327/16.1T8VIS.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
e) Do TRL de 10/03/2015 no processo 153/13.8TVLSB.L1-7; de 10/10/2017 no processo 4042/16.6T8LSB.L1-7 e de 22/02/2018 no processo 20742/16.8T8SNT.L1-6 todos disponíveis em www.dgsi.pt.
f) Do TRE de 21/12/2017 no processo 2695/16.4T8STR.E1; de 11/01/2018 no processo 1821/16.8T8STR.E1; de 08/03/2018 no processo 1820/16.0T8STR.E1 e de 22/03/2018 no processo 1609/16.6T8STR.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Na fundamentação jurídica a que iremos proceder, acompanharemos de perto, embora com as necessárias alterações que se mostrarem adequadas, a orientação assumida, designadamente nos acórdãos de 02/03/2015 e de 11/04/2018 do TRP, supra aludidos, por a situação ser similar à que se debate nos presentes autos.
O contrato em causa foi qualificado como contrato de intermediação financeira e tal qualificação não é impugnada pelo recorrente, que a aceita expressamente.[4]
Preceitua o artigo 304.º do Código dos Valores Mobiliários (CdVM) vigente à data da celebração do contrato:
«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.».
Na situação em apreço, como resulta da factualidade provada, o ora recorrente prestou ao recorrido informação que podemos considerar como sendo falsa, assegurando-lhes que a aplicação em causa não tinha quaisquer riscos, pois tratava-se de uma aplicação com a garantia de reembolso do capital, convencendo-o o autor que a garantia era prestada pelo Banco.
Mais se provou que foi com base nessa informação que o autor apôs a sua assinatura no documento cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 53, convencido de que a quantia de € 50.000,00 se destinava a ser aplicada num produto que, como um depósito a prazo, tinha o capital garantido, era remunerado e cujo retorno de capital e juros estavam totalmente assegurados pelo Banco, e que para além do referido documento, nenhum outro foi apresentado ou entregue ao autor, não lhe tendo sido transmitida qualquer outra informação para além da supra descrita.
Provou-se ainda que o documento subscrito pelo autor (o único que lhe foi apresentado), tem o título “Comunicação de Cliente” no canto superior esquerdo, e a menção “BPN Banco Português de Negócios” no canto superior direito, sendo suscetível de induzir em erro clientes com o perfil do autor que não possuem quaisquer conhecimentos do mercado financeiro, isto é, pessoas prudentes e aforradas, que procuram, ao longo da sua vida, obter e manter uma poupança que lhes permita uma vida mais confortável e serena conforme se evidencia dos próprios depoimentos das testemunhas inquiridas.
Esta conduta do Banco é violadora das mais elementares exigências da boa fé e da lealdade devidas ao recorrido, seu cliente, tendo assumido relevância definitiva na decisão do recorrido a informação falsa transmitida, como se conclui da factualidade que se passa a transcrever:
- O autor a determinada altura estabeleceu relações de confiança com um funcionário do então denominado Banco BPN, de nome João … pessoa com quem havia estabelecido uma sólida relação de confiança, desde os tempos em que o referido indivíduo era funcionário de outra instituição financeira;
- Em Janeiro de 2007, o autor foi contactado pelo referido funcionário atuando em nome do Banco BPN, quer o convenceu a fazer uma aplicação financeira, com capital garantido pelo BPN, com rentabilidade assegurada e sem qualquer risco de perda de capital;
- O referido funcionário sabia que o autor, sempre tivera aplicações em depósitos a prazo, e não tinha conhecimento sobre produtos financeiros, não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, sendo considerado pelo Banco como um cliente de perfil de risco baixo;
- Sucede que o seu dinheiro - € 50.000,00, viria a ser colocado em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que autor soubesse em concreto do que se tratava, decisão que não tomaria se, por parte do dito funcionário, não fosse manifestada a garantia total de capital e juros e a qualidade e segurança do produto antes da subscrição deste;
- O autor nunca recebeu qualquer documento que titulasse a operação ou nota informativa, tendo a sua assinatura sido cobrado no documento de fls. 53 denominado “Comunicação de Cliente”, preenchido nos serviços do réu, através do qual é formalizada uma ordem de subscrição das referidas obrigações, sem que o conteúdo de tal documento fosse explicado ao autor, o qual não percebeu o seu alcance, nem entendeu que estava a dar uma ordem de subscrição de obrigações, não tendo sido informado de quaisquer outras condições de subscrição, ou de quaisquer documentos relativos à subscrição;
- A partir de data não concretamente apurada o Banco deixou de pagar os juros respetivos, referentes às Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 que foram emitidas pela SLN, SGPS. S.A.
Não podemos perfilhar da argumentação deduzida pelo recorrente, designadamente nas conclusões XVI a XL que minimiza o seu dever de informação, fazendo uma leitura redutora da norma que o consagra e impõe, distinguindo artificialmente “negócio de cobertura” e “negócio de execução”.
Tendo o recorrente utilizado uma “argumentação de venda” do produto financeiro em causa, baseada em informação falsa, que prestou na qualidade de intermediário financeiro, mas numa situação de “confusão” com a função de atividade bancária, a investidor com pouca escolaridade e pouco esclarecido sobre valores mobiliários e sem experiência de operações daquele tipo, e sem conhecimento do mercado, quanto à garantia de reembolso de capital investido em papel comercial, violando as exigências da boa fé e da lealdade a que estava adstrito, pretende agora legitimar tal conduta, alegando que cumpriu os deveres impostos pelo CdVM.
Na responsabilidade civil por facto ilícito,[5] o nexo causal entre o facto, no caso a informação falsa prestada pelo recorrente sobre a segurança do reembolso do produto financeiro subscrito pelo recorrido e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, afere-se com recurso à denominada formulação negativa da causalidade, ou seja, “o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente […] para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto[6].
Na situação concreta com que nos deparamos nos autos, provou-se de forma transparente, que o recorrido acedeu na subscrição das obrigações atenta a proposta apresentada pelo funcionário do Banco, pessoa em que depositava confiança, e atendendo a que, como foi por ele transmitido e assegurado, a aplicação em causa não tinha quaisquer riscos, pois tratava-se de uma aplicação com a garantia de reembolso do capital, convencendo-se o autor que a garantia era prestada pelo Banco, pois se assim não fosse, ou seja, se não fosse manifestada a garantia total do capital e juros e a qualidade e segurança do produto antes da sua subscrição, o autor nunca teria tomado tal decisão.
O autor contratou sem estar devidamente esclarecido sobre os termos do negócio e induzido em erro quanto a tal: a sua convicção foi de que não havia risco algum e que o Banco garantia a operação, respondendo pelo reembolso.
O Banco assegurou ao cliente que o produto financeiro proposto era sem risco, com reembolso do capital e juros garantidos. Esta declaração, para com este autor, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais (art. 236º do Código Civil), só pode significar que o Banco assume um compromisso perante o cliente, o do reembolso do capital.
A confiança deste cliente, “de perfil de risco baixo”, na afirmação do Banco, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar aquela de que vive o sistema bancário e a segurança jurídica. Quer no plano da responsabilidade civil pré contratual (art. 227º do CC), porque na preparação do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno do capital, quer no plano da responsabilidade civil contratual, porque o Banco não cumpriu o compromisso assumido, e como tal não procedeu com boa fé (art. 762º do CC).[7]
Uma vez que a informação falsa prestada pelo Banco foi decisiva para a determinação da decisão do autor, enquanto cliente, de subscrever o produto financeiro que lhe foi proposto, haverá que concluir que tal informação não foi indiferente para a verificação do dano, bem pelo contrário.
Assim, ao invés do afirmado pelo recorrente, conclui-se com segurança pelo estabelecimento de nexo de causalidade entre o facto ilícito que lhe é imputado e os danos sofridos pelo recorrido.
Em situação semelhante, se pronunciou o STJ, em acórdão de 10/01/2013, supra aludido no qual consta:
«[…] o banco réu na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre o banco réu e autora que, note-se , se desenvolveu ao longo de anos pelos princípios de boa fé (cfr. art.º 762º nº 2 do C. Civil).
A responsabilidade do banco Réu, pelo reembolso do capital investido só existe, porque o banco réu se comprometeu perante a autora que se tratava de uma aplicação de ativos financeiros, mediante a aquisição de um produto com garantia do montante do capital investido […] proposta que recebeu o acolhimento da autora, por se tratar de um produto comercializado pelo […] com o capital garantido.
[…].
Acontece também que o banco réu também pode ser responsabilizado pela via extra-contratual:
Efetivamente, esta realidade negocial configura também o exercício por banda do banco Réu o exercício de intermediação financeira, só que a sua execução violou de forma ostensiva os mais elementares princípios orientadores dessa atividade consagrados no citado art. 304º do CVM, como sejam os ditames da boa fé, exigentes padrões de diligência, lealdade e transparência, os deveres de informação a que estava adstrito por força do relacionamento contratual existente os referenciados no art. 312 nº1 do CVM e nessa medida incorreu também na responsabilidade, a que alude o citado art. 314º n.º 1 do CVM […]».
No que respeita à responsabilidade civil decorrente da violação do dever de informação – ou, mais grave, da prestação de informação falsa, dispunha o artigo 312.º do Código dos Valores Mobiliários vigente à data da celebração do contrato:
«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».
Conforme decidiu o STJ, em acórdão de 17/03/2016 supra referenciado, «[a]tua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido».
In casu, provou-se factualidade da qual se conclui sem reservas pela culpa grave do recorrente, não havendo necessidade de recurso à presunção legal, traduzindo-se o dano patrimonial na falta de devolução do capital.
O nexo de causalidade entre a violação do dever de informar e o dano decorre do facto de o recorrido apenas ter aceitado subscrever as obrigações devido à falsa informação facultada pelo Banco.[8]
Face ao disposto no artigo 562.º do Código Civil, o dano indemnizável corresponde ao que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão, ou seja, o valor que não recebeu pelo não reembolso do capital investido: € 50.000,00.
Para nós, em face da factualidade provada, não podemos perfilhar do entendimento que o recorrente agiu com lisura contratual, cumprindo os ditames legais da boa fé, prestando as informações a que estava vinculado na sua qualidade de intermediário financeiro, mas antes que para além de omissão de informação devida, o recorrente prestou, também, falsa informação.
Não releva por isso a abordagem feita sobre o dever de informação pelo recorrente nas suas conclusões chamando a colação o disposto no artº 312º do CdVM, relativamente à expressão operações a realizar no sentido de a lei apontar para uma atividade - decorrente da intermediação financeira - e não para o objeto dessa atividade - o instrumento financeiro.
Não estamos perante uma situação que possa ser configurada como mera omissão de informação, mas sim de informação falsa, que determinou o recorrido a subscrever as obrigações em causa (confiante na informação prestada pelo recorrente, de que estava totalmente garantido o capital e juros).
Perante esta realidade, também não fazem sentido (à luz da boa fé), as alegações do recorrente (conclusões XXVI a XXXV) de que a alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento, tratando-se portanto de “riscos endógenos e próprios do instrumento financeiro e não motivado por quaisquer fatores extrínsecos aos mesmos. Ora, o investimento … em Obrigações é, portanto, um investimento de baixo risco por se tratar de investimento não sujeito a qualquer volatilidade, logo não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita…”.
Mas será que não havia risco na operação proposta pelo recorrente ao recorrido? Será irrelevante o facto de o recorrido ter subscrito as obrigações com base na falsa informação prestada pelo recorrente? Será legítimo, e justo[9] à luz dos valores éticos a que o recorrente se encontrava vinculado, perante cliente aforrador, com pouca escolaridade, sem quaisquer conhecimentos do mercado financeiro, que apena pretendia manter uma poupança que lhe permitisse uma vida confortável, propor-lhe um negócio com falsa informação sobre os riscos? A nossa convicção é que não será legítimo, nem justo, pelo que não podemos estar de acordo com a argumentação do recorrente, que se nos afigura irrelevante.
Defende o recorrente que a referência a capital garantido e juros mesmo que pudesse ser considerado uma garantia assumida pelo Banco falta-lhe a solenidade e ritualismo próprios da emissão uma vez que não foi reduzida a escrito, não constando em qualquer documento, designadamente no documento de subscrição das obrigações.
Trata-se de uma objeção formal, que não releva. A garantia dada pelo Banco como já supra se explicitou no âmbito do conhecimento da 1ª questão, não tem um sentido jurídico de assunção de garantia, mas antes um sentido comum: o recorrente, através do seu funcionário, garantiu a total segurança da operação e o reembolso das quantias investidas, e foi essa falsa informação que determinou a vontade negocial do cliente.
Em suma, não há qualquer contrato de garantia, mas apenas uma informação falsa, por parte do banco, que visa motivar os seus clientes a subscrever um produto financeiro, dizendo-lhes que aquele produto era similar ao depósito a prazo, com riscos idênticos, já que o banco garantia o reembolso.
O recorrente invoca também a prescrição salientando que mesmo que se pudesse censurar a conduta do Banco, enquanto intermediário financeiro, essa censura não poderá ser reconduzível a dolo ou culpa grave sendo de aplicar o prazo prescricional de 2 anos a que se alude no artº 324º n.º 2 do CdVM, de modo que tendo a ação sido intentada em 19/10/2016 “qualquer putativa responsabilidade” já se encontrava prescrita.
É nossa convicção que da factualidade dada como provada, como já afirmámos, se conclui sem reservas pela culpa grave do recorrente, traduzindo-se o dano patrimonial na falta de devolução do capital, pelo que nunca poderá defender-se a aplicação ao caso do prazo prescricional de dois anos, sendo que, mesmo que não se reconhecesse a existência de culpa grave, também não resulta da factualidade provada a data em que o autor teve conhecimento dos exatos termos e condições da aquisição das obrigações, facto relevante para o início da contagem do prazo,[10] como se salienta no acórdão recorrido.
Pois, o Banco, enquanto intermediário financeiro ao não informar o autor do risco inerente à aquisição de papel comercial e da situação financeira da emitente do papel comercial, e ao informar este de que se tratava de uma aplicação equivalente a um depósito a prazo e não tinha risco, por, “o risco ser banco,” atuou em violação dos seus deveres e, por isso mesmo, de forma ilícita, sendo que esse comportamento foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que, foi com base na informação de capital garantido e sem risco que o autor deu o seu acordo na aquisição do mencionado papel comercial, senão de outro modo não trocava a aplicação do capital em depósito a prazo, pela aplicação em obrigações, como veio a suceder.[11]
De modo que, a atuação do Banco consubstancia, pelo menos, a situação de culpa grave já que estamos perante técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultação informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.[12]
Nesta medida, falecem, as conclusões apresentadas pelo recorrente, impondo-se a confirmação da sentença impugnada e, como tal, a improcedência do recurso.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante (artº 527º n.º 1 e 2 do CPC).

Évora, 10 de maio de 2018
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Manuel Bargado

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[1] - v. Ac. do TRP de 11/04/2018 no processo 984/17.0T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt
[2] - “Existem aspetos comportamentais ou reações do depoente que apenas são percecionados, aprendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia”- v. Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil II, Almedina, 4ª edição, 266.
[3] - Embora a testemunha João … não o afirme com a certeza bastante, pode constatar-se que toda a letra e numeração manuscrita têm traço idêntico à constante na assinatura aposta no documento “…” no local destinado à instituição bancária, sendo certo que a testemunha Maria … (que esteve presente no ato) no seu depoimento afirma que a “escrita” é do aludido funcionário.
[4] - Conforme decorre do consignado no artº 9º da contestação, bem como, nomeadamente das conclusões XVII e LXVI.
[5] - A responsabilidade contratual é também responsabilidade por facto ilícito, apenas sucedendo que sobre o devedor inadimplente recai uma presunção iuris tantum de culpa (veja-se o nº 1, do artigo 799º do Código Civil).
[6] - Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina 1989, 6ª edição, 861.
[7] - v. neste sentido os referidos Acs. do STJ de 10/01/2013 e de 17/03/2016.
[8] - Conforme vem entendendo a jurisprudência, face ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor está demonstrado quando, face à factualidade provada, podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquelas aplicações. Vide, neste sentido, Sinde Monteiro, Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, pág. 49, e ainda os acórdãos do STJ de 10.01.2013 (processo 89/10.4TVPRT.P1.S1) e da Relação de Coimbra de 09.10.2012 (processo 1432/09.4T2AVR.C1).
[9] - Tendo por referência o conceito de “Justiça”, que alguém definiu como “Pólo Norte do direito”, e que Gustav Radbruch in Filosofia do Direito, da Arménio Amado Editor, Sucessores, 1974, 5ª edição, 91, Tradução e Prefácio do Prof L. Cabral Moncada), elege como razão de ser do direito: «o direito não é afinal senão a realidade que tem o sentido de se achar ao serviço da ideia de justiça».
[10] - v. Ac. do STJ de 17/03/2016 no processo 70/13.1TBSEI.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[11] - v. Ac. do TRL de 10/03/2015 no processo n.º 100/13.7TVLSB.L1-1 disponível em www.dgsi.pt
[12] - v. Ac. do STJ de 17/03/2016 no processo n.º 70/103.1TBSEI.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt