Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3066/15.5T8STR.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
AVAL
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – A homologação de Plano de Recuperação que estabeleça uma moratória no pagamento da dívida por parte dos avalistas do devedor, não viola o nº 4 do artigo 217º do CIRE, uma vez que a mesma não afeta a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação.
II – No caso de se entender que a referida moratória contraria o disposto no º 4 do artigo 217º do CIRE, não deve ser recusada a homologação do plano, por o mesmo ser apenas ineficaz relativamente aos credores que, não tendo homologado o plano, detêm créditos sobre terceiros avalistas, sendo plenamente válido no restante.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA – Construções, Lda. requereu oportunamente, pela Instância Central de Comércio da Comarca de Santarém, com distribuição ao J1 e ao abrigo do disposto no art. 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), procedimento tendente à sua revitalização.
Seguindo o processo seus termos e concluídas as negociações, veio a ser apresentado plano de recuperação que, devidamente votado, foi aprovado por 91,77% da totalidade dos votos emitidos.
O credor BB, S.A., titular de um crédito comum no montante de € 61.325,69, emitiu voto em sentido contrário à aprovação, tendo depois requerido a não homologação do plano, com fundamento na violação não negligenciável de regras de conteúdo, por o plano conter uma cláusula que impede a execução dos avalistas, e ainda por o plano o colocar numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano.
Tal pretensão foi indeferida, sendo de seguida proferida sentença que homologou o plano de recuperação.
Inconformado com o assim decidido, apelou o mesmo credor para este Tribunal da Relação de Évora, tendo finalizado a respetiva alegação com as seguintes conclusões[1]:
«1. O presente recurso de Apelação visa modificar a decisão proferida pelo J1 da Secção de Comércio da Instância Central de Santarém. (sentença com a ref.ª 71391436)
2. Considerou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo na sentença recorrida (Ref.ª 71391436) que, ao contrário do que requerido pelo ora Apelante, o plano aprovado, apesar do voto desfavorável do ora Apelante, não evidencia qualquer violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, que a medida ínsita no plano que impede a execução dos condevedores/avalistas não contende com o disposto no n.º4 do artigo 217º do CIRE e que não se encontra demonstrado que o plano de recuperação coloca o Apelante numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano (Art.º 216º do CIRE).
3. Concluiu a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo pela improcedência do pedido de não homologação formulada pelo ora Apelante.
4. Não assiste contudo razão à Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que faz uma errada aplicação do direito aos factos.
5. O plano de revitalização que veio a ser aprovado pela maioria dos credores da revitalizada prevê quanto ao crédito reclamado e reconhecido ao BB, S.A. e ora Apelante o pagamento nos seguintes moldes:
“i. Perdão integral dos juros a vencer até ao trânsito em julgado do despacho de homologação do presente plano, bem como da totalidade das despesas e comissões vencidas em igual período, aplicando-se, para todos os devidos efeitos, os montantes previamente reclamados.
ii. Carência de capital e juros de 18 meses, iniciando-se a contagem no último dia útil do mês em que transite em julgado a sentença que homologue este plano;
iii. Pagamento de 55% do valor reconhecido em dívida e discriminado anteriormente (com consequente perdão do valor em dívida remanescente), em 114 prestações mensais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o término do período de carência;
iv. Pagamento de juros indexado à taxa Euribor 12 meses, à qual acresce um spread de 1,5% mas cuja soma estará, todavia, limitada a uma taxa máxima de 3,0%;
v. Constituição pela AA, Lda. de opção de compra a favor dos credores comuns, sobre os prédios que compõem o activo da empresa, sendo o valor de exercício o constante na relação anexa, calculado numa base de proporcionalidade (Anexo 7). Mais ainda, deverá a maturidade da dita opção expirar no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de reestruturação.”
6. Prevê ainda o mesmo plano nas suas premissas, quanto às garantias existentes, o seguinte:
“Manutenção de garantias, avales e penhoras existentes durante o período de execução do presente plano, salvo indicação em contrário, com o compromisso de não execução dos mesmos pelos credores enquanto se mantiver o respectivo cumprimento. Em particular, os credores encontrar-se-ão impossibilitados de executar os avales prestados à sociedade por parte dos seus sócios, enquanto se verifique o cumprimento integral do presenta plano.”
7. O credor e ora Apelante emitiu o seu voto desfavorável ao plano de recuperação apresentado pela devedora e requereu, em simultâneo, a não homologação do mesmo plano, caso viesse a ser aprovado, por violação do princípio consagrado no n.º4 do Art.º 217 do CIRE e por se encontrar preenchida a condição prevista no artigo 215º e 216º, n.º1 al. a) do CIRE, aplicável ex vi n.º 5 do Art.º 17-F do mesmo diploma legal.
8. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fundamenta a sua decisão citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-04-2012 (proferido no âmbito do Proc. 1248/10.5TBBCL-A.G2), o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-01-2015 (proferido no âmbito do Proc. 703/14.2TBBRG.G1) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-03-2014 (proferido no âmbito do Proc. 1327/13.7TBSTR.E1), todos acessíveis in www.dgsi.pt.
9. Sucede que nenhum dos Acórdãos citados se debruça sobre a questão em apreço nos presentes autos pelo que, da sua leitura, não se retira a conclusão que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo pretende fazer valer nestes autos.
10. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo confunde a revitalização dos avalistas e a moratória que os mesmos convencionam e fazem depender do incumprimento da avalizada com a revitalização da avalizada e a moratória que esta estipula quanto ao acionamento dos avalistas.
11. Acresce que no caso dos autos não é apenas estipulada uma moratória quanto ao acionamento dos avalistas uma vez que a premissa do plano que o Apelante põe em causa diz claramente que os avais se mantêm apenas durante o período de execução do plano, daí se retirando que finda a execução do plano e caso a revitalizada cumpra com o pagamento de 55% do capital reclamado, sem juros vencidos, em 144 prestações e com carência de 18 meses (condições de pagamento previstas no plano para os créditos do ora Apelante) as garantias prestadas por terceiros, neste caso os avales, se extinguem.
12. O mesmo é dizer que o ora Apelante, que votou desfavoravelmente aquele plano, fica impedido de acionar os avalistas e a livrança que tem na sua posse para cobrar o remanescente do seu crédito que ficará por pagar.
13. Também a citação do Acórdão do tribunal da relação de Évora de 13-3-2014 feita na sentença recorrida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo foi retirada do seu contexto.
14. O caso do Acórdão citado refere-se a um plano de revitalização dos devedores avalistas que condiciona o pagamento pelos avalistas de crédito reclamado e reconhecido ao incumprimento do plano de insolvência aprovado no processo de insolvência do avalizado, onde o mesmo crédito foi contemplado.
15. Aliás, da leitura atenda do citado Acórdão facilmente se chega a essa conclusão.
16. Em face do acima exposto não restam dúvidas ao ora Apelante que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do direito aos factos.
17. Extinguindo-se as garantias (avales) após cumprimento do plano significa que o ora Apelante, que votou desfavoravelmente o plano e que convencionou com os avalistas determinadas condições para o pagamento dos seus créditos, receberá apenas 55% do montante reclamado nos termos convencionados no plano aprovado pela maioria dos credores da avalizada e não poderá exigir o remanescente do seu crédito aos avalistas e responsáveis solidários nem acionar a livrança que tem em seu poder.
18. O mesmo é dizer que, sem o consentimento do credor, à revelia dos avalistas e em clara violação da liberdade contratual e autonomia privada, o Banco Apelante vê a sua garantia extinguir-se e o seu crédito consideravelmente reduzido.
19. Será este o espírito da lei, o de sobrepor os interesses desta empresa aos legítimos interesses do credor e da autonomia privada e liberdade contratual?
20. Parece-nos claramente que não.
21. Neste sentido veja-se a posição assumida no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-09-2015, proferido no âmbito do Processo n.º 378/14.9T8VNF.G1, acessível in www.dgsi.pt no qual se pode ler o seguinte:
“I- Nas situações de nulidade da decisão, o tribunal de recurso apenas deve conhecer do objecto da apelação, nos termos do disposto no artigo 665, nº 1, do C.P.C., se tiver sido fixada toda a matéria de facto necessária para o efeito, ou do processo constarem todos os elementos que permitam a sua fixação, pois só nesses casos o tribunal de recurso, pode exercer o poder censório quanto à matéria de facto tida por provada e sobre o próprio direito aplicado e aplicável.
II- A instituição do processo especial de revitalização representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime da insolvência com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses colectivos dos credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos.
III- A prossecução deste desiderato - da revitalização de devedores -, terá de ser mediada com a salvaguarda dos direitos dos credores contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, comprometedoras de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos, que, indubitavelmente, são também de fulcral relevância para o bom funcionamento da economia, que constitui o verdadeiro interesse público.
IV- Assim, a homologação de medida que estabelece uma moratória no pagamento da dívida de avalistas, ao impedir o exercício desses direitos “durante a vigência do Plano” está a afectar os “direitos dos credores contra os terceiros garantes da obrigação”, constitui uma violação do n.º 4 do artigo 217º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
22. Neste mesmo sentido veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2015, proferido no âmbito do processo n.º 125.13.2TCFUN-A.L1-6, acessível in www.dgsi.pt no qual podemos ler o seguinte:
“ - Em caso de situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, pode o devedor requerer a instauração de PER (cfr. art.ºs 17.º-A a 17.-I do CIRE), regime legal inovador que visa privilegiar a finalidade de reestruturação/recuperação das empresas relativamente à satisfação dos credores.
- Concede-se, assim, ao devedor a possibilidade de estabelecer negociações com os seus credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.
- O regime da obrigação cartular é distinto dos demais negócios jurídicos, nele sobressaindo os critérios da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, em que a existência e validade da obrigação prescinde da causa que lhe deu origem.
- O aval é uma garantia da obrigação cambiária, visando garantir o seu pagamento, sendo o avalista apenas sujeito da relação subjacente ao ato cambiário do aval. Assim, a obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado.
- As vicissitudes da relação subjacente não se repercutem na obrigação cartular do dador de aval, quedando-se esta inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante ação cambiária, contra o avalista para obter a satisfação do seu crédito.
- A aprovação/homologação de um PER, com moratória (ou diversos prazos e taxas de juros de mora) para pagamento da dívida, de que beneficia a sociedade subscritora da livrança, não é invocável/oponível pelos avalistas contra quem foi instaurada a respetiva execução.”
23. Neste sentido veja-se ainda o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2013, proferido no âmbito do processo n.º 597/11.0TBSSB-A.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt onde se pode ler o seguinte:
“I - O aval é uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado.
II - O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o avalizado.
III - A razão de ser do art. 32.º da LULL é constituir o aval um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma.
IV - A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade provier de um vício de forma.
V - Por via dessa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento.
VI - A aprovação de um plano de insolvência, com moratória para pagamento da dívida, de que beneficia a sociedade subscritora da livrança, não é invocável pelos avalistas contra quem é instaurada a execução para seu pagamento.”
24. No mesmo sentido, ainda, veja-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2014, proferido no âmbito do processo n.º 16/13.7TBSCF-A.L1-A.S1, acessível in www.dgsi.pt que diz o seguinte:
“I - A relação entre portador (exequente) e o avalista (executado) não constitui uma relação imediata, revelando, isso sim e sempre, uma relação mediata, deste circunstancialismo jurídico-positivo se inferindo que não é tolerado ao avalista, na oposição à execução que venha a deduzir, que faça valer quaisquer excepções fundadas nas relações pessoais com o avalizado
II - Deste modo, porque o plano de insolvência está, inexoravelmente, de fora da relação cartular configurada na livrança que se executa, esta ocorrência judicial não é susceptível de se impor na presente execução.”
25. Na verdade, o plano de insolvência é constituído por um conjunto de medidas que só se aplicam à sociedade revitalizada.
26. Não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são revitalizados nem parte do processo de revitalização, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram.
27. Os avalistas estão fora do processo da revitalizada e do que nele se delibera quanto a ela.
28. Ao contrário do que refere na sentença recorrida a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo o plano aprovado, ainda que com o voto desfavorável do Banco ora Apelante, não estabelece apenas uma moratória no pagamento da dívida reclamada e reconhecida ao Apelante mas antes uma redução e perdão considerável do seu crédito, tal como acima já referido.
29. Acresce que a premissa do plano que o Apelante põe em causa diz claramente que os avais se mantêm apenas durante o período de execução do plano, daí se retirando que finda a execução do plano e caso a revitalizada cumpra com o pagamento de 55% do capital reclamado, sem juros vencidos, em 144 prestações e com carência de 18 meses (condições de pagamento previstas no plano para os créditos do ora Apelante) as garantias prestadas por terceiros, neste caso os avales, se extinguem.
30.O mesmo é dizer que o ora Apelante, que votou desfavoravelmente aquele plano, fica impedido de acionar os avalistas e a livrança que tem na sua posse para cobrar o remanescente do seu crédito que ficou por pagar.
31. Assim, a premissa que o ora Apelante põe em causa estabelece não apenas uma moratória mas um perdão da dívida e mesmo extinção da própria garantia.
32. Face ao acima exposto, dúvidas não restam que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do direito aos factos pelo que a sentença recorrida tem de ser revogada e substituída por outra que determine a não homologação do plano aprovado por violadora do disposto no artigo 217º, n.º4 do CIRE, nos termos aliás requeridos pelo ora Apelante.
NORMAS VIOLADAS:
Foram violados os Artºs 17º-F, n.º5, 217º, n.º4, Art.º 215º e Art.º 216º n.º1 todos do CIRE e Art.º 18º, n.º 2 da CRP.»

A devedora AA-Construções, Lda. contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), a única questão que cumpre dilucidar e resolver é a de saber se existem motivos para a não aprovação do plano de revitalização, nomeadamente por o mesmo violar a norma do artigo 217º, nº 4, do CIRE.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar são os que constam do relatório precedente, devendo acrescentar-se que:
- O plano de revitalização aprovado pela maioria dos credores da devedora prevê quanto aos credores comuns (instituições financeiras), entre os quais se encontra o ora recorrente, o pagamento nos seguintes termos:
«i. Perdão integral dos juros a vencer até ao trânsito em julgado do despacho de homologação do presente plano, bem como da totalidade das despesas e comissões vencidas em igual período, aplicando-se, para todos os devidos efeitos, os montantes previamente reclamados.
ii. Carência de capital e juros de 18 meses, iniciando-se a contagem no último dia útil do mês em que transite em julgado a sentença que homologue este plano;
iii. Pagamento de 55% do valor reconhecido em dívida e discriminado anteriormente (com consequente perdão do valor em dívida remanescente), em 114 prestações mensais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o término do período de carência;
iv. Pagamento de juros indexado à taxa Euribor 12 meses, à qual acresce um spread de 1,5% mas cuja soma estará, todavia, limitada a uma taxa máxima de 3,0%;
v. Constituição pela AA, lda de opção de compra a favor dos credores comuns, sobre os prédios que compõem o activo da empresa, sendo o valor de exercício o constante na relação anexa, calculado numa base de proporcionalidade (Anexo 7). Mais ainda, deverá a maturidade da dita opção expirar no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de reestruturação.»
- Mais prevê o plano no seu ponto 2. (Premissas do Plano), o seguinte:
«Manutenção de garantias, avales e penhoras existentes durante o período de execução do presente plano, salvo indicação em contrário, com o compromisso de não execução dos mesmos pelos credores enquanto se mantiver o respetivo cumprimento. Em particular, os credores encontrar-se-ão impossibilitados de executar os avales prestados à sociedade por parte dos seus sócios, enquanto se verifique o cumprimento integral do presenta plano.”

O DIREITO
Como é sabido, o processo especial de revitalização (PER) funciona como um processo pré-insolvencial (no sentido de preventivo de uma potencial insolvência), cuja grande vantagem é a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente e através do qual se reserva aos credores um papel fundamental: o de «consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou, então, manterem-se irredutíveis»[2].
O PER reveste uma natureza essencialmente negocial e extrajudicial, «em que o fim é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa, sendo certo que a eficácia do acordo para lá da esfera dos que nela intervieram, pressupõe sempre a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos (artº 17º-F) que ocorrendo torna o acordo vinculativo para a generalidade dos credores (sem prejuízo da imperatividade de outros requisitos que condicionam a homologação judicial)»[3].
O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º (art. 17º-F, nº 5, do CIRE[4]).
O art. 192º, nº 2, estabelece que «o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados (…) na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.
O art. 195º versa sobre o conteúdo do plano de insolvência. Este deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência e a indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.
Por sua vez, o art. 196º diz-nos que o plano pode proceder à modificação dos prazos de vencimento dos créditos.
O já referido art. 215º dispõe que «o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza (…)».
A decisão recorrida entendeu que a cláusula acima exarada, constante do plano, relativa à manutenção de garantias que estabelece uma moratória no pagamento da dívida, não afeta a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação e, por isso, não contende com o disposto no nº 4 do artigo 217º.
Em função deste entendimento, concluiu que o plano não evidencia qualquer violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
Já o recorrente entende que a homologação do plano deve ser recusada por violar aquele preceito legal.
O nº 4 do art. 217º dispõe:
«As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos».
Esta disposição insere-se no Capítulo relativo à “Execução do plano de insolvência e seus efeitos”.
Nesse sentido, parece que a norma não atinge o valor do plano, mas apenas o limita em sede de execução, dispondo sobre a eficácia do mesmo contra os credores de condevedores ou de terceiros garantes da obrigação.
A respeito desta norma, Catarina Serra[5], distinguindo as garantias reais das pessoais, defende que «…a tutela conferida pelo artigo 217º, nº 4, do CIRE é uma tutela excepcional e restrita aos casos de extinção do crédito e de redução do seu montante, não se aplicando, por exemplo, em situações de mera modificação de prazos de vencimento.»
De um ponto de vista literal, a norma do art. 217º, nº 4 protege a existência e o montante dos direitos, não se preocupando com o vencimento ou a exigibilidade destes e, nessa medida, nada parece obstar a que o plano possa dispor sobre a moratória em questão, como sucede no caso em apreço.
Ademais, da homologação da medida adotada nos presentes autos, que estabelece uma moratória no pagamento da dívida, não decorre violação do n.º 4 do artigo 217º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, porque a mesma não afeta a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação.
Na verdade, «da estipulação em causa resulta uma moratória quanto ao pagamento do crédito, não que o detentor não o possa exigir dos garantes aqui devedores. Mas esta moratória é uma condicionante que não é intolerável nem excessiva e que se justifica em prol da revitalização dos devedores com o Plano de Recuperação, a que o Apelante tem que se sujeitar por ter sido aprovado com a maioria e quórum legalmente exigidos, e assim homologado»[6].
A estipulação, no plano de recuperação em causa, de moratória quanto ao pagamento do crédito do recorrente não viola, portanto, o disposto nos artigos 32º da LULL e 217º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Ainda que assim não se entenda e se defenda o alargamento da imperatividade da norma, não apenas à existência e montante dos créditos, mas também aos seus prazos, com a cláusula em discussão o plano apenas é afetado parcialmente, em questão relativa a parte da sua oponibilidade, mantendo valor e eficácia relativos ao devedor, como defendido no recente Acórdão da Relação de Coimbra de 08.03.2016[7].
Escreveu-se a este propósito naquele aresto:
«Em questão relativamente paralela, a da inderrogabilidade das normas respeitantes a créditos tributários, o Supremo Tribunal de Justiça disse-nos já que “o plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia.” (Acórdão de 18.2.2014, no proc.1786/12, no sítio digital já citado.)
Considerando as finalidades e os princípios subjacentes ao processo de revitalização (a recuperação da empresa ainda viável), por um lado, e a limitação de eficácia imposta pelo art. 217º do CIRE (intangibilidade dos créditos sobre terceiros), por outro, entendemos que não devemos afastar a possibilidade daquela recuperação.
Balanceando adequadamente os interesses em jogo, o regime jurídico da ineficácia permite a viabilização da empresa nos termos do plano acordado pela maioria dos credores, ao mesmo tempo que afirma este inoponível aos créditos sobre condevedores ou sobre terceiros garantes, sem prejuízo da consideração de “condutas impróprias” destes credores. (Só em concreto se apurará destas, dependendo da avaliação da votação favorável à moratória e de outras circunstâncias.)»
No caso vertente, não tendo o recorrente votado favoravelmente o plano, sem prejuízo de outras circunstâncias a ponderar em sede própria, poderia aquele estar em condições de acionar os avalistas da devedora, repudiando essa moratória.
Entendemos, porém, que a tutela conferida pelo artigo 217º, nº 4, é uma tutela excecional e restrita aos casos de extinção do crédito e de redução do seu montante, não se aplicando em situações de mera modificação de prazos de vencimento, não sendo necessário o recurso ao regime da ineficácia.
Improcedem assim todas as conclusões em sentido contrário do recorrente, não se mostrando violadas as normas jurídicas invocadas pelo recorrente ou quaisquer outras.

Sumário:
I – A homologação de Plano de Recuperação que estabeleça uma moratória no pagamento da dívida por parte dos avalistas do devedor, não viola o nº 4 do artigo 217º do CIRE, uma vez que a mesma não afeta a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação.
II – No caso de se entender que a referida moratória contraria o disposto no º 4 do artigo 217º do CIRE, não deve ser recusada a homologação do plano, por o mesmo ser apenas ineficaz relativamente aos credores que, não tendo homologado o plano, detêm créditos sobre terceiros avalistas, sendo plenamente válido no restante.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Évora, 12 de Julho de 2016
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Elisabete Valente

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[1] As quais podiam e deviam ter sido objeto de síntese mais apertada por parte da recorrente, retirando das mesmas, nomeadamente, os sumários dos acórdão que cita, que apenas têm justificação em sede do corpo alegatório.
[2] Catarina Serra, Processo Especial de Revitalização, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, II/III, p. 76.
[3] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 09.05.2013, proc. 1008/12.9TYLSB.L1-8, in www.dgsi.pt.
[4] São deste diploma todos os preceitos adiante citados sem menção de origem.
[5] Nótula sobre o art.º 217º, nº 4, do CIRE, “Estudos Dedicados ao Prof. Dr. Luís A. Carvalho Fernandes”, Revista Direito e Justiça, Vol. I, p. 377.
[6] Cfr. Acórdão desta Relação de 13.03.2014, proc. 1327/13.7TBSTR.E1; no mesmo sentido o Acórdão da Relação de Guimarães de 08.01.2015, proc. 24.04.2012, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Proc. 4064/14.1T8VIS.C2, in www.dgsi.pt.