Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
482/13.0TXEVR-A
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
TRIBUNAL COMPETENTE
EXECUÇÃO DE PENAS
Data do Acordão: 02/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É da competência exclusiva do TEP acompanhar e e fiscalizar a execução das penas de prisão por dias livres e decidir da sua extinção.
Decisão Texto Integral:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA




1
Processo nº 482/13.0TXEVR-B.E1

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos autos de Processo Supletivo, com o nº 482/13.0TXEVR-A, do Tribunal de Execução de Penas de Évora, recorre o arguido JHSM, do despacho proferido em 14 de Outubro de 2014, pelo Mmº Juiz do Tribunal de Execução de Penas de Évora, que determinou que o mesmo arguido retomasse o cumprimento da pena de prisão por dias livres, no fim-de-semana de 25/26 de Outubro.
Da respectiva motivação o recorrente retira as seguintes (transcritas) conclusões:

A. O presente recurso vem interposto do despacho do senhor Juiz de Execução de Penas, que ordenou que o ora Alegante se apresentasse no fim-de-semana de 25/26 de Outubro de 2014, a fim de cumprir 12 períodos de PDL em falta.
B. Sucede, porém, que o termo da pena a que o ora Alegante foi condenado terminou no dia 5 de Abril de 2014.
C. Com efeito, por douto acórdão transitado em julgado deste Venerando Tribunal da Relação, que alterou parcialmente a decisão do Tribunal "a quo", foi o ora Alegante condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292°, nº 1 do C. Penal e de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353° do C. Penal, na pena única de 12 (doze) meses de prisão, a cumprir por dias livres, em 72 períodos de 36 horas, entre as 9h00 de Sábado e as 21h00 de Domingo.
D. De acordo com o disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 477° do C. P. Penal, cabe ao MP efectuar o cômputo da pena e ao Juiz, do Tribunal onde foi proferida a decisão de condenação, homologar o referido cômputo da pena.
E. Foi o que, aliás, sucedeu nos autos em apreço, pois que, por promoção proferida em 2 de Maio de 2013, a Exma. Senhora Procuradora-adjunta efectuou o cômputo da pena a aplicar ao arguido, ora Alegante, nos termos seguintes: «Considerando que o arguido iniciou o cumprimento da pena por prisão por dias livres em 16 de Março de 2013, consignamos que termina o cumprimento em 5 de Abril de 2014».
F. Tal promoção foi homologada pelo Senhor Juiz do Tribunal Judicial de M que, na sequência da conclusão que lhe foi aberta em 8 de Maio de 2013, despachou da seguinte forma: «Fls. 249: Visto. Nada a determinar face ao despacho cfr fls. 217 e ao previsto no art. 487º, do C. P. P.».
G. Ora, nem o Ministério Público, nem o Arguido, ora Alegante, recorreram de tal despacho de 8 de Maio de 2013, razão, pela qual, o mesmo transitou em julgado.
H. O ora Alegante, ao fim de ter cumprido mais de um ano de prisão em regime de prisão por dias livres, releu a promoção de liquidação, bem como o despacho que a homologou, citados nos n.ºs 5 e 6 das presentes alegações, tendo constatado que havia cumprido pena a mais, pois que, sendo o termo final da mesma o dia 5 de Abril de 2014, ainda se apresentou para tal efeito, no Estabelecimento Prisional de F, nos fins-de-semana de, 12/13, 19/20, 26/27 de Abril e 3/4 de Maio de 2014.
I. Assim, não o entendeu o Senhor Juiz ora Recorrido que ordenou que o ora Alegante cumprisse mais 12 períodos de prisão.
J. Resulta do disposto no artigo 138º da Lei 115/2009, de 12/10 que regula a competência material do Tribunal de Execução de Penas, que o mesmo não tem competência para alterar o cômputo da pena, mas tão só, para acompanhar e fiscalizar a respectiva execução, decidindo sobre a sua modificação, substituição e extinção.
K. Paradoxalmente, o Tribunal recorrido assim não entendeu, ordenando que o ora Alegante cumpra mais 12 períodos de PDL, para além daqueles que o ora Alegante já cumpriu até 4 de Maio de 2014 e do estipulado no despacho de 8 de Maio de 2013 a que atrás se aludiu.
L. Salvo o devido respeito, entende o ora Alegante que o despacho do senhor Juiz de Execução de Penas ofende, para além do princípio da separação de poderes, o trânsito em julgado do despacho do Senhor Juiz do Tribunal de 1ª Instância.
M. O despacho ora recorrido, ao determinar que o ora Alegante cumpra mais 12 períodos de prisão, para além daqueles que já cumpriu até dia 4 de Maio de 2014, interpretou de forma errada o disposto no nº 3 do artigo 477º do C. P. Penal e no artigo 138º da Lei 115/2009, de 12/10, normas que interpretou no sentido de ter competência para alterar o cômputo da pena homologado pelo Senhor Juiz que condenou o ora Alegante, por despacho já transitado em julgado, em violação do principio da separação de poderes e do trânsito em julgado da decisão.
Assim julgando, como se espera, farão V. Exas. a habitual Justiça.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, concluindo por seu turno (transcrição):
Compulsados os autos à margem referenciados, verifica-se que JHSM foi condenado no âmbito do processo nº 10/12.5GAMCQ da Instância Local de M - Secção Criminal J2-da Comarca de F, na pena de doze meses de prisão, a ser cumprida em setenta e dois períodos de PDL.
Por seu turno, deriva da análise do mapa de apresentações do EP de F junto a folhas 86/87, que aquele cumpriu somente sessenta dos referidos setenta e dois períodos de PDL, estando em falta os doze períodos respeitantes ao período compreendido entre 10-5-2014 e 26-7-2014.
Consequentemente, a M.ma Juíza "a quo" ordenou ao recorrente o cumprimento dos doze períodos em falta.
É de tal despacho (junto a fls. 90) que o condenado recorre, concluindo se bem entendemos, que o mesmo viola o disposto no artigo 477º do CPP, na medida em que põe em causa a contagem da pena efectuada no processo da condenação, com termo fixado segundo ele em 5-4-2014, e o princípio da separação de poderes.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se nos afigura que lhe assista razão e pouco há a dizer sobre o assunto.
Efectivamente, conforme se extrai do disposto no artigo 487º, nº 1, do CPP, a decisão que fixa o cumprimento da PDL, especifica os elementos necessários à sua execução, indicando a data do início desta, não tendo o legislador imposto que fosse efectuada qualquer contagem de pena.
Daí que a folhas 127, a Mma Juíza do processo, instada a pronunciar-se sobre o alegado pelo recorrente, tenha referido precisamente isso, que no caso dos autos foi fixada como data do início do cumprimento da PDL o dia 16-3-2013, não tendo havido qualquer indicação do seu termo por a lei o não determinar.
Não se vislumbra, pois, onde esteja a pretendida ilegalidade, situando-se como se situa o caso "sub judice" no âmbito do incumprimento da PDL, sendo certo que nos termos previstos no artigo 138º, nº 4, al l), do CEPMPL, o TEP é o Tribunal competente para dela conhecer e decidir.
Nesta conformidade, deverão Vs. Exas negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido, com o que será feita justiça.

O Exmo. Juiz do Tribunal de Execução de Penas sustentou o despacho proferido, como resulta do despacho de fls. 62.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, conforme melhor resulta de fls. 67 a 69, dos autos.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente apresentou resposta, mantendo o alegado em sede de recurso e reiterando o pedido efectuado, conforme resulta de fls. 75 a 78, dos autos.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
Dos autos de recurso resulta que no âmbito do Processo Abreviado nº 10/12.5GAMCQ, do Tribunal Judicial de M, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal e, de um crime de violação de proibições, previsto e punido pelo artigo 353º, do Código Penal, na pena única de 12 (doze) meses de prisão, que será cumprida por dias livres, em 72 (setenta e dois) períodos de 36 (trinta e seis) horas, entre as 9.00 horas de Sábado e as 21.00 horas de Domingo, nos termos prevenidos no artigo 45º, do Código Penal.
Iniciou o cumprimento desta pena em 16 de Março de 2013 e, desde 3/4 de Maio de 2014, deixou de se apresentar no Estabelecimento Prisional para cumprimento da mesma pena de prisão por dias livres, cumprindo assim apenas 60 (sessenta) períodos de reclusão, dos 72 (setenta e dois) fixados no acórdão condenatório.
Legitima esta sua não comparência para cumprimento da pena, num despacho do Ministério Público junto do Tribunal de M, onde se fez constar que o arguido terminaria o cumprimento em 5 de Abril de 2014.
Tal vista foi objecto de despacho judicial, no sentido de “visto”, nada a determinar face ao despacho do Ministério Público e ao previsto no artigo 487º, do Código de Processo Penal.
Face à ausência do arguido no Estabelecimento Prisional e, à alegação do mesmo que face ao termo fixado no despacho do Ministério Público, haveria terminado o cumprimento da pena a que se encontrava condenado, o Tribunal de Execução de Penas de Évora, constatou a existência de lapso aritmético no despacho invocado e determinou o cumprimento de mais 12 (doze) períodos de 36 (trinta e seis horas), com início em 25/26 de Outubro de 2014.

II – FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:
- Competência do Juiz de Execução de Penas, para o cômputo do termo final da pena de prisão por dias livres.
Apreciando e decidindo:
Ora, decorre do disposto no artigo 487º, do Código de Processo Penal, relativamente ao conteúdo da decisão e início do cumprimento, da execução da prisão por dias livres, que “a decisão que fixar o cumprimento da prisão por dias livres, (…) especifica os elementos necessários à sua execução, indicando a data do início desta” (nº 1).
Este preceito legal é específico para o cumprimento de uma pena de prisão por dias livres, não fazendo qualquer sentido a aplicação ainda supletivamente, do disposto nos antecedentes artigos 477º a 479º, referentes exclusivamente à pena de prisão, em sentido próprio.
Assim, relativamente à execução de uma pena de prisão por dias livres, o tribunal da condenação apenas terá de comunicar ao Tribunal de Execução de Penas, a data do início do cumprimento da pena.
Por outro lado decorre do disposto no artigo 138º, nº 2, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), que “após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, (…)”.
Logo, é da competência exclusiva do Tribunal de Execução de Penas, acompanhar e fiscalizar a execução das penas e, por maioria de razão, das penas de prisão por dias livres e, decidir da sua extinção.
No caso concreto, verifica-se pois, que será da competência do tribunal de execução de penas, a competência material para o acompanhamento do cumprimento da pena de prisão por dias livres e decidir sob a sua extinção.
Não é pois da competência do Ministério Público, junto do tribunal da condenação, a liquidação da data do termo da pena a que o arguido se mostra condenado, não produzindo tal despacho qualquer efeito jurídico relativamente ao cumprimento da mesma pena.
Nunca um despacho proferido nestes termos poderia produzir quaisquer efeitos, desde logo porque proferido por quem não tem competência material para a sua prolacção e, mas mesmo que se entenda que o visto judicial que incidiu sobre o mesmo, poderia corresponder a uma homologação do termo final indicado, o mesmo seria sempre rectificável a todo o tempo, nunca transitando em julgado, por ter no seu texto um óbvio e manifesto lapso, corrigível nos termos do disposto artigo 380º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, pois quaisquer noções básicas e elementares de aritmética, permitem facilmente concluir a quem não esteja com reserva mental, que a pena a que o arguido se encontra condenado nunca poderia terminar em tal indicada data.
Assim, um despacho judicial com um tal óbvio e manifesto lapso, seria sempre e todo o tempo corrigível, nunca transitando em julgado e não constituindo por isso caso julgado, nessa parte.
Por outro lado, o despacho ora recorrido, não viola o princípio da separação de poderes, porque proferido pela entidade legalmente competente para a sua prolacção, nos termos do citado artigo 138º, nº 2, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

Por tudo o exposto, improcede o recurso interposto pelo arguido JHSM, devendo o mesmo cumprir os 12 (doze) períodos de 36 (trinta e seis) horas de prisão por dias livres, que lhe ainda falta cumprir, devendo o tribunal de execução de penas adoptar as medidas adequadas a esse mesmo cumprimento, confirmando-se, consequentemente, integralmente o despacho recorrido.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido JHSM, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e, 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 7, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do mesmo recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.


III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido JHSM, mantendo-se, consequentemente, na íntegra o despacho recorrido.

Custas pela recorrente que se fixam em 3 UC (três unidades de conta), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.

Évora, 03-02-2015
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Renato Amorim Damas Barroso)