Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2697/17.3T8PTM.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ALTA
CONVERSÃO DA INCAPACIDADE TEMPORÁRIA EM PERMANENTE
JUNTA MÉDICA
REVISÃO DA INCAPACIDADE
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) decorrido o prazo de 18 meses após a data do acidente sem que tenha sido pedida a prorrogação do prazo, a incapacidade temporária converte-se em incapacidade permanente, devendo o tribunal ordenar a realização de exame médico-legal ao sinistrado e fixar ao sinistrado a incapacidade permanente de que o sinistrado é portador nessa data.

ii) o que muda é a situação jurídica do sinistrado. Este deixa de ser considerado como potencial portador de incapacidade temporária e passa a ser avaliado como potencial portador de incapacidade permanente.

iii) a incapacidade permanente fixada só pode ser alterada no incidente de revisão previsto nos art.ºs 70.º da Lei n.º 98/2009, de 14.09 e 145.º do CPT.

iv) tendo o sinistrado participado o acidente de trabalho antes de decorrido o prazo de 18 meses e tendo-se iniciado o processo respetivo sem que o tribunal tivesse tido em conta a falta de comunicação da alta pela seguradora, não tem aplicação o disposto no art.º 22.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09. (sumário do relator)

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: Generali Seguros, SA (responsável)

Apelados: J… (sinistrado) e Hotelagos, SA (empregadora).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J1.

1. Na ausência de acordo na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, veio o sinistrado propor contra a seguradora responsável e a empregadora a presente ação especial terminando com o seguinte pedido:

Reconhecendo-se o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões examinadas, as sequelas e o acidente, e ainda que o montante de retribuição total anual devido ao A. é de € 16 292,92 (dezasseis mil, duzentos e noventa e dois euros e noventa e dois cêntimos) compreendendo, para além do salário base, do subsídio de alimentação, e das componentes retributivas “trabalho noturno variável”, “recuperações não gozadas” indicadas em 5.º, também o “Prémio Balanced Scorecard” anual, regularmente pago pela ré empregadora ao A. no valor de € 873,66 (oitocentos e setenta e três euros e sessenta e seis cêntimos) e, em consequência:

I – Ser a 1.ª ré seguradora condenada a pagar ao A.:

A. Uma pensão anual e vitalícia de € 485,71 (quatrocentos e oitenta e cinco euros e setenta e um cêntimos) em função do grau de incapacidade e data da alta fixados e da retribuição total anual transferida de € 15 419,26 (quinze mil, quatrocentos e dezanove euros e vinte e seis cêntimos);

B. € ,37 (trinta e oito euros e trinta e sete cêntimos) a título de indemnização (remanescente em falta) por Incapacidades Temporárias para o trabalho no período compreendido entre a data do acidente de trabalho e a data da consolidação médico-legal e em função da retribuição total anual transferida;

C. Juros de mora à taxa legal sobre as peticionadas quantias; e

II – Ser a 2.ª ré empregadora condenada a pagar ao A.:

A) Uma pensão anual e vitalícia de € 27,52 (vinte e sete euros e cinquenta e dois cêntimos) em função do grau de incapacidade e data da alta fixados ao A. e calculados em razão da retribuição anual não transferida de € 873,66 (oitocentos e setenta e três euros e sessenta e seis cêntimos); e

B) € 32,51 (trinta e dois euros e cinquenta e um cêntimo) a título de indemnização por Incapacidades Temporárias para o trabalho no período compreendido entre a data do acidente de trabalho e a data da consolidação médico-legal e em função da retribuição total anual não transferida; e ainda

C) Juros de mora à taxa legal sobre as peticionadas quantias.

Contestou a ré seguradora dizendo, em suma, que não existe nexo de causalidade entre a lesão apresentada pelo autor e o acidente aqui em apreço.

Contestou a ré empregadora dizendo, sumariamente, que a sua responsabilidade por acidentes de trabalho se encontrava devidamente transferida para a seguradora e que o “prémio balanced scorecard”, referido na P.I., não integra o conceito de retribuição.

Foi saneado processo e procedeu-se à seleção dos factos assentes.

Procedeu-se ao desdobramento do processo e no apenso de fixação de incapacidade veio a ser proferida decisão final.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento (no âmbito da qual foi discutida oralmente a possibilidade de enquadramento da situação no artigo 22.º da LAT).

De seguida foi proferida sentença com a decisão seguinte:

Nestes termos e por tudo o exposto decide-se:

a) Julgar o sinistradoJ… vítima de um acidente de trabalho sofrido no dia 11/04/2017 e, em consequência desse acidente, afetado:

i. De uma ITA (incapacidade temporária absoluta) entre 12/04/2017 e 20/04/2017;

ii. De uma ITP (incapacidade temporária parcial) de 40% entre 21/04/2017 e 11/10/2018;

iii. E, a partir de 12/10/2018, por conversão legal, de uma IPP (incapacidade permanente parcial) de 40%.

b) Condenar as rés seguradora e empregadora a pagar ao sinistrado:

i. Uma pensão anual e vitalícia de € 4 425,77 (quatro mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e setenta e sete cêntimos), devida desde 12/10/2018, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde essa data, sendo:

a. da responsabilidade da seguradora a pensão anual e vitalícia no montante de € 4 317,34 (quatro mil, trezentos e dezassete euros e trinta e quatro cêntimos), devida desde 12/10/2018 acrescida de juros vencidos e vincendos desde essa data;

b. da responsabilidade da empregadora a pensão anual e vitalícia no montante de € 108,43 (cento e oito euros e quarenta e três cêntimos) devida desde 12/10/2018 acrescida de juros vencidos e vincendos desde essa data;

ii. A indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias no montante de € 6 805,47 (seis mil, oitocentos e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), sendo:

a. Da responsabilidade da seguradora o montante de € 6 638,74 (seis mil, seiscentos e trinta e oito euros e setenta e quatro cêntimos), a que se deve descontar a quantia já paga de € 535,31, acrescido de juros vencidos e vincendos sobre cada importância diária;

b. Da responsabilidade da empregadora o montante de € 166,73 (cento e sessenta e seis euros e setenta e três cêntimos) acrescido de juros vencidos e vincendos contados sobre cada importância diária.

c) Condenar as rés no pagamento das custas do processo, em função do seu total decaimento;

d) Fixar o valor da ação em € 58 892,36.

Registe, notifique e, após trânsito, remeta certidão à ACT, tendo presente o disposto no artigo 171.º n.º 2, alínea a), da Lei 98/2009, de 4 de setembro.

2. Inconformada, veio a seguradora interpor recurso de apelação motivado e as conclusões seguintes:

a) Apesar da sentença recorrida ter dado como provado que o autor “está curado, sem sequelas desvalorizáveis, a partir de 21/01/2019” – Cfr. ponto 1.17 dos factos provados da sentença recorrida - como dezoito meses volvidos sobre a data do acidente de trabalho, ou seja, em 12/10/2018, o sinistrado estava com incapacidade temporária parcial de 40%, o Tribunal a quo considerou, por força do disposto no artigo 22.º, n.º 1, da Lei 98/2009, de 04 de setembro, que a incapacidade temporária se converteu em incapacidade permanente parcial de 40%.

b) Sucede que, como bem defendeu o Acórdão da Relação de Évora de 14/02/2012 (processo 297/09.0TTPTM.E1)3, “[d]o citado preceito não decorre que a conversão do grau de incapacidade temporária em permanente seja automática. (…) se é certo que quanto à natureza da incapacidade (de temporária para permanente) se converte por força do decurso do prazo, o mesmo já não se verifica em relação ao grau de incapacidade: este será o fixado pelo perito médico do tribunal na reavaliação e, não havendo acordo quanto ao mesmo na tentativa de conciliação, e requerida e realizada junta médica, não se vislumbra obstáculo legal a que seja o fixado pelo juiz após aquela (sublinhado e negrito nosso) – Cfr. no mesmo sentido veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 20.03.2012, processo n.º 520/07.6TTPTM.E1, relator: Joaquim Correia Pinto, disponível em www.dgsi.pt.

c) Todavia, salvo melhor opinião, que não é aqui aplicável artigo 22.º, n.º 1, da Lei 98/2009, de 04 de setembro, porquanto no dia 02.03.2018, ou seja, muito antes dos dezoito meses em que operaria a aludida conversão da incapacidade temporária em permanente, o autor foi submetido a exame de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, tendo o perito médico-legal fixado, no dia 07.09.2018, a incapacidade permanente parcial em 4,5% – Cfr. relatório de avaliação de dano corporal em direito do trabalho datado de 27.12.2013, junto a fls. dos autos.

d) Mas, como não houve acordo quanto ao referido grau de incapacidade, o processo prosseguiu para a fase contenciosa tendo sido requerida a realização de exame por junta médica.

e) Em consonância com ao resultado do exame por junta médica, o Mmo. Juiz proferiu sentença, julgando o autor curado sem desvalorização - Cfr. sentença proferida no apenso de fixação de incapacidade junto a fls. dos autos.

f) Mesmo que se entenda que é aqui aplicável o disposto no artigo 22.º n.º 1, da LAT, a incapacidade converte-se em permanente decorrido os 18 meses, mas o grau dessa incapacidade “será o fixado a final pelo Juiz”.

g) Considerando o que o Juiz não fixou qualquer incapacidade permanente ao autor, por se encontrar “curado, sem sequelas desvalorizáveis, a partir de 21/01/2019”, ao sinistrado não é devida indemnização por incapacidade permanente – Cfr. artigo 48.º, n.º 3, a contrario, da Lei. n.º 98/2009, de 04 de setembro.

h) Termos em que, deve a sentença em crise ser revogada, substituindo-se por outra que absolva a recorrente do pedido de condenação na pensão anual e vitalícia de € 4 317,34, devida desde 12/10/2018 acrescida de juros vencidos e vincendos desde essa data.

i) Caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar que a pensão anual e vitalícia de € 4 317,3, devida desde 12/10/2018, acrescida de juros vencidos e vincendos desde essa data cessa no dia 21.01.2019, data da cura clínica, em que se julgou o sinistrado curado sem desvalorização.

Termos em que deve a sentença em crise ser revogada, substituindo-se por decisão que absolva a recorrente do pedido de condenação na pensão anual e vitalícia de € 4 317,34, devida desde 12/10/2018 acrescida de juros vencidos e vincendos desde essa data.

Caso assim não se entenda, deve a sentença ser revogada, substituindo-se por outra que determine que a pensão anual e vitalícia de € 4 317,34, devida desde 12/10/2018 acrescida de juros vencidos e vincendos desde essa data cessa no dia 21.01.2019, data da cura clínica, em que se julgou o sinistrado curado sem desvalorização.

3. O sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, respondeu e concluiu que:

1. A apelante veio insurgir-se contra a decisão proferida no âmbito dos autos.

2. A conversão da Incapacidade Temporária Parcial (I.T.P.) em Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.), por virtude do decurso do tempo previsto no artigo 22.º da Lei n.º 98/2009, confere ao sinistrado os mesmos direitos que resultariam da declaração da alta.

3. No caso dos autos, atendendo a que o acidente ocorreu em 11 de abril de 2017, entrando o sinistrado num período de incapacidade em 12 de abril de 2017, e que, decorridos 18 meses consecutivos, ou seja, em 12 de outubro de 2018, o autor permanecia numa situação de incapacidade temporária, por força do disposto no artigo 22º da L.A.T., foi convertida em definitiva a incapacidade que o Autor sofria à data: ou seja, converteu-se a I.T.P. (incapacidade temporária parcial) em I.P.P. (incapacidade permanente parcial).

4. Bem se decidindo, na sentença recorrida, fixar o direito do sinistrado decorrente de uma incapacidade permanente parcial (I.P.P.) de 40%, a partir de 12 de outubro de 2018.

5. Condenando-se, em seguida e de forma irrepreensível, as entidades responsáveis ao pagamento da correspondente pensão anual, vitalícia e atualizável, devida desde 12.10.2018, bem como da correspondente indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias.

6. Por outro lado, entendemos que o Tribunal “a quo” também decidiu de acordo com a lei quando não atendeu à data da alta indicada pela junta médica (21.01.2019), porque a mesma ocorreu numa data posterior ao dia da referida conversão da incapacidade temporária em permanente.

7. Como bem se refere na sentença recorrida, a incapacidade permanente resultante da conversão da incapacidade temporária fica determinada, não tem caráter provisório, só podendo ser alterada por força de um incidente típico de revisão, nos termos previstos pelo artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o artigo 70.º da L.A.T.

8. Consequentemente, o tribunal “a quo” não tinha que conhecer da alteração posterior do grau de incapacidade fixado aquando da conversão da incapacidade temporária em permanente.

9. A decisão recorrida não violou qualquer norma jurídica, não fez deficiente interpretação e aplicação do direito, nem procedeu a incorreta apreciação dos elementos de prova que constam nos autos, razão pela qual se entende a mesma não merece qualquer reparo ou censura, devendo ser mantida nos seus precisos termos.

4. Dispensados os vistos, por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.

Questão a decidir: apurar se em caso de conversão da incapacidade temporária em permanente, esta passa a ser a que estava atribuída como temporária.

FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:

1.1 O autor J… nasceu a 18/11/1960.

1.2 A 11/04/2017 o autor era trabalhador por conta de outrem da sociedade comercial e ora ré “HOTELAGOS, S. A.”, na sequência de contrato de trabalho celebrado com esta entidade empregadora.

1.3 Desempenhando as funções da categoria profissional de “encarregado de praia e piscinas” sob as ordens, direção e fiscalização dessa ré e entidade empregadora.

1.4 Cabendo ao autor, para além do mais, efetuar trabalho para a ré empregadora de arrumação e controlo do material de praia e piscina (toldos e espreguiçadeiras), venda de camas e de toldos afetos à concessão de praia.

1.5 O autor cumpria um horário de trabalho diário das 08H30 às 17H00.

1.6 E o autor recebia como pagamento da disponibilidade da sua força de trabalho uma retribuição de, pelo menos: a) € 1 042,23 (mil e quarenta e dois euros e vinte e três cêntimos) de salário base por mês pago 14 vezes por ano; b) € 26,76 (vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos) de subsídio de alimentação pago 11 vezes por ano; c) € 11,85 (onze euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de trabalho noturno variável; d) € 521,83 (quinhentos e vinte e um euros e oitenta e três cêntimos) a título de “recuperações não gozadas”.

1.7 Em maio de 2016 a ré empregadora pagou ao autor um “Prémio Balanced Scorecard” de € 873,66.

1.8 E em abril de 2017 a ré empregadora pagou ao autor um “Prémio Balanced Scorecard” de € 411,14.

1.9 De acordo com regulamento interno da ré empregadora o “Prémio Balanced Scorecard” não tem caráter regular nem periódico e é baseado em objetivos e resultados, medidos através de indicadores escolhidos de áreas de referência (inovação e recursos humanos, eficiência, clientes e finanças) definidos tendo em consideração o historial dos anos anteriores, é atribuído à equipa e ajustado proporcionalmente à colaboração prestada por cada trabalhador durante o período, quer no que toca à duração decorrida do contrato, quer penalizando o absentismo de cada um.

1.10 Desde 2010, os prémios (anuais) pagos ao autor a título de “Prémio Balanced Scorecard” foram os seguintes:

1.10.1 Em 2010 foi de €48,41;

1.10.2 Em 2011 de €387,30;

1.10.3 Em 2012 de €299,30;

1.10.4 Em 2013 não foi pago prémio;

1.10.5 Em 2014 foi de €798,14; e

1.10.6 Em 2015 foi de €278,48.

1.11 A ré empregadora havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré seguradora através da celebração de um contrato de seguro titulado pela apólice nº 4002361 do ramo de acidentes de trabalho que cobria a retribuição mensal de €1 042,23 (mil e quarenta e dois euros e vinte e três cêntimos) paga 14 vezes por ano, € 26,76 (vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos) de subsídio de alimentação pago 11 vezes por ano, € 11,85 (onze euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de trabalho noturno variável, e € 521,83 (quinhentos e vinte e um euros e oitenta e três cêntimos) a título de “recuperações não gozadas”, perfazendo, assim, uma retribuição total anual transferida de € 15 419,26 (quinze mil, quatrocentos e dezanove euros e vinte e seis cêntimos).

1.12 Pelas 10H00 do dia 11/04/2017 quando, por ordem e no interesse da ré empregadora e em execução do trabalho que efetuava no seu local habitual de trabalho nas instalações do “Duna Praia”, sito na “Meia Praia” em Lagos, se encontrava a carregar cadeiras na praia, sofreu traumatismo do joelho esquerdo.

1.13 O referido traumatismo e seus efeitos foram constados no local pelo autor e pelos seus colegas de trabalho, tendo sido participado pela ré empregadora à ré seguradora nesse mesmo dia.

1.14 As lesões então sofridas foram causa direta e necessária de incapacidade para o trabalho.

1.15 A ré seguradora pagou ao autor o montante de € 535,31 (quinhentos e trinta e cinco euros e trinta e um cêntimo) a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias.

Do apenso:

1.16 O autor, ao nível do joelho esquerdo não refere queixas, não apresenta alterações da mobilidade desse joelho esquerdo, não apresenta edema do joelho, nem instabilidade e não apresenta amiotrofias.

1.17 Está curado, sem sequelas desvalorizáveis, a partir de 21/01/2019.

1.18 Esteve o autor com:

1.18.1 ITA (incapacidade temporária absoluta) entre 12/04/2017 e 20/04/2017;

1.18.2 ITP (incapacidade temporária parcial) de 40% entre 21/04/2017 e 25/11/2018;

1.18.3 ITA (incapacidade temporária absoluta) entre 26/11/2018 e 21/12/2018;

1.18.4 ITP (incapacidade temporária parcial) de 5% entre 22/12/2018 e 21/01/2019.

B) APRECIAÇÃO

A questão que se coloca é a de saber se decorrido o prazo de 18 meses sem ter sido dada alta clínica ao sinistrado pela seguradora, nem pedida a prorrogação do prazo, a incapacidade temporária parcial até aí fixada se convola para incapacidade permanente com o mesmo grau.

No caso, apurar se a ITP de 40% se convola automaticamente para IPP de 40% ou se o juiz deve ordenar que o sinistrado seja sujeito a exame médico-legal para avaliar o seu estado nesse momento e atribuir e decidir com base nessa prova pericial se o sinistrado está curado sem incapacidade ou se sofre de alguma incapacidade, fixando a sua natureza e grau.

O art.º 22.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, prescreve:

1. A incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respetivo grau de incapacidade.

2. Verificando-se que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário, o Ministério Público pode prorrogar o prazo fixado no número anterior, até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável e ou do sinistrado.

Resulta inequivocamente do n.º 1 do art.º 22.º acabado de citar que a incapacidade temporária converte-se em permanente, mas o tribunal deve providenciar para que o perito médico-legal avalie o grau de incapacidade que o sinistrado regista no momento da conversão. A conversão não é automática quanto ao grau. Só é automática quanto à natureza da incapacidade: passa de temporária a permanente. Contudo, bem pode acontecer que apesar da incapacidade temporária se converter em permanente, depois de avaliado o sinistrado, este nem seja portador de qualquer grau de incapacidade.

Quando o art.º 22.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro prescreve que a incapacidade temporária converte-se em permanente, deve entender-se que a partir da data da conversão o sinistrado será sempre avaliado em termos de apurar se é portador de alguma incapacidade permanente, podendo acontecer que até nem seja portador de qualquer incapacidade se estiver curado sem incapacidade. A conversão da natureza da incapacidade não permite extrair a conclusão de que será sempre fixada uma incapacidade permanente ao sinistrado. Este é avaliado pelo perito médico-legal e o tribunal decide se é portador de incapacidade permanente, em que grau ou se está curado e sem incapacidade.

Como referimos, o que muda é a situação jurídica do sinistrado. Este deixa de ser considerado como potencial portador de incapacidade temporária e passa a ser avaliado como potencial portador de incapacidade permanente.

O que referimos não impede que o sinistrado seja sujeito a novos tratamentos, intervenções e avaliações médico-legais com vista a apurar o seu estado em cada momento da sua vida, até podendo acontecer que seja determinado que durante algum tempo lhe seja atribuída uma incapacidade temporária, como decorre do art.º 24.º da Lei n.º 98/2009, de 14.09.

No caso dos autos, não estão em causa a incapacidades temporárias fixadas. O que se discute é apenas saber qual o grau de incapacidade permanente de que padecia o sinistrado na data em que se completaram 18 meses desde a data do acidente, ou seja, em 12.10.2018.

Resulta dos autos que a seguradora, entidade responsável, não entregou ao sinistrado o boletim de alta, como determina o art.º 35.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09.

Contudo, resulta dos autos que, em 16.11.2017, ainda antes de decorrido o prazo de 18 meses após a data do acidente, o sinistrado participou-o ao tribunal, tendo-se dado início à fase conciliatória, o sinistrado foi sujeito a exame médico-legal, o qual atribuiu incapacidades temporárias e refere que a cura clínica ocorreu em 16.05.2017, com uma IPP de 4,5%. Seguiu-se a tentativa de conciliação regulada nos art.ºs 108.º e seguintes do CPT, onde não foi possível obter o acordo, pois a seguradora disse expressamente que: ”não reconhece o nexo causal entre o acidente e as lesões, nem concorda com os períodos, natureza e grau das incapacidades atribuídas pelo perito médico-legal, pelo não aceita o acordo proposto pelo Magistrado do Ministério Público”.

Por esse motivo abriu-se a fase contenciosa com desdobramento do processo e organização de apenso para a fixação de incapacidade, onde foi nomeada uma junta médica, a qual respondeu como está nos factos acima provados.

Resulta do exposto que antes do decurso do prazo de 18 meses iniciou-se o processo por acidentes de trabalho, pelo que não tem aqui aplicação o disposto no art.º 22.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro. Se o tribunal entendesse que era de aplicar a norma jurídica acabar de citar, deveria ter ordenado a realização de exame médico-legal para avaliação do sinistrado na data em que se completaram os 18 meses, para os efeitos que já referimos: apurar qual o grau de incapacidade permanente, o que não ocorreu.

Sendo que a incapacidade permanente que fosse fixada com referência a essa data só poderia voltar a ser reapreciada em exame de revisão, nos termos dos art.ºs 70.º da Lei n.º 98/2009, de 14.09 e 145.º do CPT, como tem decidido esta Relação de Évora[1].

O decurso do prazo de 18 meses sem que a responsável tenha entregue o boletim de alta ou pedido a prorrogação do prazo, apenas conduz à conversão da incapacidade temporária em permanente se entretanto o acidente não tiver sido participado ao tribunal e este não tiver procedido como se tivesse sido dada alta.

Apesar da omissão da seguradora, o sinistrado participou o acidente ao tribunal e a partir daí iniciou-se o processo de acidentes de trabalho, como os autos documentam.

O relatório médico-legal singular, elaborado na fase conciliatória, entende que a cura clínica ocorreu em 16.05.2017, enquanto a junta médica entende que a cura clínica ocorreu em 21.01.2019.

Não existe nos autos qualquer relatório médico-legal ou decisão a fixar a data da alta clínica.

Uma coisa é a cura clínica e outra a alta clínica definitiva. Bem podendo ocorrer que após a alta definitiva ocorra recidiva e sejam fixadas ao sinistrado incapacidades temporárias, sem prejuízo da incapacidade permanente já fixada, até lhe ser dada alta clínica, altura em que regressará à situação de incapacidade permanente, se for o caso.

Em face dos elementos clínicos e decisões proferidas nos autos, ficamos sem saber qual foi a data da alta e se nessa ocasião o sinistrado era portador de incapacidade permanente. É indispensável fixar de forma clara e definitiva qual é a data da alta, para a partir daí se definirem os direitos e deveres do sinistrado e dos responsáveis pela reparação, no que diz respeito à incapacidade permanente, pois quanto às incapacidades temporárias, a decisão transitou em julgado e está definitivamente fixada pela sentença que não foi objeto de recurso nesta parte.

Assim, revoga-se a sentença recorrida na parte impugnada, devendo realizar-se nova junta médica que fixe a data da alta e qual o grau de incapacidade permanente de que o sinistrato era portador nessa data.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente, revogar a sentença recorrida na parte impugnada e ordenar a realização de nova junta médica que fixe a data da alta e qual o grau de incapacidade permanente de que o sinistrato era portador nessa data, proferindo-se decisão em conformidade.

Custas pelo apelado sinistrado, que deduziu oposição, sem prejuízo da isenção de que beneficia.

Notifique.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 28 de outubro de 2021.

Moisés Silva (relator)

Mário Branco Coelho

Paula do Paço

_______________________________________________

[1] Neste sentido, Ac. RE, de 20.04.2017, processo n.º 334/13.4TTPTM.E1 e Ac. RE de 18.05.2018, processo n.º 207/14.3TTPTM.E1, ambos em www.dgsi.pt/jtre.