Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1285/16.6T8LLE.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
PARTILHA
ACORDO EXTRAJUDICIAL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. A herança é integrada pelas situações jurídicas que se encontravam na titularidade do de cujus no momento da sua morte e que se não extingam por efeito do decesso, e dela também fazem parte os frutos percebidos até à partilha.
II. Não é contrário à partilha o acordo celebrado entre os herdeiros à margem do decidido na conferência de interessados, no qual acordaram efectuar a divisão do valor da cortiça que viria a ser colhida após a partilha de prédio adjudicado a um deles, porquanto tal acordo não contende com a divisão dos bens hereditários e o titular pode dispor dos frutos percebidos após a partilha.
Decisão Texto Integral:

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. BB intentou contra CC acção especial de prestação de contas, pedindo a condenação do R. a apresentar contas ou contestar a acção e ainda a condenação deste no pagamento ao A. do saldo final, tendo em conta as contas já apresentadas pelo A. ao R., acrescido de juros à taxa legal, contados desde que o R. recebeu os preços da cortiça extraída.

2. Para tanto, alegou, sem síntese, ser irmão do R. e que tendo falecido o pai de ambos, DD, foram os bens deixados por este partilhados entre os seus dois filhos vivos, o ora Autor e o Réu, tendo cabido ao A. 3/200 da propriedade denominada “A…”, 3/200 da propriedade denominada “A… v…” e 3/200 da propriedade denominada “A… n…”, e ainda 1/3 da propriedade denominada “C… de B…”, e ao R. 2/3 desta propriedade e ¼ da propriedade G… T….
Mais alegou que por instrumento escrito assinado pelas partes na data da conferência de interessados em que procederam à referida partilha, comprometeram-se ainda a repartir o valor obtido com a venda da cortiça extraída no ano de 2004 e a extrair nos anos de 2005 e 2006 relativamente às propriedades “C…”, “At….”, “As…” e “G… T…”, ficando a extracção a cargo do Réu CC na propriedade “G… T…” e a cargo do ora Autor nas restantes propriedades, devendo ambos prestar contas.
Invocou ainda que prestou as contas a que se encontrava obrigado relativamente às propriedades por si administradas, mas que o R. não prestou as contas relativamente às propriedades “G… T…” e “C… de B…”, como era sua obrigação.

3. O R. contestou alegando que não considera ter o dever de prestar contas quanto à cortiça retirada da propriedade “G… T…” no ano de 2005, porquanto tal prédio lhe foi adjudicado em momento anterior à colheita da cortiça e porquanto o acordo referido como “minuta compromissória de partilha” deixou de ter validade após a partilha.
Mais alegou ter prestado contas relativamente à cortiça retirada da propriedade “C… de B…”, no ano de 2005 e que, reconhecendo a obrigação de prestar contas ao A. quanto à colheita de cortiça realizada nesta propriedade no ano de 2014, desde já apresenta nestes autos as contas.

4. Em resposta à contestação, o Autor reconheceu que o Réu prestou contas relativamente à colheita de cortiça realizada no ano de 2005 na propriedade denominada “C… de B…”. Manteve o demais alegado e o pedido quanto à colheita realizada em 2005 na propriedade “G… T…” e em 2014 quanto à propriedade “C… de B…”, alegando quanto às contas apresentadas pelo Réu, nos presentes autos, que não foram apresentadas pela forma legal, na medida em que não estão sob a forma de conta corrente, acompanhadas por documentos que justifiquem as receitas e despesas, e impugnou as despesas apresentadas pelo Réu.

5. Produziram-se as provas indicadas pelas partes.
Após, foi proferida sentença na qual se decidiu:
a) Julgar válida a desistência do pedido quanto às contas que o Réu deveria prestar relativamente à colheita de cortiça realizada pelo Réu no ano de 2005 no prédio “C… de B…”;
b) Condenar o Réu CC a prestar contas ao Autor BB, nos termos do disposto no artigo 942.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, quanto à colheita e venda da cortiça retirada dos prédios denominados “G… T…”, no ano de 2005 e “C… de B…”, no ano de 2014.

6. O A. requereu a rectificação da sentença, no que se reporta ao excerto decisório constante do ponto b) do dispositivo e quanto à condenação em custas.
Por despacho de fls. 71/72, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 614º do Código de Processo Civil e atento ao que se prescreve no artigo 942º, n.º 5, do mesmo código, deferiu-se o pedido de rectificação, decidindo-se «determinar a notificação do Réu, quer na pessoa do seu Ilustre Mandatário, quer na sua própria pessoa, para em vinte dias, prestar contas quanto à colheita e venda da cortiça retirada dos prédios denominados “G… T…”, no ano de 2005 e “C… de B…”, no ano de 2014, sob pena de, não o fazendo, não lhe ser permitido contestar as contas que o Autor apresente».

7. O R. interpôs recurso da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das respectivas conclusões]:
a) Requer a V. Exª. a junção do documento junto com esta apelação sob o doc. 1, por estar em contradição com os factos provados, e não poder ter sido apresentado antes do julgamento por fazer parte da correspondência, dos então mandatários que organizaram a partilha, e o Réu desconhecer a sua existência, o que faz ao abrigo das disposições do artº 651º nº 1 e 425º do C.P.C.
b) A douta sentença violou as normas dos artºs. 342º e 344º do C.C. ao reconhecer a partilha como documento autêntico verídico e fazendo prova plena, mas, no fundo, fazendo depender as consequências jurídicas dessa prova plena da capacidade do R. de abalarem as convicções do Tribunal, invertendo o ónus da prova.
c) O R. beneficia da presunção legal da verdade dos factos constantes da partilha (artº. 344º do C.C.) com o único sentido que deles se pode retirar, que é o de proprietário pleno da propriedade de "G… T…".
d) Os elementos fornecidos pelo processo sobre a matéria de facto dos quais sai ilesa a autenticidade do documento autêntico (a partilha pública) impõem decisão oposta à recorrida (artº. 662º nº 1 al. c) do C.P.C.).
e) Os que tem direito aos frutos naturais a partir de certo momento, fazem seus todos os frutos percebidos durante a vigência do seu direito artº. 213º do C.C.).
f) A cortiça que ainda não tenha idade legal de corte, existente em imóvel adjudicado em partilha é considerada parte integrante desse imóvel e não frutos pendentes. Neste sentido (RE - 7-7-1983; CJ, 1983, 4º 305).
g) A extracção de cortiça do prédio "C… de B…" que A., R. e uma Sociedade são comproprietários está sujeita as regras da compropriedade e a não intervenção do sócio que possui 50% torna a prestação de contas ilegal.
h) A cabeça de casal (a mãe do Autor) até à presente data não apresentou a prestação de contas da administração da herança que foi partilhada em 2005.
Nestes termos e atento o exposto, o presente recurso deverá ser julgado procedente e em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada por violação das normas acima citadas, e julgar-se a acção improcedente por não provada com as demais consequências.

8. Contra-alegou o A., invocando a inadmissibilidade da junção dos documentos apresentados com as alegações, salientando, além do mais, que o documento junto sob o n.º 1, respeitando a correspondência trocada entre mandatários, constitui prova proibida, concluindo pela improcedência do recurso.

9. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo (cf. artigo 942º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Por despacho do relator foi determinada a audição do recorrente quanto à questão da (in)admissibilidade dos documentos juntos com as alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Da admissibilidade dos documentos juntos com as alegações
1. Com as alegações de recurso juntou o R., ora, recorrente, dois documentos: - o primeiro (doc. n.º1), constitui uma carta, não datada, com o assunto “Partilha – Herança de DD”, em que o I. Advogado José …, informa o I. Advogado Luís … dos termos em que a sua constituinte – Dr.ª Isabel … – aceita a partilha da herança, nos termos ali referidos, a qual terá sido remetida por fax em 04/05/2004; - o segundo (doc. n.º2), - é a notificação ao recorrente da promoção do Ministério Público de arquivamento do inventário obrigatório, que então corria termos, por o menor ter atingido a maioridade, e do despacho que determinou essa notificação, datado de 15/02/2002.
Alegou o recorrente, não ter podido apresentar antes do julgamento o documento agora junto sob o n.º1 por fazer parte da correspondência dos então mandatários que organizaram a partilha e desconhecer a sua existência.
O recorrido nas contra-alegações pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da dita junção por extemporânea, inutilidade do documento e por constituir prova proibida, nos termos do artigo 92º, n.º5, em conjugação com o n.º 1, alínea f) e n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

2. Estabelece o nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil, “[a] partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Por sua vez, prescreve o artigo 425º do mesmo código que : “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Quanto ao documento junto sob o n.º 1, alega o apresentante desconhecer antes a sua existência por fazer parte da correspondência trocada entre os mandatários para organizar a partilha.
Porém, por um lado, não apresenta prova da superveniência quanto ao conhecimento do dito documento e, por outro, tendo a correspondência sido trocada entre os “então mandatários que organizaram a partilha” (como diz o recorrente) é de presumir que os mandantes dele tiveram conhecimento, tanto mais que o documento surge na sequência da “reunião” anteriormente efectuada.
Acresce, que o dito documento, revelador das negociações em que intervieram os então mandatários que organizaram a partilha, está sujeito ao segredo profissional, como decorre do artigo 92º, n.º 1, alínea f) e n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados, constituindo prova proibida, como se impõe no n.º 5 do mesmo artigo. E tal obrigação de segredo vincula não só os mandatários intervenientes, como aqueles que os substituíram, caso contrário estaria descoberta a forma de contornar o segredo profissional e a proibição de prova, pois bastava à parte substituir o mandatário interveniente.
De resto, para efeitos da admissibilidade do documento em causa é irrelevante que tenha sido recusado o depoimento da testemunha Dr. Luís …, por extemporaneidade, e admitido o depoimento do Dr. José ….
Se o recorrente discordava desta decisões, o que tinha a fazer era interpor o competente recurso, como previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil, o que não sucedeu.
Quanto ao documento junto sob o n.º 2, além de extemporâneo, o mesmo é perfeitamente inútil para a decisão, não se percebendo sequer a razão da sua junção.

3. Deste modo, não se admite a junção aos autos dos documentos em causa.
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III – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apurar se ocorre fundamento para modificação da matéria de facto e se o R. deve prestar contas pela extracção da cortiça retirada dos prédios “G… T.” e “C… de B…”, como determinado na sentença.
*
IV – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.º Por decisão proferida pelo Tribunal Arbitral denominado “Centro de Arbitragem de Loulé”, datada de 17 de Fevereiro de 2005, foi homologo o acordo para partilha dos bens deixados por óbito de CCo, falecido no dia 13 de Abril de 1984, figurando como seus herdeiros Maria …, cônjuge e representante do filho do falecido, ora Autor, BB e o ora Réu CC, também filho do falecido, ali se consignando as declarações da cabeça-de-casal, a referida Maria … e conferência de interessados realizada no dia 11 de Fevereiro de 2005, nos seguintes termos:
“O inventariado seu marido, DD, com quem foi casada em comunhão de adquiridos, em segundas núpcias dele e primeiras dela, o qual havia sido casado segundo o regime da comunhão geral de bens e em primeiras e recíprocas núpcias com Maria Leonor …, da qual se havia divorciado, por sentença de 20 de Novembro de 1980 e que transitou em julgado no dia 10 de Dezembro de 1980 – Proc. 39/80, da então 1.ª Secção do Tribunal Judicial de Loulé.
Faleceu no dia 13 de Abril de 1984, no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, em Benfica, cidade de Lisboa, e com última residência habitual na Avenida …, n.º 147, 4.º esquerdo, Nossa Senhora de Fátima, da cidade e concelho de Lisboa, sem testamento, ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado bens já existentes na constância do primeiro matrimónio, conforme relação anexa.
Deixou como únicos herdeiros, o cônjuge sobrevivo:
1
A cabeça de casal, Maria …, viúva, residente no sítio de Fonte do T…, freguesia e concelho de São Brás de Alportel;
E os seguintes filhos:
Do primeiro casamento:
2
CC, solteiro, maior, residente na rua Aníbal Guerreiro, n.º 13, 2.º direito, da cidade e concelho de Loulé, freguesia de São Sebastião;
3
E em representação do falecido filho, Álbio …, o qual faleceu sem descendentes, no dia 22 de Outubro de 1993, na freguesia de São Clemente, concelho de Loulé, com residência em Loulé, no estado de solteiro de maior idade, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, a mãe deste:
A referida, Maria Leonor …, divorciada, residente na Rua …, n.º 13, 2.º dt.º, em Loulé, a qual intervém igualmente no presente inventário em virtude de não ter sido partilhado o património do dissolvido matrimónio com o inventariado, o que é concretizado na presente partilha.
E do segundo casamento:
4
BB, solteiro, maior, residente no sítio de Fontes do T…, freguesia e concelho de São Brás de Alportel.
Que não existem outras pessoas, que segundo a lei, lhes prefiram ou com eles possam concorrer na sucessão e herança do mencionado Álbio …. (…).
2.º No âmbito da partilha referida em 1.º, além dos demais bens, foram adjudicadas ao Autor:
a. A verba número dez, descrita como “3/200 avos – dos quais 1/200 é propriedade plena e 1/100 avos nua propriedade – dum prédio rústico, denominado ‘Herdade da A… – C… - Monte, da freguesia de Cabeção, concelho de Mora, constituído por montado de sobro, terenos para semear e pastagens, confrontando no seu todo, Norte – Herdade de M…, Sul – Herdade do Z…, Nascente – Fazendas de C… e Pinhal Nacional e Poente – Herdade do Z…, inscrito na respectiva matriz predial sob o Artigoº …, Secção B, com o valor patrimonial não separado do usufruto correspondente à fracção indicada de 303,94, pelo que o valor patrimonial separado do referido usufruto é de 101,31 + 182,37, ou seja 283,68 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mora, sob o N.º …/…-85, da freguesia de Cabeção. É usufrutuária da fracção de 1/100 avos a mãe do inventariado, Maria ….”;
b. A verba número onze, descrita como “3/200 avos – dos quais 1/200 é propriedade plena e 1/100 avos nua propriedade – dum prédio rústico, denominado ‘A… V… – F… V… e P… da Foz’, freguesia de Foros do Arrão, concelho de Ponte de Sor, constituído por terreno de cultura arvense, pinhal e sobreiros, montado de sobro, arrozal, mato, pastagem, horta e figueiras, oliveiras, terreno estéril e leito curso de água – 873,2000 hectares – confrontando no seu todo, Norte - herdade da F… V… e Poente – herdade de V… S…, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo … Secção N-N1, com o valor patrimonial não separado do usufruto correspondente à fracção indicada de 656,89 euros, pelo que o valor patrimonial separado do referido usufruto é de 218,96+394,14, ou seja 613,10 euros descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor, sob o Nº …/…, freguesia de Foros de Arrão. É usufrutuária da fracção de 1/100 avos a mãe do inventariado, Maria …”;
c. A verba número doze, descrita como “3/200 avos – dos quais 1/200 avos é propriedade plena e 1/100 avos nua propriedade – dum prédio rústico, denominado ‘Herdade dos A… N…’, da freguesia de Couço, concelho de Coruche, constituído por cultura arvense, montado de sobro, mato, sobreiros, pinhal manso, habitação, dependência, arrozal, hortejo, pinhal, prado natural, dependência, parcela urbana, oliveiras, pinhal bravo, figueiras e leito de curso de água – 655,8750 hectares – confrontando no seu todo, Norte – Herdade dos A… V… e Poente Herdade de V… de S…, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, Secção EE1, com o valor patrimonial não separado do usufruto correspondente à fracção indicada de 6.469,02 euros, pelo que o valor patrimonial separado do referido usufruto é de 2.156,34 + 3,881,41, ou seja, 6.037,75 euros. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche sob o N.º …/…, da freguesia do Couço. É usufrutuária da fracção de 1/100 avos a mãe do inventariado, Maria ….”;
d. Um terço da verba número 13, descrita como “1/2 dum prédio rústico, sito em C… de B…, da freguesia e concelho de São Brás de Alportel, composto de terra de cultura e pastagem com árvores – 1 300 520 m2 – confrontando no seu todo, Norte – limite do concelho, Sul – Francisco … e outros, Nascente – José … e Poente – Maria … e outro, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo matricial rústico n.º …, com o valor patrimonial correspondente à fracção indicada de 1.128,73 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o N.º …/…, freguesia de São Brás de Alportel”.
3.º Ao ora Réu CC foram adjudicadas:
e. A verba número nove descrita como “1/4 dum prédio Rústico, denominado ‘Herdade de G… T…’, na freguesia de Maranhão, concelho de Avis, composto de 6 parcelas cadastrais com terras de arvoredo de sobro, e casa de habitação, com diversas divisões, com a área total de 97 hectares e 8750 m2, sendo a área da parcela urbana 1000 m2, confrontando no seu todo, Norte – Herdade de M…, Sul – caminho existente entre esta propriedade e a Herdade do M…, Nascente herdade de G… T… e Herdeiros de João … e Poente – José …, inscrito na respectiva matriz predial a parte rústica sob o Artigoº … B, e a urbana sob o Artigoº …, com os valores patrimoniais correspondentes à fracção indicada de 2.782,31 e 491,17 euros, donde resulta o valor total da referida fracção de 3.273,48 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Avis, sob o N.º …/…, da freguesia de Maranhão;
f. Dois terços da verba número treze descrita como “1/2 dum prédio rústico, sito em C… de B…, da freguesia e concelho de São Brás de Alportel, composto por terra de cultura e pastagem com árvores – 1300 520 m2 –, confrontando no seu todo, Norte – limite do concelho, Sul – Francisco … e outros, Nascente – José … e Poente – Maria … e outro, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo matricial rústico n.º …, com o valor patrimonial correspondente à fracção indicada de 1.128,73 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o N.º …/…, freguesia de São Brás de Alportel.”
4.º Na mesma data em que foi realizada a conferência de interessados referida em 1.º (11 de Fevereiro de 2005), os herdeiros e interessada reuniram-se e outorgaram, por instrumento particular que denominaram “minuta compromissória de partilha”, o seguinte:
“Herança de Álbio …
Herdeiros - a - Isabel … - viúva
b - BB
c - CC
d - Maria Leonor …, em representação do filho falecido Álbio …
Partilha
Acordam herdeiros e interessada em proceder à partilha dos bens da herança pela forma seguinte:
1 - Prédio R. …, 5, 5.º, Lisboa
1/6 – BB
2/6 – CC
2 - Rústicos – Corte, S. B. Alportel
1/6 BB
2/6 – CC
3 - 1/200 (propriedade plena) e 1/100 em nua propriedade do prédio denominado A… V… e N… para o herdeiro BB;
4 - id quanto ao prédio denominado As… (Évora)
5 - id, 1/50 do prédio urbano denominado C…, Faro (BB)
6 - id quanto a 0,08ha do prédio rústico denominado F… V… (Ponte de Sor) - BB
7 - ¼ do prédio rústico denominado G… T… - CC
8 - 1/3 do montante existente na Conta bancária (CCAgrícola S.B.Alportel) – BB
9 - 2/3 da dita conta – CC
10 - Apartamento da Póvoa de St. Adrião - CC
11 - O produto líquido da venda da cortiça extraída em 2004 e a extrair em 2005 e 2006 nas propriedades denominadas C…, At…, As… e G… T… será repartido na proporção de 1/3 para o herdeiro BB e 2/3 para o herdeiro CC.
A extracção da cortiça de Gil Terreiro fica a cargo do herdeiro João Carlos Pinto e a das restantes propriedades do herdeiro Bernardo Mendes Pinto, e após a venda cada um prestará as respectivas contas ao seu co-interessado.
As herdeiras Isabel Pinto e Maria Leonor vão receber tornas de que dão quitação no acto da Conferência.”
5.º Em 16 de Outubro de 2014 o Autor apresentou s suas contas relativamente à cortiça extraída das propriedades dos At… em 2005 e As… em 2006.
6.º O Réu retirou cortiça dos prédios denominados “G… T…”, no decurso do ano de 2005 e “C… de B…”, também no ano de 2005.
7.º O Réu não apresentou contas ao Autor relativamente à cortiça extraída dos sobreiros existentes no prédio denominado “G.. T…” no ano de 2005, embora tenha prestado contas, perante a mãe do ora Autor, quanto à cortiça retirada naquele ano do prédio denominado “C… de B…”.
8.º No ano de 2014 o Réu, sem autorização ou conhecimento do Autor, procedeu à extracção e venda de cortiça retirada dos sobreiros existentes no prédio denominado “C… de B…”.
9.º O Réu não prestou contas ao Autor do dinheiro recebido relativamente à cortiça extraída e vendida, conforme referido em 8.º.
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A.2. E considerou-se não provado que:
a) Que o acordo documentado pelo instrumento referido em 4.º tenha sido celebrado em data anterior à partilha tendo perdido toda a validade com a efectivação da partilha em 11 de Fevereiro de 2005.
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B) – O Direito
1. Nas alegações de recurso insurge-se quanto ao facto de se ter dado como não provado que: “a) O acordo documentado pelo instrumento referido em 4.º tenha sido celebrado em data anterior à partilha tendo perdido toda a validade com a efectivação da partilha em 11 de Fevereiro de 2005.”
No entender do recorrente este documento, intitulado de “minuta compromissória de partilha” teve uma 1ª versão em 04/05/2004 (um ano antes da partilha) e o documento junto aos autos não está datado, só havendo certeza que foi elaborado em data anterior à partilha, como uma espécie de contrato promessa de partilha.
Se bem percebemos a alegação do recorrente, 1ª versão do documento corresponderá à “proposta” constante do documento junto sob o n.º 1 com as alegações, cuja junção não se admitiu.
De todo o modo, como aliás resulta da própria alegação, ainda que se admitisse a junção do dito documento, o mesmo, constituindo uma 1ª versão do acordo não impedia que se desse como provado que o acordo constante da “minuta compromissória de partilha”, a que se reporta o ponto 4 dos factos provados, tenha sido assinado na data da partilha, como resultou da prova testemunhal produzida em audiência.

2. Invoca ainda o recorrente a violação das regras de direito probatório constantes dos artigos 342º, n.º 2, e 344º, do Código Civil, alegando que a escritura de partilha é um documento autêntico, não sendo admissível a prova testemunhal, em face do disposto nos artigos 393º, n.º 2, e 394º do Código Civil.
Ora, não se vê que tenha sido violada a norma do n.º 2 do artigo 393º do Código Civil, onde se estipula que “… não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”.
Na verdade, os factos relativos à partilha que constam do documento de fls. 7 e segs., estão dados como provados sob o ponto 1º da matéria de facto.
Tal não impedia, porém, que também se desse como provado o teor do documento de fls. 17 e segs., a dita “minuta compromissória de partilha”, que está assinada pelo R., nem que se recorresse à prova testemunhal para prova da data em que este documento foi assinado, pois, com a prova testemunhal não se teve em vista afastar o teor da escritura de partilha.
Deste modo, contrariamente ao alegado, não vemos que exista documento nos autos que imponha decisão diversa quanto à matéria de facto assente nos autos.
A questão que se coloca tem antes a ver com o facto de saber se o dito acordo compromissório é válido em face da partilha efectuada, no caso quanto à cláusula de divisão da cortiça a retirar dos prédios em causa, mas esta é uma questão de direito, cuja solução foi abordada na sentença e que adiante se evidenciará.
Invoca-se ainda nas conclusões do recurso o artigo 662º, n.º1, al c) do Código de Processo Civil. Porém a invocação de tal alínea, ou constitui lapso, ou reporta-se ao n.º 2 do citado artigo, no qual, se impõe à Relação o dever, mesmo oficiosamente, de anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta (alínea c)).
Contudo, não se surpreende qualquer obscuridade, deficiência ou contradição na matéria de facto, nem há insuficiência desta a demandar a sua ampliação.

3. Deste modo, permanece inalterada a matéria de facto.

4. A acção de prestação de contas está submetida às regras gerais dos artigos 941.º a 947º do Código de Processo Civil, estipulando-se naquele primeiro preceito que “[a]acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
Como refere Alberto dos Reis “quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses” – cfr. Processos especiais, vol. I, pág. 303.
Umas vezes, essa obrigação resulta da própria lei, outras de negócio jurídico, e outras, até, do princípio geral da boa-fé que impõe expressamente tal obrigação.
O fim da acção de prestação de contas é, como se vê do artigo 941.º, o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas de modo a obter a definição de um saldo e de determinar, assim, a situação do réu - de quite, de devedor, ou de credor - perante o titular dos interesses geridos, com apuramento do crédito para este eventualmente resultante da actuação daquele. Com o julgamento das contas apresentadas por uma ou por outra parte, visa-se apurar quem deve e o que deve (cfr. Vide Alberto dos Reis, RLJ 74.º, pág. 46).

5. Na sentença recorrida, como se referiu, julgou-se válida a desistência do pedido quanto às contas que o R. deveria prestar relativamente à cortiça realizada pelo R. no ano de 2005 no prédio “C… de B…”, mas entendeu-se que o R. estava obrigado a prestar contas, nos termos do artigo 942º, n.º5, do Código de Processo Civil, quanto à colheita e venda da cortiça retirada dos prédios denominados “G… T…”, no ano de 2005 e “C… de B…”, no ano de 2014, tendo-se determinado a notificação do R. para as prestar, com a cominação legal prevista no dito preceito.
No que se reporta à questão da prestação de contas relativamente à Herdade de “G… T…”, fundamentou-se a decisão no seguinte:
«(..) Quanto ao prédio “G… T…”, conforme resulta da partilha, o mesmo foi adjudicado ao ora Réu (ponto 3.º, a. dos factos provados), em data anterior à colheita da cortiça pois que os herdeiros partilharam os bens da herança por óbito de Álbio … em 11 de Fevereiro de 2005, ocorrendo a colheita da cortiça daquela propriedade no mesmo ano, mas no período normal (durante o verão, por ser o período normal de realizar tal colheita, circunstância que as partes não discutem).
Porquanto tal imóvel integrava a herança de Álbio …, pois que a herança é integrada pelas situações jurídicas que se encontravam na titularidade do de cujus no momento da sua morte e que se não extingam por efeito do decesso (artigos 2024.º e 2025.º, n.º 1, do Código Civil), haverá que considerar que também o produto da frutificação posterior à morte de cujus dos primeiros dos mencionados bens, designadamente os frutos percebidos até à partilha (artigo 2069.º, alínea d), do Código Civil), integram a herança.
Já os frutos percebidos após a partilha, conforme resulta da conjugação dos citados preceitos legais, não integram a herança e, por via disso, em princípio, deveria reconhecer-se que o Réu não haveria de prestar contas quanto à cortiça retirada em data posterior à partilha do prédio que lhe foi adjudicado. No entanto, os herdeiros de Álbio … acordaram dividir “O produto líquido da venda da cortiça extraída em 2004 e a extrair em 2005 e 2006 nas propriedades denominadas C…, At…, As… e G… T… (…) na proporção de 1/3 para o herdeiro BB e 2/3 para o herdeiro CC” – cfr. ponto 4.º, dos factos provados, cláusula 11.ª da denominada “minuta compromissória de partilha”.
Ora, em matéria de administração da herança a lei estabelece que o património hereditário, até à partilha da herança, seja objecto de administração estável pelo cabeça de casal (artigos 2079.º, do Código Civil).
No âmbito da sua função de administração do património hereditário, pode alienar os bens deterioráveis e os frutos deterioráveis de quaisquer bens (artigos 2089.º e 2090.º, n.º 1, do Código Civil).
Para satisfação dos encargos da administração da herança pode ainda o administrador da herança vender os frutos deterioráveis dos seus bens, tal como pode utilizar o produto dos seus frutos não deterioráveis, na medida do necessário (artigo 2090.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), cabendo aos herdeiros o direito a exigir a distribuição até metade do rendimento da herança que lhes caiba, mas apenas se não for necessário, mesmo nessa parte, para a satisfação dos encargos da administração (artigo 2092.º do Código Civil).
Por ser assim, quanto aos frutos de bens da herança e que, conforme se viu, também fazem, eles próprios, parte da herança, não há lugar ao seu relacionamento em inventário, nem devem entrar na partilha, antes devendo o administrador prestar contas quanto aos mesmos – cfr., neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de marco de 2004, processo número 04B1080, disponível em http://www.dgsi.pt e João António Lopes Cardoso e Augusto Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, Coimbra, 2006, pág. 460, nota 1438.
No cado dos autos, atento o acordo celebrado pelas partes e documentado na referida cláusula 11.ª da denominada “minuta compromissória de partilha”, os herdeiros de Álbio … decidiram dividir entre si, quer a cortiça já retirada das propriedades após a morte do autor da herança, quer a cortiça que seria colhida no ano da partilha e no ano seguinte.
Tal acordo teve por objecto direitos plenamente disponíveis e, quer tenha sido celebrado na data da partilha, quer tenha sido celebrado em data anterior, não contende com a partilha (porquanto nem mesmo os frutos percebidos até à partilha deveriam ser relacionados e partilhados).
Nestes termos, conclui-se que o Réu se vinculou pelo acordo a que se refere o ponto 4.º dos factos provados, acordo que não caducou com a partilha, razão pela qual deverá prestar contas da colheita de cortiça realizada no prédio “G… T…” no ano de 2005.»

6. O recorrente discorda do assim decidido quanto à prestação de contas pela colheita e venda da cortiça do propriedade “G… T…”, no ano de 2005, poi entende que tendo-lhe sido adjudicada a propriedade na partilha, os frutos percebidos após este momento, constituem rendimento do prédio, sendo de sua pertença, não tendo, por conseguinte, qualquer obrigação de prestar contas.
Porém, não lhe assiste razão quanto a tal pretensão recursória.
Senão vejamos:
A cortiça colhida deverá qualificar-se como fruto natural da coisa – frutos é tudo aquilo que as coisas produzem periodicamente sem prejuízo da sua substância, distinguindo-os entre naturais e civis, consoante delas provenham directamente ou se trate de rendas ou interesses por elas produzidas em consequência de alguma relação jurídica (artigo 212.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
O prédio “G… T…”, ou melhor, a verba número nove descrita como “1/4 dum prédio rústico, denominado “Herdade de G… T…”, integrava a herança de Álbio …, pois a herança é integrada pelas situações jurídicas que se encontravam na titularidade do de cujus no momento da sua morte e que se não extingam por efeito do decesso (artigos 2024.º e 2025.º, n.º 1, do Código Civil), e dela também fazem parte os frutos percebidos até à partilha, como decorre da alínea d) do artigo 2069º do Código Civil.
Porém, como se diz na sentença, verifica-se que o prédio em causa foi adjudicado ao ora R. (cf. ponto 3.º dos factos provados), em data anterior à colheita da cortiça, pois os herdeiros partilharam os bens da herança por óbito de Álbio … em 11 de Fevereiro de 2005, e, embora a colheita da cortiça daquela propriedade tenha ocorrido no mesmo ano, só teve lugar durante o verão, por ser o período normal para realizar tal colheita, circunstância que as partes não discutem.
Por conseguinte, a colheita desta cortiça, conforme resulta da conjugação dos citados preceitos legais, não integra a herança e, por via disso, em princípio, não teria o R. que prestar contas ao A. quanto à cortiça retirada no ano de 2005 em data posterior à partilha do prédio que lhe foi adjudicado.
Contudo, a obrigação de prestação de contas não resulta da partilha realizada, mas da cláusula 11ª do acordo denominado de “minuta compromissória de partilha”, na qual estabeleceram dividir “[o] produto líquido da venda da cortiça extraída em 2004 e a extrair em 2005 e 2006 nas propriedades denominadas C…, At…, As… e G… T… (…) na proporção de 1/3 para o herdeiro BB e 2/3 para o herdeiro CC” (cf. ponto 4 dos factos provados).
Ora, não obstante na partilha efectuada o prédio ter sido adjudicado ao R., e a colheita e venda da cortiça ter ocorrido após a partilha, certo é que por via do acordo estabelecido o R. aceitou dividir com o A. o produto da venda da cortiça do dito prédio no ano de 2005.
E, não se diga que o dito acordo constitui violação do decidido na partilha, nem que com esta se revogou o dito acordo, porquanto o mesmo não coloca em causa o decido na conferência de interessados quanto à divisão dos bens da herança. A divisão dos bens acordada na conferência de interessados mantém-se, o que sucedeu é que o R., por via do acordo contante do documento particular, intitulado de “minuta compromissória de partilha”, celebrado no mesmo dia em que ocorreu a conferência de interessados, aceitou dividir com o A. o produto líquido da venda da cortiça no dito prédio, na proporção de 1/3 para o A. e 2/3 para si, obrigando-se à prestação de contas.
Este acordo não é, pois, contrário à partilha efectuada, nem é revogado por esta, desde logo porque a cortiça em causa, recolhida após a partilha, nem sequer integrava o acervo hereditário, e, por conseguinte, na partilha os herdeiros nada tinham que decidir a esse respeito.
Acresce que estava na livre disponibilidade do R. aceitar ou não a divisão da venda da cortiça colhida após a adjudicação da propriedade, que sem a realização deste acordo lhe pertencia.
Não sabemos as razões que levaram as partes a celebrar tal acordo, mas é certo que a cortiça é um bem com valor significativo e que, tendo em conta que o ciclo produtivo da cortiça é de cerca de 9 anos, tendo a colheita ocorrido no verão de 2005, à data da partilha, em Fevereiro desse ano, tal ciclo estava praticamente completo.
Em face do exposto, não assiste razão ao recorrente, que, como se decidiu na sentença, está obrigado à prestação de contas pela cortiça retirada da referida herdade no ano de 2005.

7. Quanto à cortiça retirada do prédio denominado “C… de B…”, no ano de 2014 (9 anos após a recolha de 2005), que é pertença do A. e do R. na proporção de 1/6 e 2/6, respectivamente, pertencendo os restantes 3/6 à Sociedade S. …, Lda., (cf. doc de fls. 26 v.), decidiu-se que o R. tinha obrigação de prestar contas, com os seguintes fundamentos, com os quais concordamos:
«Quanto à cortiça retirada pelo Réu do prédio “C… de B…”, porquanto Autor e Réu, para além de outros, são donos de tal prédio, tendo o Réu praticado actos de administração ordinária, assim se devendo qualificar a colheita de frutos e a sua venda, deverá, como o próprio reconhece, prestar contas dessa administração (artigos 1406.º e 1407.º, do Código Civil).
O Réu, na contestação apresentada, não negando o dever de prestar contas quanto à colheita de cortiça referida, limitou-se a indicar o valor da receita obtida com a colheita e várias despesas, bem como um valor a que alega ter direito relativo a tornas acordadas numa outra herança.
Dispõe o artigo 944.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que “As contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especifica a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo.”
Acresce que as contas devem ser instruídas com documentos justificativos – cfr. artigo 944.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Nos termos das normas processuais citadas, as contas apresentadas pelo Réu na contestação não respeitaram a forma legal, nem se encontram justificadas com documentos, pelo que deverá o Réu prestar contas, nos termos dos citados preceitos legais.»

9. Invoca, porém o recorrente, sob a conclusão g), que a extracção de cortiça do prédio “C… de B…” de que o A., o R. e uma Sociedade são comproprietários está sujeita as regras da compropriedade e a não intervenção do sócio que possui 50% torna a prestação de contas ilegal.
Trata-se de questão nova que não foi antes invocada pelo recorrente (na contestação) e, por conseguinte não foi apreciada na decisão recorrida, pelo que não pode ser conhecida em recurso.
De facto, constitui jurisprudência constante o entendimento de que os recursos, em regra, visam apenas modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal a quo, não podendo ser vistos como vias jurisdicionais para alcançar decisões novas.
De todo o modo, sempre se dirá, que, nos termos do n.º 1 do artigo 1405º do Código Civil, compete aos comproprietários exercerem em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, e, separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas.
Deste modo e tendo o R, praticado actos de administração sobre o prédio comum, como resulta da matéria de facto provada, tendo colhido e vendido a cortiça no ano de 2014, estando, por conseguinte, obrigado a prestar contas e não o tendo feito, tem o A., enquanto comproprietário, o direito de exigir do R. a prestação de contas, nos termos do artigo 942º do Código de Processo Civil, sem que esteja acompanhado dos demais comproprietários.

10. Invoca, por fim, o recorrente que a cabeça de casal (a mãe do Autor) até à presente data não apresentou a prestação de contas da administração da herança que foi partilhada em 2005.
Também esta matéria constitui questão nova que, pelas razões acima enunciadas, não pode ser agora apreciada em recurso.
No entanto, não vemos como é que a alegada obrigação da mãe do A. em prestar contas pela administração da herança partilhada em 2005, contende com a obrigação do R. de prestar contas perante o A. do prédio comum que administrou após a partilha.
Esta questão, a dela ter que se conhecer, seria manifestamente improcedente.

11. Deste modo, improcede a apelação, com a consequente, confirmação da sentença recorrida.
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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. A herança é integrada pelas situações jurídicas que se encontravam na titularidade do de cujus no momento da sua morte e que se não extingam por efeito do decesso, e dela também fazem parte os frutos percebidos até à partilha.
II. Não é contrário à partilha o acordo celebrado entre os herdeiros à margem do decidido na conferência de interessados, no qual acordaram efectuar a divisão do valor da cortiça que viria a ser colhida após a partilha de prédio adjudicado a um deles, porquanto tal acordo não contende com a divisão dos bens hereditários e o titular pode dispor dos frutos percebidos após a partilha.
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V – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do apelante.
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Évora, 28 de Junho de 2018

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(Francisco Xavier)

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(Maria João Sousa e Faro)

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(Florbela Moreira Lança)