Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
461/18.1T8STR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
OCUPAÇÃO EFECTIVA
Data do Acordão: 10/02/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: i) Obsta injustificadamente à prestação efetiva de trabalho a empregadora que suspende o trabalhador nos 49 dias anteriores à data da notificação da nota de culpa e, além disso, não fundamenta por escrito que a presença deste na empresa seria inconveniente, nomeadamente para a averiguação dos factos, e que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa aquando da notificação da suspensão.
ii) A empregadora comete, assim, a contraordenação muito grave prevista no art.º 129.º n.º 1, alínea), e 2 do CT.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 461/18.1T8STR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Recorrente: CC, SA (arguida).
Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho.

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J2

1. Nos presentes autos de contraordenação, a arguida veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições no Trabalho que lhe aplicou uma coima no valor de 100 UC, correspondente à quantia de € 10 200 (dez mil e duzentos euros), pela prática de uma contraordenação prevista pela al. b) do n.º 1 do artigo 129.º do Código do Trabalho, e punida pelo n.º 2 do mesmo artigo.
Formulou as seguintes conclusões:
a) A decisão deve ser revogada uma vez que não ponderou as circunstâncias que rodearam o prolongamento da suspensão preventiva para além dos 30 dias legalmente previstos;
b) Não ponderou as diligências probatórias efetuadas pela recorrente na fase de inquérito do processo disciplinar;
c) Nomeadamente, o facto de a cliente que participou a infração disciplinar ter demorado 14 dias a responder;
d) A decisão não ponderou a incerteza que resultou do inquérito e as decisões que a recorrente teve que assumir por causa disso;
e) A decisão não ponderou se a recorrente agiu contra a boa-fé;
f) Tão pouco ponderou o benefício económico retirado pela recorrente com a suposta infração,
g) Pelo que não podia concluir da forma como concluiu;
h) Não estão reunidas as condições para que fosse aplicada uma coima à recorrente.
Termina peticionando a revogação da decisão e a absolvição da arguida.
A Autoridade para as Condições do Trabalho proferiu despacho a manter a decisão e remeteu o processo ao Ministério Público junto deste Juízo.
Presentes os autos ao Juiz e recebido o recurso, com efeito suspensivo, foi realizada a audiência de julgamento, com a audição das testemunhas arroladas.
Após, foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação judicial e confirmou a decisão da autoridade administrativa.

2. Inconformada, veio a arguida interpor recurso, que motivou e concluiu o seguinte:
1. Ao considerar que “…a inatividade do trabalhador ocorreu por determinação da arguida, sem justificação bastante para o efeito, pelo que se conclui que violou a arguida o dever de ocupação efetiva do trabalhador” (sic), a douta sentença recorrida fez uma incorreta interpretação do art.º 129.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 do Código do Trabalho e, bem assim, dos art.ºs 32.º n.º 2 e 61.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
2. De facto, como refere Monteiro Fernandes, “não se pode deixar de reconhecer como atendíveis as situações em que (…) se esteja na presença de interesses legítimos do empregador na colocação do trabalhador em estado de inatividade (razões económicas, disciplinares ou outras)”. (in Direito do Trabalho, 12ª edição, pag. 285).
3. Além disso, como refere Pedro Romano Martinez, "o direito de ocupação efetiva existirá tão-só, na medida em que o empregador atue de má-fé”. (in Direito do Trabalho, II vol., 1º Tomo, 3ª edição, pág. 321)
4. Ora, o Tribunal a quo, na decisão que tomou, deveria ter ponderado as consequências para a arguida de levar a cabo o levantamento da suspensão do trabalhador.
5. E considerar que não era razoável exigir à arguida que levantasse a suspensão do trabalhador (coisa que o Tribunal a quo não fez, ao afirmar que “perante a ausência de todos os elementos probatórios que a arguida pretendia reunir, deveria ter atuado de forma diligente e levantado a suspensão antes do término do prazo dos 30 dias, como veio a fazer 19 dias mais tarde” (sic).
6. O Tribunal a quo deveria – outrossim – ter considerado que a atuação da arguida foi justificada, não podendo ser exigido que desconsiderasse as consequências que poderiam resultar para o seu negócio, caso levantasse a suspensão preventiva do trabalhador, sem mais.
7. Antes de mais, porque ficou provado que a arguida foi diligente na procura do esclarecimento dos factos (tendo efetuado “…diligências probatórias, tendentes a esclarecer os factos que deram origem ao processo disciplinar”, entre elas, o envio da tal “…carta à cliente que fez a participação contra o trabalhado…” – vide pontos 10) e 11)
8. O Tribunal a quo deveria ter considerado que - apesar das diligências probatórias levadas a cabo - mantiveram-se dúvidas quanto à lealdade do trabalhador em relação à sua entidade patronal (traduzida na violação do dever de não concorrência).
9. O Tribunal a quo deveria ter levado em conta que o trabalhador vinha acusado por uma cliente de desviar uma retoma (a viatura usada dessa cliente) – supostamente para ser, por si, vendida com lucro, deixando, assim, a arguida de o poder fazer – e que essa acusação era de tal ordem grave que era lícito à arguida levantar a hipótese de este não ter sido episódio único, podendo já ter ocorrido anteriormente (sem que a arguida o tivesse detetado) e podendo, por isso, voltar a repetir-se.
10. O Tribunal a quo deveria ter levado em conta (que não levou) que a mera hipótese de aquele trabalhador já ter desviado negócios anteriormente e de o poder voltar a fazer, desaconselhava a arguida a levantar a suspensão do trabalhador e dar-lhe pleno acesso a outros clientes e negócios (dado que é essa a natureza da atividade comercial).
11. Se tivesse levantado a suspensão (tal como o Tribunal a quo considerava que se impunha), a arguida corria o risco de “estar a meter o inimigo dentro de casa” (ou “a raposa dentro do galinheiro”, como é uso dizer-se) – o que não é uma solução razoável.
12. Por outro lado, o Tribunal a quo deveria ter levado em conta (coisa que não fez) que a arguida, ao ser confrontada com a insuficiência da resposta da cliente, não se limitou a ponderar apenas os seus interesses (mantendo o trabalhador suspenso): em vez disso, tratou de negociar com o trabalhador, por forma a que chegassem ambos a uma solução negociada, a contento de ambas as partes (tal como resultou provado no ponto 12).
13. Ao optar por essa solução, a arguida fez com que não resultassem quaisquer prejuízos para o Trabalhador, pelo facto de ter ficado temporariamente inativo (não tendo sido feita qualquer referência a isso na sentença sub judice);
14. Nem a arguida beneficiou fosse de que forma fosse do facto de ter mantido o trabalhador temporariamente em estado de inatividade.
15. Considerando tudo isso, o Tribunal a quo deveria ter concluído que a arguida optou por uma solução razoável, visto que salvaguardou, por um lado, a integridade do contexto laboral (ao não reintegrar um trabalhador sob o qual incidiam fundadas suspeitas de fraude) e negociando, por outro lado, de uma forma célere, com o mesmo trabalhador, um acordo que se presume ter sido satisfatório (caso contrário, não teria havido acordo), de modo a que este ficasse o mínimo de tempo possível inativo e que daí não resultasse para ele qualquer prejuízo.
16. Pelo que teria de ter concluído, igualmente, que a arguida agiu de acordo com “o princípio geral da boa-fé que deverá presidir à execução contratual (cfr. artigo 119.º, n.º 1, do Código do Trabalho)”.
17. Na sua decisão, o Tribunal a quo não levou em linha de conta que o intérprete aplicador do Direito não pode, em circunstância alguma, deixar de ponderar as consequências e os efeitos da sua decisão, em nome da «dogmática integrada» (vide Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português, I, cit., pp. 59-60.).
18. Ora, não é justo nem razoável condenar a ora arguida, de forma automática, pela violação do dever de ocupação efetiva do Trabalhador - sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, as consequências que daí advieram (não havendo na sentença sub judice qualquer tipo de indício de que tenha havido essa ponderação).
19. E é desproporcionado aplicar à arguida “uma coima no valor de € 100 UC, correspondente à quantia de € 10 200 (dez mil e duzentos euros)”, apenas porque está em causa uma empresa com elevada faturação (ainda que esse valor seja “muito próximo do seu limite mínimo”).
20. A «dogmática integrada» refere-se à unidade do sistema jurídico e ao facto de, na decisão jurídica, deverem ser ponderadas todas as regras que o integram – mormente os princípios constitucionais.
21. Ora, tal como decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão supracitado, “por força do que se dispõe no art.º 32.º/2 da CRP, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão de condenação. Como corolário do princípio da presunção de inocência, vigora, no nosso regime jurídico processual, o princípio “in dubio pro reo”, segundo o qual, instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objeto do processo, essa dúvida beneficia o arguido, podendo conduzir á sua absolvição.” (sic)
22. Como tal, ainda que subsistissem dúvidas (1) quanto à boa-fé da arguida ao gizar uma solução negociada; (2) ou quanto ao facto de a arguida ter feito tudo para que o período de inatividade do trabalhador fosse o menor possível; (3) ou para que o trabalhador não sofresse qualquer prejuízo com essa inatividade (ou seja, em relação a todos os requisitos referidos por Monteiro Fernandes e Pedro Romano Martinez, no ponto 2 destas conclusões, que tornam relevantes a violação do direito de ocupação efetiva), ainda assim, o princípio “in dubio pro reo” ditaria, necessariamente, a absolvição da arguida.
23. Nestes termos, a douta sentença recorrida, tendo feito incorreto enquadramento jurídico da matéria de facto provada e violando as disposições legais referidas no art.º 1.º destas conclusões, deve ser substituída por outra que revogue a decisão proferida pela autoridade administrativa.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora mui doutamente suprirão, requer-se que seja revogada a douta sentença a quo e seja proferido, em seu lugar, acórdão que conclua que a arguida não cometeu a contraordenação que lhe é imputada.

3. O Ministério Público respondeu e concluiu que:
1- O cerne da questão reside no facto da arguida não ter acautelado a tramitação do processo disciplinar no prazo de 30 dias a contar da suspensão do trabalhador BB.
2- 2- Dispõe o art.º 354.º do CT n,º 1 que “Com a notificação da nota de culpa o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.”
E o nº 2 “ A suspensão a que se refere o numero anterior pode ser determinada nos 30 dias anteriores a notificação, desde que o empregador justifique por escrito, que tendo em conta indícios de factos imputáveis ao trabalhador, a presença deste na empresa é inconveniente, nomeadamente para a averiguação de tais factos, que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa.”
3- O Trabalhador foi suspenso em 28/5/2013.
4- O prazo da suspensão terminava em 27/6/2013.
5- Em 15/7/2013 foi remetida a nota de culpa ao trabalhador decorrido que estava o prazo de 30 dias.
6- O trabalhador esteve suspenso e impedido de prestar o seu trabalho em 19 dias.”
7- A data da suspensão a arguida já tinha conhecimento de indícios imputáveis ao trabalhador, tanto assim é que suspendeu preventivamente o mesmo.
8- A Arguida não agiu com o cuidado e as diligencias devidas ao não acautelar o prazo estipulado por Lei para o procedimento disciplinar na sequência da suspensão.
9- A suspensão preventiva por período superior ao estipulado por Lei e desta forma obstar que o trabalhador injustificadamente preste o seu trabalho efetivo constitui uma contraordenação prevista pelo art.º 129.º n.º 1 alínea b) e punida pelo n.º 2 do citado art.º..
10- Assim bem andou a Sr.ª Juiz ao julgar o recurso improcedente e ao manter a decisão recorrida.
Termos em que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

4. O Ministério Público, nesta Relação, apresentou parecer onde conclui que a decisão recorrida não padece de qualquer vício, devendo ser mantida.
O parecer foi notificado e não obteve resposta.

5. O recurso foi admitido pelo relator.

6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

7. Objeto do recurso
São as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto – artigos 403.º e 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14.09.
Questões a resolver:
1. Existência da contraordenação
2. Medida da coima

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A) A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:
1. A 28/05/2013, o trabalhador BB foi suspenso preventivamente.
2. O prazo de suspensão terminava a 27/06/2013;
3. De 28/05/2013 a 28/06/2013 a arguida procedeu ao inquérito prévio.
4. A 15/07/2013 foi remetida a nota de culpa ao trabalhador BB.
5. A 15/07/2013 a arguida levantou a suspensão preventiva do trabalhador.
6. A 16/07/2013 é recebida nota de culpa pelo trabalhador e notificado do termo da suspensão.
7. Ao agir como descrito em 1 a 6, a arguida impediu o exercício da prestação do trabalhador BB em 19 dias.
8. A arguida não atuou com o cuidado e diligência devidos ao não acautelar que a tramitação do processo disciplinar fosse diligente, por forma a cumprir os prazos a que estava adstrita, como podia e devia.
9. A arguida apresentou, no ano de 2012, um volume de negócios de € 31 736 600.
10. Durante a fase de inquérito do processo disciplinar a arguida efetuou diligências probatórias, tendentes a esclarecer os factos que deram origem ao processo disciplinar.
11. Entre essas diligências probatórias está o envio, em 14/06/2013, de uma carta à cliente que fez a participação contra o trabalhador no sentido de a confrontar com a versão de uma das testemunhas ouvidas previamente, à qual só obteve resposta em 28/06/2013.
12. A autora e o trabalhador fizeram cessar o contrato de trabalho por acordo.

B) APRECIAÇÃO
As questões a resolver são as que já mencionamos:
1. Existência da contraordenação
2. Medida da coima

B1) Existência da contraordenação
O art.º 129.º n.º 1, alínea b) do CT prescreve que é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho.
Nos termos do n.º 2, constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Muito se tem discutido ao longo dos anos sobre o que é matéria de facto e o que é matéria de direito.
Não aderimos a um critério exacerbado de puro facto, pois há situações concretas da vida real em que tal não é possível. O facto objetivo puro, mensurável e observável, é possível em muitos casos, mas existem também outros, mormente os ligados ao elemento subjetivo, em que o facto puro, sem algum contexto, surge incompreensível e até impossível.
Daí que desde há algum tempo se tenha mitigado o conceito de “puro facto” conceitualizado por Alberto dos Reis há quase cem anos e se interprete este conceito à luz da nova realidade, em que existem por vezes factos objetivos que estão misturados com termos que podem ser considerados conclusivos ou juízos de valor, mas que entraram no vocabulário do quotidiano, mercê nomeadamente do aumento do nível de literacia, e que são perfeitamente compreensíveis pelo cidadão comum e por si usados no dia-a-dia.
No caso concreto, tendo em conta este entendimento, cumpre-nos analisar, antes de prosseguirmos com a apreciação da existência da contraordenação, se o facto dado como provado no ponto 8 é conclusivo ou se contêm ainda algum elemento objetivo que autorize a sua manutenção no elenco dos factos provados.
O facto em questão tem a redação seguinte:
8. “a arguida não atuou com o cuidado e diligência devidos ao não acautelar que a tramitação do processo disciplinar fosse diligente, por forma a cumprir os prazos a que estava adstrita, como podia e devia”.
Este facto deve extrair-se de factos objetivos, como seja o início e termo do inquérito prévio, data da dedução da nota de culpa, data da suspensão do trabalhador e sua justificação e data de levantamento da suspensão.
Este facto é inútil e inoportuno, na medida em que antecipa o julgamento do mérito de parte da questão, ou seja, com esta resposta o julgador está antecipadamente a dizer que se verifica o elemento subjetivo da contraordenação. Esta decisão diz respeito apenas à apreciação do Direito aplicável. A entender-se de modo diferente, como este tribunal da Relação conhece apenas da matéria de direito, estar-se-ia pela via da inclusão na matéria de facto de conceitos valorativos e conclusivos atinentes à aplicação do direito e com manifesta influência no desfecho da causa, a impedir o tribunal da Relação de apreciar a questão se fosse tratada como matéria de facto.
A conclusão a extrair sobre se a empregadora agiu com o zelo adequado deve ocorrer apenas na fase da aplicação do direito aos factos provados, depois de os analisar e contextualizar na sua globalidade.
A culpa da empregadora há de resultar dos factos provados e não de juízos de valor ou conceitos de direito dados como provados.
Neste contexto, o facto dado como provado no ponto 8 é meramente conclusivo e valorativo, pelo que deve considerar-se como não escrito e expurgado do elenco dos factos provados.
A contraordenação prevista e punida no art.º 129.º n.º 1, alínea b), e 2 do CT, carece da verificação cumulativa de dois requisitos.
Que o empregador tenha obstado à prestação efetiva de trabalho e que esta seja injustificada.
O primeiro requisito verifica-se. A empregadora suspendeu o trabalhador desde 28.05.2013 até 15.07.2013, pelo que durante este período de tempo obstou a que este prestasse a sua atividade.
Importa agora averiguar se foi injustificada a suspensão do trabalhador.
O art.º 352.º do CT prescreve que caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.
Está provado que: em 28/05/2013, o trabalhador BB foi suspenso preventivamente;
O prazo de suspensão terminava a 27/06/2013;
De 28/05/2013 a 28/06/2013 a arguida procedeu ao inquérito prévio, durante o qual a arguida efetuou diligências probatórias, tendentes a esclarecer os factos que deram origem ao processo disciplinar; e:
Entre essas diligências probatórias está o envio, em 14/06/2013, de uma carta à cliente que fez a participação contra o trabalhador no sentido de a confrontar com a versão de uma das testemunhas ouvidas previamente, à qual só obteve resposta em 28/06/2013.
A 15/07/2013 foi remetida a nota de culpa ao trabalhador BB.
A 15/07/2013 a arguida levantou a suspensão preventiva do trabalhador.
A 16/07/2013 é recebida nota de culpa pelo trabalhador e notificado do termo da suspensão.
Estes factos provados mostram que a empregadora teve necessidade de esclarecer os factos antes de iniciar o procedimento disciplinar e remeter a nota de culpa respetiva, se fosse de concluir nesse sentido.
A empregadora realizou diversas diligências de prova durante o inquérito prévio, nomeadamente o envio de uma carta à cliente que efetuou a participação. Trata-se de um ato instrutório prévio, relativamente a uma pessoa terceira em relação à relação laboral entre o trabalhador e a empregadora, a realizar por escrito, sujeita aos prazos de envio e resposta dos CTT, não controláveis, sendo normal que essa pessoa precisasse de alguns dias para pensar e responder, pelo que se nos afigura que o prazo de duração do inquérito prévio não é anormalmente longo.
Todavia, o art.º 354.º do CT prescreve que com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição (n.º 1).
A suspensão a que se refere o número anterior pode ser determinada nos 30 dias anteriores à notificação, desde que o empregador justifique, por escrito, que, tendo em conta indícios de factos imputáveis ao trabalhador, a presença deste na empresa é inconveniente, nomeadamente para a averiguação de tais factos, e que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa (n.º 2).
A regra é que a suspensão do trabalhador só pode ocorrer com a notificação da nota de culpa.
A exceção é que a suspensão pode ser determinada nos 30 dias anteriores à notificação da nota de culpa, desde que o empregador justifique, por escrito, que, tendo em conta indícios de factos imputáveis ao trabalhador, a presença deste na empresa é inconveniente, nomeadamente para a averiguação de tais factos, e que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa.
Não resulta dos factos provados que a empregadora justificou, por escrito, que, tendo em conta indícios de factos imputáveis ao trabalhador, a presença deste na empresa seria inconveniente, nomeadamente para a averiguação de tais factos, e que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa.
Além da falha acabada de referir, a empregadora suspendeu o trabalhador não apenas nos 30 dias anteriores mas nos 49 dias anteriores à notificação da nota de culpa. A suspensão do trabalhador excedeu em 19 dias o prazo de 30 dias anteriores à notificação da nota de culpa em que a empregadora poderia ter, justificadamente e por escrito, suspendido o trabalhador.
A culpa negligente da empregadora, aqui arguida, reside na suspensão ilegítima do trabalhador não só por prazo maior do que o previsto na lei, mas também pela falta de justificação.
Concluímos, assim, a partir dos factos provados, que a suspensão do trabalhador foi injustificada, pelo que a arguida praticou a contraordenação pela qual foi condenada em primeira instância.

B2) Medida da coima
A moldura da coima abstratamente aplicável situa-se entre o mínimo de 90 e o máximo de 300 UC, nos termos do art.º 554.º n.ºs 1 e 4 do CT, uma vez que se trata de uma contraordenação muito grave. A arguida foi sancionada com a coima de 100 UC.
O art.º 18.º n.º 1 do regime geral das contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, aplicável ex vi art.º 60.º do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14.09, prescreve que a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.
Considerando os factos provados, verificamos que a ilicitude é de nível médio, atendendo a situações idênticas, a culpa é negligente e também de nível médio, se atendermos a que se trata de uma empresa já de alguma dimensão e que tem a obrigação jurídica de cumprir as prescrições relativas à prestação do trabalho sem constrangimentos, a coima mostra-se benévola em face da gravidade e culpa da arguida, pelo que se mantém.
Em face do referido, é totalmente infundada a invocação pela arguida da violação dos art.ºs 32.º n.º 2 e 61.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, nada nos autos indicia que tenha sido violado o princípio da presunção da inocência da arguida e da liberdade de iniciativa privada.
A arguida violou o art.º 129.º n.º 1, alínea b), do CT e o art.º 61.º n.º 1 da Constituição, na medida em que este preceitua que “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”, o que a arguida não cumpriu, uma vez que não exerceu a sua atividade nos termos da lei e tendo em conta o interesse geral.
A arguida deve exercer a sua atividade com respeito pela lei e pela constituição, o que não fez no caso concreto.
Nesta conformidade, improcede o recurso interposto pela arguida.
Sumário: i) obsta injustificadamente à prestação efetiva de trabalho a empregadora que suspende o trabalhador nos 49 dias anteriores à data da notificação da nota de culpa e, além disso, não fundamenta por escrito que a presença deste na empresa seria inconveniente, nomeadamente para a averiguação dos factos, e que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa aquando da notificação da suspensão.
ii) a empregadora comete, assim, a contraordenação muito grave prevista no art.º 129.º n.º 1, alínea), e 2 do CT.

II - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso apresentado pela arguida e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela arguida.
Notifique
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 02 de outubro de 2018
Moisés Pereira da Silva (relator)
João Luís Nunes (adjunto)