Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1550/15.0T8TMR-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: ALIMENTOS PROVISÓRIOS NA PENDÊNCIA DA ACÇÃO DE DIVÓRCIO
QUANTIA DEVIDA
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que entrou em vigor desde o dia 01/12/2008, introduziu profundas alterações ao regime jurídico do divórcio;
2 - Procedeu-se à alteração do regime de alimentos, consagrando-se o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência e que o credor de alimentos não tem o direito de manter o padrão de vida de que gozou enquanto esteve casado.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1550/15.0T8TMR-A.E1 (2ª Secção Cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Tomar – Instância Central – 2ª Secção de Família e Menores – J1), corre termos acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, instaurada por Maria (…), contra António (…), na qual foi inserido incidente de fixação de alimentos nos termos do artº 931º, n.º 7, do CPC, no âmbito do qual a autora alega factos tendentes a peticionar a condenação do réu a pagar-lhe a quantia mensal de 400,00 €, a título de alimentos, devendo ser decretado a título provisório o pagamento de tal quantia.
O réu vem contestar pondo em causa que a autora careça de alimentos pedindo a improcedência dessa pretensão.
Produzida a prova veio a ser proferida sentença na qual se decidiu:
“Em face do exposto, considero parcialmente procedente por provado o presente incidente de fixação provisória de alimentos devidos a cônjuge deles carecido e por conseguinte, determino que o R. pague provisoriamente a quantia mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), até ao dia 8 de cada mês, à A., a enviar por cheque, vale postal ou por depósito em conta bancária daquela ou para a sua residência, situação que se manterá até serem fixados os definitivos.
A título de alimentos vencidos incluindo o mês de Março de 2016 em curso, totaliza o valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), o que também o condeno a pagar.”
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Inconformado com tal sentença, veio o réu, interpor recurso apresentando as respectivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões que se passam a reproduzir:
a) Há contradição na matéria de facto apurada quando se conclui que a recorrida tem problemas de saúde e se afirma que a mesma é saudável, sendo pois nula a sentença, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, c), do C.P.C..
b) A requerida tem casa própria, veículo próprio no qual se desloca, e apoio da irmã e filhas e não provou que não tenha outros bens, e sobrevive como sobrevivia antes de casar.
c) O recorrente não pode agora ser obrigado a pagar uma pensão de alimentos fundamentada num casamento/comunhão de meses, sendo certo que comunhão ou separação, não existiu qualquer alteração do padrão de vida;
d) Dada a curta duração da comunhão decorrente do casamento, não é exigível, em termos de equidade, a obrigação de alimentos.
e) Mesmo que ela exista, a mesma pensão provisória não deve ser fixada em quantitativo superior a 100,00€.
f) Foram violados os artigos 2016.º e 2016.º-A do C. Civil e art. 615.º, n.º 1, c), do C.P.C.

A autora veio apresentar contra-alegações defendendo a manutenção do Julgado.
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Cumpre apreciar e decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, as questões a apreciar são as seguintes:
1ª – Se a sentença enferma de nulidade (previsão a que alude o disposto na alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPC).
2ª – Se a pensão fixada a título de alimentos provisórios a pagar pelo réu se mostra adequada.

No Tribunal recorrido foi dada como provada a seguinte matéria factual:
1- A autora está desempregada, tem apenas o 3º ano de escolaridade, pois, começou a trabalhar aos 11 anos de idade.
2- Apesar de procurar incessantemente trabalho, não consegue, devido à sua idade (55 anos), à sua baixa escolaridade e aos seus problemas de saúde.
3- Provado apenas que, após o casamento o réu não incentivava a A, a procurar trabalho.
4- Com a separação a A, teve que pedir ajuda financeira às filhas e à irmã.
5- A A, vive com sérias dificuldades financeiras, pois não tem qualquer rendimento.
6- Provado apenas que, o réu recebe de reforma a pensão mensal de 101,63 cêntimos, paga pelo Estado Português, e uma pensão paga pelo Estado Australiano de 816,18 dólares/mês.
7- A A, habita em casa própria, mas tem despesas mensais de água, luz, gás e telefone que se computam em cerca 50,00 € mensais.
8- Provado apenas que, a A, tem gastos mensais de alimentação em montante não concretamente apurado, nesta parte tendo a ajuda da irmã e das filhas.
9- A demandante necessita, ainda, de se vestir e calçar, porém, dadas as suas dificuldades apenas usa a roupa que tinha ou que lhe dão por caridade.
10- O requerido é o terceiro marido da requerente.
11- A requerente foi pessoa saudável, que trabalhou quando queria, nem que fosse de forma clandestina, em lares ou outros empregos.
12- A A, é pessoa de que tem destreza e mobilidade, pois tem carta de condução e veículo próprio com o qual habitualmente se desloca.
13- Provado apenas que o requerido tem 67 de idade.

Dos factos com interesse foram considerados não provados os seguintes:
a) que a autora neste momento, não possa mais contar com a ajuda da filha que entretanto ficou desempregada.
b) que tenha 55 anos, casa própria, além de ter outros bens que ainda não partilhou, de heranças.
c) que a autora ainda hoje se quiser trabalhar, o faça de forma clandestina, sem quaisquer descontos, como sempre aconteceu.
d) que a autora não precise de dinheiro, pois chegou a vender um carro próprio - Opel Corsa - que tinha, por € 4.000,00€ e que desse tal dinheiro à filha (…).
e) que a autora ajude economicamente outros filhos.
f) que a autora não viva no limiar da indignidade, como a lei exige para a atribuição de alimentos.
g) que a vivência da autora e do réu como casal fosse efémera.
h) que nunca existiu qualquer colaboração de ambos para a economia do casal.
i) que a autora tivesse a 4.ª classe por ter carta de condução.
j) que o réu seja pessoa doente, tendo dificuldades de locomoção, pois fracturou um pé há cerca de um ano e nunca conseguiu recuperar a locomoção normal desse membro inferior, necessitando de tratamento permanente, quer de fisioterapia quer de fisiatria, despendendo nestes e noutros tratamentos e deslocações, (a sua residência é numa aldeia a cerca de 15 km de …), mais de €200,00 mensais.
k) que o réu em despesas de casa - energia eléctrica, gás, alimentação e vestuário, serviços de limpeza e lavandaria -, despenda mensalmente cerca de € 500,00.

Da 1ª questão
Refere o recorrente que há contradição na matéria de facto apurada, quando se conclui que a recorrida tem problemas de saúde e se afirma que a mesma é saudável.
Tendo em conta a nulidade invocada a Mª Juiz do Tribunal “a quo”, usando da faculdade que lhe é permitida pelos artºs 617º, 613º, nº 2 e 614º, nº 1, ambos do CPC, e 249º, do CC, conheceu da mesma, alegando existir um lapso de escrita que foi corrigido (no facto 11, dado como provado, onde constava “a requerente é pessoa saudável…” passou a constar “a requerente foi pessoa saudável…”).
Assim, relativamente a tal questão, a mesma encontra-se sanada, pelo que o conhecimento da alegada nulidade encontra-se prejudicado.

Conhecendo da 2ª questão
A autora Maria (…), veio propor contra o réu António (…), acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, onde requereu também a atribuição de pensão de alimentos no montante de € 400,00, por mês, por não dispor de meios de subsistência.
Na sentença recorrida foi-lhe fixada a pensão de alimentos no montante de € 250,00/mês, a pagar pelo réu/recorrido.
Nas suas alegações o recorrente alega que dada a curta duração da comunhão decorrente do casamento, não é exigível, em termos de equidade, a obrigação de alimentos, mas mesmo que ela exista, a mesma pensão provisória não deve ser fixada em quantitativo superior a € 100,00.
Vejamos
Como é sabido, a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro e que entrou em vigor desde o dia 1/12/2008, introduziu profundas alterações ao regime jurídico do divórcio.
Atribuiu-se a qualquer dos cônjuges o direito a requerer o divórcio, independentemente da sua maior ou menor contribuição para a crise matrimonial.
Procedeu-se à alteração do regime de alimentos, consagrando-se o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência e que o credor de alimentos não tem o direito de manter o padrão de vida de que gozou enquanto esteve casado.
Nos termos do disposto no nº 1 do artº 2004º, do Código Civil “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.
Provou-se nos autos a seguinte factualidade relevante: a autora encontra-se desempregada, apesar de procurar trabalho, não consegue, devido à sua idade (55 anos), à sua baixa escolaridade e aos seus problemas de saúde, com a separação teve que pedir ajuda financeira às filhas e à irmã, pois não tem qualquer rendimento, habita em casa própria, tendo despesas mensais de água, luz, gás e telefone que se computam em cerca de € 50 mensais, tem gastos com alimentação em montante não concretamente apurado, nesta parte tendo a ajuda da irmã e das filhas, necessita ainda de se vestir e calçar, porém dadas as suas dificuldades apenas usa a roupa que tinha ou que lhe dão por caridade, a autora é pessoa que tem destreza e mobilidade, tem carta de condução e veiculo próprio com o qual habitualmente se desloca; o réu recebe de reforma a pensão mensal de € 101,63 cêntimos, paga pelo Estado Português, e uma pensão paga pelo Estado Australiano de 816,18 dólares/mês, tem 67 anos de idade e é o terceiro marido da requerente/autora.
Importará ter sempre presente que na fixação dos alimentos (tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário) se deve atender às possibilidades (meios) daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (artºs 2003º, nº 1 e 2004º, nº 1, do CC), devendo atender-se, igualmente às possibilidades de o alimentado prover à sua subsistência (artº 2004º, nº 2, do CC).
A medida da necessidade é definida por múltiplos factores, designadamente a situação social, idade, estado físico e de saúde, proventos e possibilidade de angariar sustento da pessoa que há-de receber os alimentos; a medida das possibilidades assenta, basicamente, nos rendimentos do obrigado (não para que a eles se recorra até ao seu total consumo, mas para que, sensatamente, se encontre medida proporcional a esses rendimentos, o que pode significar que se não consiga eliminar por completo a situação de carência da pessoa a quem a prestação é efectuada (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. V, 581).
Entre os deveres recíprocos dos cônjuges, como efeito do casamento e na vigência da sociedade conjugal, figura o dever de assistência, que compreende a obrigação recíproca de prestar alimentos e o dever reciproco de contribuir para as despesas domésticas (artºs 2015º e 1675º, nº 1, do CC).
Em caso de divórcio e depois deste, cada cônjuge deve prover à sua subsistência, esta é a regra que dimana do artº 2016º, nº 1, do CC, sendo certo que o nº 2 deste artigo estipula que qualquer dos ex-cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
Retomando o caso dos autos, o que se extrai da factualidade apurada é que Autora e Réu estão separados de facto desde Maio de 2014, tendo contraído casamento em 13/02/2013, concluindo-se portanto que a vigência conjugal durou pouco mais de um ano, não há filhos comuns. Que a autora se encontra desempregada, não tem qualquer rendimento, tendo carro próprio e casa própria.
O recorrente recebe duas pensões de reforma, uma paga pelo Estado Português, no montante mensal de € 101,63, e uma pensão paga pelo Estado Australiano no montante de 816,18 dólares por mês, a que corresponde ao câmbio actual a um montante que ronda os € 576,00.
Nos termos do nº 1 do artº 2016º-A do Código Civil, deve o tribunal tomar em conta, na determinação do montante de alimentos, a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego,…e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre a necessidade do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
No caso dos presentes autos não temos factos que permitam aquilatar dos problemas de saúde da autora, apenas sabemos que tem 55 anos de idade, e que está desempregada, não auferindo qualquer rendimento, no entanto tem carro próprio com o qual habitualmente se desloca, e vive em casa própria; por sua vez o recorrido tem 67 anos de idade e recebe de pensão o montante de € 671,73 (€ 576,00+ € 101, 63).
Tendo a autora carro próprio com o qual habitualmente se desloca, só por esse facto a autora tem despesas fixas, tais como o pagamento do seguro do carro, o pagamento do selo para circulação, inspecção anual, além do gasto de combustível. Nos autos nada resultou provado quanto ao pagamento desses gastos, mas certamente que é a autora que os suporta.
Tudo ponderado e considerando que se retirar ao rendimento mensal do recorrente a prestação de € 250,00, a titulo de alimentos, ficará aquele com cerca de € 420,00 para si, o que pode revelar-se pouco face também às despesas que terá certamente como todos de alimentação, vestuário, embora nada resultasse provado, e considerando o carácter excepcional que hoje reveste a prestação alimentar a cargo de ex-cônjuge, sem deixar de ter em conta a duração do casamento (sensivelmente um ano), entendemos que se revela mais adequado à situação exposta, o montante de € 150,00 mensais, em sede de fixação de alimentos provisórios.


DECISÃO
Pelo exposto, decide-se parcialmente procedente a apelação, e em consequência, revoga-se a sentença recorrida no que diz respeito ao montante dos alimentos devidos mensalmente fixando-se tal quantia em € 150,00.
Custas por apelante e apelada na proporção do respetivo decaimento.

Évora, 26 de Janeiro de 2017

Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano