Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
479/13.0TTPTM.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PRAZO JUDICIAL
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 06/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I- A ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento tem natureza urgente, pelo que qualquer prazo processual previsto no regime jurídico aplicável a este processo especial é contínuo e não se suspende durante as férias judiciais.
II- Terminando o prazo de 15 dias para o trabalhador apresentar a sua contestação, mesmo com o acréscimo do prazo previsto no artigo 139º nº5 do Código de Processo Civil, nas férias judiciais, não há fundamento para a transferência do prazo para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias, nos termos previstos no artigo 138º, nº2 do Código de Processo Civil.
III- As férias judiciais não constituem “encerramento dos tribunais”, para efeitos da transferência do prazo judicial prevista no aludido artigo 138º, nº2, pois nesse período os tribunais não encerram as suas portas, uma vez que continuam a prestar serviço em processos de natureza urgente e continuam a realizar-se atos processuais urgentes.

Sumário da relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
V..., residente no …, com o NIF nº …, intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98º-C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por T... Serviços, Lda., com o NIPC … e sede … .
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação dos intervenientes processuais.
Devidamente notificada para o efeito, veio a empregadora apresentar o articulado motivador do despedimento, juntamente com o procedimento disciplinar instaurado contra a demandante.
Alegou as razões de facto e de direito que são conhecidas das partes e que aqui se dão por reproduzidas, concluindo pela validade e licitude do despedimento.
A trabalhadora foi notificada para, querendo, contestar, no prazo legal, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pela empregadora, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito. Mais se informou que o procedimento disciplinar seguia pelo correio.
Esta notificação foi concretizada via Citius, com data de elaboração de 04-12-2013 (cf. fls. 317 dos autos) e foi dirigida ao Ilustre Mandatário da autora.
Em 06/12/2012, a autora é notificada, pelo mesmo meio, da junção dos restantes documentos.
Em 6 de janeiro de 2014, é apresentada a contestação, via Citius.
Por decisão proferida em 07/01/2014 (referência nº 791510), considerou-se a apresentação da contestação extemporânea e não se admitiu a mesma, tendo sido ordenado o seu desentranhamento e proferida de imediato sentença, cuja parte decisória se passa a transcrever:
«Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolver a ré “T… Serviços, Lda.” de todos os pedidos formulados pela autora V…»
Foi fixado à ação o valor de € 5.000,01.
Inconformada com o decidido, veio a autora interpor recurso, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:
«1ª- O tribunal recorrido, para conhecer oficiosamente da questão da extemporaneidade da apresentação da contestação, atendeu ao disposto no nº 1 do artigo 138º do novo CPC (que para processos urgentes determina a não suspensão da contagem do prazo judicial nas férias judiciais) e atendeu ao disposto no nº 3 desse artigo 138º (segundo o qual «para efeito do número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto»), mas – erradamente – não aplicou nem atendeu ao preceituado nesse «número anterior», que é o nº 2 do artigo 138º.
2ª- O prazo de 15 dias para a contestação iniciou-se a 10.12.2013 (artigo 279º al. b) do CC aplicável subsidiariamente); e o fim desse prazo judicial, porque contínuo e relativo a processo urgente (artigos 138º/1 do CPC e 26º/1 al. a) do CPT), não se suspendeu nas férias judiciais que decorreram de 22.12.2013 a 3.12.2014.
3ª- O fim desse prazo judicial recaiu no período de férias de 22.12.2013 a 3.12.2014.
4ª- Mas a não suspensão do prazo judicial nas férias não se confunde e não obsta à transferência do termo do prazo para o 1º dia útil seguinte às férias judiciais (cf. citados acórdão do STJ de 11.7.1989 e Acórdão de Uniformização do STJ nº 2/2002, de 16.10.2002, e a doutrina de Prof. Antunes Varela, na RLJ 128º cit., pág. 178 a 180, e de Vaz Serra), pois são conceitos e realidades diferentes.
5ª- Sucede, aliás, que é por o prazo não se suspender nas férias que se coloca a questão da transferência do termo do prazo para o 1ª dia útil seguinte.
6ª- Para efeitos do artigo 138º/2 do novo CPC (que tem a mesma redação do artigo144º/2 do CPC anterior), os tribunais consideram-se encerrados durante as férias judiciais, bem como em sábados e domingos (e feriados e dias de tolerância de ponto).
7ª- No caso, as férias judiciais de Natal decorreram de 22.12.2013 a 3.01.2014 e os tribunais apenas reabriram (expressão do dito Ac STJ de 11.7.1989), apenas voltaram a funcionar normalmente, com a devida regularidade (na expressão do Prof. Antunes Varela na citada RLJ 128º), no dia 6.01.2014, pois que os dias 4 e 5 foram sábado e domingo.
8ª- Porque a contagem do prazo judicial não se suspendeu nas férias judiciais e o termo do prazo recaiu naquele período de férias, o termo desse prazo transferiu-se para o dia útil seguinte, que foi 6.01.2014, porque o artigo 138º/2 do CPC preceitua:
«Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte».
9ª- À mesma solução se chegaria, de harmonia com a jurisprudência e doutrina citadas, se se houvesse de aplicar o disposto no artigo 279º al. e) do Código Civil, no âmbito do qual os prazos em regra se não suspendem.
10ª- Consequentemente, atempada que foi a apresentação da contestação, não devia ter sido ordenado o seu desentranhamento e devia ter-se realizado a audiência final (que fora designada na fase conciliatória, pré-contenciosa, para o dia 13.01.2014) e o tribunal devia ainda, na decorrência da admissão da contestação/reconvenção, ter-se abstido de proferir a sentença que proferiu sem a prévia audiência final.
Nestes termos, a recorrente requer a Vªs Exªs que revoguem a decisão de não admissão e desentranhamento do articulado contestação/reconvenção e a sentença que foi proferida por força dessa não admissão, ordenando o prosseguimento dos normais termos do processo, com realização da audiência final a ser designada para nova data.»
Contra-alegou a recorrida, concluindo do seguinte modo:
1- A A. e recorrente pugna pela tempestividade da sua contestação, dado que entende que se deve aplicar ao presente processo o disposto no n.º 2 do artigo 138.º do (novo) CPC (com a mesma redação do anterior artigo 144.º CPC), por ter entregue a sua contestação, cujo prazo (mesmo com pagamento de 3 dias de multa, ex vi n.º 5 do artigo 139.º CPC) terminou em férias judiciais, no primeiro dia útil após férias.
2- Não tem razão a recorrente.
3- O presente processo é um processo urgente, cujos prazos correm em férias, sem exceção (cfr. al. a) do n.º 1 do artigo 26.º e, a contrario, o n.º 2 do mesmo artigo 26.º do CPT).
Por seu lado,
4- Estamos perante prazos judiciais, peremptórios e que têm como consequência a preclusão da sua prática, com os devidos e legais efeitos e, também, com as devidas consequências legais, decorrentes da omissão da sua prática (cfr. n.º 3 do artigo 139.º CPC).
5- Decorrido que foi o prazo judicial que está legalmente determinado para apresentação da contestação da A., como se constata neste processo, precludiu o direito à sua prática, com as devidas consequências legais.
6- Não tendo aqui aplicação, por força da natureza do processo aqui em causa, o disposto no n.º 2 do artigo 138.º do CPC, ao contrário do que defende a recorrente, tanto mais que os tribunais não se podem considerar encerrados, para estes efeitos, quando em férias judiciais.
7- A contestação é extemporânea.
8- A sentença recorrida acolhe a melhor interpretação da lei processual e substantiva.
9- Pelo que a sentença recorrida não merece censura e deve ser mantida com a decisão e as consequências aí determinadas.
Nestes termos, deverá improceder o recurso a que se responde, não merecendo censura a sentença recorrida, devendo ser esta mantida com os efeitos que determinou.
Tudo com as devidas e legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA!»
O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação e mantido o recurso, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Tal parecer mereceu resposta discordante por parte da recorrente.
Foram dispensados os vistos, com a anuência dos Juízes-Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso

É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso, que in casu não se vislumbra.
Em função destas premissas, a única questão que importa apreciar e conhecer é a de saber se a contestação apresentada pela trabalhadora se mostra tempestiva, com as consequências processuais que advenham da invocada tempestividade.

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III. Matéria de facto

A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.


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IV. Direito

Atenta a questão que constitui objeto do recurso, começaremos por referir que constituindo o presente processo uma ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a mesma tem natureza urgente, nos termos previstos pelo artigo 26º, nº1 do Código de Processo do Trabalho.
Logo, qualquer prazo processual previsto no regime jurídico aplicável a este processo especial ou fixado por despacho judicial é contínuo e não se suspende durante as férias judiciais, de harmonia com o preceituado no nº1 do artigo 138º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, aplicável por força da remissão inserta no artigo 1º, nº2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Com referência à questão controversa e a decidir, discute-se a tempestividade ou intempestividade da contestação apresentada pela trabalhadora, ora recorrente.
De harmonia com o preceituado no artigo 98º-L, nºs.1 e 3 do Código de Processo do Trabalho, apresentado o articulado de motivação do despedimento pelo empregador, o trabalhador é notificado para, no prazo de 15 dias contestar, querendo, podendo neste articulado, deduzir reconvenção.
Reportando-nos agora à concreta situação dos autos, resulta dos elementos constantes do processo que a autora foi notificada eletronicamente, na pessoa do seu advogado, para contestar o articulado do empregador, no prazo e com a cominação legal, por ofício elaborado em 04/12/2013 (cf. fls. 317).
Em 06/12/2013, pela mesma via eletrónica, foi a autora notificada da junção dos restantes documentos pela ré, também na pessoa do seu advogado.
Assim, de harmonia com o preceituado no artigo 248º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, a notificação presume-se realizada no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Na concreta situação, considera-se a notificação efetuada em 09/12/2013 (segunda-feira), pelo que a contagem do prazo de 15 dias para a apresentação da contestação, se iniciou no dia 10/12/2013, conforme, aliás, reconhece a recorrente.
Tal prazo, que constitui um prazo perentório, terminou em 26/12/2013, dado que não obstante o início das férias judiciais de natal em 22/12/2013, tendo o processo natureza urgente a contagem do prazo não se suspendeu nas aludidas férias judiciais (cf. nº1 do supra aludido artigo 138º) e foi concedida tolerância de ponto no dia 24 de dezembro, à tarde (Despacho nº 15492/2013, publicado no DR, 2ª série, de 27/11/2013) e dia 25 foi feriado, pelo que, nos termos do artigo 138º, nº2, o termo do prazo se transferiu para o primeiro dia útil que foi dia 26 de dezembro (caso não tivesse sido concedida a tolerância de ponto o prazo teria terminado no dia 24 de dezembro).
Reconhece a apelante que o final do prazo judicial para contestar recaiu no período das férias judiciais que decorreram entre 22/12/2013 e 03/01/2014.
Contudo, sustenta que em face desse circunstancialismo deve entender-se que o termo do prazo se transferiu para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais, ou seja dia 6 de janeiro de 2014 (dias 4 e 5 foram, respetivamente, sábado e domingo), nos termos previstos pelo nº2 do artigo 138º do Código de Processo Civil.
Falece absoluta razão à recorrente.
Dispõe o mencionado nº2 do artigo 138º que “[q]uando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”.
Para efeitos deste normativo, os tribunais só se consideram encerrados quando for concedida tolerância de ponto, ao abrigo do nº3 do aludido artigo.
As férias judiciais nãos constituem, assim, “encerramento dos tribunais” para efeitos da transferência do prazo judicial prevista no nº2 do mencionado artigo 138º.
Nem constituem, na realidade, um fecho dos tribunais, pois nos períodos das férias judiciais legalmente previstos, os tribunais continuam a prestar serviço em processos de natureza urgente e continuam-se a realizar os atos urgentes, não encerrando os tribunais as suas portas.
Deste modo, não se tendo verificado a invocada situação de encerramento do tribunal, não há razão para a pretendida transferência do termo do prazo judicial.
Por conseguinte, a contestação da trabalhadora/recorrente deveria ter sido apresentada até ao dia 26 de dezembro de 2013 ou, quando muito, no prazo e nas condições previstas no nº5 do artigo 139º do Código de Processo Civil, o que não sucedeu.
Tendo sido apresentada em 6 de janeiro de 2014, é manifesta a intempestividade de tal apresentação.
No desenvolvimento da sua argumentação, a apelante invoca ainda que a solução da transferência do prazo era a que também resultaria da aplicabilidade do artigo 279º, alínea e) do Código Civil, para justificar a transferência do termo do prazo judicial para o dia 6 de janeiro de 2014.
Todavia, o mencionado preceito legal inserto no Código Civil respeita a prazos substantivos (caducidade, prescrição) e a situação que se discute nos autos, refere-se a um prazo processual, com regime jurídico específico resultante da conjugação das normas da lei processual laboral com o Código de Processo Civil, inexistindo fundamento para a aplicação subsidiária, neste caso, do Código Civil.
Em suma, não tendo a trabalhadora/recorrente apresentado tempestivamente a sua contestação, e sendo o prazo previsto no nº1 do artigo 98º-L do Código de Processo do Trabalho um prazo perentório, precludiu o direito à apresentação de tal articulado pela autora, pelo que nenhuma censura nos merece o decidido pelo tribunal recorrido quanto à não admissão da contestação por extemporaneidade da mesma e consequente desentranhamento de tal peça processual.
E, não tendo a trabalhadora contestado, apesar de devidamente notificada para o efeito, é de confirmar a decisão de considerar confessados os factos articulados pelo empregador com a consequente prolação da sentença, de harmonia com o disposto no artigo 98º-L, nº2 do Código de Processo do Trabalho.
Concluindo, nenhuma censura nos merece a decisão posta em crise.
Mostra-se pois, improcedente o recurso.

Custas pela recorrente.

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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 5 de junho de 2014
(Paula Maria Videira do Paço)
(José António Santos Feteira)