Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
991/09.6PALGS.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: CONTUMÁCIA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 02/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Os efeitos da caducidade da contumácia operam ou produzem-se ope legis pela detenção ou apresentação do arguido, independentemente da declaração judicial da sua cessação, por caducidade. Pelo que, estando a contumácia caducada, não podem ser emitidos novos mandados de detenção para os efeitos do disposto no n.º2 do artigo 336.º, como o foram pelo despacho recorrido.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de recurso em separado proveniente do Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificado, do Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Lagos, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi em 29-1-2017 o arguido CC, que se encontrava declarado contumaz, detido pelo SEF no aeroporto de Faro e notificado da acusação contra si deduzida neste processo e prestado TIR, tendo em 27-2-2017 a esse propósito sido lavrado despacho de Providencie pela devolução imediata e sem cumprimento de mandados de detenção emitidos em nome do arguido, dando baixa de pedidos de sinalização de paradeiro eventualmente activos (...), embora não tenha declarado formalmente cessada a contumácia. Acontece que em 8-4-2019 o tribunal "a quo" proferiu um outro despacho no qual decidiu que:
(…)
Uma vez que não foi declarada cessada a contumácia do arguido, elabore pedido de sinalização de paradeiro do mesmo, junto do Gabinete Sirene e passe mandados de detenção nos termos e para os efeitos do Art.° 337°, n.º 1, do C.P.P. e, após, aguardem os autos, por seis meses, pela sua detenção ou localização.
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Inconformado com o assim decidido neste despacho de 8-4-2019, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1ª Em 27/02/2017 , em face das notificações então pessoalmente feitas ao arguido/ora recorrente, por lei imperativa, deveria ter sido dada como cessada a anteriormente ordenada contumácia, - o que não foi feito.

2ª O despacho ora recorrido o que faz é fazer "repristinar" essa contumácia, - com o subjacente e evidente propósito de frear o curso dos prazos de prescrição do procedimento criminal, - prazos estes que existem e só (fundamentalmente) funcionam no interesse de quem tem precisamente a posição processual de arguido.

3ª O despacho recorrido é por essa via desconforme à lei, e também substancial e processualmente ilegítimo.

4ª Menos bem observadas terão sido as normas contidas nos arts. 335°a 337º , CPP .

5ª Normas que deveriam ter sido melhor observadas: as mesmas supra mencionadas, com o entendimento de que, em face das notificações pessoais efectuadas em 29/01/2017, é desconforme à lei a autêntica "repristinação" da contumácia, que é exactamente isso que o ora recorrido despacho significa.

6ª Deverá ser ordenada a revogação (da parte) do despacho, ora recorrido, sendo adicionalmente ordenada a emissão de despacho que dê como cessada a contumácia em 29/01/2017

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O Exmo. Procurador-Adjunto do tribunal recorrido respondeu, pugnando pela procedência do recurso.
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Nesta Relação, também o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que a questão posta ao desembargo desta Relação é a de se contra o arguido contumaz que foi no entretanto notificado e prestou TIR, sem que, contudo, a contumácia tenha sido formalmente extinta por despacho, podem voltar a ser emitidos, com base em que a contumácia não foi formalmente extinta, novos mandados de detenção nos termos e para os efeitos do art.º 337.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem).

O art.º 335.º, n.º 1, estabelece que:
Fora dos casos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o n.º 2 e a primeira parte do n.º 3 do artigo 313.º, não for possível notificar o arguido do despacho que designa o dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva referidas no n.º 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz.

E o art.º 337.º estabelece os efeitos da contumácia:
1. A declaração de contumácia implica para o arguido a passagem imediata de mandado de detenção para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo anterior ou para aplicação da medida de prisão preventiva, se for caso disso, e a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração.

2 - A anulabilidade é deduzida perante o tribunal competente pelo Ministério Público até à cessação da contumácia.

3 - Quando a medida se mostrar necessária para desmotivar a situação de contumácia, o tribunal pode decretar a proibição de obter determinados documentos, certidões ou registos junto de autoridades públicas, bem como o arresto, na totalidade ou em parte, dos bens do arguido.

4 - Ao arresto é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2, 3, 4 e 5 do artigo 228.º

5 - O despacho que declarar a contumácia é anunciado nos termos da parte final do n.º 13 do artigo 113.º e notificado, com indicação dos efeitos previstos no n.º 1, ao defensor e a parente ou a pessoa da confiança do arguido.

Claro que para que estes efeitos se produzam é preciso proferir um despacho – que é o despacho de declaração da contumácia. E para que os mesmos cessem é preciso dar formalmente outro despacho – o despacho de cessação da contumácia (que foi o que faltou dizer também no acima aludido despacho de 27-2-2017: declaro cessada a contumácia, etc., etc.).

Não obstante ser necessário dar este despacho formal de cessação da contumácia, o qual se destina a dar a conhecer no registo da contumácia que esta cessou e que, portanto, estão também cessados os efeitos com que foi fixada, o que se segue é que o art.º 336.º, n.º 1, estabelece que a declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo anterior.

Ou seja, os efeitos da caducidade da contumácia operam ou produzem-se ope legis pela detenção ou apresentação do arguido, independentemente da declaração judicial da sua cessação, por caducidade. Pelo que, estando a contumácia caducada, não podem ser emitidos novos mandados de detenção para os efeitos do disposto no n.º2 do artigo 336.º, como o foram pelo despacho recorrido.

Nestes termos, deve o despacho recorrido ser revogado e declarar-se que a contumácia caducou em 29-1-2017, com todos os efeitos legais daí decorrentes.

III
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido no segmento assinalado, o da passagem de mandados de detenção por não ter sido declarada cessada a contumácia do arguido, devendo ser produzido outro a declarar que a contumácia caducou em 29-1-2017, com todos os efeitos legais daí decorrentes, e prosseguindo os autos seus termos normais de acordo com esta realidade.

Sem custas.
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Évora, 18-2-2020

(elaborado e revisto pelo relator)

João Martinho de Sousa Cardoso
Ana Maria Barata de Brito