Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
124/21.0PAENT-A.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
ESTATUTO DA VÍTIMA E VÍTIMAS ESPECIALMENTE VULNERÁVEIS
Data do Acordão: 10/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A tutela dos interesses da vítima e da testemunha especialmente vulnerável no processo penal implica exceção ao regime regra da concentração da produção da prova na audiência.
II. O seu depoimento deverá prestar-se o mais brevemente possível, sendo as declarações para memória futura o melhor instrumento para conjugar as finalidades processuais e evitar a vitimização secundária.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório

a) No âmbito de inquérito com o n.º 124/21.0PAENT, que corre termos na 3.º Secção do DIAP de Tomar, da Procuradoria da República da comarca de Santarém, em que se investiga a prática pelo arguido PMLC, do crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º do Código Penal (CP), o Ministério Público requereu ao M.m.º Juiz de Instrução Criminal de Santarém a inquirição dos filhos do arguido e da vítima, para tanto invocando as normas constantes dos artigos 33.º, § 1.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, 17.º, 21.º, al. d), 22.ºe 24.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro.

O requerente justificou a sua pretensão, no contexto da investigação criminal em curso, afirmando que com a realização destas audições pretende que as mesmas possam ser tomadas em ambiente reservado, com assistência de técnico especializado e sem a presença do arguido, de molde a poderem ser apreciadas pelo tribunal de julgamento, evitando a vitimização secundária, sendo ainda o resultado de tais inquirições relevante para aferir da necessidade [ou não] de aplicação de medida de coação, para além do Termo de Identidade e Residência já tomado.

b) Sobre tal requerimento o Mm.o Juiz de Instrução Criminal veio a proferir o seguinte Despacho:

«Com o devido respeito, atendendo ao auto de inquirição da ofendida e auto do interrogatório do arguido, relevando as circunstâncias inerentes ao convívio marital passado e atual, considerando que o Ministério Público indiciou a razão de ciência do filho mais velho do casal apenas por ter sido agredido pela ofendida (uma vez) e não pelo arguido; considerando que não existe nos autos qualquer referência concreta e circunstanciada à razão de ciência do filho mais novo do casal, sem prejuízo destas crianças estarem expostas a situações de violência doméstica e merecerem toda a proteção processual e legal enquanto crianças em perigo - sendo que o disposto no art.º 271.º do Código de Processo Penal não serve qualquer propósito ou finalidade cautelar e urgente sobre a situação de perigo; não se nos afigura demonstrada qualquer pertinência, utilidade ou necessidade atendíveis da tomada de declarações para memória futura, evitando-se a participação em processo judicial de duas crianças de 12 e 8 anos sobre factos dos quais não se evidencia qualquer conhecimento relevante que urja preservar para o devido apuramento da verdade material dos factos em investigação nos presentes autos.

Pelo exposto, indefiro a tomada de declarações para memória futura aos menores GSLC e GSC (nascido em …).

Notifique e devolva os autos ao Ministério Público.»

c) Inconformado com o assim decidido traz o Ministério Público o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões (transcrição integral):

I. Nos presentes autos investiga-se a prática do crime de violência doméstica agravado, por parte do arguido PMLC, na pessoa da sua esposa RISLC, crime previsto e punido no artigo 152º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 al. a) do Código Penal,

II. Sendo que, por despacho judicial, proferido em 02.06.2021 (com a referência 86983767), foi rejeitada a tomada de declarações para memória futura aos dois filhos em comum do casal (arguido e ofendida), que residiam com o casal: GSLC (nascido em …. com 12 anos de idade) e GSC (nascido em …, com 8 anos de idade).

III. É desta decisão que discordamos e daí a interposição do presente recurso.

IV. Em 27.05.2021 (com a referência 86904070) o Ministério Público promoveu a tomada de declarações para memória futura às testemunhas GSLC e GSC, nos seguintes termos:

“Nos presentes autos investiga-se a prática de factos suscetíveis de configurar, em abstrato, a prática, por PMLC, do crime de violência doméstica, na pessoa da sua esposa RISLC (artigo 152º do Código Penal).

Por outro lado, resulta dos autos que com o casal tem dois filhos em comum, que residiam com o casal:

- GSLC (nascido em …) e

- GSC (nascido em …).

Ora, segundo o que resulta das declarações dos dois membros do casal (cfr. auto de interrogatório de arguido e auto de inquirição da ofendida, com a ref.ª 7741778, para onde se remete), as agressões ocorreram na presença dos filhos, sendo que o arguido mais refere que, pelo menos, numa ocasião, a ofendida chegou a agredir o próprio filho (mais velho) com um murro, quando o filho se colocou no meio dos pais, para impedir agressões (por parte da mãe).

Resulta, assim, que os menores terão sido expostos a situações de violência doméstica, acabando por ser destinatários de atos de violência, sendo vítimas diretas daquele crime (tal como defendido por autores como PAULO GUERRA).

Atente-se no acórdão do TRG de 3-03-2014, que se refere às crianças expostas a violência doméstica, como vítimas indiretas desse crime: «I. A agravação do crime de violência doméstica, resultante do facto ser praticados na presença de menor (art. 152 nº 2 do Cod. Penal), espelha a intenção do legislador de estender a tutela penal a pessoas de maior vulnerabilidade, que possam tornar-se vítimas «indiretas» dos maus tratos inicialmente dirigidos a outras pessoas. II. Ocorre aquela circunstância agravante quando são perpetradas agressões físicas e dirigidos insultos á mãe de um menor de um ano e seis meses que está ao seu colo, pois, para além do risco do menor ser atingido fisicamente, nessa idade a criança já se apercebe da emoção dos adultos, vivendo a perturbação que a rodeia.» (in: www.dgsi.pt).

Importa, assim, proceder à audição de GSLC e GSC em ambiente informal e reservado sem a presença do arguido, de modo a assegurar que o mesmo seja o mais livre e imparcial possível.

Assim, promovo que seja designada data para tomada de declarações para memória futura a GSLC e GSC, nos termos dos artigos 33º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, 17º, 21º, al. d), 22º, 24º da lei n.º 130/2015 de 04 de setembro, Ponto IV – 2 da Diretiva n.º 5/2019 da PGR, a fim de as mesmas poderem ser tomadas em conta aquando do julgamento, bem como a aferir da necessidade de aplicação de medida de coação para além do TIR e bem assim para evitar a vitimização secundária decorrente de futuras inquirições das crianças/ ofendidos.

Mais se promove que as declarações sejam prestadas sem a presença do arguido e com a assistência de técnico especializado.

Nestes termos, e em conformidade com o que antecede, remeta os autos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal.”

I. Por seu turno, no despacho ora recorrido, decidiu-se do seguinte modo:

[cfr. Extratado em b) supra]

II. Decorre dos autos e das declarações dos dois membros do casal (arguido e ofendida) que as agressões que configuram o crime de violência doméstica, em investigação, ocorreram na presença dos filhos do casal, sendo que, pelo menos, numa ocasião, o filho mais velho foi atingido, sendo fisicamente agredido, quando se colocou entre os pais, para impedir agressões.

III. Conforme decorre do auto de interrogatório de arguido e do auto de inquirição da ofendida, com a ref.ª 7741778, para onde o Ministério Público remeteu, na sua promoção, os filhos do casal, G e G: i) são testemunhas (pois presenciaram factos agressivos) e ii) são vítimas diretas do crime de violência doméstica (pois presenciaram agressões entre os seus pais, foram expostos a situações de violência doméstica, chegando o filho mais velho G a ser diretamente agredido fisicamente).

IV. Segundo o interrogatório do arguido PMLC:

«(…) o seu filho mais velho estava no meio de ambos para impedir a mãe de efetuar alguma agressão, contudo, não o conseguiu, tendo também a criança sido agredida pela mãe com um soco na face.

(…) Adianta que no dia 20 de Abril, por volta das 18 horas e quando se encontrava na sua residência mais precisamente na sala, a sua esposa tentou agredi-lo mais uma vez, contudo, o seu filho mais velho meteu-se no meio de ambos impedindo que a denunciante tornasse a agredi-lo (…)» (ref.ª 7741778).

V. Segundo a inquirição de RISLC:

«(…) Que estes factos mencionados na denúncia ocorreram no interior da residência que ambos partilham. Que para além destes insultos o seu marido também já ameaçou por diversas vezes que lhe vai dar uma coça e se fosse preciso dava-lhe umas facadas. Que em data que não se recorda quando se encontrava na casa de banho o denunciado puxou-a com bastante violência, provocando-lhe arranhões nas costas. Que o seu filho mais velho presenciou estes factos.»

VI. Nos termos dos artigos 1º/ al. j), 67.º-A (vítima), n.º1, al. b), n.º 3, 4, do Código de Processo Penal, artigo 26.º da Lei n.º 93/99, de 14 de julho (lei de proteção de testemunhas) G (de 12 anos de idade) e G (de 8 anos de idade) são vítimas especialmente vulneráveis, desde logo, atenta a idade dos mesmos e bem assim porquanto ao testemunharem poderão ter de depor contra os progenitores (não só o arguido PC, mas também a própria mãe/ofendida RIC).

VII. Os ofendidos G e G viram a sua saúde, a sua integridade física e psicológica afetada, encontrando-se numa posição de particular e especial vulnerabilidade.

VIII. É de toda a importância, para a salvaguarda da integridade psíquica (e física) dos ofendidos G e G que os mesmos possam, desde já, prestar declarações para memória futura, de forma rigorosa e esclarecedora, as quais poderão ser valoradas nas fases subsequentes do processo (inclusivamente de julgamento).

IX. É de toda a importância para a descoberta da verdade material, ouvir as testemunhas G e G - que são não só testemunhas como também ofendidos (diretos),

X. Na verdade: i) os factos ocorreram entre os pais daquelas crianças! ii) os factos ocorreram na residência das próprias crianças! iii) os pais das crianças (arguido e ofendida) referem expressamente que G assistiu aos factos agressivos.

XI. É de toda a importância ouvir as crianças em sede de declarações para memória futura de modo a evitar a vitimização secundária (evitando a repetição da audição daquelas crianças) e bem assim de modo a assegurar a valoração das suas declarações em todas as outras fases do processo.

XII. A audição das testemunhas/ ofendidos/ vítimas especialmente vulneráveis G e G é tão mais importante porquanto a versão dos intervenientes diretos (arguido PC e RIC não é uniforme), sendo absolutamente fundamente para a descoberta da verdade material ouvir as crianças sobre o que efetivamente aconteceu, só assim se podendo fazer justiça!

XIII. Mais se refira que neste tipo de criminalidade, por regra, a prova dos factos é de difícil obtenção, pois é tendencialmente praticada no interior da habitação (ficando, tantas vezes, a prova circunscrita aos depoimentos dos elementos do agregado familiar).

XIV. Cabe ao Ministério Público a direção da ação penal, decidindo o mesmo da tempestividade e adequação das diligências probatórias em fase de inquérito, sendo de toda a utilidade e necessidade a audição das testemunhas G e G para a descoberta da verdade e para a realização da justiça,

XV. Importando que os seus depoimentos sejam tomados com celeridade (sob pena de se poderem perder factos essenciais) sobretudo quando estamos perante crianças.

XVI. Por outro lado, atentas as especificidades deste tipo de criminalidade, não raras vezes os(as) ofendidos (as), em sede de audiência de discussão e julgamento (e até em fases anteriores do processo), desde logo, em face das relações afetivas que se estabelecem entre vítimas e agressores deste tipo de criminalidade, acabam por fazer uso do direito previsto no artigo 134º do Código de Processo Penal, recusando-se a prestar declarações.

XVII. Assim, a audição das crianças nesta fase do processo e em sede de declarações para memória futura permitira evitar uma contaminação do seu depoimento assim como a perda de memória dos factos na sua plenitude.

XVIII. Assim, ao ter decidido como decidiu, o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal violou os artigos 1°, n.°s 1, 3 e 4, 2º, al. a), 28º da Lei n.º 93/99, de 14 de julho, 2º, al. a), b), 16º, n.º 2, 33.º Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, artigo 17º, 21º, al. d), 22º, 24º da lei n.º 130/2015 de 4 de setembro, artigos 67.º-A, 262° e 263° do Código de Processo Penal.

XIX. Deve, em conformidade, o despacho recorrido ser revogado e ser em sua substituição proferido despacho que determine a prestação de declarações para memória futura.

XX. Assim, e nos termos de tudo o que foi supra exposto, substituindo o despacho recorrido por outro que determine a prestação de declarações para memória futura, farão V.as Exas. a habituada Justiça!»

d) Notificado para se pronunciar o arguido nada disse.

e) Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público pronunciou-se secundando a posição assumida pelo mesmo órgão do Estado na 1.ª instância, no sentido do provimento do recurso.

f) Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º do CPP, nenhuma resposta se apresentou.

g) O processo foi aos vistos legais e teve lugar a conferência.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 403.º, § 1.º e 412.º, § 1.º CPP) .

A única questão a examinar é a de saber se o Ministério Público direito a ver designada data para realização de declarações para memória futura aos dois menores.

2. Apreciando

O M.m.º Juiz recorrido fez o seu juízo sobre o requerido pelo Ministério Público (apenas) com base no que dispõe o artigo 271.º CPP, afirmando não se lhe afigurar pertinência, necessidade ou utilidade na realização da diligência requerida.

Sucede que:

- é ao Ministério Público que cabe avaliar da pertinência probatória do conhecimento das testemunhas em causa, em razão de na estrutura basicamente acusatória do processo penal, é a este órgão de justiça que a Constituição e a lei cometem a titularidade e direção do inquérito (incluindo naturalmente a competência para delinear a estratégia de investigação, que integra a escolha do tempo e do modo da sua atuação), conforme decorre dos artigos 32.º, § 5.º e 219.º da Constituição da República e 53.º, 262.º, 263.º, 277.º e 283.º CPP;

- e que, os princípios da concentração, da continuidade da audiência e da imediação da prova, previstos nos artigos 312.º, 328.º, 328.º-A, 340.º ss. e 365.º CPP , admitem algumas exceções, justificadas pela necessidade de tutela de interesses tão relevantes como a proteção das vítimas vulneráveis ou especialmente vulneráveis.

Isso é o que com meridiana clareza resulta da conjugação dos seguintes normativos:

- artigos 26.º, § 1.º e 28.º, § 1.º e 2.º da Lei n.º 93/99, de 14 de julho (Lei da Proteção das Testemunhas em Processo Penal );

- artigos 22.º e 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (Regime Jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica e à Proteção e Assistência das suas Vítimas);

- artigo 24.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro (Estatuto da Vítima) ;

- artigo 67.º-A, § 1.º, als. a) e b) ex vi § 3.º, por referência à al. j) do artigo 1.º do CPP (quem é vítima e testemunha especialmente vulnerável).

A lei considera que as crianças que presenciaram factos ilícitos violentos são vítimas especialmente vulneráveis (artigo 67.º-A, § 1.º, al. b) e 3, e artigo 1.º, al. j) do CPP), justamente em razão do dano emocional adveniente de terem presenciado as agressões.

De acordo com os normativos supra citados a tutela efetiva dos interesses da vítima e da testemunha especialmente vulnerável no processo penal implica exceção ao regime regra da concentração da produção da prova na audiência. Devendo o seu depoimento ser prestado o mais brevemente possível. Sendo as declarações para memória futura o melhor instrumento para conjugar as finalidades processuais e evitar a vitimização secundária.

É, com efeito, por demais sabido que a repetição de inquirições no mesmo processo (e eventualmente noutros) acerca do mesmo assunto, além da evidente penosidade para as vítimas – mormente se forem crianças -, potenciando distorções da informação, geradoras de alterações da perceção e relato do facto vivido, incrementando dificuldades na investigação judiciária e a integração psicológica da situação por parte das crianças.

Daí que o recurso às declarações para memória futura se prefigure como instrumento ajustado, na medida em que permite mitigar os riscos da vitimização secundária e de distorção probatória, evitando do mesmo passo a necessidade de a criança comparecer na audiência de julgamento.

Vejamos agora os detalhes deste caso concreto.

As pessoas identificadas no requerimento do Ministério Público são «testemunhas especialmente vulneráveis», por terem assistido às agressões relativas ao crime em investigação; terem menos de 18 anos de idade; e estarem familiarmente ligados à vítima de violência doméstica (artigo 67.º-A, § 1.º, als. a) e b) do CPP ex vi § 3.º, por referência à al. j) do artigo 1.º do mesmo código e 26.º da supra citada Lei n.º 93/99).

A mais disso o requerimento do Ministério Público mostra-se razoavelmente fundamentado acerca do interesse da diligência nesta fase, nele se referindo: que as testemunhas são menores; que assistiram a factos ilícitos; e que têm ligação familiar com a vítima das agressões.

É certo que estamos na fase inicial do processo, mas é a própria lei que preconiza que, nestes casos, se deve priorizar a audição para memória futura. Sendo ademais conhecido que a fixação de elementos probatórios nesta área da criminalidade se mostra muito relevante, e que de outra sorte tenderão a perder-se.

Nas circunstâncias do caso presente, realizando a diligência que lhe foi requerida, o Mmo juiz protegerá os direitos de testemunhas que são especialmente vulneráveis e assegurará, do mesmo passo, a regularidade e a fiabilidade da produção da prova declaratória (como se estivera em audiência de julgamento) .

Em suma, por o despacho recorrido não conter fundamento válido para o indeferimento da pretensão apresentada pelo Ministério Público não poderá manter-se.

Termos em que, na total procedência do recurso, se admite a inquirição para memória futura das duas testemunhas menores devidamente identificadas, devendo a diligência decorrer em ambiente reservado, com assistência de técnico especializado e sem a presença do arguido, para o que deverá ser designado dia e hora para a realização da diligência, com a maior brevidade possível.

III – Decisão

Destarte e por todo o exposto decide-se:

a) Revogar a decisão recorrida;

b) Determinar a realização da diligência requerida pelo Ministério Público o mais brevemente possível;

c) Sem custas.

Évora, 12 de outubro de 2021

J. F. Moreira das Neves (relator)

José Proença da Costa

Assinado eletronicamente

1 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

2 Tais princípios postulam que o conjunto dos atos processuais relativos à audiência (que tendencialmente deverá ser contínua) deverão nela ser praticados; assegurando que a perceção da matéria probatória pelo tribunal não se perca ou desvaneça; e que a decisão jurisdicional é proferida por quem assistiu à produção de prova e à discussão da causa entre a acusação e a defesaCf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal, vol. 3, Universidade Católica Portuguesa, 2014, pp. 211/213; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, 2021 (3.ª edição), pp. 199/205.

3 Sobre este temário cf. Sandra Oliveira e Silva: A Proteção de Testemunhas no Processo Penal, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 19, n.º 3, 2009, p. 111-112.

4 O Estatuto da Vítima surge no âmbito da transposição da Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012.

Para uma exegese do estatuto da vítima, cf. Magda Elsa de Araújo cerqueira, O Estatuto da Vítima e suas Implicações no Processo penal português, Escola de Direito da Universidade do Minho, 2017.

5 Ainda que se mostre excrescente, como fundamento do requerido, a indicação de Diretiva da PGR!

6 Com algumas diferenças de «tonalidade», decorrentes das especificidades dos casos concretos, esta vem sendo o entendimento maioritariamente sufragado pelos tribunais de Relação: cf. acórdão do TRÉvora, de 23/3/2021, proc. 148/20.5T9TFR.E1-A, Des. Sérgio Corvacho; acórdão do TRÉvora, de 11/5/2021, proc. 1610/19.8PBFAR-A.E1, Des. Laura Maurício; acórdão TRÉvora, de 13/7/2021, proc. 515/21.7PBFAR.E1, Des. Maria Filomena Soares (no qual o aqui relator foi ali adjunto); acórdão TRLisboa 20/1/2021, proc. 377/20.1PALSB-A.L1-3, Des. Ana Paula Grandvaux; acórdão TRLisboa 14/4/2021, proc. 133/20.0PDAMD-A.L1-3, Des. Leonor Botelho; acórdão TRCoimbra, proc. 86/20.1T9OFR-A.C1, Des. Isabel Valongo; acórdão TRGuimarães, de 8/6/2020, proc. 1405/19.9PBBRG-C.G1.