Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
74/21.0GGSTB.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No caso dos autos, o muito substancial passado criminal do arguido inculca razões fortíssimas de prevenção especial impeditivas da ponderação de pena não efectivamente reclusiva.
Também é de referir a atitude de essencial insensibilidade do ora recorrente face à notória progressividade das penas em que foi sendo condenado, resultando, de forma especialmente impressiva, que o cumprimento até aos 5/6 da pesadíssima pena cumulatória em que foi condenado (17 anos de prisão) não teve qualquer efeito dissuasor da prática ulterior de mais um crime, sendo de sublinhar, como o faz a decisão recorrida, a circunstância, de valoração especialmente negativa, da prática do crime durante o período de liberdade condicional. A questão que se coloca é: se nem a limitação da liberdade condicional o afastou da prática de crimes, evidencia-se que a única pena que permite a protecção efectiva dos bens jurídicos (e recorde-se que o recorrente já praticou crimes de natureza violenta) e a reintegração do mesmo na sociedade (cfr. art.º 40.º, n.º 1 do C. Penal) é a reclusão em estabelecimento prisional, de forma a que o mesmo interiorize criticamente as razões que o levaram a delinquir, de forma a evitar a futura prática de (mais) crimes, não sendo de valorar aqui as assinaladas debilidades cognitivas, uma vez que não foram colocadas quaisquer questões relacionadas com a i(ni)mputabilidade daquele.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Local Criminal de Setúbal (J5) do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, corre termos o processo comum singular n.º 74/21.0GGSTB, no qual veio o arguido AA a ser condenado “pela prática, em autoria material e na forma tentada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e c), 23.º e 204.º, n.º 2, al. e), ex vi artigos 202.º, al. e) e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão efectiva”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1 - No que se refere à escolha e medida da pena veio a Tribunal a Quo, e depois de terem sido qualificados juridicamente os factos, veio a proceder e corretamente à fixação, dentro dos limites da moldura penal abstrata que aos crimes compete, em obediência aos critérios expressos nos artigos 70.° e 71.° do. Código Penal, da (s) pena (s) que concretamente deverá (ão) ser aplicada (s) ao arguido e aqui recorrente.

2 - Ora a moldura abstrata da pena de prisão aplicável ao crime de furto qualificado, na forma tentada, será entre um mês e cinco anos e quatro meses. (que resultam da redução de um terço ao limite máximo original de oito anos).

3 - Porquanto o crime de Furto Qualificado, mesmo quando revista a forma tentada, é exclusivamente punível com pena de prisão, não há lugar, na operação de determinação da Pena, à escolha da natureza da pena a aplicar, sem prejuízo da ponderação da aplicação de penas de substituição.

4 - Resulta da sentença recorrida e no roteiro que é feito sobre a ponderação de substituição da pena, que;

"Contudo, sopesando todas as circunstâncias supra referidas, entende este Tribunal que, no presente caso concreto, a suspensão da execução da pena se considera insuficiente e desadequada às necessidades de prevenção reveladas pelo Arguido, afigurando-se improvável que a ameaça de prisão efectiva tenha um efeito dissuasor para o Arguido, no sentido de o inibir de praticar novos factos da mesma natureza, ao que acresce ainda a tendência para a reincidência demonstrando pelo arguido, o que faz com que se considere impossível fazer um juízo de prognose favorável acerva da suficiência da medida, razões pelas quais não se suspende a pena aplicada ao arguido, impondo-se, por conseguinte, que o mesmo cumpra a pena de reclusão em contexto prisional".

5. No entanto não merece a concordância e adesão por parte do arguido que o Tribunal a Quo decida pela não suspensão (com ou sem regime de prova) da pena de prisão;

6. Para aquilo que neste caso importa destacar a favor do arguido e a favor de uma decisão de uma pena de prisão suspensa na sua execução, sujeita a um espartano regime de prova, ou em alternativa uma pena de prisão, em regime de obrigação de permanência na habitação, importa referir que o arguido foi condenado pela prática em autoria material e na forma tentada de um crime de furto qualificado, que é punido numa moldura abstrata entre um mês e cinco anos e quatro meses de pena de prisão e que uma boa parte do seu percurso de vida foi feito em meio prisional com todas as consequências daí decorrentes.

7 - Por outra banda, importa ainda reconhecer o peso das condenações criminais averbadas no certificado de registo criminal do arguido, mas ainda assim, e sem

(…) (1)

11 – Não é menos verdade que o arguido esteve em cumprimento de pena até Outubro de 2018, circunstância que o impossibilitava de praticar crimes no seio dá comunidade.

12 - Por outra banda e apesar das várias condenações que o arguido foi conhecendo ao longo da sua vida, importa referir que também pode ser legítimo considerar que a personalidade do arguido e ante o facto, de estar em liberdade desde Outubro. de 2018 e no que tange com o respeito das normas jurídicas também possa evoluir sem necessidade de ter de cumprir uma pena de prisão efectiva de 2 anos e 6 meses.

13 - Ante o específico contexto de vida do arguido, a que deve somar-se as adversidades e os riscos que resultam do cumprimento das penas de prisão de curta ou média duração, podem ainda permitir concluir que não se deve fazer sentir, por ora e só agora, motivos que reclamem a execução da pena aplicada, uma vez que, sabendo que sobre o arguido e aqui recorrente, adeja a efetiva responsabilização, por virtude da possibilidade de lhe ver ser revogada a suspensão e ter de cumprir pena privativa da liberdade em medida não despicienda, caso a mesma venha a ser decidida.

14. Ora entende o arguido e aqui recorrente, que o Tribunal a Quo deveria ter concluído que se mostram devidamente asseguradas as finalidades punitivas deferidas às penas, com a opção de poder ser ainda aplicada uma pena de prisão próxima dos seus limites máximos, mas suspensa na sua execução por igual período, porquanto o único meio de que o arguido e aqui recorrente ora dispõe - assumindo que deveria ter sido condenado a uma pena de prisão suspensa na sua execução - em ordem a evitar o cumprimento da pena aplicada, será a adopção de unia conduta conforme a Lei e o Direito, servindo esta condenação como a derradeira e última oportunidade do arguido e aqui recorrente para pautar a sua vida em conformidade com o respeito pelo valores vigentes.

15 - Em conclusão, entende o arguido e aqui recorrente que por força de uma correta análise, do seu comportamento passado criminal e que, ao contrário das conclusões do Tribunal a Quo, que ainda as exigências, de prevenção especial que o presente caso reclamam que ainda poderão ser satisfeitas com uma pena de prisão próxima dos seus limites máximos, mas suspensa na sua execução, uma vez que a simples ameaça de prisão será suficiente para ainda assegurar as finalidades da punição e evitar que o arguido volte a praticar factos da mesma natureza.

16 – A ser assim, merece censura da parte do arguido e recorrente a fundamentação convocada pelo Tribunal A Quo a concluir que;

Contudo, sopesando todas as circunstâncias supra referidas, entende este Tribunal que, no presente caso concreto, a suspensão da execução da pena se considera insuficiente e desadequada às necessidades de prevenção reveladas pelo Arguido, afigurando-se improvável que a ameaça da prisão efectiva tenha um efeito dissuasor para o Arguido, no sentido de o inibir de praticar novos factos da mesma natureza, ao que acresce ainda a tendência para a reincidência demonstrando pelo arguido, o que faz com que se considere impossível fazer um juízo de prognose favorável acerva da suficiência da medida, razões pelas quais não se suspende a pena aplicada ao arguido, impondo-se, por conseguinte, que o mesmo cumpra a pena de reclusão em contexto prisional

17 - É aqui que o entendimento perfilhado pelo arguido e aqui recorrente se afasta das conclusões do Tribunal a Quo, já que salvo melhor opinião, e atendendo às condições concretas de vida do arguido e à natureza do crime que é imputada ao arguido deveria o Tribunal a Quo, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição,

18 - Nestes termos, entende o arguido e aqui recorrente que havia fundamento para a suspensão da execução da pena de prisão, tudo no sentido de não obstaculizar a tão procurada ressocialização, para o que não é necessário a efectiva privação da liberdade.

19 - Como é do conhecimento de V. Exa (s) sabe-se dos efeitos nefastos que as penas de prisão podem desencadear no espírito dos arguidos, que comprometem de todo, toda e qualquer ressocialização.

20 - Entendemos e apelamos que o mesmo seja merecedor de uma oportunidade, que passará pela aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, bastando-se assim, a ameaça de prisão para que as finalidades. que se destinam às penas sejam cumpridas e respeitadas.

21 - Em conformidade corri os princípios estruturantes que devem pautar a aplicação das penas, deve o Tribunal dar sempre preferência à aplicação de uma pena não privativa da liberdade. (Registamos que o Tribunal a Quo foz essa análise e avaliação, mas que chegou a uma conclusão que em tese até pode ser justificável, mas que terá partido de uma análise muito contundente da personalidade do arguido e do seu passado criminal e que projectam a necessidade de ser aplicada uma pena de prisão efectiva, quando na verdade e na opinião do arguido ainda assim haveria possibilidade de poder. Ser aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução por via dos fundamentos anteriormente elencados.)

22 - De acordo com o acima alegado e em conformidade com a aplicação deste princípio, a aplicação pelo Tribunal a Quo de uma prisão efectiva para o arguido AA pode colidir com os mais elementares fins das penas, e com unia ideia de Justiça.

Aqui chegados, importa sublinhar o seguinte;

23 - Um dos principais objectivos das penas aplicadas é evitar que o agente (condenado) volte a delinquir e que se torne um cidadão responsável, socialmente útil e cumpridor da lei.

24 - Deve ser entendido que tal circunstância, do arguido e recorrente adoptar uma conduta conforme o direito no âmbito de uma pena de prisão suspensa na sua execução, não deixará de assegurar as finalidades da punição, uma vez que, em singelo, não deixará de possibilitar a sustentação de uma prognose favorável ao arguido de que deverá sentir esta condenação - da pena de prisão suspensa na sua execução - como uma efectiva pena, já que em caso de falha ou de incumprimento a mesma poderá ser revogada e ter de cumprir pena privativa da liberdade em medida não despicienda.

25 - Ante tal consideração; parece, que em tese, a privação da liberdade só será de aplicar em "ultima ratio", devendo o Tribunal optar por outras penas que não as "carcerárias".

26 - Sendo que no caso Sub Júdice uma condenação numa pena concreta de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva vai produzir efeitos nefastos numa eventual ressocialização do arguido, para além de ser desadequada e desproporcional, tal condenação em prisão efectiva, viola frontalmente os elementares princípios de aplicação das penas, da culpa e da ressocialização do arguido, colidindo tal pena com o disposto no artigo 40.º n.º 1, n.º 2 e n.º 3; artigo 71.° n.º 1 e n.º 2 al) a) e b) c) d) f); artigo 72.° n.º l e n.º 2 c) e artigo 50.° todos do Código Penal,

27 - Nestes termos e salvo melhor opinião, em face de toda a matéria de facto dado como provada, deveria ter o douto Tribunal a Quo optando por uma pena de prisão suspensa na sua execução, sujeita ou não a um regime de prova.

28 - Nestes termos e salvo melhor opinião, em face de toda a matéria de facto dado como provada, deveria ter o douto Tribunal a Quo e tal como evola nos presentes autos, e por estarem verificados os pressupostos legais, deveria ter optado pela condenação numa pena de prisão suspensa na sua execução.

Pugnando, sinteticamente, pelo seguinte resultado:

“Assim, nestes termos (…)

Deverá, pois, a douta sentença ora recorrida ser revogada e substituída por um acórdão, que condene e necessariamente o arguido e aqui recorrente, AA, prática, em autoria material e na forma tentada de um crime de furto qualificado, p.e p. pelos artigos 22.° 1 e 2, al a e c), 23.° e 204.º n.º 2, al e), ex vi artigos 202.°, al e) 203.° n.º 1 todos do Código Penal, numa pena de prisão, suspensa na sua execução sujeita ou não a um regime de prova.”

O recurso foi admitido.

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, com as seguintes conclusões (transcrição):

“1 - O recorrente não coloca em crise a dosimetria da pena de prisão concretamente aplicada, não se conformando apenas com a circunstância de essa pena não ter sido suspensa na sua execução;

2 - Na sentença recorrida, após análise dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, a Mma. Juíza “a quo” concluiu, fundamentadamente, que não se verificam os seus pressupostos, designadamente porque não é passível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido, entendimento que sufragamos;

3 - Salienta-se que o ora recorrente praticou o crime em causa nos autos durante o período de liberdade condicional relativa ao cumprimento de uma pena única de 17 (dezassete) anos de prisão;

4 - Não se descortina de que forma está, como alega na sua motivação de recurso, a “tentar encontrar um novo rumo para a sua vida”, sendo, antes, de salientar a matéria dada como provada no ponto 10. da sentença, da qual se extrai que o arguido continua a manter o consumo de drogas, sendo, ainda, inquestionável que, da sua parte, existe uma completa falta de reconhecimento do desvalor da sua conduta;

5 - Por conseguinte, a prognose social favorável é manifestamente de afastar, ficando por demais demonstrado, em face da matéria dada como provada e da postura/personalidade do arguido, que a mera ameaça de prisão não surtiu nem surtirá qualquer efeito no comportamento nem na ressocialização do arguido;

6 - Neste contexto, a simples censura dos factos e a ameaça de prisão efectiva, não apresentam virtualidades suficientes para satisfazer da punição, sem que saia irremediavelmente comprometida a “a defesa do ordenamento jurídico”.

Pugnando, sinteticamente, pelo seguinte:

“Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso, e, em consequência, ser integralmente confirmada a douta sentença recorrida, mantendo-se a condenação do arguido nos precisos termos decididos na primeira instância.”

A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o “passado criminal do recorrente não permite ao tribunal fazer um juízo de prognose positiva sobre a suficiência da simples ameaça da pena para que o condenado interiorizar uma postura normativa e se determinar de acordo com ela”, concordando inteiramente com a decisão recorrida.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (2), sem resposta.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“III. Fundamentação de Facto

3.1. Factos provados

Apreciada a prova produzida, resultaram como provados os seguintes factos relevantes para a boa decisão da causa:

1 - No dia 26 de Março de 2021, cerca das 18h00, o Arguido AA deslocou-se à residência sita em …, …, onde residia BB, com intenção de se apropriar das quantias monetárias que lograsse encontrar no seu interior e objectos que lhe despertassem interesse.

2 - No interior da residência o ofendido BB detinha bens em valor superior a 102,00 euros.

3 - Ali chegado, de forma não concretamente apurada, o Arguido bateu à porta, porém BB não abriu.

4 - De imediato o Arguido subiu para o telhado da garagem e começou a forçar a abertura da janela que se encontra no telhado, conseguindo abri-la e entrar para um dos quartos da referida residência.

5 - Nesse momento BB foi ao encontro do Arguido AA que o confrontou sobre o que estava ali a fazer, respondendo o Arguido que lhe vinha pedir emprestados dez euros, sendo que, logo de seguida BB exibiu-lhe um ferro o que levou a que o Arguido se retirasse de imediato.

6 - O Arguido agiu livre voluntária e conscientemente, bem sabendo e querendo, contra a vontade do respectivo usufrutuário, entrar na sobredita habitação durante o cair da noite com o propósito de fazer seus os objectos e dinheiro que se encontravam no interior da aludida residência, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, que actuava contra a vontade do usufrutuário e que não tinha quaisquer direitos sobre os mesmos, só não o conseguindo por motivos alheios à sua vontade, uma vez que foi surpreendido por BB.

7 - Bem sabia o Arguido AA que a sua conduta era proibida e punida por Lei como crime.

Mais resultou demonstrado que:

8 - Que, no dia descrito em 1, o Arguido já se tinha deslocado à residência de BB por volta das 13h00, acompanhado de um outro indivíduo, batendo à porta da mesma e permanecendo no local até cerca das 14h00, porém aquele não abriu a porta.

9 - O Arguido detém certificado de registo criminal n.º 094039-E, onde constam inscritas as seguintes condenações:

i) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Condução de Veículo sem Habilitação Legal, previsto e punido pelo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, cometidos em 07 de Setembro de 1999, na pena de 60 dias de multa, por sentença proferida pelo 1.º Juízo (Singular) do Tribunal Judicial de Lagos, em 08 de Março de 2001 e transitada em julgado em 26 de Março de 2001 (processo n.º 351/99.5GALGS) – tendo a pena sido declarada extinta em 07 de Janeiro de 2004;

ii) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Furto Qualificado; previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, ex vi artigo 202.º, al. c); 204.º, n.º 1, al. f) e h), e n.º 2, al. e) r n.º 4, todos do Código Penal, cometidos em 30 de Abril de 2000, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 3,00, por acórdão proferido pelo 1.º Juízo (Colectivo) do Tribunal Judicial de Lagos, em 13 de Março de 2001 e transitado em julgado em 08 de Abril de 2002 (processos n.ºs 59/01.3PALGS e 351/99.5GALGS) – tendo a pena de multa sido declarada extinta na data da decisão, por ter sido considerada cumprida pelo tempo de prisão preventiva já cumprido;

iii) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Furto Simples, previsto e punido pelo artigo 203.º do Código Penal, cometido em 01 e Julho de 2000, na pena 150 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, o que perfaz a quantia de € 300,00, por sentença proferida pelo 1.º Juízo (Singular) do Tribunal Judicial de Lagos, em 22 de Janeiro de 2004 e transitada em julgado em 06 de Fevereiro de 2004 (processo n.º 471/0.5GALGS), declarada extinta, pelo cumprimento de 100 dias de prisão, em 14 de Junho de 2006;

iv) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Furto Qualificado, previsto e punido 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. a) e f), ambos do Código Penal, cometidos em 23 de Julho de 2002, na pena de 1 ano de prisão, por sentença proferida pelo 1.º Juízo (Singular) do Tribunal Judicial de Lagos, em 01 de Julho de 2004 e transitada em julgado em 15 de Setembro de 2004 (processo n.º 303/02.0GALGS), declarada extinta em 21 de Abril de 2006;

v) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Furto Qualificado previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, cometidos em Fevereiro de 2004, na pena de 4 anos e 1 mês de prisão, por acórdão proferido pelo 2.º Juízo de Competência Criminal (Colectivo), do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, em 21 de Dezembro de 2004 e transitado em julgado em 05 de Janeiro de 2005 (processo n.º 79/04.6GCPTM);

vi) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Furto Qualificado; 1 (um) crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º e 146.º do Código Penal; e 1 (um) crime de Injúria Agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º e 184.º do Código Penal, cometidos em 26 de Maio de 2004, na pena única (em cúmulo jurídico) de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por acórdão proferido pelo 1.º Juízo (Colectivo) do Tribunal Judicial de Lagos, em 21 de Junho de 2005 e transitado em julgado em 06 de Julho de 2005 (processo n.º 125/04.3GCLGS);

vii) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Furto Qualificado, previsto e punido 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, cometidos em 19 de Novembro de 2003, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, por acórdão proferido pelo 2.º Juízo (Colectivo) do Tribunal Judicial de Lagos, em 20 de Abril de 2006 e transitado em julgado em 10 de Janeiro de 2007 (processo n.º 818/03.2GALGS);

viii) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Furto Qualificado, previsto e punido 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, cometidos em 23 de Janeiro de 2004, na pena de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão, por acórdão proferido pelo 2.º Juízo (Colectivo) do Tribunal Judicial de Lagos, em 05 de Dezembro de 2006 e transitado em julgado em 18 de Janeiro de 2007 (processo n.º 44/04.3GALGS);

ix) Acórdão cumulatório, proferido no processo n.º 44/04.3GALGS, abrangendo o processo n.º 125/04.3GCLGS, com condenação na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, por acórdão proferido pelo 2.º Juízo (Colectivo) do Tribunal Judicial de Lagos, em 17 de Maio de 2007 e transitado em julgado em 21 de Junho de 2007;

x) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Detenção Ilegal de Arma, previsto e punido pelo artigo 6.º da Lei 22/97, de 27 de Junho; e 1 (um) crime de Receptação, previsto e punido pelo artigo 231.º do Código Penal, cometidos em 23 de Novembro de 2003, na pena única de 10 (dez) meses de prisão, por sentença proferida pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, em 10 de Janeiro de 2007 e transitado em julgado em 25 de Janeiro de 2007 (processo n.º 2484/03.6PAPTM) – pena englobada no processo n.º 1398/03.4PALGS, por despacho de 19 de Janeiro de 2009, perdendo assim a sua autonomia;

xi) prática de factos que consubstanciam 2 (dois) crimes de Furto Qualificado previstos e punidos pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, cometidos em 05 de Julho de 2002, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, por acórdão proferido pelo 2.º Juízo Criminal (Colectivo), do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, em 11 de Janeiro de 2007 e transitado em julgado em 26 de Janeiro de 2007 (processo n.º 2169/02.0PAPTM);

xii) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Roubo, previsto e punido 210.º, n.º 1, do Código Penal e 1 (um) crime de Condução de Veículo sem Habilitação Legal, previsto e punido pelo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, cometidos, respectivamente, em 08 de Outubro de 2003 e 11 de Janeiro de 2004, na pena única de 14 (catorze) meses de prisão, por sentença proferida pelo 2.º Juízo (Singular) do Tribunal Judicial de Lagos, em 07 de Novembro de 2007 e transitada em julgado em 17 de Dezembro de 2007 (processo n.º 1398/03.4PALGS);

xiii) Sentença cumulatória, proferida no processo n.º 1398/03.4PALGS, abrangendo os processos: Processo n.º 2169/02.OPAPTM, 2.º Juízo Criminal, Portimão - Tribunal Família e Menores e Comarca; Processo n.º 260/04.8PAPTM, 1° Juízo Criminal, Portimão - Tribunal Família Menores e Comarca; Processo n.º 125/04.3GCLGS, 1° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; Processo n.º 471/00. 5GALGS, 1.º Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; Processo n.º 303/02.OGALGS, 1° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; Processo n.º 44/04.3PALGS, 2° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; Processo n.º 818/03. 2GALGS, 2° Juízo Genérico, Lagos -Tribunal Judicial; Processo n.º 1398/03 4PALGS, 2° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; Processo 2484/03.6PAPTM, 1.º Juízo Criminal, Portimão – Tribunal Família e Menores e Comarca; Processo n.º 79/04.6GCPTM, 2° Juízo Criminal, Portimão – Tribunal Família e Menores e Comarca, com condenação na pena única de 15 (quinze) anos de prisão, e 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 2,00 (dois euros), o que perfaz p total de € 300,00, por sentença proferida pelo 2° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial, em 24 de Outubro de 2008 e transitado em julgado em 24 de Outubro de 2008;

xiv) prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de Roubo, previsto e punido 210.º, n.º 1, do Código Penal cometidos em 23 de Julho de 2007, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por acórdão proferido pelo 1.º Juízo (Colectivo) do Tribunal Judicial de Lagos, em 23 de Abril de 2007 e transitada em julgado em 11 de Setembro de 2009 (processo n.º 304/04.3PALGS);

xv) Acórdão cumulatório, proferido no processo n.º 304/04.3PALGS, abrangendo os processos: Processo n.º 1398/03 4PALGS, 2° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; Processo 2484/03.6PAPTM, 1.º Juízo Criminal, Portimão – Tribunal Família e Menores e Comarca; Processo n.º 44/04.3PALGS, 2° Juízo Genérico, Lagos -Tribunal Judicial; Processo n.º 79/04.6GCPTM, 2° Juízo Criminal, Portimão – Tribunal Família e Menores e Comarca; Processo n.º 303/02.OGALGS, 1° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; Processo n.º 260/04.8PAPTM, 1° Juízo Criminal, Portimão - Tribunal Família Menores e Comarca; Processo n.º 818/03. 2GALGS, 2° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; Processo n.º 2169/02.OPAPTM, 2.º Juízo Criminal, Portimão - Tribunal Família e Menores e Comarca; Processo n.º 125/04.3GCLGS, 1° Juízo Genérico, Lagos - Tribunal Judicial; com condenação na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão, por acórdão proferido pelo 1.º Juízo (Colectivo) do Tribunal Judicial de Lagos, em 24 de Março de 2009 e transitado em julgado em 04 de Maio de 2009;

xvi) Concessão de Liberdade condicional ao Recluso a partir de 16 de Outubro de 2018, pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir, ou seja, até 02 de Setembro de 2021, à ordem do processo n.º 304/04.3PALGS, por despacho proferido pelo 3.º Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, em 19 de Setembro de 2018, transitado em julgado em 29 de Outubro de 2018 (Processo n.º 9/11.9TXEVR-A).

10 - Do relatório social respeitante ao Arguido consta, nomeadamente, que: “Com 39 anos de idade, solteiro e sem filhos, AA reside atualmente com a mãe, CC, 58 anos, numa barraca sem condições de habitabilidade e infraestruturas básicas num terreno perto da …, tendo como vizinhos outros familiares. Vai buscar água a uma obra perto do local e a energia é fornecida por um gerador a gasóleo.

Quando ocorreram os factos agora em fase de julgamento (março de 2021) o Arguido ainda estava a morar com a progenitora na zona de … e em liberdade condicional no âmbito do processo nº 9/11.9TXEVR-A do Tribunal de Execução das Penas de Évora, medida que terminou no dia 02-09-2021.

AA recebe uma pensão social de invalidez no montante de 350 euros atribuída pela Segurança Social e não exerce qualquer atividade profissional, embora tenha trabalhado ocasionalmente na apanha de uva enquanto viveu no distrito de …. Encontra-se numa situação de dependência da mãe, que também beneficia de prestações sociais, com um o quadro económico e habitacional que evidencia notórias fragilidades.

Natural da cidade de …, o processo de desenvolvimento do Arguido decorreu num ambiente familiar instável e desestruturado, tendo sete irmão de várias relações que a progenitora foi tendo ao longo dos anos. Não conheceu o pai, falecido quando o AA tinha 1 ano, e não beneficiou de adequada proteção materna, ainda que a mãe seja a sua figura afetiva de referência.

O Arguido sofreu uma meningite em criança que deixou sequelas a nível cognitivo. Só terminou o 1º ciclo do ensino básico quando frequentou um centro educativo entre 1995 e 1998S em cumprimento de uma medida tutelar educativa de que foi alvo após envolvimento em comportamentos delinquentes ainda muito jovem. AA foi referenciado desde criança pelos órgãos de polícia criminal e serviços sociais/e de justiça pela sua vivência de rua na sequência da negligência familiar que sofreu sempre.

AA tem um percurso de vida de grande precariedade pessoal e social, ora vivendo em barracas ou casas de amigos da mãe, e até na rua, sem respeito pelas regras sociais e sem hábitos de trabalho. Ocupava o seu tempo a deambular junto de pares delinquentes, consumindo drogas e praticando furtos, que estiveram na origem da sua primeira prisão em 2000, sendo posteriormente condenado pelo mesmo tipo de crimes a 17 anos de prisão (autos nº 304/03.3PALGS).

Esteve 14 anos preso (2004/18), no Estabelecimento Prisional do … e em …, onde sofreu várias sanções disciplinares e teve acompanhamento psiquiátrico, chegando inclusivamente a tentar o suicídio. Saiu aos 5/6 da pena em liberdade condicional em outubro de 2018 (…)

Durante este período que passou no distrito de … AA vivenciou um quotidiano complicado, com violência doméstica do padrasto para com a família, mas estes episódios cessaram com o suicídio do mesmo em dezembro de 2019. O Arguido trabalhou ocasionalmente nas vindimas e manteve sempre consultas de psiquiatria e medicação adequada para o seu quadro clínico, situação que mantém junto dos serviços de saúde em …, para onde regressou há 2 meses. Continua a consumir canábis de forma recreativa, hábito que mantém desde muito jovem.

Na entrevista realizada no nosso serviço pareceu clinicamente compensado e com um discurso relativamente coerente, embora de não responsabilização pessoal pelos factos descritos na presente acusação. (…)”

11 - O Arguido beneficia de tratamento psiquiátrico no Hospital de …, onde lhe é

administrada medicação injectável.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A questão (única) a decidir no presente recurso é se deve (ou não) a pena de prisão efectiva aplicada na decisão recorrida ser substituída por pena suspensa na sua execução.

*

B. Decidindo.

Questão (única) (3) - Deve (ou não) a pena de prisão efectiva aplicada na decisão recorrida ser substituída por pena suspensa na sua execução.

No caso dos autos, relativamente à pena de prisão efectiva aplicada, o tribunal a quo fundamentou tal aplicação (e, concomitantemente, a não aplicação de pena não privativa da liberdade) nos seguintes termos:

“Da ponderação de Substituição da Pena

Uma vez fixada a pena de prisão em certa medida, se a sua execução não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, ou se, face às penas de substituição legalmente previstas, o Tribunal concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, que a sua execução não seja indispensável para que não sejam postas em causa a tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (…)

Tendo sido fixada uma pena concreta de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, importa assim determinar, no presente caso concreto, se existem razões que levem o Tribunal a concluir que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.

(…)

Dado o exposto, e tendo em conta as considerações já tecidas supra, entende-se que, no caso sub judice, as necessidades de prevenção geral e especial do Arguido são muito elevadas, nomeadamente em função dos antecedentes criminais que o mesmo regista, principalmente respeitantes ao mesmo tipo de crime, mais cumprindo fazer alusão à circunstância de os factos em causa nos autos terem sido praticados durante o período de liberdade condicional referente a uma muito significativa pena única de prisão.

Não se ignora, é certo, que além das necessidades de prevenção geral, o Arguido demonstra elevadas necessidades de socialização e integração na sociedade, que o inibam de cometer novos crimes da mesma natureza (prevenção especial positiva), bem como não se ignorando as especificidades das condições pessoais e sociais do Arguido, nomeadamente as referidas no relatório social que lhe diz respeito, sabendo-se também que a reclusão tem naturalmente um efeito estigmatizante.

Contudo, sopesando todas as circunstâncias supra referidas, entende este Tribunal que, no presente caso concreto, a suspensão da execução da pena se considera insuficiente e desadequada às necessidades de prevenção reveladas pelo Arguido, afigurando-se improvável que a ameaça de prisão efectiva tenha um efeito dissuasor para o Arguido, no sentido de o inibir de praticar novos factos da mesma natureza (reveladora dessa improbabilidade é claramente a circunstância de o Arguido ter praticado o crime em causa nos autos no período de liberdade condicional de que beneficiava à data), ao que acresce ainda a tendência para a reincidência demonstrada pelo Arguido, o que faz com que se considere impossível fazer um juízo de prognose favorável acerca da suficiência da medida, razões pelas quais não se suspende a pena aplicada ao Arguido, impondo-se, por conseguinte, que o mesmo cumpra a pena de reclusão em contexto prisional.”

Desde já adiantamos que concordamos com a fundamentação exposta, que nos parece mencionar as razões nucleares da opção tomada de forma normativamente escorada no quadro legal aplicável.

No que respeita às razões invocadas pelo recorrente, dir-se-á:

Em primeiro lugar, importa salientar, desde logo, que a pretensão do recorrente de que lhe seja “aplicada uma pena próxima dos seus limites máximos, mas suspensa na sua execução por igual período” não tem, quanto ao primeiro segmento, qualquer apoio legal, não sendo admissível a fixação de penas “a pedido do arguido” e, mais do que isso, sendo ilegal por violação directa do disposto no art.º 409.º, n.º 1.

Quanto ao segundo segmento da mencionada pretensão, antes de mais, devemos atender à norma que define os respectivos pressupostos:

Artigo 50.º (4)

Pressupostos e duração

1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A operatividade do instituto depende, pois, da verificação de pressupostos formais e materiais (5).

Considerando que a pena fixada foi de 2 anos 6 meses de prisão, mostra-se preenchido o respectivo pressuposto formal.

Importa sublinhar que “o pressuposto material da suspensão da execução da pena é o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial”(6).

No caso dos autos, o muito substancial passado criminal do arguido, já acima caracterizado, inculca razões fortíssimas de prevenção especial impeditivas da ponderação de pena não efectivamente reclusiva.

Também é de referir a atitude de essencial insensibilidade do ora recorrente face à notória progressividade das penas em que foi sendo condenado, resultando, de forma especialmente impressiva, que o cumprimento até aos 5/6 da pesadíssima pena cumulatória em que foi condenado (17 anos de prisão) não teve qualquer efeito dissuasor da prática ulterior de mais um crime, sendo de sublinhar, como o faz a decisão recorrida, a circunstância, de valoração especialmente negativa, da prática do crime durante o período de liberdade condicional. A questão que se coloca é: se nem a limitação da liberdade condicional o afastou da prática de crimes, evidencia-se que a única pena que permite a protecção efectiva dos bens jurídicos (e recorde-se que o recorrente já praticou crimes de natureza violenta) e a reintegração do mesmo na sociedade (cfr. art.º 40.º, n.º 1 do C. Penal) é a reclusão em estabelecimento prisional, de forma a que o mesmo interiorize criticamente as razões que o levaram a delinquir, de forma a evitar a futura prática de (mais) crimes, não sendo de valorar aqui as assinaladas debilidades cognitivas, uma vez que não foram colocadas quaisquer questões relacionadas com a i(ni)mputabilidade daquele.

Quanto à peticionada “última oportunidade” para o recorrente “pautar a sua vida em conformidade com o respeito pelos valores vigentes”, entende-se que tal petição peca por irremediavelmente tardia, uma vez que, neste momento e reafirmando-se que o recorrente estava a ser testado na sua compatibilidade com uma vida livre em sociedade (liberdade condicional), a prevenção especial demanda a adopção de um propósito neutralizador, “por via do afastamento do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, pelo menos durante certo tempo” (7), ou seja, o tempo de cumprimento da pena decretada. Por último, entendemos que também razões de prevenção geral positiva exigem a escolha da pena de prisão efectiva, pois a criminalidade patrimonial traduzida na violação da intimidade residencial provoca um natural alarme social, pelo que só a aplicação de uma pena de prisão efectiva permitirá (após as condenações anteriores progressivas, como assinalámos) estabilizar contrafaticamente as expectativas da comunidade na validade e eficácia da norma violada (mais uma vez), pois o desprezo a que o ora recorrente votou os valores prosseguidos pela norma (especialmente a defesa do património das pessoas e a intimidade residencial) em detrimento dos seus interesses pessoais, traduz uma “infracção normativa e, por isso, uma desautorização da norma. Esta desautorização dá lugar a um conflito social na medida em que põe em questão a norma como modelo de orientação.” (8) Como é sabido, quanto a qualquer pena de prisão até cinco anos deve o julgador sempre justificar de forma especialmente robusta a necessidade de aplicação de uma pena de prisão efectiva, mas aqui essa necessidade impõe-se com clareza, pois qualquer outra pena não garantiria as finalidades da punição, o que se mostra adequadamente vertido na decisão recorrida.

Importa, pois, dar resposta negativa à questão colocada.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 21 de Junho de 2022

Edgar Valente

Laura Goulart Maurício

Gilberto da Cunha

1 Não consta nem do processo electrónico nem do processo físico a página 10 da motivação / conclusões de recurso.

2 Diploma a que pertencerão as menções normativas ulteriores, sem indicação diversa.

3 Apesar de o recorrente anunciar, no requerimento de apresentação do recurso, que o mesmo é de “Facto e de Direito”, a verdade é que, nem da motivação nem das conclusões, existe alusão a qualquer questão de facto.

4 Do Código Penal.

5 A terminologia é de Jorge de Figueiredo Dias, Novas e Velhas Questões Sobre a Pena de Suspensão de Execução da Prisão, RLJ, Ano 124, página 67.

6 Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, 2021, página 332.

7 José Adriano Souto de Moura, “Visitar Durkheim a Propósito dos Fins das Penas”, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2019, II, página 48.

8 Günter Jakobs in Derecho Penal, Parte General, Marcial Pons, Madrid, 1995, página 13