Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1478/18.1T8FAR.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
FUNDAMENTOS
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Afigura-se ser desnecessária a auscultação das partes antes de se aferir da deserção da instância nos casos em que efetivamente decorreu o prazo de seis meses a contar de ato por via do qual o processo passou a aguardar o impulso das partes, com o conhecimento destas, e se constata a total inércia processual;
- Verificando-se não ter ocorrido total inércia das partes e tratando-se de um processo de expropriação, que visa sejam realizadas justas indemnizações a quem foi privado de bens da respetiva titularidade e no âmbito do qual pode oficiosamente chamar-se ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, impõe-se a observância do princípio do contraditório consagrado no art. 3.º, n.º 3, do CPC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Expropriante: Águas do (…), SA

Recorridos / Expropriados: (…) e outros

Os presentes autos consistem em processo de expropriação relativo a parcela de terreno de prédio rústico sito na (…), da freguesia da Sé, no concelho de Faro.


II – O Objeto do Recurso

Comprovado no processo o óbito do expropriado (…) e tendo a expropriante já sido notificada da adjudicação da propriedade, a 24/05/2018 foi declarada a suspensão da instância ao abrigo do disposto nos arts. 41.º do Código das Expropriações e 269.º/1, al. a), do CPC.
Do que as partes foram notificadas.
A 12/11/2018, a Expropriante requereu a notificação dos Expropriados para procederem à junção da habilitação de herdeiros do falecido nos termos e para efeitos do disposto no artigo 351.º, n.º 1, do CPC.
O que foi deferido.
A 03/12/2018, os Expropriados (…) e (…) juntaram aos autos a Escritura de Habilitação de Herdeiros de (…).
A 18/12/2018 foi proferido despacho declarando que a instância permanece suspensa nos termos do artigo 269.º/1-a), do CPC, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção a que alude o artigo 281.º do CPC, dada a necessidade de ser deduzido o incidente de habilitação.
O que foi notificado às partes.
A 06/02/2019 a instância foi julgada extinta por deserção.

Inconformada, a Expropriante apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine o prosseguimento dos autos contra os Expropriados já devidamente identificados nos autos (…; … e Herdeiros de … constantes da sua respetiva Escritura de Habilitação de Herdeiros). Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«A) O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 06.02.2019, mediante a qual se considerou deserta a instância e, em consequência, se julgou extinta a lide e se determinou o arquivamento dos autos.
B) A Recorrente dividiu as suas Alegações em 3 (três) capítulos, designadamente: I. Considerações Introdutórias; II. Do Recurso “Stricto Sensu”, e III. Conclusões.
C) No âmbito do capítulo I. Considerações Introdutórias, a Recorrente procedeu a uma súmula da tramitação processual relevante subjacente aos presentes autos, tendo evidenciado que foi com surpresa que foi notificada do Despacho de 18.12.2018, nos termos do qual se considerou que “A mera junção da Escritura de Habilitação de Herdeiros não constitui (nem exclui a necessidade) de dedução do competente incidente, pelo que a instância permanece suspensa nos termos do artigo 269º/1-a), do CPC, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção a que alude o artigo 281º do CPC”,
D) E, ainda com mais surpresa, foi notificada da Sentença proferida em 06.02.2019, nos termos da qual se decidiu considerar deserta a instância e, em consequência, julgar extinta a lide, determinando o arquivamento dos presentes autos, com fundamento de que a instância se encontrava suspensa a aguardar impulso processual desde 24.05.2018,
E) Quando a Recorrente apresentou, em 12.11.2018, um Requerimento a requerer que os Recorridos fossem notificados para procederem à junção da respectiva Habilitação de Herdeiros do Expropriado falecido, (), nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 351.º do CPC,
F) Em 19.11.2018, o douto Tribunal a quo proferiu Despacho a notificar os Recorridos para indicarem os herdeiros do falecido, com a respectiva identificação completa, ou juntarem, caso existisse, certidão da respectiva habilitação de herdeiros,
G) E, em 03.12.2018, os Recorridos (…) e (…) apresentaram um Requerimento por intermédio do qual procederam à junção da Escritura de Habilitação de Herdeiros de (…), nos termos da qual constava que “o falecido não fez testamento nem qualquer disposição de última vontade, pelo que sucederam como únicos herdeiros: a) a sua mulher, (…) (…) e seus filhos: b) …, NIF (…); e c) …, NIF (…), ambos solteiros, menores, naturais da freguesia de Almancil, concelho de Loulé, e residentes com a sua mãe (…) Que não há outras pessoas que, segundo a lei, prefiram aos indicados herdeiros ou que com eles possam concorrer à referida sucessão”,
H) Motivo pelo qual a presente instância nunca poderia ser considerada deserta por se encontrar “suspensa e a aguardar o competente impulso processual há mais de 6 meses” a contar de 24.05.2018.
I) Nestes termos, veio a Recorrente demonstrar que a Sentença recorrida não só padecia de Erro de Julgamento na matéria de direito, como enfermava de nulidade por violação do Princípio da Proibição das Decisões Surpresa (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), e violação do Princípio do Contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC).
J) Neste sentido e a propósito do invocado Erro de Julgamento, começou a Recorrente por evidenciar que nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 353.º, do CPC, e ao contrário do preconizado pelo douto Tribunal a quo quer no seu Despacho de 18.12.2018, quer na Sentença de 06.02.2019, a mera junção de Escritura Pública de Habilitação de Herdeiros excluía a necessidade de dedução do competente incidente, não mais nenhum impulso processual caberia a Expropriante/Recorrente nesse sentido, na medida em que seria só seria útil proceder à abertura do Incidente de Habilitação de Herdeiros, caso a qualidade de herdeiros dos mesmos já não estivesse reconhecida judicial ou notarialmente.
K) Não obstante, e para o caso de assim não se entender, demonstrou a Recorrente – ainda que sem conceder – que não se poderia senão considerar que existindo impulso processual da Recorrente em 12.11.2018, então, só a partir dessa data, e não de 24.05.2018, é que se deveria (novamente) contar o prazo para efeitos do disposto no artigo 281.º, do CPC, não podendo Tribunal ignorar toda a tramitação processual ocorrida nos presentes autos após aquela data.
L) Mais evidenciou a Recorrente que na fase judicial do processo de expropriação o juiz deve participar activamente no esforço de determinar quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado, não podendo essa responsabilidade ser transferida integralmente para a entidade expropriante (cfr. determinado em sede de Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 22.11.2018, no âmbito do Processo n.º 412/17.0T8ORM.E1),
M) E que sempre caberia ao Tribunal a quo, em cumprimento do seu dever de gestão processual, chamar oficiosamente os herdeiros do Expropriado de (…) constantes da Escritura de Habilitação de Herdeiros junta as autos, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, suprindo, dessa forma, a (alegada) inércia ou negligência (de resto não verificada) da Expropriante, e evitando que a instância fosse julgada extinta (cfr. determinado por este Venerando Tribunal da Relação de Évora em 26.04.2018, no âmbito do Processo n.º 576/16.0T8ORM.E1).
N) Por conseguinte, e a propósito da invocada nulidade de Sentença por violação do Princípio da Proibição das Decisões Surpresa (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), e violação do Princípio do Contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC), veio a Recorrente evidenciar que julgamento daquela (alegada) inércia ou negligência (de resto não verificada) da Recorrente, nunca poderia ser sido apreciada pelo douto Tribunal a quo no sentido de considerar a instância deserta, sem antes ouvir as Partes, pois que o instituto da deserção não é automático, e nem o artigo 281.º, n.º 1, do CPC, consagra qualquer presunção de negligência de parte, pressupondo uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, por isso, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação (cf. determinado em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 14.06.2016, no âmbito do Processo n.º 4386/14.1T8CBR.C1; em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 27.04.2017, no âmbito do Processo n.º 239/13.9TBPDL-2, e em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 06.03.2018, no âmbito do Processo n.º 349/14.5T8LRA.C1).
O) Neste sentido, demonstrou a Recorrente Sentença em escrutínio surgia em absoluta violação daqueles enunciados Princípios, já que foi considerada deserta e extinta a instância, por (alegada) falta de impulso processual, sem que as Partes tenham tido oportunidade de se pronunciar sobre a mesma, e quando nada fazia prever tal decisão, em face dos subsequentes impulsos processuais ocorridos nos autos a partir de 12.11.2018.
P) Por último, evidenciou a Recorrente que não se poderia alegar que as Partes tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a questão decidenda quando da notificação do Despacho de 18.12.2018, pois que não só o mesmo comportava um erro de julgamento, como as Partes também nunca poderiam imaginar que a advertência final contida neste fosse no sentido de se julgar imediatamente deserta a instância, por alegada falta de impulso processual, desde 24.05.2018, quando existiu impulso processual por parte da Recorrente em 12.11.2018, e dos Recorridos em 03.12.2018 (e este em cumprimento do Despacho proferido pelo Tribunal a quo em 19.11.2018).
Q) Em face do exposto, concluiu a Recorrente que a Sentença recorrida deveria ser revogada, sem prejuízo das nulidades que sobre a mesma impendem, devendo ser substituída por Acórdão prolado que determine o prosseguimento dos autos contra os Expropriados já devidamente identificados nos autos (…; … e Herdeiros de … constantes da sua respectiva Escritura de Habilitação de Herdeiros).»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer das seguintes questões, salvo prejudicialidade decorrente do anteriormente apreciado:
- da nulidade da decisão;
- da falta de fundamento para julgar deserta a instância.


III – Fundamentos

A – Dados a considerar
Os elementos inerentes à tramitação processual a que se faz referência supra.

B – O Direito

Da nulidade da decisão
A Recorrente sustenta que a sentença é nula por violação do Princípio da Proibição das Decisões Surpresa e do Princípio do Contraditório.
Nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 3, do CPC, «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.» Trata-se de regime legal que visa impedir a prolação de decisões – surpresa, cujo desfecho e mesmo fundamentos não tenham sido ponderados pelas partes, que não tiveram como manifestar a sua posição perante eles.
À partida, a violação do princípio do contraditório constitui nulidade processual sujeita ao regime inserto nos arts. 195.º e ss do CPC. Por conseguinte, dela não cabe diretamente recurso, devendo ser arguida perante o respetivo tribunal decisor, no prazo de 10 dias – arts. 199.º e 149.º do CPC. O objeto de qualquer recurso não são nulidades processuais, mas antes decisões. Só posteriormente, no caso de discordância com o despacho que aprecie a arguição de nulidade, verificados que estejam os pressupostos para interposição do recurso, é que dessa decisão caberá recurso para o tribunal superior.
No entanto, verificando-se que a decisão foi proferida sem a audição que se impunha das partes, a referida nulidade, por se encontrar coberta, ainda que de modo implícito, por essa decisão judicial, acaba por se projetar nela, por a inquinar, ferindo-a de nulidade que consome a nulidade processual cometida, pelo que deve ser esgrimida em sede do recurso interposto dessa decisão.[1] Efetivamente, «sempre que o juiz, ao proferir a decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, o meio de reação da parte vencida passa pela interposição de recurso fundado na nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d)[2]. Afinal, nesses casos, (…), a parte prejudicada nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual emergente da omissão do ato, não podendo deixar de integrar essa impugnação, de forma imediata, no recurso que seja interposto de tal decisão.»[3]
A questão que se coloca é a de saber se a decisão que julgou deserta a instância é nula por o Tribunal não ter expressa e previamente auscultado as partes quanto ao respetivo fundamento.
Ora vejamos.
Nos termos do disposto no art. 281.º, n.º 1, do CPC, «(…) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.»
Trata-se de mecanismo que pretende combater a eternização dos processos quando a parte que está onerada com o impulso da instância revela desinteresse na tramitação destinada a prover a resolução do litígio. «Para a boa ordem dos serviços», verifica-se a necessidade de se não manter indefinidamente parados nos tribunais processos em relação aos quais as próprias partes deles se haviam desinteressado.[4]

A deserção da instância declarativa depende, assim, da falta de impulso processual durante mais de seis meses e da negligência da parte onerada com tal impulso processual. Está em causa «a negligência retratada ou espelhada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente). Se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência.»[5]
Se no anterior regime processual civil a deserção da instância pressupunha uma anterior interrupção da mesma instância, quando as partes, máxime o autor, tivessem o ónus de impulso subsequente, atualmente, «com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção. Sendo manifestamente injustificado o abandono da lide pelos seus sujeitos durante largos meses ou anos, o prazo de deserção da instância fixa-se agora em seis meses.»[6]
E porque se impõe a verificação da conduta negligente das partes, «A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator» – artigo 281.º, n.º 4, do CPC. A deserção deixou de verificar-se independentemente de qualquer decisão judicial.[7]
No que respeita à auscultação das partes antes de a instância ser julgada deserta, afigura-se ser a mesma desnecessária nos casos em que efetivamente decorreu o prazo de seis meses a contar de ato por via do qual o processo passou a aguardar o impulso das partes, com o conhecimento destas, e se constata a total inércia processual.
Como se pode ler no Ac. STJ de 14/12/2016[8], «a audição das partes visa evitar decisões oficiosas que implicam um fator de surpresa para as próprias partes, o que não sucede no caso de deserção pelo decurso do prazo de seis meses, pois é certo que, neste caso, é a própria lei que fixa um prazo, advertindo que ele constitui condição sine qua non de deserção da instância. Da lei resulta que, decorrido esse prazo, sem que nada seja requerido nos autos, o Tribunal não pode deixar de considerar verificada ipso facto uma situação de negligência e isto porque o Tribunal, para proferir a decisão, apenas se pode socorrer dos elementos que estão nos autos (quod non est in actis non est in mundo) e não dos elementos que os interessados podiam ter apresentado no processo que pudessem então viabilizar ao juiz considerar que, não obstante o decurso do prazo de seis meses, não ocorria situação de negligência. Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de 6 meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (art. 281º do CPC), não impondo a lei que, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.»
Secundando esta posição, o Ac. STJ de 22/02/2018[9] avança que «Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além do mais, recai sobre os sucessores (art. 351.º, n.º 1, do CPC), em face da clareza quer do início do prazo de 6 meses, quer das respetivas consequências a declaração de extinção da instância por deserção em tais circunstâncias (a total inércia das partes) não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação.»
No caso em apreço verifica-se não ter existido total inércia das partes. A Expropriante apresentou-se em juízo requerendo a notificação da parte contrária para juntar aos autos a habilitação de herdeiros. Ao que esta procedeu.
Se bem que tenha sido proferido despacho dando conta de que a instância continuava suspensa por ser necessário deduzir o incidente de habilitação, certo é que se impunha ouvir as partes a fim de aferir da negligência da conduta delas, mais concedendo a possibilidade de se pronunciarem sobre a data em que se cumpriria o prazo de 6 meses previsto no artigo 281.º, n.º 1, do CC.
Acresce que se trata de uma ação de expropriação.
Como é sabido, atento o regime processual específico da mesma, tem sido entendido, designadamente por este Tribunal, que «Na fase judicial do processo de expropriação o juiz deve participar ativamente no esforço de determinar quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado, não podendo essa responsabilidade ser transferida integralmente para a entidade expropriante.
(…)
Da interpretação conjugada das regras relativas à citação em processo civil e dos recursos da decisão arbitral em processo especial de expropriação, não resulta que a lei imponha à entidade expropriante o ónus de promover as diligências necessárias à citação, pois estas são incumbência da secretaria judicial, se necessário com intervenção do juiz do processo.»[10]
Mais este Tribunal asseverou que:
«I - Na ponderação a fazer para declarar extinta a instância por deserção, o juiz não pode deixar de considerar o dever de gestão processual que recai sobre si próprio, nos termos enunciados no artigo 6.º do Código de Processo Civil.
II - No processo de expropriação por utilidade pública vigora o princípio da legitimidade aparente dos interessados.
III - O juiz pode, oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, assim suprindo a inércia, erro ou negligência do expropriante e evitando que, por incompleta indicação por este dos interessados, a instância seja julgada extinta».[11]
O que não constitui entendimento isolado deste Tribunal.
A jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa assinala que, em função do carácter publicista do processo de expropriação e levando em linha de conta que tal processo só atinge o seu verdadeiro objetivo quando sejam entregues as justas indemnizações a quem se viu privado da respetiva propriedade, dispondo nos autos dos elementos necessários, deve oficiosamente proceder-se à habilitação dos herdeiros do expropriado falecido.[12] O juiz pode oficiosamente chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, designadamente no que respeita à fixação da indemnização.[13]
Considerações que revelam ser pertinente a auscultação das partes no caso em apreço, não obstante a prolação do despacho[14] que apontou a necessidade de ser deduzido o incidente da habilitação, já que se sobrepõe o princípio da legitimidade aparente dos interessados consagrados nos arts. 37.º, n.º 5 e 41.º do Código das Expropriações, para além de a questão contender com a regra da oficiosidade da citação.[15]
Decorre do exposto que:
- não se verificou a total inércia das partes;
- a concreta natureza do processo suscita questões de direito sobre as quais se impõe as partes tenham possibilidade de se pronunciarem.
Por conseguinte, neste concreto caso, impunha-se a observância do regime inserto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Ocorre, pois, nulidade da decisão nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
O que inviabiliza a apreciação do mais suscitado nesta instância de recurso.
Consigna-se não ser de lançar mão do regime inserto no art. 665.º do CPC. Se é certo que, através da alegação do recurso, a Expropriante avançou a sua pronúncia quanto às questões inerentes à deserção desta concreta instância, o processo não revela a posição dos Expropriados.

As custas não são devidas pela Expropriante, que alcança vencimento no recurso interposto; as custas não são devidas pelos Expropriados, que não pugnaram pela deserção da instância nem por ela são beneficiados, atento o concreto objetivo do processo de expropriação.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela anulação da decisão recorrida, determinando-se a prévia auscultação das partes no que respeita à deserção da instância, seguindo-se a prolação de decisão.
Sem custas, que não são devidas.
Évora, 27 de Junho de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Cfr., entre outros, Acs. TRL de 11/01/2011, STJ de 13/01/2005, TRP de 18/06/2007, TRE de 10/04/2014.
[2] Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, no caso da decisão-surpresa, proferida inobservando o princípio do contraditório, a nulidade processual é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não podia conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão – cfr. artigos publicados no blogippc.blogspot.pt, entre os quais “Dispensa da audiência prévia e observância do dever de consulta”.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, 2016, p. 25.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. 3.º, p. 432 e ss.
[5] Ac. STJ de 20/09/2016 (José Rainho).
[6] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, vol. I, p. 249.
[7] Cfr. art. 291.º do regime processual civil revogado.
[8] Relatado por Salazar Casanova.
[9] Relatado por Abrantes Geraldes.
[10] Ac. TRE de 22/11/2018 (Tomé de Carvalho), subscrito pela ora relatora como adjunta.
[11] Ac. TRE de 26/04/2018 (Manuel Bargado).
[12] Ac. TRL de 09/07/2015 (Maria Teresa Albuquerque).
[13] Ac. TRL de 18/01/2018 (Pedro Martins).
[14] Que não foi objeto de recurso juntamente com o recurso interposto da decisão final.
[15] Cfr. Ac. TRE já citado de 22/11/2018.