Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | LOCAL DE TRABALHO TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA REQUISITOS PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM ASSÉDIO LABORAL | ||
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Data do Acordão: | 09/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. O art. 196.º n.º 2 do Código do Trabalho impõe ao empregador o dever de concretizar, de forma objectiva e detalhada, os reais motivos que determinam a transferência do trabalhador do seu local de trabalho. 2. As sucessivas ordens de transferência, porque podem representar uma forma de assédio laboral, impõem exigência na verificação dos respectivos requisitos legais. 3. Essa exigência deve ser especialmente acrescida quando a primeira ordem de transferência foi julgada ilícita e a segunda foi determinada no próprio dia em que transitaria em julgado a sentença que impediu a execução da primeira. 4. Incumbe também ao empregador o ónus de provar que a transferência não causa prejuízo sério ao trabalhador, por se tratar de requisito constitutivo do seu direito. 5. A existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador, não bastando os simples transtornos ou incómodos. 6. Esse prejuízo sério existe numa ordem de transferência de Abrantes para Ponte de Sor (depois de ter sido julgada ilícita a anterior ordem de transferência para o Entroncamento), se entre aquelas localidades não existem transportes públicos que permitam à trabalhadora cumprir o seu horário de trabalho e a empregadora não provou que a trabalhadora dispunha de veículo próprio e o podia conduzir entre aquelas localidades. 7. Justifica-se a decretamento da providência cautelar que impede novas ordens de transferência, pois as sucessivas ordens de transferência são um indício de assédio laboral, e é esse risco que se pretende evitar. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Tomar, AA propôs procedimento cautelar comum contra Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A., formulando os seguintes pedidos: 1. Declarar que à Requerente deve ser reconhecido o direito de exercer a sua função no âmbito da sua categoria e no estabelecimento comercial PINGO DOCE, situado em Abrantes não lhe sendo exigida qualquer deslocação para outro estabelecimento; 2. Que não deve ser impedido o acesso ao Estabelecimento de Abrantes, para exercer a sua actividade profissional, de idêntica forma e nos mesmos termos que existia anteriormente a 22/04/2022, tal como sucedeu durante mais de vinte sete anos; 3. Que à Requerente devem ser reconhecidos todos os direitos com os inerentes deveres resultantes do contrato de trabalho firmado em 30/06/1995; 4. Devendo ainda, em consequência a Requerida não executar a ordem de transferência que tinha imposto à Requerente, ou qualquer outra que implique nova transferência, ou mesmo, se for considerada invalida (por nula) e ilícita a ordem de transferência da Requerente nos termos dos artigos 220º e 224º do Código Civil e 106º do Código do Trabalho, além do prescrito na cláusula primeira do contrato de trabalho, por não preencher os requisitos legais, independentemente da não aceitação, por parte da Requerente. 5. Decidir-se pela obrigação de aceitar a Requerente no seu posto de trabalho normal, em Abrantes, respeitando a actividade, horário, função e categoria que tem, nos termos inclusive da al. b) do n.º 1 do artigo 129º do Código do Trabalho. Alega que trabalha no estabelecimento da Ré em Abrantes desde 1995, e nessa cidade tem o seu domicílio pessoal. Em 2022 a Ré determinou a sua transferência para o estabelecimento do Entroncamento, ordem essa que veio a ser julgada ilícita. No dia em que regressou ao trabalho no estabelecimento de Abrantes, após a sentença judicial que declarou a ilegalidade daquela transferência, foi-lhe dada nova ordem de transferência, desta vez para o estabelecimento de Ponte de Sor. Argumenta que esta ordem também é ilícita e que lhe causa prejuízo sério. Ademais, revela desrespeito pela anterior sentença. Deduzindo a sua oposição, a Requerida argumenta que a nova ordem de transferência é lícita e não causa prejuízo sério à trabalhadora. Após julgamento, a sentença decidiu julgar procedente a providência cautelar, e: - Julgou ilegal a ordem de transferência do local de trabalho do estabelecimento PINGO DOCE, situado em Abrantes, para o estabelecimento PINGO DOCE, situado em Ponte de Sor, determinada pela requerida à requerente por se verificar prejuízo sério da segunda e em consequência proíbe-se a requerida de executar a ordem de transferência que tinha imposto à Requerente, ou qualquer outra que implique nova transferência; - Condenou a Requerida em reconhecer à Requerente o direito de exercer a sua função no âmbito da sua categoria e no estabelecimento comercial PINGO DOCE, situado em Abrantes não lhe sendo exigida qualquer transferência temporária para outro estabelecimento; - Condenou a Requerida a reconhecer que não deve ser impedido o acesso da Requerente ao estabelecimento de Abrantes, para exercer a sua actividade profissional, de idêntica forma e nos mesmos termos que existia anteriormente a 22/04/2022, tal como sucedeu durante mais de vinte sete anos; - Condenar a Requerida a reconhecer à Requerente todos os direitos com os inerentes deveres resultantes do contrato de trabalho firmado em 30/06/1995; - Condenar a Requerida a aceitar a Requerente no seu posto de trabalho normal, em Abrantes, respeitando a actividade, horário, função e categoria que tem. Recorre a Requerida e conclui: 1. A douta sentença recorrida concluiu pela procedência do procedimento cautelar em apreço. 2. Crê-se que a douta sentença incorreu em erro na apreciação da matéria de facto e na aplicação do Direito aos factos, bem como, a douta sentença proferida padece de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, als. d) e e) do CPC, aplicável ex vi, art. 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, porquanto, 3. A douta sentença recorrida decide: “- Julgar ilegal a ordem de transferência do local de trabalho do estabelecimento PINGO DOCE, situado em Abrantes, para o estabelecimento PINGO DOCE, situado em Ponte de Sor, determinada pela requerida à requerente por se verificar prejuízo sério da segunda e em consequência proíbe-se a requerida de executar a ordem de transferência que tinha imposto à Requerente, ou qualquer outra que implique nova transferência”. O sublinhado é nosso. Cfr. Fls. 26 e ss da douta sentença em crise. 4. Quanto à nulidade veja-se que a Recorrida requereu: “1 – Declarar que à Requerente deve ser reconhecido o direito de exercer a sua função no âmbito da sua categoria e no estabelecimento comercial PINGO DOCE, situado em Abrantes não lhe sendo exigida qualquer deslocação para outro estabelecimento.”. 5. A decisão recorrida exorbita do peticionado pela Recorrida, na medida em que determina, em sede de providência cautelar “proíbe-se a requerida de executar a ordem de transferência que tinha imposto à Requerente, ou qualquer outra que implique nova transferência”. O sublinhado é nosso. 6. O entendimento correcto do peticionado pela Recorrida reporta-se a ordem de transferência concreta, dada em 3 de Abril de 2023, de transferência da Recorrida do estabelecimento comercial, sito em Abrantes, para o sito em Ponte de Sor, sendo o objecto de apreciação a validade formal e substancial da referida ordem de transferência e não qualquer outra, que se possa equacionar. 7. O sentido preventivo e antecipatório da providência cautelar apenas se pode reportar à ordem de transferência em concreto e não a uma hipotética ordem futura, não podendo a decisão ser proferida com a amplitude que o foi, atenta a natureza meramente indiciária da prova a produzir, ao fazê-lo o douto Tribunal a quo exorbitou, quer em face do pedido, quer do âmbito indiciário da providência cautelar e, ao fazê-lo, incorreu em nulidade por excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso. Termos em que, se requer seja a douta sentença recorrida declarada nula e de nenhum efeito, com as legais consequências. 8. Caso assim se não entenda, a douta sentença recorrida incorreu em erro na interpretação da matéria de facto e na aplicação do Direito aos factos, entendendo a verificação da existência dos pressupostos de prejuízo sério e periculum in mora. 9. Da não verificação de prejuízo sério, ou direito ameaçado de lesão: a este propósito pronuncia-se o douto Tribunal a quo sobre o tempo acrescido de deslocação da Recorrida para o local de trabalho, em face do actual, pela ausência de transportes colectivos aptos à deslocação da Recorrida, e pela existência de apenas uma viatura no agregado familiar sendo a mesma utilizada pelo cônjuge da Recorrida. 10. O conceito de “Prejuízo sério” encontra-se clarificado na jurisprudência como determinando afectação substancial da organização pessoal e familiar do trabalhador, neste sentido veja-se o acórdão supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido, proferido pela Veneranda Relação de Coimbra, de 30 de Abril de 2019, proferido nos autos de processo n.º 1326/18.2T8CTB.C1, que teve como Relator o Juiz Desembargador Ramalho Pinto, disponível para consulta em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/886a56463d790b04802583f9003cae6c?OpenDocument; 11. No caso em apreço, o motivo principal de existência de prejuízo sério era a necessidade de acompanhar a filha da Recorrida a consultas de fisioterapia, que frequenta diariamente, a esse propósito ficou provado que tal acompanhamento é provido ou pela Recorrida, ou pelos pais da mesma – Cfr. Art. 29.º da factualidade dada como provada, termos em que a Recorrida não é o único elemento do seu agregado familiar susceptível de fazer o acompanhamento, sendo razoável presumir que já assim seria antes da ordem de transferência, pelo que tal argumento fenece como suporte do alegado prejuízo sério. Afigurando-se claro que a ordem de transferência não irá determinar a alteração da organização familiar a este propósito. 12. Ficou provado que a Recorrida e o seu cônjuge possuem viatura própria, e que o cônjuge trabalha em Alferrarede, consultando o site Google Maps, verifica-se que Alferrarede dista, da residência da Recorrida, aproximadamente 3 (três) quilómetros, pelo que se afigura que numa organização adequada dos meios de transporte comuns, de um agregado familiar, seria fácil a utilização da viatura própria pela Recorrida, atendendo a que a distância a percorrer pelo cônjuge seria inferior, e até possível sem recurso a meio de transporte. 13. Igualmente se não pode aceitar que não existem meios de transporte colectivos capazes de assegurar a deslocação da Recorrida porquanto a documentação junta aos autos pela própria demonstra a existência de opção ferroviária e rodoviária, acrescendo que a Recorrente sempre manifestou disponibilidade para acomodar os horários que se mostrassem necessários à Recorrida. 14. Igualmente, no que respeita ao documento junto aos autos quanto a transporte ferroviário se desconhece a actualidade do mesmo atendendo a que se refere ao ano de 2018. Cfr. Fls… dos autos. 15. A matéria de facto dada como provada, se devidamente enquadrada não apontaria para a existência de prejuízo sério, não se podendo confundir prejuízo sério do trabalhador com necessidade de percorrer maior distância ou demorar mais tempo na deslocação ao local de trabalho. A este propósito veja-se o Acórdão do STJ, publicado no BMJ 485.º - 239 supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido. 16. Termos em que se crê não existir cabal demonstração da existência de prejuízo sério ou direito ameaçado de lesão. 17. Da não verificação de periculum in mora, a este propósito a douta sentença, reporta-se ao facto de a Recorrida se encontrar de baixa médica, o que: “permite-nos presumir que poderá estar a enfrentar dificuldades”. Cfr. Fls 25 da douta sentença. 18. A prova indiciária não se confunde com presunções, tanto mais que nada nos autos foi demonstrativo que a baixa médica da Recorrida fosse decorrência da ordem de transferência. Não podendo entender-se, sem mais, que o motivo de ausência fosse motivado por acto ou facto praticado pela Recorrente. 19. Sendo o valor auferido por qualquer trabalhador em situação de ausência por incapacidade temporária para o trabalho, necessariamente, inferior ao auferido quando se encontra a prestar trabalho. Não podendo ser essa consequência assacada à Recorrente, não sendo assim fundamento de periculum in mora. 20. Termos em que deverão soçobrar ambos os pressupostos de decretamento da providência cautelar em apreço. 21. Consequentemente, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a existência de interesse sério da Recorrente, como aliás o alcança a douta sentença: “Dos factos indiciariamente apurados podemos aceitar que a requerente tem uma vaga de adjunto de loja de Ponte de Sor para preencher, o que se enquadra no motivo de interesse da empresa”, e não se mostrando preenchidos os pressupostos de direito ameaçado de lesão e dificuldade de reparação, rejeite a providência cautelar em apreço. A Requerente respondeu, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer, no sentido do recurso não ser provido. Cumpre-nos decidir. A sentença fixou a matéria de facto nos seguintes termos: 1. A Requerente firmou contrato de trabalho a termo certo já convertido em definitivo em 30/06/1995, com a sociedade DISTRIBATEJO – SUPERMERCADOS, LDA. 2. No âmbito desse contrato foi transferida para os quadros de pessoal de CUNHA & BRANCO – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., e posteriormente, para FEIRA NOVA – HIPERMERCADOS, S.A., desde 01/07/1997. 3. Do mesmo modo e em sequência, o estabelecimento comercial onde prestava serviço transitou por força da realização de fusão por incorporação daquela sociedade para PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A., a partir de 01/06/2009. 4. A Requerente presta a sua actividade no estabelecimento denominado PINGO DOCE situado em Abrantes, propriamente na Avenida Catorze de Junho, exercendo a categoria profissional de Operadora Principal, tendo por função Adjunta de Loja. 5. Do contrato de trabalho referido em 1), consta em 2) que “O segundo outorgante obriga-se a prestar a sua actividade profissional no estabelecimento sito na Encosta da Barata, Abrantes, com o horário de 44 horas por semana, dando desde já, o segundo outorgante, o seu acordo para qualquer eventual deslocação temporária em serviço da empresa ou no âmbito da sua formação profissional.” 6. A Requerente, desde 30/06/1995, que trabalha no mesmo estabelecimento do ramo de distribuição alimentar, ou seja, há cerca de 28 anos. 7. A Requerente propôs contra a Requerida acção de processo comum, que deu lugar ao processo n.º 1000/22.5T8TMR, que correu termos neste juízo do trabalho, J1. 8. Nesse processo, foi proferida sentença em 27/02/2023, ainda não transitada em julgado, com o seguinte dispositivo: “4. Decisão. 4.1. Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e decido: 1 – Reconhecer o direito da autora AA de exercer a sua função no âmbito da sua categoria e no estabelecimento comercial PINGO DOCE, situado em Abrantes; 2 – Condenar a ré a não impedir o acesso da autora ao Estabelecimento de Abrantes, para exercer a sua actividade profissional, de idêntica forma e nos mesmos termos que existia anteriormente a 22/4/2022; 3 – Condenar a ré a reconhecer os direitos da autora resultantes do contrato de trabalho firmado em 30/06/1995; 4 – Condenar a ré a não executar a ordem de transferência que tinha imposto à autora; 5 – E aceitar a Autora no seu posto de trabalho normal em Abrantes, respeitando a actividade, horário, função e categoria que tem. 4.2. Mais decido absolver a ré de tudo o mais que foi peticionado pela autora. 4.2. Condeno a R. a pagar as custas da acção. 4.3. Notifique. Extraía certidão do presente processo e remeta à ACT para os fins tidos por convenientes - artigo 129.º, n.º 1, alínea f), n.º 2, do Código do Trabalho”. 9. Nesso processo, foram julgados provados e não provados os seguintes factos: “2.1. Foram anteriormente julgados provados os seguintes factos com interesse para a decisão: A) A autora e a representante da Distribatejo – Supermercados, Lda., outorgaram um escrito denominado “contrato a termo certo” e datado de 30/6/1995; B) A autora declarou obrigar-se a prestar para tal firma a actividade de operadora ajudante de supermercado de 1.ª no estabelecimento sito na Encosta da Barata, em Abrantes; C) A autora declarou ainda o seu acordo para qualquer eventual deslocação temporária ao serviço da empresa ou no âmbito da sua formação profissional; D) A ré Pingo Doce – Distribuição Alimentar, SA., sucedeu na posição inicialmente assumida pela Distribatejo - Supermercados, Lda.; 2.2. Julgo agora provado que: E) No dia 22/04/2022, os representantes da ré indicaram à autora que teria de se apresentar no dia 02/05/2022 na loja Pingo Doce - Lameira, no Entroncamento; F) A autora declarou aos representantes da ré que se opunha a tal mudança, por lhe causar sérios prejuízos; G) No dia 27/04/2022, a autora remeteu por correio electrónico, dirigido ao Director dos Recursos Humanos, pedido de esclarecimento sobre o que havia sucedido na reunião e a indicada ordem para se apresentar no dia 02/05/2022 no referenciado estabelecimento; H) No dia 27/04/2022, a ré respondeu que a ordem de transferência é válida e produz efeitos a partir de 02/05/2022, ordenando a apresentação na loja Pingo Doce, no Entroncamento; I) A ré obrigou-se a pagar o valor de 0,15 € por quilómetro, a título de subsídio de transporte; J) A direcção de loja do Pingo Doce de Abrantes convocou a autora no dia 4/05/2022, para se apresentar neste estabelecimento para uma reunião no dia 9/05/2022, pelas 10 horas; K) Nessa reunião os representantes dos Recursos Humanos da ré disseram à autora que a sua transferência estava efectivada; L) E para entregar a respectiva chave de acesso ao Estabelecimento, à Directora do estabelecimento de Abrantes; M) No dia 9/05/2022, a ré escreveu à autora a declarar que a ordem de transferência devia ser cumprida a partir do dia 09/05/2025 (tendo por atenção as férias da Autora), e que a falta de apresentação ao trabalho na loja Pingo Doce – Entroncamento-Lameira a faria incorrer “em faltas injustificadas, bem como em violação do dever de cumprir as ordens e instruções da sua entidade empregadora”; N) A autora reside a cerca de 10 minutos a pé da loja de Abrantes; O) Aufere o vencimento base de € 984; P) A deslocação diária importa para a autora a despesa de cerca de € 7,5 em combustível; Q) Até ao dia 22-11-2022, a Autora não recebeu qualquer comunicação da Ré para regressar à prestação de trabalho na loja de Abrantes. 2.3. Não julgo provados quaisquer outros factos com interesse para a presente decisão, nomeadamente que: R) No dia 22/04/2022, os representantes da ré indicaram à autora que não mais regressaria ao estabelecimento de Abrantes; S) Ou que a ré informou a autora que a transferência seria temporária e pelo período de 6 meses; T) No decurso da reunião no dia 9/05/2022, os representantes dos Recursos Humanos da ré disseram à autora que era definitiva; U) A deslocação diária importa para a autora a despesa de € 5,5 em portagens; 10. Da fundamentação da douta sentença ficou a constar: (a sentença recorrida reproduz a fundamentação de direito da sentença proferida no processo n.º 1000/22.5T8TMR, o que dispensamos, por ser relevante o dispositivo da sentença, vinculativo para as partes). 11. Após esta sentença, retomou a Requerente em 03/04/2023 a sua actividade, na loja Pingo Doce em Abrantes (onde sempre esteve), mantendo a sua posição, funções e categoria, após lhe ter sido comunicado que só poderia comparecer nessa data, conforme email com o seguinte teor: “Bom dia AA, A sentença que foi proferida no seu processo ainda não se tornou obrigatória, pois apenas transita em julgado no dia 3 de Abril. Assim, e até indicações em contrário, não deverá apresentar-se para trabalhar. Obrigada Com os melhores cumprimentos, … Gestora Operacional Recursos Humanos Pingo Doce – Região Centro Tel: … Email: …@jeronimo-martins.com | www.jeronimomartins.com” 12. Nessa mesma manhã do dia 03/04/2023, foi-lhe dito que a chefe de loja e representantes dos Recursos Humanos da Requerida, pretendiam uma reunião pelas 14:00, desse dia. 13. Dizendo-lhe nessa reunião, que iria ser transferida para a loja PINGO DOCE em Ponte de Sor. 14. Argumentando que o adjunto de chefe de loja – que havia substituído a requerente aquando da ordem para ser transferida para a loja Pingo Doce do Entroncamento – residia em Torres Novas, e daí não se poder deslocar para Ponte de Sor. 15. E justificando ainda a transferência pela sólida experiência profissional e exercício de funções. 16. Pelo que, em virtude do indicado era comunicado nessa reunião que iria ser transferida para a Loja de PINGO DOCE de Ponte de Sor, sita na Av. António Rodrigues Carrusca, por uma duração previsível de 6 meses (a negrito), e que a comunicação produzia efeitos ao 8.º dia posterior à recepção da comunicação. 17. A Requerente, recusou-se a assinar a respectiva comunicação na data da reunião, sendo que a mesma lhe foi enviada por carta registada e foi recepcionada a 10/4/2023. 18. A Requerente, enviou carta e email à Requerida, com o seguinte teor: “AA Rua …, … Abrantes Abrantes, 12 de Abril de 2023 Carta Registada com Aviso de Recepção + Email Exmos. Srs. da Direcção de Recursos Humanos PINGO DOCE Rua Actor António Silva, n.º 7 1649 – 033 Lisboa ASSUNTO: V. Ref.ª: Transferência para a loja PD – Ponte de Sor. Carta datada de 31/03/2023, recebida a 10/04/2023. Exmo. Sr. Director dos Recursos Humanos Pingo Doce Como é do V. conhecimento, a transferência do local de trabalho que me foi comunicada, alude à Sentença datada de 27/02/2023, proferida no âmbito do processo n.º 1000/22.5T8TMR. Tendo anteriormente V. Exas indicado que a Sentença transitada em julgado do dito processo, se tornava definitiva a 03/04/2023, e tendo retomado a minha actividade a 04/04/2023 na loja de Abrantes, que nesse mesmo dia tenha sido chamada para reunião da parte da tarde, onde me foi comunicado da minha transferência para a Loja de Ponte de Sor, sendo certo que me foi enviada carta, com registo e aviso de recepção, conhecida a 10/04/2023, presumindo, atento o seu teor que no próximo dia 18/04/2023 prestasse a minha actividade no PD de Ponte de Sor. Esclareço no entanto que continuarei a prestar a minha actividade no PD de Abrantes, apresentando-me ao serviço, conforme ordenado no processo judicial indicado. Entendo no entanto, que pese embora a imposição do Tribunal de Trabalho, o V. comportamento revela a forma persecutória, desrespeitadora da decisão judicial e o reflexo de uma intimidação ímpar, com o objectivo de me perturbar e constranger, afim de evitar a minha actividade na V. empresa. Manifesta-se desde já a não concordância e a minha oposição nos termos do artigo 194º do Código do Trabalho, bem como em face do que é referido, quer no CCT, quer do indicado no meu Contrato de Trabalho. Esta oposição baseia-se também no facto da indicada transferência me causar prejuízo sério, e por outro lado, como é do V. conhecimento, não haver um interesse sério da empresa que justifique a respectiva transferência. De facto este prejuízo sério não é relevante nem pode ser sequer devidamente considerado, tendo em atenção, quer a motivação que foi confessadamente indicada por vós na indicada acção judicial, sobre a necessidade de Formação, quer inclusive pelo facto de certamente havendo milhares de funcionários facilmente obterem quem se permita na dita transferência. Aliás, cabe registar que o vosso critério de transferência de local se relaciona também – o que não foi devidamente considerado aquando da pretensão da minha transferência para o Entroncamento – também com a proximidade, sendo certo que se trata de um Distrito diverso e que o local dista entre a Loja PD de Ponte de Sor e a minha residência mais de 50Km, o que significará mais de 100Km diários. Há também um prejuízo sério atento o facto que tal transferência me causa, como é do V. conhecimento há mais de 25 anos, e foi amplamente indicado no processo a que fazem referência. É em Abrantes que tenho há mais de 25 anos o centro estável da minha vida, sendo que os meus familiares dependem da minha proximidade, nomeadamente por questões médicas, e auxílio, e porque, em especial não tenho meios de deslocação para a Ponte de Sor. Como é do V. conhecimento, os transportes públicos são escassos entre Abrantes e Ponte de Sor, não permitindo a compatibilização com os meus horários, ou mesmo com a duração diária do horário de trabalho. Por outro lado ainda, haverá um enorme e sério prejuízo económico que se torna insuportável, tendo em atenção o vencimento. Aliás, sempre se regista que para efectuar essa deslocação e tendo em atenção os horários dos transportes públicos que seguramente não desconhecem, haverá necessidade de a deslocação se efectue de táxi, necessariamente, quer aquando da ida, quer aquando da volta. Por último cabe indicar que o meu contrato de trabalho apenas refere a anuência na deslocação e não na transferência, o que tendo tal facto em consideração, resulta em clara afectação e não permissão do que é indicado no meu contrato de trabalho, que recordo, data de 30/06/1995. Não aceitando, nem podendo tolerar a indicação de transferência para o PD de Ponte de Sor, e sendo certo que tal apenas resulta no carácter persecutório de me abalar psicologicamente e tendo apenas como objectivo o meu afastamento definitivo da empresa, não deixo de recordar o que foi indicado no processo judicial acima referido, sendo que tão pouco se compreende como foi alegado da minha necessidade de Formação Profissional e ora é referido a minha experiência para justificar a dita transferência. Neste sentido, mantendo a oposição, e sendo certo que me apresentarei ao serviço no PD de Abrantes, sempre se questiona V. Exa, de todo o modo, se; a) Irão disponibilizar táxi diariamente, com ida e regresso? b) Se, aquando da indicação da minha deslocação para o PD do Entroncamento já se encontrava premente a falta de um adjunto no PD de Ponte de Sor; c) Se o perfil que me foi atribuído no âmbito do processo mencionado, não contradiz a indicada sólida experiência profissional, como aliás se reflecte, quer da avaliação da Chefe de Loja de Abrantes, quer da necessidade de Formação Profissional, que as V. testemunhas aludiram persistentemente e foi referido inclusive em termos de Sentença. Aguardo pois a resposta expressa a estas questões, reservando-me no direito de não aceitar a transferência para o PD de Ponte de Sor, tendo por atenção o meu prejuízo sério e o disposto no Contrato de Trabalho, CCT e Código do Trabalho, bem como os motivos acima indicados. AA”. 19. Ao que foi respondido pela Requerida, por email: “Isto significa que amanhã, dia 13 de Abril, deverá apresentar-se na loja de Ponte de Sor, conforme ali transmitido, e já não na loja de Abrantes”. 20. Por carta datada de 14 de Abril e recepcionada a 18 de Abril, foi também pelo Pingo Doce, dito que: “Compreendemos, genuinamente, os circunstancialismos pessoais e profissionais que indica; porém havendo necessidade da Empresa em ter a posição de Adjunto daquela loja assegurada e, estando certos de que nada obsta a que esta transferência se realize, não nos resta alternativa que não seja reiterar a ordem que lhe foi dada e que produziu efeitos a 13.04.2023.”. 21. A requerente de novo respondeu a 28/04/2023, conforme consta do documento a fls. 95 e 96, para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para os legais efeitos. 22. É aplicável às partes o contrato colectivo celebrado entre a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, com alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 25, de 8 de Julho de 2016, com rectificação publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, de 15 de Agosto de 2016, e portaria de extensão n.º 55/2017, publicada no Diário da República n.º 26/2017, Série I de 2017-02-06. 23. Um adjunto de loja em Ponte de Sor cumpre horários rotativos, das 07h às 17h ou das 13h às 22h, de segunda-feira a domingo e incluindo aos feriados. 24. As lojas de Abrantes e Ponte de Sor distam entre si cerca de 35 kms. 25. A requerente e o marido apenas dispõem de um veículo automóvel. 26. O marido da Requerente trabalha em Alferrarede, local para onde se desloca diariamente no veículo automóvel do casal. 27. Os transportes públicos colectivos de Abrantes para Ponte de Sor e de Ponte de Sor para Abrantes são incompatíveis com o horário referido em 23) e muito reduzidos aos fins de semana, feriados e períodos de férias escolares. 28. A Requerente tem em Abrantes o seu centro de vida. 29. A Requerente ou os seus pais têm de acompanhar a filha da primeira à fisioterapia que ocorre com periodicidade diária. 30. A Requerente, não se apresentou para trabalhar no estabelecimento da requerida em Ponte de Sor, estando de baixa médica. 31. A ordem de transferência da Requerente para Ponte de Sor visa preencher uma vaga de ajunto de loja nesse estabelecimento. 32. A Requerida entende que a Requerente tem melhores condições para preencher essa vaga visto o outro Adjunto de Loja de Abrantes residir em Torres Novas. 33. No estabelecimento da requerida em Abrantes trabalham dois adjuntos de loja, designadamente o já mencionado que reside em Torres Novas e outro com pelo menos um filho menor. 34. A requerida garantiu à requerente o pagamento das deslocações em veículo próprio, em valor não apurado ou o valor do preço do uso de transportes públicos colectivos. APLICANDO O DIREITO Da transferência temporária da trabalhadora A questão essencial colocada no recurso respeita à legalidade da transferência da trabalhadora, da loja de Abrantes para a de Ponte de Sor, a qual, de acordo com a carta que lhe foi dirigida, teria “uma duração previsível de 6 meses.” Face ao contrato individual de trabalho celebrado pela trabalhadora em 30.06.1995, esta obrigou-se a prestar a sua actividade no estabelecimento de Abrantes, dando o seu acordo para qualquer “deslocação temporária em serviço da empresa ou no âmbito da sua formação profissional.” A trabalhadora exerceu as suas funções na loja de Abrantes durante mais de 27 anos, até que recebeu uma ordem de transferência para o Entroncamento e, após a sentença que a julgou ilícita, nova ordem de transferência, desta vez para Ponte de Sor, recebida no próprio dia em que transitaria em julgado a anterior sentença e se apresentou na loja de Abrantes. De acordo com o art. 194.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho, o empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, quando motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador. No caso, Requerida invocou como motivo da transferência a circunstância do adjunto da loja de Abrantes, que havia substituído a Requerente aquando da ordem para ser transferida para o Entroncamento, residir em Torres Novas, e daí não se poder deslocar para Ponte de Sor. Por outro lado, a posição de adjunto estava vago na loja de Ponte de Sor, e a Requerente tinha o perfil e as competências adequadas para ocupar essa posição. Preliminarmente, observa-se que a Requerida invoca como motivo da transferência um acto ilícito por si praticado – a posição de adjunta na loja de Abrantes era detida pela Requerente até à ordem de transferência para o Entroncamento, e foi na sequência dessa ordem, julgada ilícita, que a Requerida colocou nessa posição outro trabalhador. Ademais, a decisão proferida na anterior acção obrigava a Requerida a reconhecer o direito da Requerente de exercer a sua função no âmbito da sua categoria no estabelecimento de Abrantes, nos mesmos termos que existiam anteriormente a 22.04.2022, aceitando a trabalhadora no seu posto de trabalho normal em Abrantes, respeitando a actividade, horário, função e categoria que ali detinha. Esta era a injunção a que a Requerida estava sujeita, não podendo invocar que o lugar da Requerente já estava preenchido por outra pessoa, precisamente porque tinha a obrigação de repor a situação que existia anteriormente a 22.04.2022. Acresce que a ordem não justifica, de forma suficiente e esclarecedora, a necessidade de ser colocado um adjunto de loja em Ponte de Sor e da impossibilidade de ali ser colocado um trabalhador com perfil para essas funções. Menciona, apenas, que ainda não se conseguiu recrutar um candidato com o perfil e a experiência adequadas, o que é manifestamente genérico e pouco ou nada esclarece sobre os concretos esforços realizados pela Requerida para preencher esse lugar. Realizou concursos, anunciou a vaga, ou proporcionou formação a outros trabalhadores, residentes em Ponte de Sor ou próximo dessa cidade, para desempenharem essa função, e mesmo assim não conseguiu preencher o lugar? E porque é que esta situação exige a transferência da trabalhadora para Ponte de Sor durante seis meses? Demora tanto tempo a recrutar um trabalhador em Ponte de Sor para exercer a função de adjunto de loja e proporcionar-lhe a necessária formação? Por outro lado, se o adjunto que ocupou o lugar da trabalhadora em Abrantes, reside em Torres Novas, qual o motivo porque não foi ele colocado no Entroncamento, cidade que fica a escassos quilómetros de distância do domicílio daquele trabalhador? Na verdade, o lugar de adjunto no Entroncamento estava vago, porque a Requerente não o ocupou e regressou a Abrantes, pelo que a empregadora, se pretendia proceder a uma criteriosa gestão dos seus recursos humanos, o que tinha a fazer era colocar o adjunto residente em Torres Novas a trabalhar mais perto de casa… Sobre estas questões a Requerida nada esclarece, e assistia-lhe o dever de fundamentar o motivo da transferência da Requerente para Ponte de Sor. Repare-se que o art. 196.º n.º 2 do Código do Trabalho impõe ao empregador o dever de concretizar, de forma objectiva e detalhada, os reais motivos que determinam a transferência do trabalhador. Como já se decidiu na jurisprudência, “Esse dever de fundamentação visa garantir, caso haja divergência que venha a ser submetida à apreciação judicial, que a montante o trabalhador e os tribunais possam aferir da conformidade da decisão do empregador com os limites imposto por lei, nomeadamente, deve permitir que dela se extraia a existência real e a razoabilidade do motivo do interesse do empregador que justifica a transferência, bem assim as razões que exigem que seja quele trabalhador e não outro (quando existirem outros trabalhadores) a ser transferido.”[1] Neste sentido, Júlio Gomes ensina o seguinte: «A necessidade da empresa e as justificações apresentadas devem ser ponderadas atendendo ao eventual prejuízo que o trabalhador transferido pode vir a sofrer. Uma transferência tanto pode não causar qualquer prejuízo a um trabalhador (pode até ser benéfica para este), como causar-lhe um prejuízo mais ou menos grave em função da situação concreta. (…) Muito embora a questão seja controversa, parece-nos que o que está em jogo é uma questão de exigibilidade do sacrifício tendo em atenção, de um lado a seriedade do interesse da empresa e, do outro, a intensidade do prejuízo para o trabalhador. Afigura-se-nos, pois, que será exacta, também entre nós, a reflexão de PIETRO ICHINO de que a faculdade de mudança de local de trabalho exige como sua justificação um interesse da empresa tanto mais intensa, quanto maior for o sacrifício para o trabalhador. Se o empregador deve ponderar o sacrifício que exige ao trabalhador que pretende transferir e deve justificar a sua decisão, parece que, havendo vários trabalhadores igualmente qualificados e aptos a preencher o novo posto de trabalho, a escolha do empregador não pode ser discricionária ou arbitrária, mas é de algum modo vinculada, devendo, em princípio, escolher-se aquele para quem a transferência representa um menor sacrifício. Caso não seja esse o escolhido, não parece sequer excessivo impor à entidade patronal um ónus de justificação suplementar – explicar as razões da sua opção – até porque uma transferência (e, sobretudo, transferências temporárias sucessivas do mesmo trabalhador) pode representar uma modalidade de mobbing.»[2] Precisamente porque uma ordem de transferência – e, em especial, as sucessivas ordens de transferência – podem representar uma forma de assédio laboral, é que devemos ser exigentes na verificação dos respectivos requisitos legais, impondo à empregadora o dever de fundamentar, de forma objectiva e detalhada, o motivo do interesse da empresa que exige a transferência do trabalhador. E essa exigência deve ser especialmente acrescida numa situação como a dos autos, com sucessivas ordens de transferência, a primeira já julgada ilícita e a segunda a ser determinada no próprio dia em que transitaria em julgado a sentença que impediu a execução da transferência para o Entroncamento. Quanto ao requisito da transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador, acompanhamos a jurisprudência que defende que o respectivo ónus de alegação e prova assiste ao empregador, por também se tratar de requisito constitutivo do seu direito a transferir o trabalhador.[3] Na doutrina, assim se pronunciou Catarina de Oliveira Carvalho, escrevendo o seguinte: «A admissibilidade de a entidade patronal proceder a uma transferência individual de local de trabalho está dependente da verificação de um interesse da empresa e da inexistência de “prejuízo sério” para o trabalhador envolvido. Trata-se, portanto, de um direito do empregador cuja constituição depende também do preenchimento do seu pressuposto negativo – a ausência de prejuízo sério. Assim, por força das regras gerais de repartição do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil), cabe ao empregador provar que a transferência não causa prejuízo sério ao trabalhador afectado, assim como a existência de um interesse da empresa. De outro modo, como conseguiríamos fundamentar, face às regras gerais de distribuição do ónus da prova que a verificação de um dos pressupostos do direito de modificação do local de trabalho (interesse da empresa) recai sobre o empregador, enquanto o outro (inexistência de prejuízo sério) recai sobre o trabalhador? E qual o sentido a atribuir, neste contexto, ao dever de fundamentação imposto pelo artigo 317.º? É que, como afirma António Vallebona, a consagração de uma regra de justificação necessária do exercício do poder patronal comporta sempre a imposição do respectivo ónus probatório ao empregador.»[4] A existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador, não bastando os simples transtornos ou incómodos. A sentença considerou que existia prejuízo sério na transferência da trabalhadora para Ponte de Sor, expondo a seguinte argumentação: «a Requerente não tem veículo automóvel que possa usar para se deslocar para Ponte de Sor, não sendo exigível que tenha de ser a própria a arranjar outro ou o marido a arranjar alternativa para se deslocar para o trabalho, pois esse entendimento é obstaculizado pelo prejuízo sério que se verifica, nem é possível à Requerente cumprir as funções de adjunta de loja em Ponte de Sor, transportando-se em transporte público colectivo, visto estes não serem compatíveis com o seu horário e nem sequer com um horário de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira (sendo que um adjunto de loja trabalha também aos fins de semana e feriados).» A Requerida argumenta que a Requerente deveria passar ela a utilizar o veículo, retirando-o ao marido, visto que este trabalha mais perto de casa e pode ir a pé ou de transporte público. Salvo o devido respeito, a Requerida não tem de se imiscuir na organização familiar da sua trabalhadora. Nem o marido da Requerente é trabalhador da Requerida, não estando sujeito às suas ordens e interesses, pelo que esta não lhe pode impor outro meio de transporte nas suas deslocações para o seu trabalho. O que temos é que o casal apenas tem um veículo automóvel e esse é utilizado pelo marido da Requerente. Não é utilizado pela Requerente, e existem vários motivos para isso suceder: por exemplo, não basta ter um veículo para se poder conduzir, é necessária carta de condução. Provou a Requerida que a sua trabalhadora tem carta de condução para poder conduzir o veículo, como era seu ónus probatório? Não, e nem sequer alegou esse facto. Quanto a transportes públicos, os factos são evidentes: um adjunto de loja em Ponte de Sor cumpre horários rotativos, das 07h às 17h ou das 13h às 22h, de segunda-feira a domingo e incluindo aos feriados, mas os transportes públicos colectivos de Abrantes para Ponte de Sor e regresso são incompatíveis com esse horário e muito reduzidos aos fins de semana, feriados e períodos de férias escolares. Basta consultar os horários dos comboios e dos autocarros, juntos aos autos, para se perceber que assim é. Frisando, mais uma vez, que à Requerida assiste o ónus de prova da transferência não implicar prejuízo sério para a sua trabalhadora, resta-nos concluir que também não logrou cumprir esse desiderato. Em consequência, os dois requisitos previstos no art. 194.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho para legitimar a ordem de transferência da trabalhadora não foram demonstrados pela Requerida, pelo que bem decidiu a sentença recorrida ao pronunciar-se pela ilegalidade daquela determinação da empregadora. Argumenta a Requerida, ainda, com a inexistência de periculum in mora, pois a Requerente está de baixa médica, não lhe causando assim prejuízo a ordem de transferência. A este respeito, temos a observar que não se sabe se a incapacidade da Requerente para o trabalho é temporária ou definitiva, e também não está demonstrado qualquer facto que indicie a suspensão do seu contrato de trabalho. Está apenas provada a baixa médica, e quando esta terminar a trabalhadora terá de cumprir a ordem de transferência. Neste aspecto, acompanhamos as judiciosas observações tecidas na sentença recorrida, quando escreve o seguinte: «a decisão de transferência da Requerida surgiu depois da decisão judicial e ao que parece, é seu entendimento, não permitir que a Requerente volte para o seu posto de trabalho em Abrantes, pois na sua perspectiva, poderá sempre transferir a Requerente para outro estabelecimento, desde que nesse esteja vago o posto de trabalho de ajudante de loja, pois é essa a sua interpretação da sentença proferida, sendo para si não relevante o facto de nessa decisão também se ter decidido “Reconhecer o direito da autora AA de exercer a sua função no âmbito da sua categoria e no estabelecimento comercial PINGO DOCE, situado em Abrantes; e, Condenar a ré a não impedir o acesso da autora ao Estabelecimento de Abrantes, para exercer a sua actividade profissional, de idêntica forma e nos mesmos termos que existia anteriormente a 22/4/2022.” Este entendimento da Requerida, permitir-lhe-á sempre, andar sucessivamente a transferir a requerente, ficando esta sucessivamente de baixa, com a inerente perda de retribuição, como já está a suceder com a decisão referida nos factos indiciariamente provados, sendo necessário, por isso, acautelar o perigo de ineficácia da decisão que vier a ser proferida. Estes factos, fundamentam, o justo receio e a difícil reparação, até porque não estão a permitir à Requerente o que a mesma efectivamente pretende que é continuar na loja de Abrantes, como sempre esteve desde há cerca de 28 anos e como aliás lhe foi reconhecido pela sentença referida nos factos provados.» De facto, não é apenas a ilegalidade da nova ordem de transferência, é também a sucessão de ordens de transferências ilegais que impõem a providência, com a exacta medida como foi tomada. Recordando, mais uma vez, que as sucessivas ordens de transferência são um indício de assédio laboral, é esse risco que se pretende evitar, tanto mais que já temos o exemplo da anterior ordem de transferência, que no próprio dia em que transitaria em julgado a sentença que a julgou ilegal, foi substituída por outra ordem de transferência, igualmente infundada. Não argumente a Requerida, também, com a nulidade da sentença por excesso de pronúncia: a sentença julgou a causa de pedir e o pedido tal qual como este foi formulado e com a sua exacta amplitude. O litígio não se restringe, apenas, à ordem de transferência de 03.04.2023, é mais do que isso: o constante impedimento da trabalhadora retomar o seu posto de trabalho em Abrantes, onde trabalhava desde 1995, é o que motiva a acção e dita a providência tomada. Será, pois, a sentença confirmada, porque é justa, equilibrada e faz cumprir a lei. DECISÃO Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida. Custas pela Requerida. Évora, 14 de Setembro de 2023 Mário Branco Coelho (relator) Emília Ramos Costa Paula do Paço __________________________________________________ [1] Acórdão da Relação do Porto de 18.11.2019 (Proc. 1512/19.8T8MAI.P1), em www.dgsi.pt. [2] In Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, 2007, págs 642 e segs. [3] Assim foi decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.02.2009 (Proc. 08S2573), da Relação de Lisboa de 05.06.2013 (Proc. 107/13.4TTBRR-A.L1-4), da Relação de Lisboa de 20.04.2016 (Proc. 107/13.4TTBRR.L1-4), e da Relação de Coimbra de 30.04.2019 (Proc. 1326/18.2T8CTB.C1), todos publicados em www.dgsi.pt. [4] In “A mobilidade geográfica dos trabalhadores no Código do Trabalho”, publicado VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias – Coordenação do Professor Doutor António Moreira, Almedina, 2004, págs. 61 e segs. |