Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SILVA RATO | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ENTREGA DE MENOR A TERCEIRO | ||
Data do Acordão: | 11/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Na regulação do exercício das responsabilidades parentais o quadro de análise deve ter por matriz o superior interesse do menor, que deve prevalecer sobre os direitos processuais das partes, e de qualquer outro formalismo processual, na medida do necessário para atingir tal desiderato. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc. N.º 3379/14.3TBVFX-C.E1 (Apelação) Comarca de Santarém (Santarém-IC-1ªSFM-J2) Recorrente: (…) Recorridos: M.º P.º e Outros R 77.2015 I. Nos presentes autos de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais relativos ao menor (…), em que é Requerente Ministério Público e são Requeridos (…) e (…), a irmã do menor, (…) veio requerer a atribuição de carácter urgente a este processo e a prolação de decisão provisória que lhe atribua a guarda e exercício das responsabilidades parentais. Por Despacho de 29/07/2015, com a ref.ª 68569991, foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, o tribunal decide: - Atribuir carácter urgente aos presentes autos; - Alterar, a título provisório, o exercício das responsabilidades parentais relativas a (…), para o seguinte: O exercício das responsabilidades parentais quanto a todos os assuntos, da vida corrente ou de particular importância, ligados à saúde, educação, sustento e segurança ficam a caber à sua irmã (…), com quem residirá, ficando o remanescente a caber à sua mãe (…); Os pais do menor poderão estar com o mesmo, quando este se encontre em Portugal, sempre que o desejarem, mediante aviso prévio a (…) com antecedência não inferior a 24 horas; Os pais do menor ficam obrigados a pagar, cada um, a quantia de € 75,00 mensais, até ao dia 8 do mês a que disser respeito, através de cheque ou transferência bancária para a conta a indicar por (…); Comunique, após trânsito, à Conservatória do Registo Civil competente.…” Inconformada com tal decisão, veio a Requerida interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões: “1 – O Tribunal a quo, a pedido da requerente (…), atribuiu-lhe exercício provisório das responsabilidades parentais do menor (…). E consequentemente autorizou a ida deste para a Bélgica com a irmã. Pais onde passarão a residir. 2 – Todavia com a irmã para a tal decisão apenas foram todas em linha de conta declarações da requerente (…). 3 - Não tendo sido, a fim de corroboração das mesmas, requerido nos termos do disposto no artigo 147º-B da OTM quaisquer informações e inquéritos junto do serviço de segurança social Belga, por referência para onde a requerente irá residir, quanto às condições familiares, económicas da requerente assim como das condições da habitação na qual irão residir. 4 – Afigurando-se tais informações essenciais para apurar da veracidade das declarações da requerente. 5 – Pois que a verificar-se pela inexistência de condições familiares, económicas e habitacionais da requerente no local para onde pretende ir residir com o menor, ou seja na Bélgica, tal facto porá em risco o bem-estar o menor. Situação esta que se pretende assegurar. 6 - Para além do que, e antes de tal decisão, estava atribuída à requerida (…) o exercício da regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor (…). 7 – Pelo que é o depoimento da requerida (…) imprescindível para a tomada de decisão de alteração das responsabilidades parentais. 8 – Acontece que apenas a requerente (…) e o menor (…) prestaram declarações. 9 – Existindo deste modo uma evidente violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes. Pelo que foi violado o disposto no disposto nos artigos 3º e 4 do CPC e ainda o disposto no artigo 147º-B da OTM. Termos em que deve ser revogada a douta decisão recorrida. …” O M.º P.º deduziu contra-alegações, em que concluiu nos seguintes termos: 1 - A decisão recorrida que decidiu atribuir a (…), irmã do menor (…), a titularidade do exercício das responsabilidades parentais sobre o menor no que toca aos assuntos de particular importância para a vida do mesmo, não violou o princípio do contraditório nem o princípio da igualdade das partes; 2 - Considerando que se tratou de decisão provisória, com carácter urgente, e que todos os elementos juntos ao processo confluíam de forma unânime no sentido do exercício das responsabilidades parentais ser atribuído à irmã do menor, tendo inclusivamente a progenitora e ora recorrente outorgado procuração e autorização nesse sentido, especificando que o menor podia residir na Bélgica com a irmã, não se afigura que se impusesse ao tribunal a audição prévia da recorrente dado ser conhecida a sua posição sobre a matéria em apreciação na decisão recorrida; 3 - No que concerne à obtenção de elementos sobre as condições pessoais, económicas e habitacionais que (…) possuía na Bélgica e se as mesmas eram adequadas para acolher o menor no seu seio, afigura-se-nos que a morosidade inerente à solicitação de tais elementos seja ao consulado seja à entidade congénere da Segurança Social naquele país era incompatível com a necessidade de ser proferida decisão em tempo útil; 4 - Por outro lado, a preocupação, a assistência e o acompanhamento que (…) tem dispensado ao seu irmão fazem crer de forma segura e convicta de que continuaria a zelar pelos interesses do menor na Bélgica e, nessa medida, a sua vontade em acolhê-lo naquele país corresponderá à existência de condições mínimas que garantam a segurança e bem-estar do menor; 5 - Destarte, afigura-se-nos que os elementos juntos aos autos, à data da decisão, mostravam-se suficientes para sustentar a decisão que foi proferida, preenchendo perfeitamente o conceito de averiguações sumárias exigidas pelo nº 3 do art. 157º da OTM. 6 - Por conseguinte, não se afigura que a decisão recorrida tenha violado o disposto no art. 147º-B da OTM, porquanto as decisões provisórias bastam-se com a realização das averiguações sumárias que o tribunal entender por convenientes, não sendo exigível a realização de relatórios sociais exaustivos; 7 - Deve, assim, a decisão recorrida ser mantida, sem prejuízo da decisão definitiva que viera ser proferida a final ou de, em face das diligências que entretanto foram realizadas, se mostrarem alterados os pressupostos de facto e de direito que estiveram na sua génese. …” Cumpre decidir. II. Em 1ª instância, foi dada como indiciariamente provada a seguinte matéria factual “Com relevo para apreciação do requerido resulta, com base na certidão de assento de nascimento de fls. 16 e 17, relatório de fls. 18 a 23 e requerimento de fls. 25 destes autos e certidão do assento de nascimento de fls. 4 dos autos de regulação, indiciariamente provado o seguinte: (…) nasceu a 30-03-2001 e tem registados como pais (…) e (…); (…) nasceu a 18-11-1991 e tem registados como pais (…) e (…); Por sentença de 30-04-2003 proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira, (…) ficou à guarda e cuidados da sua mãe; O menor (…) vive com a sua irmã (…) desde Abril de 2015; Em Abril de 2015, a mãe do menor saiu de casa e não regressou, sem qualquer explicação; O menor desconhece o paradeiro do seu pai; O menor frequentava o 8º ano de escolaridade na EB 2,3 de (…); Tem um percurso escolar regular e é um jovem saudável; É um jovem que mostra maturidade e capacidade de compreensão e expressão dos seus sentimentos e desejos; A irmã (…) é sua encarregada de educação e acompanha de perto o seu percurso escolar; O menor tem uma forte vinculação à sua irmã; (…) concluiu licenciatura em Ciências de Nutrição na Universidade do Porto em Outubro de 2013; Trabalha para a (…) – Portugal e recebe o salário líquido mensal de € 686,59; (…) irá receber € 42,23 mensais de prestação familiar do SISS; O avô materno e a avó paterna dão apoio afectivo e económico a ambos, dando ainda a segunda almoço ao menor; No dia 20-08-2015, (…) pretende ir residir para a Bélgica, com vista a melhorar a sua situação económica, para a seguinte morada: "(…) 3, 8850 Ardooie".” *** III. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.A questão a decidir resume-se, pois, a saber se foi violado o disposto nos art.ºs 3º e 4º do NCPC e o art.º 147º-B da OTM. Conforme resulta à saciedade dos autos, estamos perante um processo de Regulação das Responsabilidades Parentais do menor (…), ao qual foi atribuído caracter urgente, tendo sido proferida decisão provisória atribuindo as responsabilidades parentais a sua irmã (…). Por via do presente recurso, veio a Requerida (…), mãe do menor, impugnar tal decisão, invocando a violação dos art.ºs 3º e 4º do NCPC e o art.º 147º-B da OTM. O quadro de análise do presente recurso deve ter por matriz o superior interesse do menor, que deve prevalecer sobre os direitos processuais das partes, e de qualquer outro formalismo processual, na medida do necessário para atingir tal desiderato. Acresce que, estando perante decisão provisória, em processo considerado urgente, o Tribunal “a quo” pode decidir, louvando-se nas diligências sumárias que entenda efectuar (art.º 157º da OTM). No caso dos autos, importa destrinçar duas questões, uma primeira, a da ida do menor para o estrangeiro acompanhando sua irmã (…), outra a da atribuição das responsabilidades parentais atinentes ao menor (…), a esta sua irmã. No que respeita à saída do menor para o estrangeiro, na companhia de sua irmã, foi autorizada por despacho cuja cópia está junta a fls. 31, datado de 14/07/2015, com a ref.ª 68429173, que não foi impugnado pela ora Apelante. Acresce que, conforme resulta da cópia da procuração junta a fls. 47 destes autos, emitida pela ora Apelante a favor de sua filha (…), aos 10 de Julho de 2015, a ora Apelante constituiu a sua filha como sua procuradora, para a representar em todos os assuntos relacionados com o seu filho, “que irá viver com a procuradora, sua irmã, na Bélgica”, “ficando a ora procuradora sua encarregada de educação”. Pelo que não se alcança dos autos, porque é que a ora Apelante, após ter autorizado expressamente que o menor acompanhasse a sua irmã para a Bélgica, e ter conferido poderes à mesma para exercer as funções de encarregada de educação do menor, vem agora, por via do presente recurso da sentença recorrida, proferida a 29 de Julho do mesmo mês e ano, suscitar a questão de que não foram efectuados inquéritos sobre as condições de vida da filha da Apelante e do menor na Bélgica. Será que as condições de vida de seus filhos na Bélgica se alteraram? Ou foi a ora Apelante que mudou de ideias? Não explicitando a Apelante as razões da alteração da sua posição, não vemos razões para alterar a decisão de autorizar a saída do menor (…) para a Bélgica na companhia de sua irmã (…), com quem aliás vivia desde Abril de 2014, após a mãe de ambos, ora Apelante, se ter ausentado de casa. Quanto à atribuição provisória das responsabilidades parentais atinentes ao menor (…) a sua irmã (…), importa desde logo dizer que a Apelante não impugnou a matéria de facto dada indiciariamente como provada pelo Tribunal “a quo”. Apenas questionando a bondade da decisão sobre as responsabilidades parentais atinentes ao menor (…), sem ter sido ouvida. Atenta a matéria de facto indiciariamente provada, estamos perante um menor, cujos pais, no mínimo, são ausentes. Quanto ao pai, o menor desconhece o seu paradeiro, o que demonstra a sua completa ausência. E, no que respeita à mãe, desde Abril de 2014 que se ausentou da casa onde morava com seus filhos, não mais tendo regressado, o que demonstra também um grande distanciamento em relação a seus filhos. Substituindo-se a seus pais, tem sido a irmã do menor, (…) que, com o apoio do avô materno e da avó paterna, tem cuidado do menor. A (…) concluiu uma licenciatura em Ciências de Nutrição na Universidade do Porto em Outubro de 2013, trabalhando para a (…) – Portugal, onde auferia o vencimento mensal de € 685,59. Pretendendo a (…) melhorar a sua situação económica, decidiu ir residir para a Bélgica, levando o seu irmão (…), que tem uma forte vinculação à mesma. Perante este quadro, entendeu o Tribunal “a quo”, decidir, provisoriamente, que as responsabilidades parentais atinentes ao menor (…) fiquem atribuídas a sua irmã, com quem vive, alterando assim, provisoriamente, a anterior decisão, de 30/04/2003, que atribuiu as responsabilidades parentais do menor (…) a sua mãe. E fê-lo, dada a urgência da situação, a provisoriedade da decisão a tomar, e perante a salvaguarda do superior interesse do menor, louvando-se nos art.ºs 157º e 160º da OTM, tendo em conta, nomeadamente, o Relatório Social da Segurança Social, cuja cópia está junta a fls. 38 a 42, em que foram ouvidos a (…) e o seu irmão. Se é certo que, como regra, a observância do princípio do contraditório deve estar subjacente a qualquer decisão judicial, não é menos certo que, em casos excepcionais, tal princípio pode ser afastado (art.º 3º, n.º2 do NCPC), nomeadamente tendo em vista a satisfação do superior interesse do menor (art.º 180º, n.ºs 1 e 2 da OTM, art.º 1906º, n.ºs 2 e 3, do Cód. Civ. e o art.º 3º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança). O que se nos afigura ser o caso, dada o circunstancialismo acima referido, e a necessidade de plasmar, ainda que em decisão provisória, a melhor solução em termos de responsabilidades parentais atinentes ao menor (…). Daí que, não nos mereça qualquer censura a decisão sob recurso. *** IV. DecisãoPelo acima exposto, decide-se pela improcedência do recurso, confirmando-se o Despacho recorrido. Custas pela Apelante. Registe e notifique. Évora, 19 de Novembro de 2015 Silva Rato Assunção Raimundo Abrantes Mendes |