Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
250/21.6T8SNS.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: DESPEDIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
RENÚNCIA DE DIREITOS
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- Tendo a 1.ª instância decidido, no despacho saneador, julgar improcedente o invocado erro na forma de processo, e tendo a ação prosseguido, não se verifica excesso de pronúncia por ter sido apreciado o mérito da ação na sentença posteriormente proferida.
II- Não cumpre o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC, o recorrente que não indica, nas conclusões do recurso, os concretos pontos de facto que pretende ver alterados, bem como o sentido da decisão a proferir quanto aos mesmos, ou os específicos pontos factuais que pretende ver aditados.
III- O valor da indemnização em substituição da reintegração não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, nos termos previstos no artigo 391.º, n.º 3 do CT.
IV- Não tendo ficado demonstrado que, em algum momento, a trabalhadora assumiu um comportamento que levasse a empregadora a acreditar que a mesma havia aceitado o despedimento como lhe foi apresentado e que não o iria impugnar, a propositura da ação de impugnação do despedimento, não constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
AA, intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra MEDILIT SERVIÇOS DO LITORAL ALENTEJANO, UNIPESSOAL, LDA., ambas com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo que pela procedência da ação seja declarada a ilicitude do seu despedimento e a ré condenada no pagamento:
i) A título de créditos laborais, do montante de €1.560,33;
ii) A título de indemnização por danos morais, do valor de €3.500,00.
iii) Das retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento, 30 de Junho de 2021, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento;
iv) De uma indemnização em substituição da reintegração, a fixar até ao termo da discussão em julgamento, montante a determinar pelo tribunal, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ainda ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º do CT;
v) De sanção pecuniária compulsória, no montante de €15 diários, por cada dia de atraso da ré, sobre o valor a que vier a ser condenada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 829.º-A, do CC.
Alegou, em brevíssima síntese, que, sendo trabalhadora subordinada da ré, recebeu desta uma carta de despedimento por extinção do posto de trabalho que consubstancia um despedimento ilícito, com as legais consequências. Reclama a titularidade de todos os créditos peticionados e a aplicação da sanção pecuniária compulsória.
Na sequência da frustrada tentativa de conciliação ocorrida na audiência de partes, a ré veio contestar a ação, invocando a existência de erro na forma de processo, a licitude da cessação do contrato de trabalho e o pagamento de todos os créditos devidos pela execução e cessação da relação laboral.
Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgado improcedente o invocado erro na forma do processo, tendo sido fixado o objeto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova.
Não houve reclamação.
O valor da ação foi fixado em €5.060,33.
Após a realização da audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Em face de tudo quanto se deixou exposto e nos termos dos supra citados preceitos legais, o tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência, declarando a ilicitude do despedimento da autora AA:
1. Condena a ré Medilit Serviços do Litoral Alentejano no pagamento à autora:
a). Das retribuições vencidas desde 20 de Julho de 2021 e que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente sentença, incluindo a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzidas das quantias que a A. tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, e do subsídio de desemprego que a A. eventualmente venha a auferir até ao trânsito em julgado da decisão, subsídio esse que, a ter sido pago, a R. deverá a ré entregar à Segurança Social;
b). Da indemnização de antiguidade no valor de €1.765,56 (mil setecentos e sessenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos), sem prejuízo do que a este título lhe seja devido até ao trânsito em julgado da sentença, caso este ocorra após 03.02.2023.
2. Sobre as referias quantias são devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde o trânsito em julgado da sentença, até integral pagamento, cfr. artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil.
3. No mais, absolve a R. dos pedidos.
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Custas a cargo da autora e ré, na proporção do respetivo decaimento [artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e art.º 4.º, n.º 1 al. f), do RCP].
*
Registe e notifique.
*
Comunique à Segurança Social.»
Não se conformando com o decidido, veio a ré interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
« A - Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de fls. … que julgou, no âmbito da ação emergente de contrato individual de trabalho sob a forma comum, intentada pela Autora, AA contra a Ré, Medilit Serviços do Litoral Alentejano, Unipessoal, Lda., o seu despedimento ilícito e, em consequência decidiu:
Condenar, parcialmente, a ré a pagar á trabalhadora:
a) As retribuições vencidas desde 20 de Julho de 2021 e que se venceram até ao trânsito em julgado da presente sentença, incluindo a retribuição de férias, subsidio de férias e subsidio de Natal, deduzidas das quantias que a autora tiver auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, e do subsidio de desemprego que a autora eventualmente venha a auferir até ao trânsito em julgado da decisão, subsidio esse que, a ter sido pago, deverá a ré entregar à Segurança Social.
b) Da indemnização de antiguidade no valor de 1.765,56€, sem prejuízo do que a esse título lhe seja devido até ao transito em julgado da sentença, caso este ocorra após 03.02.2023;
c) Juros de mora à taxa de 5% ao ano, desde o transito em julgado da sentença até integral pagamento.
B - Salvo o devido respeito, que é muito, a Douta Sentença recorrida fez uma errada apreciação dos factos e consequentemente aplicou-lhes erradamente o direito.
C - A Recorrente não pode concordar, de modo algum, com tal decisão, e daí o presente recurso.
D - Desde logo, contrariamente ao decidido em despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória de erro na forma do processo.
E - Em sede de contestação, veio a Ré, aqui recorrente, alegar conforme supra indicado.
F - O erro na forma de processo, é um vício processual e consubstancia uma exceção dilatória que determina a anulação de todo o processo, o que se requer.
G – Contudo, veio o Douto Tribunal a quo determinar nos termos supra indicados.
H – Ora, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, a forma de processo adequada na presente ação, não é a forma comum, mas a forma da ação especial reguladas nos artigos 98.º -B a 98.º -P (ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento).
I - A Autora formulou o pedido principal de declaração e licitude do despedimento invocando que o mesmo resultou da decisão unilateral do empregador, comunicada por escrito, com base na expressa invocação da cessação do contrato por extinção do posto de trabalho.
J - E sendo inequívoco, e aceite por ambas as partes, a existência de despedimento individual, nada impedia a Autora (antes se impunha) que manifestasse a sua oposição mediante apresentação do competente formulário, acompanhado da comunicação escrita do empregador.
L - Aliás, tanto assim é, que a Autora interpôs a referida ação no prazo dos 60 (sessenta) dias, subsequentes ao Despedimento.
M - Tendo a Autora empregue a forma de processo comum, verifica-se a nulidade por erro na forma de processo, de conhecimento oficioso.
N - O erro na forma de processo implica aqui, por não serem aproveitáveis os atos, a nulidade de todo o processo, consubstanciando exceção dilatória inominada, que implica a absolvição da instância do Réu.
O - Caso assim se não entenda, deve declarar-se a nulidade do erro na forma de processo e convolar-se para a forma de processo especial (art.98.º B e segs. C.P.T.) com a anulação de todo os atos, com exceção, apenas, da Petição Inicial.
P - A nulidade do erro na forma do processo, de conhecimento oficioso, projeta-se na própria sentença, implicando a nulidade por excesso de pronúncia (art.s 608.º n° l, 615.º n° 1, al. d) CPC), pois o Tribunal a quo não podia conhecer do mérito.
Q - A sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação, as normas dos art.ºs 2.º, n.º 2, 193.°, 196.º, 200.º, 608.º, e 615.º, n.º 1, al. d), todos do CPC, e art.ºs 98.º -A e 98.º -C, n.º 1, do CPT.
R – De igual modo, e no seguimento da análise da Douta Sentença, verifica-se que a decisão sobre a matéria de facto assentou numa apreciação infundada e incorreta da prova produzida no processo e, em algumas situações, a desconsideração de factos e documentos, que, sendo relevantes para uma correta decisão, não foram sequer ponderados e/ ou nomeados.
S - De facto, não obstante, ter ficado provado à saciedade, designadamente por prova testemunhal, que a Autora, após ter cessado a sua relação laboral com a Ré, senão antes e ainda, desempenhou uma atividade de estética, em sua própria casa, a qual abarca várias áreas, nomeadamente, unhas, e ainda que frequentava um curso de colocação de botox, ainda não concluído.
T - Ora tal matéria não foi objeto de qualquer apreciação pelo Tribunal a quo que desvalorizou tal facto, sem sequer sobre ele se pronunciar.
U - Veja-se as declarações das testemunhas arroladas pela Autora, supra transcritas e na sequência das quais, nomeadamente as afirmações tidas pela Testemunha BB, marido daquela, tendo a Ré requerido ao Douto Tribunal a quo a junção dos documentos, a que a Ré, faz menção no seu contra interrogatório à referida testemunha.
V - E tais documentos, apesar da oposição, da Il. Mandatária da Autora, o Douto Tribunal a quo, determinou a sua junção aos autos.
X - Ora verifica-se da Douta Sentença do Tribunal a quo, não faz qualquer referência àquela prova testemunhal, nem tão pouco se refere aos referidos documentos juntos.
Z - A apreciação destes factos tem particular relevância pelo facto do Tribunal recorrido ter condenado a Ré, aqui Recorrente, a pagar à autora as retribuições vencidas desde 20 de Julho de 2021 e que se vencerem até ao trânsito em julgado da presente sentença, incluindo a retribuição de férias, subsidio de férias e subsidio de Natal, deduzidas as quantias que a autora tiver auferido com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se não fosse o despedimento, e do subsidio de desemprego que a autora eventualmente venha a auferir até ao transito em julgado da decisão.
AA - Tendo ficado provado que a Ré, aqui Recorrente, entregou à Autora o impresso tendente a requerer o subsídio de desemprego, e tendo a mesma alegado “ter ficado desesperada por não lhe ter sido logo entregue o impresso para obter o subsídio de desemprego” não é credível, que após a entrega do aludido documento o mesmo não tivesse sido entregue nos serviços da Segurança Social para a autora requerer o fim a que o mesmo se destinava.
AB - E mesmo que o não fizesse com o impresso – Modelo 5044 da Segurança Social – sempre o poderia fazer, após a interposição da ação constante dos presentes autos, e de imediato, lhe seria atribuído o referido Subsídio de Desemprego.
AC - A Autora, ora Requerida, não o fez, deliberadamente, porquanto consta dos presentes autos, a instâncias do Tribunal, a resposta da Segurança Social que a referida R., não auferia qualquer subsídio, pelo que, e consequentemente não o requereu.
AD - Tal só se compreende, pelo facto da mesma, já então, exercer uma atividade como empresária em nome individual, ou similar, na área da estética, o que seria impeditivo para requerer aquele apoio social.
AE - Tal facto, não foi devidamente valorado, ou sequer abordado, na Douta Sentença, de que agora se recorre.
AF - De igual modo, não pode a aqui recorrente concordar com o facto de o Tribunal a quo ter fixado uma indemnização de antiguidade acima do limite médio e perto do limite máximo legalmente previsto, de 35 dias por cada ano completo de antiguidade, que se considera de sobremaneira excessivo.
AG - Como é consabido, a graduação da ilicitude do despedimento é ponderada, atenta a graduação estabelecida no art.º 381.º do Código do Trabalho, devendo-se atender ao grau de culpa do empregador, nomeadamente na apreciação do motivo justificativo invocado.
AH - A indemnização de antiguidade fixada pela Douta Sentença ora recorrida, carece de fundamento e omite totalmente a reprovável conduta da autora que, nunca poderia beneficiar de uma indemnização de tal envergadura.
AI - Na verdade, apesar de várias testemunhas terem declarado, sem margem para dúvidas, que a motivação da cessação da relação estabelecida entre as partes prendeu-se com o absentismo da autora, nomeadamente, as suas sucessivas baixas médicas, a sua substancial falta de produtividade, e que a atividade que deveria ser desenvolvida pela Autora, estar a ser desenvolvida por outras Trabalhadoras da Ré, e a desnecessidade de manter aquele posto de trabalho, face ás dificuldades económicas da Empresa, ora Ré, motivo que consubstanciou o despedimento por extinção do posto de trabalho, tal não foi valorado pelo Tribunal a quo.
AJ - Não pode a aqui Recorrente concordar com esta decisão pois, ficou provado à saciedade que a Autora não se opôs, ao despedimento por extinção do posto de trabalho, conforme se retira do e-mail datado de 30 de Junho de 2021, enviado pela Il. Mandatária da Autora, à Empresa, ora Ré, e junto aos autos com a Petição Inicial, como Documento 11, supra transcrito.
AL - Em nenhum momento veio a Autora colocar em causa os fundamentos que serviram de base para a extinção do posto de trabalho.
AM – Antes, peticionou os créditos laborais que resultaram daquela cessação.
AN - Daqui resulta que o Tribunal a quo não poderia ter considerado ilícito o despedimento da autora, e ao fazê-lo, nunca o poderia ter feito nos moldes em que fez.
AO - Porquanto, o Tribunal a quo com a decisão de condenar a Ré, Recorrente, no pagamento de uma indemnização legal muito superior ao valor mínimo, mais não fez do que premiar a má-fé com que a Autora agiu em todo este processo, dando o dito por não dito e de igual modo, a falta de produtividade e assiduidade da autora que, contrariamente ao decidido, deveria ter ficado provado.
AP - Assim sendo, deve ser revogada a Douta Sentença do Tribunal a quo, sendo declarado lícito o despedimento operado pela Recorrente na pessoa da Recorrida e sendo a Recorrente absolvida de todos os pedidos formulados pela Ré, ora Recorrida.
AQ - Mas, se assim não se entender, deve a Douta Sentença ser alterada, no que concerne à indemnização que foi atribuída à A., ora Requerida, e ser fixada uma indemnização calculada pelo valor mínimo, previsto nos termos do artigo 391.º do Código do Trabalho.
AR - No caso dos autos, o cálculo da indemnização deverá ser fixado por um número inferior de dias de retribuição, sendo certo que dos factos provados não resultou nenhuma especial censurabilidade do despedimento.
Termos em que com douto suprimento que se invoca deverá ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência ser a decisão impugnada revogada e substituída por outra que decrete, a licitude do despedimento, ou então, a ser decidido contrariamente a tal pretensão, seja a indemnização calculada nos termos do artigo 391.º do Código do Trabalho.».
Contra-alegou a autora, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância proferiu o seguinte despacho de admissão do recurso:
«Ref.ª 41796777 e 42232909: Muito embora a recorrente nas suas alegações de recurso, não se conformando, (re)invoque o erro na forma de processo, tendo tal exceção sido decidida no despacho saneador, ao interpor recurso a recorrente refere expressamente incidir o mesmo sobre a sentença prolatada nos autos e não também sobre o despacho saneador no segmento que decidiu sobre aquela exceção, pelo que em conformidade com o disposto pelo artigo 81.º, n.º 1, do CPT, será apenas de apreciar a admissibilidade do recurso da sentença.
Porque a decisão é recorrível, o recurso é tempestivo, a recorrente tem legitimidade, interesse em agir, tendo sido juntas as alegações, das quais constam as respetivas conclusões e tendo sido paga a taxa de justiça, admito o recurso interposto pela ré, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos – cfr., artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e artigos 79.º, alínea a), 79.º-A,n.º 1 alínea a), 80.º, nºs. 1 e 3, 83.º, n.º 1, e 83.º-A, n.º 1, todos do Código de Processo do Trabalho.»[2]
Quanto ao efeito do recurso, o mesmo foi declarado suspensivo, após a prestação de caução pela recorrente.
Tendo o processo subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, entendendo que o recurso deve proceder parcialmente quanto ao valor da indemnização por despedimento, por erro de cálculo, devendo a sentença sob recurso ser revogada nessa parte e substituída por Acórdão que fixe o valor de € 1 995,00, a título daquela indemnização, levando-se ainda em conta que a Recorrente já procedeu ao pagamento, a esse título, da quantia de € 561,93.
Não foi oferecida resposta ao parecer.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos e foram dispensados os vistos.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
1.ª Nulidade da sentença.
2.ª Impugnação da decisão fáctica.
3.º Licitude do despedimento.
4.ª Impugnação do valor da indemnização que substitui a reintegração da trabalhadora.
5.ª Abuso de direito.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. Por documento escrito intitulado Contrato de Trabalho a Tempo Parcial, assinado entre a ré e autora, visando a satisfação das necessidades temporárias e a tempo parcial da empresa que consistem em técnica administrativa, a ré admitiu a autora ao seu serviço como técnica administrativa de seguros, não sujeitando o contrato a termo certo ou incerto, com início em 3 de Fevereiro de 2020 (cláusulas 1.ª e 5.ª).
2. Por esse acordo, foi estipulado que a ré poderia, quando o interesse da empresa o exigisse, encarregar a autora a desempenhar funções não compreendidas na atividade contratada, desde que tal não implicasse modificação substancial da posição do mesmo, nem diminuição da retribuição (cláusula 1.ª 1.1.).
3. Pelo mesmo foi ajustado o pagamento mensal pela ré à autora, da quantia de €400,00 (cláusula 3.ª).
4. Por esse documento foi acordado que a autora prestaria a sua atividade de segunda a sexta-feira, com o período normal de trabalho de 4 horas diárias e de 20 horas semanais (cláusula 4.ª).
5. Com data de 03.02.2020, entre “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Lda.”, “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda.”, a ré, a autora e CC, respetivamente como primeira, segunda, terceira, quarta e quinta contraente, foi assinado acordo denominado Contrato de Decisões e Soluções Gestor Clientes, conforme doc. 2 da PI que se dá por integralmente reproduzido.
6. Consta da cláusula décima segunda desse acordo:
«1. A remuneração a que a Quarta Contraente tem direito pelo exercício das atividades empreendidas no âmbito deste contrato, está integralmente incluída na remuneração que a mesma aufere enquanto trabalhadora da Terceira Contraente, por força do contrato de trabalho celebrado em 03/02/2020 condição essencial da celebração do presente contrato.
2. A Quarta Contraente não tem, pois, nem poderá, consequentemente, exigir da Primeira e Segunda Contraentes qualquer quantia pela atividade por si desenvolvida.
3. A Quarta Contraente aceita que desenvolverá a sua atividade por sua conta e risco, estando ciente dos investimentos a suportar, e reconhecendo que não lhe foram garantidos pela Primeira, Segunda, Terceira ou Quinta Contraentes valores mínimos de faturação e comissões, tendo os estudos e informações por estas prestados sobre rentabilidades médias e valores de investimento e despesa um carácter meramente informativo, sendo baseados em cálculos efetuados com dados passados, em determinadas condições de mercado, não garantindo por isso um retorno futuro.»
7. Se e quando necessário, a autora poderia auxiliar em algumas tarefas nas áreas de imobiliário e crédito.
8. A partir de Maio de 2020, a autora passou a trabalhar a tempo inteiro, com o seguinte horário: duas semanas de cada mês, das 9 às 18 horas e nas duas restantes, das 10 às 19 horas.
9. A partir de então, a autora passou a auferir o salário mensal de €650,00, acrescido de subsídio de alimentação de €4,80/dia.
10. A autora frequentou o curso de Mediação de Seguros.
11. Em 23.06.2021, a ré apresentou à autora documento intitulado Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho, para que esta então o assinasse.
12. Sem o conhecimento e consentimento da ré, pretendendo analisar aquele documento e obter aconselhamento, a autora fotografou-o e não o assinou.
13. A ré explicara à autora que teria de extinguir o seu posto de trabalho e, por isso, esta enviou àquela, atestado médico, comprovativo da sua incapacidade para o trabalho por 15 dias.
14. Em consequência desse envio, a gerente da ré enviou á autora a seguinte mensagem escrita “AA isto é vírus ou foste tu?”, ao que a autora confirmou o envio.
15. Com data de 23.06.2021, a ré enviou por correio à autora o seguinte documento:
«Carta de Despensa de Funções
(Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 73º nº 1 e 74º do Decreto-Lei Nº 220/2006, de 3 de Novembro)
ENTRE:
Medilit Serviços Litoral Alentejano Unip, Lda como o NIF 514674172, Sociedade por quotas, com sede na Rua do Mercado, Empreendimento Brasil, lj 20, 7500-170 - Vila Nova St. André, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número 514674172 e com o número de pessoa coletiva, com o capital social de 5.000 euros, de aqui em diante designada por “Entidade Empregadora”, neste ato representada por Srª CC, na qualidade de Gerente, e com poderes para o Ato, declara nos termos e para os efeitos nos termos do artº 74º nº 1 e 2º, do Decreto-lei nº 220/2006 de 3 de Novembro, de que a cessação do contrato individual de trabalho de AA, com domicílio na RUA ..., ... ... Cartão de Cidadão n.º ... com a categoria profissional de Técnica Administrativa de Seguros, se integra num processo de redução de efetivos por revogação do contrato de trabalho, fundamentado em motivos que permitiram o recurso ao despedimento por extinção do posto de trabalho.
A trabalhadora exercia as funções na área dos seguros, mais concretamente as funções de suporte aos clientes no âmbito da atividade de seguros, sob a forma de contrato de trabalho sem termo. No exercício das suas funções competia a esta trabalhadora proceder a todos os trabalhos de associados a esta função necessários á boa qualidade e desempenho da empresa…
menos antiguidade na função, verificando-se os requisitos aludidos no art.º 368º, nº 2, do Código do Trabalho.
Atento o exposto e encontrando-se cumpridos todos os requisitos legais, positivos e negativos, de que depende o recurso ao despedimento por extinção do posto de trabalho, nomeadamente o previsto no art.º 368.º do Código do trabalho, reitera-se a necessidade de extinção do posto de trabalho que o trabalhador vinha ocupando e a consequente cessação do seu contrato de trabalho.
A dispensa de funções terá início em 30/06/2021.
Para efeitos do disposto no artigo 9º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, este trabalhador irá, assim, incorrer numa situação de desemprego involuntário. Pois a empresa ver-se-á obrigada a extinguir o referido posto de trabalho.»
16. A autora recebeu este documento em 25.06.2021.
17. Por isso, em 30.06.2021, através de Advogada, a autora dirigiu à ré a comunicação do doc. 11 da PI que se dá por integralmente reproduzido.
18. Apesar de ter recebido esta comunicação, a ré não respondeu.
19. Em 09.07.2021 a autora recebeu em pagamento da ré €1.758,07 e em 13.07.201, €247,19.
20. A ré considerou os €1.758,07 respeitantes a créditos salariais devidos e indemnização e os €247,19 referentes a comissão por intervenção da autora em venda de imóvel.
21. Em 30.06.2021, a autora recebeu comunicação e comprovativo de declaração da ré de situação de desemprego.
22. Em 12.07.2021 a autora recebeu carta com a Declaração de Situação de Desemprego.
23. A autora não gozou férias referentes ao ano de 2021.
24. Em 04.03.2021, a gerente da ré enviou mensagem de correio eletrónico, entre outras, à autora, com o seguinte teor:
«O apartamento da Jéssica foi angariado pela AA e desde cedo que deu problemas, porque os proprietários já não se entendiam com a AA, depois foi com o DD, depois foi com a EE, depois ficou a FF responsável, depois a GG é que o vendeu.
Situação completamente nova, não irei tomar a decisão sozinha, estou aberta a partilhar convosco e a aceitar as vossas sugestões.
A AA terá de receber uma pequena percentagem sobre os 100% porque se não fosse ela não haveria angariação, mesmo que sem acompanhamento.
Não me parece que o DD e a EE tenham direito a alguma coisa.
A GG tem direito aos 50% totais da parte da venda.
A minha dúvida aqui será: angariação (50%) – dividir 25% AA + 25% FF ou têm alguma sugestão diferente?»
25. Em 05.03.2021, pela mesma via, a autora enviou mensagem à gerente da ré com o seguinte teor:
«Por mim está bem assim como referiste.
A FF teve trabalho por isso, é normal e concordo que receba a sua parte.»
26. Com a apresentação do documento intitulado Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho a autora sentiu-se constrangida.
27. Devido à cessação da sua relação com a ré, a autora sentiu stress e constrangimento.
28. A partir de Janeiro de 2021, a autora passou a auferir a remuneração de €665,00.
29. A ré procurou manter relação próxima com os seus colaboradores, pugnando pelo seu bem-estar, respeito mútuo, dedicação e empenho daqueles.
30. Em caso de ausência dos seus trabalhadores por doença dos filhos, consulta ou para tratar de assuntos pessoais, a ré pagava-lhes o dia completo, o que se verificou com a autora.
31. Foi feita uma auditoria interna à ré visando analisar a sua possível reestruturação de recursos humanos.
32. Devido ao absentismo da autora, que por isso tinha de ser substituída por outras colegas de trabalho, a ré concluiu que não necessitava do posto de trabalho daquela.
33. Por isso, a ré propôs à autora o acordo com esse fundamento, promovendo a reunião de dia 23.06.2021 para acertarem a sua saída, do que a autora tinha conhecimento.
34. Quando a ré explicou à autora os fundamentos do acordo, esta respondeu de imediato que não aceitava.
35. No recibo de vencimento autora, de Junho de 2021, a ré processou o total de €2.040,34:
-subsídio de férias, €604,55;
-férias não gozadas, €544,09;
-proporcional do subsídio de Natal, €329,77;
-indemnização pela cessação do contrato de trabalho, €561,93.
36. A autora gozou férias nos dias 7, 9, 26 a 30 de Outubro, 30 de Novembro a 4 de Dezembro de 2020 e 16, 22 e 23, de 2021.
37. A ré pagou à autora €325,00 de subsídio de férias referentes do ano de 2020.
-
E considerou que não se provaram os seguintes factos:
A. A R. não disponibilizou à A. o certificado de formação recebido pela frequência do curso.
B. A ré não deu à autora a oportunidade de analisar o documento intitulado Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho.
C. No dia 23.06.2021 a ré comunicou à autora que caso não assinasse esse documento, no próprio dia, “escusava de ir trabalhar mais”.
D. A autora foi surpreendia com a apresentação daquele documento, bem como com o intitulado Carta de Despensa de Funções.
E. No dia 24.06.2021, autora foi impedida pela ré de entrar nas instalações.
F. A autora sentiu vexame perante as colegas, dificuldade em dormir e gerir os seus dias.
G. Devido á situação pandémica, fruto de desequilíbrio económico e financeiro, a situação laboral da R. tornou-se estruturalmente deficiente.
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IV. Nulidade da sentença
A recorrente arguiu a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
No seu entendimento, existindo erro na forma de processo, que conduz à anulação ou nulidade de todo o processo, o tribunal a quo não poderia ter conhecido do mérito da causa.
Analisemos a questão.
Na sua contestação, a recorrente invocou a existência de erro na forma do processo.
O vício processual suscitado foi apreciado no despacho saneador, proferido em 30-11-2021.
A 1.ª instância decidiu que a forma de processo adequada era a comum e não a ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, e, na sequência, julgou improcedente a questão suscitada na contestação.
Ora, o excesso de pronúncia que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos previstos pela parte final da alínea d) do n.º 2 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade está diretamente ligada ao disposto no artigo 608.º, n.º 2 do mesmo código. De acordo com esta norma, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, se a 1.º instância decidiu que a forma de processo comum era a correta, naturalmente, competia-lhe apreciar, do mérito da ação.
Por conseguinte, não se verifica o invocado excesso de pronúncia consagrado na parte final da alínea d) do n.º 2 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade, improcede a arguida nulidade da sentença.
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V. Impugnação da decisão fáctica
Da conjugação das alegações e conclusões do recurso, parece resultar a intenção da recorrente impugnar a decisão fáctica, pretendendo que se acrescente ao elenco dos factos assentes materialidade relacionada com o exercício, pela recorrida, de uma atividade profissional por conta própria, na área da estética, durante e após a cessação do contrato de trabalho.
Dispõe o artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[3], temos entendido que o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto, deve indicar, nas conclusões do recurso, os concretos pontos de facto que pretende ver alterados, propondo o sentido da decisão a proferir quanto aos mesmos, sob pena de rejeição do recurso quanto à impugnação.
No vertente caso, afigura-se-nos que o ónus de impugnação que recaía sobre a recorrente não foi observado.
A recorrente não indica especificamente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem especifica a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre a matéria de facto objeto de impugnação.
Pelo exposto, por falta de observância do ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, rejeita-se a, aparentemente, deduzida impugnação da decisão fáctica.
Sem embargo, sempre se dirá que a genérica materialidade aludida pela recorrente não foi alegada nos articulados. É certo que artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho permite a consideração de factos essenciais não articulados, desde que os mesmos sejam relevantes para a boa decisão da causa e sobre eles tenha incidindo discussão.
Todavia, os poderes conferidos pelo aludido artigo são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, não competindo à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados[4].
Em face do exposto, nunca haveria fundamento para aditar a (genérica) materialidade não alegada reclamada.
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VI. Licitude do despedimento
Alega a recorrente que o despedimento da recorrida nunca poderia ter sido considerado ilícito, pois esta nunca veio colocar em causa os fundamentos que serviram de base à extinção do posto de trabalho.
Vejamos o que se escreveu no segmento da sentença recorrida que apreciou a cessação do contrato de trabalho:
«A A. sustenta que não tendo assinado a proposta de acordo para cessação do contrato de trabalho que lhe foi apresentada pela ré no dia 23.06.2021, esta por carta com a mesma data, rececionada em 25.06.2021, a despediu, com efeitos a 30.06.2021, o que consubstancia um despedimento ilícito, por não ter sido precedido do respetivo procedimento [cfr. art.º 381.º al. c) do Código do Trabalho].
O despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. Tecnicamente o despedimento é uma declaração vinculada – porque condicionada à verificação de determinados motivos que a lei considera como justificativos da cessação da relação laboral – constitutiva – porquanto o ato de vontade do empregador tem efeitos por si mesmo, sendo, consequentemente, uma forma de cessação de exercício extrajudicial – e recipienda – pois só é eficaz depois de ter sido recebida pelo seu destinatário (Pedro Romano Martinez, in “Direito do Trabalho”, Vol. I, 4.ª ed., págs. 977 e ss.).
Para haver despedimento é exigível que ocorra uma manifestação de vontade por parte do empregador de pôr termo à relação de trabalho. Tal manifestação poderá ser expressa ou tácita, mas deverá ser exteriorizada em condições de não suscitar dúvida plausível sobre o seu exato significado.
Impõe-se, em suma, que a entidade empregadora - por escrito, verbalmente ou até por mera atitude – anuncie ao trabalhador, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação laboral (neste sentido, entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa, de 24.01.2001, processo n.º 00114584, disponível em www.dgsi.pt).
Conforme se pode colher do sumariado no acórdão do STJ de 22.10.2018, em www.dgsi.pt:
«I -O despedimento promovido pela entidade empregadora traduz-se numa declaração negocial, que produz efeitos logo que é recebida pelo destinatário (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) – por isso, irrevogável (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil) –, podendo o desígnio de fazer extinguir o contrato ser levado ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de expressão da vontade, quer através de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade, revelem, clara e inequivocamente, a vontade de despedir (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil) e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador, segundo o critério definido no artigo 236.º, do referido Código.
II - A inequivocidade de que deve revestir-se a expressão da vontade de despedir visa, não apenas evitar o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, mas, também, obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora.
III - A declaração negocial vale com o sentido de um declaratário normal, medianamente instruído e diligente que a lei toma como padrão, e que se exprime não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.»
Na interpretação da declaração negocial, deve atender-se ao que estatui o artigo 236.º do Código Civil, ou seja, que «[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”. Acolhe este preceito a denominada doutrina objetivista da “teoria da impressão do destinatário”: a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria. Mas de acordo com o n.º 2, do mesmo preceito legal, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece, ainda que haja divergência entre ela e a declarada, resultante da aplicação da teoria do destinatário.
Como sublinham Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 223, «[a] normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante». Ou, nas palavras de Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª Edição, págs. 447-448, «[r]eleva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do destinatário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer». Em suma, a declaração negocial deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria.
Por seu turno, a prova de que ocorreu um despedimento cabe ao trabalhador, porquanto o despedimento consubstancia um facto constitutivo do direito do trabalhador à reintegração (ou indemnização em substituição desta) e às retribuições intercalares (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil).
No caso em apreço, conforme lhe competia, a A. logrou provar que em 23.06.2021, a ré lhe apresentou documento intitulado Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho, para que esta então o assinasse (11). A autora não assinou este documento (12 e 34), sendo que a ré lhe explicara que teria de extinguir o seu posto de trabalho (13). Por seu turno, não se apura que, desde logo, no próprio dia 23.06.2021, a ré tivesse comunicado à autora que caso não assinasse esse documento, no próprio dia, “escusava de ir trabalhar mais” (C).
Neste seguimento, com data de 23.06.2021, a ré enviou por correio à autora «Carta de Despensa de Funções (Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 73º nº 1 e 74º do Decreto-Lei Nº 220/2006, de 3 de Novembro) (15) que esta rececionou em 25.06.2021 (16).
O Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro «(…) estabelece, no âmbito do subsistema previdencial, o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, sem prejuízo do disposto em instrumento internacional aplicável« (artigo 1.º, n.º 1), sendo que os mencionados artigos 73.º, n.º 1 e 74.º respeitam a declaração em caso de cessação do contrato por acordo.
Ora, conforme se apurou, a proposta de acordo não foi assinada pela autora, pelo que nenhum acordo existiu entre as partes para cessação do contrato de trabalho entre as mesmas.
Embora a Carta de Despensa de Funções tivesse sido enviada pela ré á autora, resulta cristalino da sua redação que se destina à Segurança Social, pressupondo o acordo das partes, que não existiu.
Ainda assim, quer para a autora, quer para a ré, quer para um declaratário normal colocado na posição da autora, face á reunião ocorrida no dia 23.06.2021 (vd. facto 33) e à apresentação de proposta de acordo que não assinou (vd. ponto 34), será efetivamente de interpretar que a ré considerou cessada a relação laboral com efeitos a 30.06.2021.
Á ré competiria fazer prova de que fizera preceder a cessação do contrato de trabalho do respetivo procedimento, ainda que com fundamento em extinção do posto de trabalho, o que não fez.
Como tal, não só preteriu as formalidades legais estabelecidas para o efeito (artigos 367.º e seguintes, do CT), como inviabilizou qualquer possível sindicância quanto à verificação dos requisitos legais para tal despedimento, tornando-o ilícito artigos 381.º alínea c) e 384.º, do CT.»
Não podemos deixar de concordar e de aderir aos fundamentos transcritos.
Efetivamente, com arrimo nos factos assentes, não é possível concluir que houve qualquer acordo de cessação do contrato de trabalho no dia 23-06-2021.
Logo, a Carta de Despensa de Funções remetida para a recorrida, depois da recorrente lhe ter comunicado que tinha de extinguir o seu posto de trabalho, só poderia ser compreendida como uma declaração unilateral da empregadora de pôr termo à relação laboral, com efeitos a 30-06-2021.
Não foi cumprido o procedimento legalmente previsto para o alegado despedimento por extinção do posto de trabalho.
Resta, pois, concluir pela ilicitude do despedimento, nos termos expostos na sentença recorrida, que se sufraga.
Acresce que não resulta do conjunto dos factos assentes que a recorrida tenha aceitado os fundamentos do despedimento.
E propositura da presente ação constitui uma manifestação, inequívoca, de não estar de acordo com a cessação do contrato de trabalho, nos termos em que a mesma ocorreu.
Enfim, resta-nos confirmar a declarada ilicitude do despedimento.
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VII. Valor da indemnização
A recorrente requer a reapreciação do valor da indemnização arbitrada em substituição da reintegração da trabalhadora.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«O artigo 391.º, n.º 1, prevê que «[e]m substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º».
No caso sub judice, no seu articulado, a trabalhadora peticiona o pagamento de indemnização por antiguidade, optando assim por esta (não tendo vindo posteriormente alterar tal declaração), sendo esta uma opção substitutiva da reintegração.
A partir de Janeiro de 2021, a autora passou a auferir a remuneração mensal de €665,00 (28), sendo este o valor a considerar á data do despedimento.
A indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora e sancionatória), devendo ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do citado art.º 391.º (valor da retribuição vs. grau da ilicitude), sendo o primeiro (retribuição) fator de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro da latitude legalmente prevista) e o segundo (ilicitude), de variação direta, cfr., neste sentido, os Acórdãos do STJ de 19.02.2013 e de 24.02.2011, respetivamente proc. 2018/08.6TTLSB.L1.S1 e 2867/04.4TTLSB, acessíveis em www.stj.pt.
Por outro lado, note-se que, e conforme ponderado no Acórdão do STJ de 27.05.2010, proc. n.º 467/06.3TTCBR.C1.S1, com sumário acessível em www.stj.pt. (embora proferido no domínio de vigência do Código do Trabalho de 2003, as considerações ali expostas mantêm plena atualidade) «a fixação de uma indemnização de antiguidade próxima do limite máximo previsto no art.º 439.º, n.º 1, do Código do Trabalho, deve ficar reservada para situações de grosseira violação/omissão procedimental e, bem assim, para aquelas em que a sanção deva considerar-se ostensivamente violadora de princípios fundamentais e estruturantes, maxime, o da igualdade».
Alinhando pelas apontadas diretrizes, o tribunal julga proporcional e adequado fixar à trabalhadora uma indemnização de antiguidade acima do limite médio e perto do limite máximo legalmente previsto, isto é, uma indemnização de 35 dias (€775,83 = €665,00 : 30 x 35) por cada ano completo de antiguidade. E assim o entendemos com base na seguinte ordem de razões: (i) a retribuição da trabalhadora corresponde à retribuição mínima garantida à data da cessação do contrato; (ii) o grau de ilicitude do despedimento promovido pela empregadora, pois era-lhe exigível outra consideração e ponderação ao decidir, como decidiu, promover o despedimento sem precedência do respetivo procedimento, sem que a trabalhadora pudesse pronunciar-se, sem que pudesse realizar-se qualquer sindicância á eventual motivação; (iii) atento o curto lapso temporal decorrido desde a admissão da trabalhadora a tempo parcial (03.02.2020), tendo passado em poucos meses a laborar a tempo integral (Maio/2020) e a data do seu despedimento (30.06.2021).
Assim, e a título de indemnização de antiguidade (admissão em 03.02.2020), tem a trabalhadora direito, até à presente data, à quantia de € 2.327,49 (€775,83 x 3), sem prejuízo do que a este título lhe seja devido até ao trânsito em julgado da sentença, caso este ocorra após 03.02.2023. No que respeita à fração de ano, veja-se, sustentando a opção tomada pelo Tribunal, Pedro Furtado Martins, in, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, p. 502.
Tendo presente que a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho a ré pagou à autora €561,93 (pontos 20 e 35, atendendo-se ainda ao analisado na fundamentação de facto), sob pena de enriquecimento ilegítimo desta e conforme reconhece, à quantia correspondente á indemnização deverá ser deduzida a quantia que a este título recebeu, o que perfaz €1.765,56 (€2.327,49 - 561,93).»
Cabe antes de mais referir que, no nosso entender, a 1.ª instância fez uma ponderação cuidadosa e criteriosa sobre a indemnização a arbitrar, pelo que manifestamos a nossa concordância com a fixação da indemnização em 35 dias de retribuição base.
Quanto aos cálculos do valor da indemnização, deve o tribunal atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial – n.º 2 do artigo 391.º do Código do Trabalho.
Assim, dever-se-á ter em conta que a recorrente deve pagar à trabalhadora uma indemnização correspondente a 35 dias de retribuição €775,83, por cada ano ou fração de antiguidade, sendo que esta deve ser contabilizada até ao trânsito em julgado da decisão judicial, não podendo tal indeminização ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, face ao preceituado no n.º 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho.
Na presente data, considerando que o contrato de trabalho se iniciou em 03/02/2020, o valor da indemnização devido à trabalhadora é de € 1 995,00, equivalente a três meses de retribuição base, euros e não € 2 327,49.
Nesta conformidade, fixa-se o valor da indemnização em € 1.995,00.
Todavia, porque a recorrente já pagou, a tal título, o montante de € 561,93, o valor em dívida é de € 1.433,07.
Impõe-se, assim, a alteração da sentença quanto ao valor da indemnização de antiguidade devido à trabalhadora.
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VIII. Abuso de direito
Ainda que de forma muito subtil, a recorrente, na conclusão “AO”, parece pretender introduzir a questão do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao referir que a trabalhadora nunca havia manifestado qualquer discordância com os fundamentos do despedimento e que veio dar o dito por não dito.
O abuso de direito vem definido no artigo 334.º do Código Civil.
Preceitua tal normativo: «É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Sob o chamado venire contra factum proprium, que é uma das modalidades do abuso de direito, tem-se entendido que se trata de uma conduta contraditória, cuja proibição está contida no segmento da norma consagrada no artigo. 334.º do Código Civil, que alude aos limites impostos pela boa-fé.[5]
Alguém assume uma conduta que é contraditória com outra conduta que já havia assumido, e que leva à violação da confiança que se havia instalado quanto ao comportamento inicialmente assumido.
Por isso o venire contra factum proprium, na sua apreciação, combina-se com o princípio da tutela da confiança.
No vertente caso, conforme já tivemos oportunidade de referir anteriormente, não só não resultou provado que a recorrida tenha aceitado os fundamentos do despedimento, como, além disso, a propositura da presente ação constitui uma manifestação, inequívoca, de não estar de acordo com a cessação do contrato de trabalho, nos termos em que a mesma ocorreu.
Em suma, não resulta do elenco dos factos provados que, em algum momento, a recorrida tivesse assumido um comportamento que levasse a recorrente a crer que a mesma havia aceitado o despedimento como lhe foi apresentado e que não iria, jamais, iniciar qualquer demanda judicial sobre o mesmo.
Destarte, não se provou a existência de abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium.

Concluindo, o recurso apenas procede parcialmente quanto ao valor total da indemnização por antiguidade devida à trabalhadora.
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IX. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a alínea b) do ponto 1 do dispositivo da sentença, condenando a ré a pagar à autora, a indemnização de antiguidade no valor de 1.433,07, sem prejuízo do que a este título lhe for devido até ao trânsito em julgado da decisão, caso esta ocorra após 03/02/2023.
No mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelas partes, na proporção do decaimento.
Notifique.
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Évora, 27 de outubro de 2022

Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] Salienta-se que este despacho não foi objeto de reclamação, designadamente por ter considerado que não era interposto recurso da decisão proferida no despacho saneador sobre a inexistência de erro na forma de processo. Nesta conformidade, serão só apreciadas as questões apresentadas no recurso relacionadas com a sentença, uma vez que a recorrente aceitou a apreciação feita neste despacho sobre os limites do recurso.
Acresce que só a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes (n.º 5 do artigo 641.º do CPC). Já a decisão que não admite o recurso (mesmo que tacitamente, como sucedeu nos autos, ao se declarar expressamente que só se admitia o recurso da sentença), o Tribunal da Relação está vinculado à mesma, se o recorrente não apresentou reclamação nos termos previstos no artigo 643.º do CPC (n.º 6 do artigo 641.º do CPC).
[3] V.g. Revista n.º 8670/14.6T8LSB.L2.S1, de 16/06/2020 e Revista n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, de 07/07/2016.
[4] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 22/10/2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
Também, Acórdãos da Relação de Évora de 31/10/2018, P. 2216/15.6T8PTM.E1 e de 26/04/2018, P. 491/17.0T8EVR.E1, acessíveis em www.dgs.pt.
[5] V.g. Acórdão da relação do Porto de 11/05/1989, CJ, 1989, 3.º, pág. 192.