Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
358/16.0GCFAR.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
PENA SUSPENSA
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
EXTINÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 09/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Se a suspensão da execução da pena de prisão é uma decisão provisória com destino à revogação ou extinção da pena imposta – artigos 56º e 57º do Código Penal – a partir do momento em que já decorreu o prazo de suspensão encontramo-nos numa situação em que a pena se não pode já considerar “suspensa na sua execução”, nem extinta. Ou seja, ficamos num limbo decisório
II – Haverá, pois, que permitir ao tribunal do processo que se pronuncie sobre as condições da suspensão e decurso do respectivo prazo, com vista à decisão sobre a tríplice possibilidade decisória, prorrogação, revogação ou extinção, na medida em que tal decisão é elemento essencial à definição do futuro de tal pena, a inclusão em novo cúmulo de penas ou a sua exclusão.
III – Razões que determinam que o cúmulo jurídico, pelo menos enquanto se não definir claramente nos autos o destino de tal pena no respectivo processo, deva excluir a pena aplicada, sem prejuízo de o tribunal recorrido poder, naturalmente, pedir a este processo certidão da decisão posterior ao decurso do prazo de suspensão e decidir em conformidade.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Recurso 358/16.0GCFAR.E1

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:
No processo comum colectivo supra numerado que corre termos no Tribunal Judicial de Ponte de Sôr teve lugar a audiência a que alude o artº 472º, nº 1 do Cod. Proc. Penal.
Subsequentemente, o arguido BB (solteiro, pedreiro, nascido a …), actualmente, preso em cumprimento da pena de um ano de prisão e à ordem dos presentes autos, foi condenado na pena de dois anos de prisão, em cúmulo jurídico de várias penas parcelares impostas.
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O Digno Procurador da República em 1ª instância, não se conformando com a decisão, interpôs recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões:
1 - Nos presentes autos o arguido BB foi condenado em cúmulo jurídico das penas aplicadas e descritas nas alíneas A) a E) referidas em II- supra, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, na pena unitária de 2 (dois) anos de prisão.
2 - Entre as penas englobadas no cúmulo jurídico verifica-se que foi integrada a pena sofrida por sentença proferida no processo comum n° 1409/ 16.3T9F AR do Juízo Local Criminal de Faro - J1, por sentença datada de 03.04.2017 e transitada em julgado em 12.05.2017, em que o arguido BB foi condenado pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n° 1, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de um ano e sujeita às seguintes obrigações:
- entregar a quantia total de € 300,00 aos Bombeiros Voluntários, sendo metade até ao termo do 1 ° semestre e o remanescente até ao termo do período da suspensão;
- comprovar nos autos o cumprimento das obrigações de entrega fixadas dentro do prazo.
Os factos que consubstanciaram a prática do sobredito crime foram praticados no dia 28.04.2015.
3 - Mais deu o Tribunal a quo como assente que "tal pena ainda não foi declarada extinta, nem foi objecto de revogação; o arguido não sofreu qualquer período de detenção à ordem dos aludidos autos - conf. certidão de fls. 440 a 454 e a informação de fls. 587 dos autos -."
4 - Desta forma, verifica-se que na data em que foi proferida a Douta Sentença Cumulatória nestes autos (proferida em 09.07.2018, tendo a Audiência ocorrido em 02.07.2018) já havia decorrido o prazo de suspensão de um ano (em 12.05.2018).
5 - Dito isto, verifica-se que o Tribunal a quo efectuou uma errada interpretação dos artigos 77.°, n. 1, 78.°, n. 1, e 57.°, n. 1, todos do Código Penal.
6 - O Tribunal a quo interpretou os referidos artigos no sentido de permitirem que uma pena de prisão suspensa na sua execução, cujo prazo de suspensão já haja decorrido, possa ser englobada em cúmulo jurídico sem que haja sido proferida decisão definitiva se a pena deve ser declarada extinta, revogada ou prorrogada. Todavia, tal interpretação é errada.
7 - Na verdade, devia ter interpretado tais normativos como impedindo a integração em cúmulo jurídico de penas de prisão suspensas na sua execução cujo prazo já se encontre decorrido, enquanto não existir decisão em que a pena seja declarada extinta, revogada a suspensão ou determinada a prorrogação da suspensão, sendo que só nestes últimos dois casos podia ser englobada no cúmulo jurídico realizado a pena aplicada no processo comum n° 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal 'de Faro - J 1.
8 - Desta forma, ao decidir de forma diversa da ora preconizada, a Douta Sentença Cumulatória violou o disposto nos artigos 57.°, n. 1, 77.°, n. 1, e 78.°, n. 1, todos do C. Penal.
9 - O Tribunal a quo não devia ter englobado no cúmulo jurídico a pena aplicada no processo comum n° 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal de Faro
10 - A referida pena devia ter sido excluída do cúmulo jurídico realizado, aguardando os autos a decisão a proferir naquele processo comum n° 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal de Faro - J1, sendo que após o conhecimento da decisão final poderá ser realizado novo cúmulo jurídico que englobe a pena referida em B) na Douta Sentença recorrida.
11- Pelo exposto, deverá ser proferido Douto Acórdão que revogue a Sentença recorrida e aplique urna pena unitária em cúmulo jurídico que exclua a pena aplicada no processo comum nº 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal de Faro - J1.
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O arguido não respondeu ao recurso.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.
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B - Fundamentação:
B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
Dos elementos já juntos aos autos, resulta que o aludido arguido já sofreu as seguintes condenações por sentenças transitadas em julgado:
A) Por sentença proferida nos presentes autos, datada de 06/22/2018 e transitada em julgado em 08/03/2018, o arguido BB foi condenado:
a) pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de condução de veículo a motor, sem estar legalmente habilitado, p. e p., pelo artigo 3.°, n's. 1 e 2 do Decreto-lei n. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão e, em concurso efectivo,
b) pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de condução de veículo a motor, sem estar legalmente habilitado, p. e p., pelo artigo 3.°, ns. 1 e 2 do Decreto-lei n 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão e, em concurso efectivo,
c) pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de desobediência, p. e p., pelo artigo 348°, n. 1, al. b), do Código Penal, com referência ao artigo 162°, n. 1, al. f), do Código da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão e, em concurso efectivo,
d) pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n. 1, al. b), do Código Penal, com referência ao artigo 162°, n. 1, aI. f), do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
Nos termos do disposto no art. 77°, ns 1 e 2 do Código Penal vai o arguido BB foi condenado na pena única de um ano de prisão.
Os factos que consubstanciaram a prática do sobredito crime foram praticados no dia 28 de Junho de 2017- conf. fls. 88 a 106 e fls. 122 dos autos.
B) Por sentença proferida no processo comum n° 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal de Faro - Jl, por sentença datada de 03.04.2017 e transitada em julgado em 12.05.2017, o arguido BB foi condenado pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, n. 1, al. b), do Código Penal, na pena de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de um ano e sujeita às seguintes obrigações:
- entregar a quantia total de € 300,00 aos Bombeiros Voluntários, sendo metade até ao termo do 1 ° semestre e o remanescente até ao termo do período da suspensão;
- comprovar nos autos o cumprimento das obrigações de entrega fixadas dentro do prazo.
Os factos que consubstanciaram a prática do sobredito crime foram praticados no dia 28.04.2015.
Tal pena ainda não foi declarada extinta, nem foi objecto de revogação; o arguido não sofreu qualquer período de detenção à ordem dos aludidos autos ­conf. certidão de fls. 440 a 454 e a informação de fls. 587 dos autos.
C) Por sentença proferida no processo comum n. 148/16.0GCFAR do Juízo Local Criminal de Faro - Jl, por sentença datada de 29.09.2016 e transitada em julgado em 19.10.2017, o arguido BB foi condenado pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de condução de veículo a motor, sem estar legalmente habilitado, p. e p., pelo artigo 3.°, ns. 1 e 2 do Decreto-lei n. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 9 (nove) meses de prisão.
Os factos que consubstanciaram a prática do sobredito crime foram praticados no dia 05.03.2016.
Tal pena ainda não foi cumprida e o arguido não sofreu qualquer período de detenção à ordem dos aludidos autos - conf. certidão de fls. 455 a 488 dos autos.
D) Por sentença proferida no processo sumário n° 141/17.5GTABF do Juízo Local Criminal de Faro - J3, por sentença datada de 17.07.2017 e transitada em julgado em 02.10.2017, o arguido BB foi condenado pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de condução de veículo a motor, sem estar legalmente habilitado, p. e p., pelo artigo 3.°, ns. 1 e 2 do Decreto-lei n. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Os factos que consubstanciaram a prática do sobredito crime foram praticados no dia 06.07.2017.
Tal pena ainda não foi cumprida e o arguido esteve detido à ordem dos aludidos autos entre as 13h31m do dia 06.07.2017 e as 15h29m do dia 06.07.2017 - conf. informação de fls, 588 e certidão de fls, 589 a 609 dos autos.
E) Por sentença proferida no processo sumário n° 248/16.6GCFAR do Juízo Local Criminal de Faro - J3, por sentença datada de 07.07.2016 e transitada em julgado em 10.01.2018, o arguido BB foi condenado pela prática em autoria material e na sua forma consumada de um crime de condução de veículo a motor, sem estar legalmente habilitado, p. e p., pelo artigo 3.°, ns. 1 e 2 do Decreto-lei n. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, sendo que, logo ali, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 80°, n. 2 do Código Penal, foi efectuado o desconto de um dia de prisão, pelo que o arguido foi condenado em 149 dias de prisão efectiva.
Os factos que consubstanciaram a prática do sobredito crime foram praticados no dia 22.04.2016
Tal pena ainda não foi cumprida e o arguido esteve detido à ordem dos aludidos autos o equivalente a um dia (art. 80°, na 2 do Código Penal) - conf. certidão de fls, 513 a 531 dos autos -
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Cumpre conhecer.
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sendo claro que a argumentação do recorrente tem por objecto, em concreto, ver excluída do cúmulo de penas – ao menos por ora – a pena imposta no processo n° 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal de Faro - J 1, em virtude de ter já decorrido o prazo da sua suspensão mas ainda não se ter operado a sua extinção, revogação ou suspensão. Resumindo: é possível cumular penas de prisão efectivamente aplicadas com as suspensas na sua execução cujo prazo de suspensão já tenha decorrido mas que ainda não tenham sido objecto de despacho a saber do seu destino?
A sua argumentação é clara:
- na data em que foi proferida a Douta Sentença Cumulatória nestes autos (proferida em 09.07.2018, tendo a Audiência ocorrido em 02.07.2018) já havia decorrido o prazo de suspensão de um ano (em 12.05.2018) – conclusão 4ª;
- o Tribunal a quo interpretou os referidos artigos no sentido de permitirem que uma pena de prisão suspensa na sua execução, cujo prazo de suspensão já haja decorrido, possa ser englobada em cúmulo jurídico sem que haja sido proferida decisão definitiva se a pena deve ser declarada extinta, revogada ou prorrogada – conclusão 6ª;
- deveria ter interpretado tais normativos como impedindo a integração em cúmulo jurídico de penas de prisão suspensas na sua execução cujo prazo já se encontre decorrido, enquanto não existir decisão em que a pena seja declarada extinta, revogada a suspensão ou determinada a prorrogação da suspensão – conclusão 7ª.
Pretende-se que seja apreciada a questão de saber se é de incluir no cúmulo de penas a pena cuja execução ficou suspensa naqueles autos de processo comum n° 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal de Faro - J 1.
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B.3 - Saber se a pena suspensa deve integrar a pena resultante do cúmulo jurídico de penas é questão que tem sido controvertida mas que a jurisprudência do STJ e das Relações já estabilizou, vingando a tese maioritária, isto é, que o cúmulo superveniente de penas deve incluir as penas parcelares suspensas na sua execução, na medida em que estas não são de diferente natureza, argumentando ainda com a circunstância de não haver caso julgado da decisão que suspendeu a execução da pena.
É a tese seguida, por exemplo, pelo acórdão do STJ de 09-11-2006 (Proc. 06P3512, rel. Cons. Pereira Madeira) nos seguintes termos: “Em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena unitária deve englobar todas as penas de prisão parcelares a que se foi condenado, incluindo aquelas cuja execução ficou suspensa na sua execução, nada obstando que, no julgamento conjunto, se conclua pela necessidade de aplicação de uma pena de prisão”. [1]
Esta dissensão é bem expressa pelo acórdão do STJ de 25-09-2008 (Proc. 08P2891, rel. Cons. Raul Borges):
VIII - Uma corrente defende que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efectuar, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, antes tendo a sua execução regulamentação autónoma – cf. sustentado parecer formulado pelo MP neste Supremo Tribunal no processo decidido em 06-10-2005, no qual veio a ser elaborado o acórdão do TC n.º 3/2006, podendo ver-se neste sentido os Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 217; de 06-10-2004, Proc. n.º 2012/04; de 20-04-2005, Proc. n.º 4742/04; da Relação do Porto de 12-02-1986, CJ, 1986, tomo 1, pág. 204; e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao Ac. do STJ de 03-07-2003, na RPCC, 2005, n.º 1, págs.117-153.
IX - A posição predominante é no sentido da inclusão da pena suspensa, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e que o caso julgado se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.
XII - Na jurisprudência dos Tribunais Superiores a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, como se pode ver, designadamente, dos seguintes acórdãos do STJ: de 04-03-2004, Proc. n.º 3293/03 - 5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04; de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05; de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05; de 09-11-2006, Proc. n.º 3512/06 - 5.ª, CJSTJ, 2006, tomo 3, pág. 226; de 29-11-2006, Proc. n.º 3106/06 - 3.ª; de 03-10-2007, Proc. n.º 2576/07 - 3.ª; de 27-03-2008, Proc. n.º 411/08 - 5.ª.
XIII - Como vem sendo jurisprudência firme do STJ, a pena suspensa pode ser englobada num concurso de infracções com outras penas, suspensas ou efectivas, decidindo o tribunal do cúmulo, após apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do agente, se a pena conjunta deve ou não ser suspensa, pois só faz sentido colocar a questão da suspensão em relação à pena conjunta. Por isso, não será pelo facto de terem sido suspensas originariamente e de ainda não terem sido revogadas tais suspensões que essas penas serão excluídas do cúmulo – cf. Ac. do STJ de 06-10-2005, sobre o qual incidiu a apreciação do TC que, no Ac. n.º 3/2006, de 03-01-2006 (in DR, II Série, de 07-02-2006), decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP, interpretadas no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações.
Tese que se mantém, como se constata no mais recente acórdão sobre o tema do Supremo Tribunal de Justiça de 11/15/2017 (Proc. 27/11.7JBLSB.S1, rel. Lopes da Mota)
II - Verificado, em conhecimento superveniente do concurso, por acórdão proferido durante o período de suspensão de uma pena, que tal pena corresponde a um crime em relação de concurso com os demais, mostra-se, quanto a ela, presente o pressuposto da sua consideração na determinação da pena única, de acordo com as regras da punição do concurso constantes do art. 77.º, do CP.
III - Não se tratando de uma pena de multa e sendo o critério de autonomização das penas dos crimes em concurso o elas serem de prisão ou de multa (n.º 3 do art. 77.º), que são as penas principais previstas no CP (art. 41.º), a pena aplicada deve ser considerada na determinação da pena única de prisão, uma vez que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) não se encontrava extinta.
Sempre seguimos tal tese decididamente na medida em que concordamos com os seus argumentos. A pena de prisão (que o é) suspensa na sua execução não é de natureza diferente da pena de prisão “tout court”. O caso julgado da decisão que decreta a suspensão da pena limita-se à natureza e medida desta, que não à decisão da sua não execução, que mantém característica rebus sic stantibus. Neste sentido o acórdão do STJ de 09-11-2006 (Proc. 06P3512, rel. Cons. Pereira Madeira) e de 07-12-2011 (Proc. 93/10.2TCPRT.S2, rel. Cons. Arménio Sottomayor).
A suspensão da execução da pena de prisão é vista, desta forma, como uma decisão provisória com destino à revogação ou extinção da pena imposta – artigos 56º e 57º do Código Penal.
Além disso, a sua sub­sistência depende da conduta posterior do condenado e da superveniência do co­nhecimento da prática, anterior àquela decisão, de outro ou outros crimes.
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B.4 – Mas coisa diversa desta – saber se devem integrar o cúmulo penas de prisão suspensas na sua execução - é cumular pena cujo prazo de suspensão já decorreu.
Se a suspensão da execução da pena de prisão é uma decisão provisória com destino à revogação ou extinção da pena imposta – artigos 56º e 57º do Código Penal – a partir do momento em que já decorreu o prazo de suspensão encontramo-nos numa situação em que a pena se não pode já considerar “suspensa na sua execução”, nem extinta. Ou seja, ficamos num limbo decisório
E se é certo que as penas que haviam sido suspensas e que foram declaradas extintas nos termos do artigo 57º, nº 1 do Código Penal não podem integrar o cúmulo de penas, nestes casos a pena ainda não foi declarada extinta, revogada ou visto o seu prazo prorrogado nos termos da al. d) do Código Penal.
Haverá, pois, que permitir ao tribunal desse processo que se pronuncie sobre as condições da suspensão e decurso do respectivo prazo, com vista à decisão sobre a tríplice possibilidade decisória, prorrogação, revogação ou extinção, na medida em que tal decisão é elemento essencial à definição do futuro de tal pena, a inclusão em novo cúmulo de penas ou a sua exclusão.
Por mais recente o Ac. STJ de 10/25/2017 (proc. 583/14.8TBVNG.S1, sendo relator Cons. Vinício Ribeiro): - «III - (……) O acórdão recorrido, no que concerne às penas de prisão suspensas, considerou, de acordo com a jurisprudência maioritária deste STJ, que as condenações relativas a penas de prisão suspensas na sua execução, que se mostram extintas pelo decurso do período de suspensão não são de integrar o cúmulo jurídico.»
A jurisprudência sobre estes dois pontos – pena suspensa e a aguardar decisão após decurso do prazo – é já constante de há muito. Assim, entre outros:
Acórdão do STJ de 07-12-2011 (Proc. 93/10.2TCPRT.S2, rel. Conselheiro Arménio Sottomayor)
II - A pena de prisão suspensa na execução, quando extinta, deve ser desconsiderada para efeitos de cúmulo superveniente.
III -São de excluir do cúmulo jurídico as penas aplicadas que respeitem a crimes praticados depois do trânsito em julgado da primeira das decisões condenatórias, por há muito ter sido abandonado o designado cúmulo por arrastamento.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-03-2012 (Proc. 66/10.5SVLSB.L1-5, rel. ARTUR VARGUES)
Iº A inclusão da pena suspensa num cúmulo de penas não equivale tecnicamente à revogação da suspensão, tendo apenas o alcance de considerar sem efeito a suspensão pela necessidade legal de proceder ao cúmulo de penas;
IIº Uma pena de prisão suspensa na sua execução, aplicada pela prática de um crime que está em relação de concurso com os demais em que o arguido foi condenado, deve ser incluída no cúmulo jurídico a efectuar;
Acórdão do STJ de 04/29/2010 (Proc. 16/06.3GANZR.C1.S1, rel. Conselheiro Santos Carvalho)
I - A extinção da pena suspensa prevista no art.º 57.º, n.º 1, não resulta do cumprimento da pena de prisão subjacente à suspensão, mas de não ter ocorrido durante o respectivo período alguma das circunstâncias referidas no art.º 56.º, pelo que tal pena, já extinta mas sem ser pelo cumprimento, nunca pode ser descontada na pena única, nos termos do art.º 78.º, n.º 1. A entender-se que, nesses casos, já se verificou o “cumprimento” da pena, tal só se pode fazer por referência ao “cumprimento” da pena de substituição, mas não ao da pena de prisão, pois este, efectivamente, não se verificou.
II - Deste modo, no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.
III – Pelo mesmo motivo, há que reflectir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão. Na verdade, no caso de extinção nos termos do art.º 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses.
IV - Assim, o tribunal recorrido ao englobar no cúmulo as penas parcelares de alguns processos, todas elas suspensas na sua execução e já com o prazo de suspensão esgotado, sem apurar previamente qual a decisão sobre a respectiva execução, prorrogação ou extinção, incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. (…)
Ac. STJ de 29-03-2012 (Proc. n.º 117/08.3PEFUN-C.S1, rel. Conselheiro Santos Carvalho, tornado público no blogue “Casa da Supplicação)
I - No concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.
II – Mas, então, há que refletir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respetivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão.
III - É certo que se, na altura em que o tribunal recorrido proferiu o acórdão, ainda não tivesse decorrido o prazo fixado para a suspensão, então a pena anteriormente declarada suspensa ainda não se mostraria cumprida e, portanto, nada obstaria a que fosse integrada no concurso de infrações.
IV - Mas, findo aquele prazo e declarada extinta a pena suspensa, nos termos do art.º 57.º do CP, já a mesma não deve integrar o concurso.
V- Assim, o tribunal recorrido ao englobar no cúmulo as penas parcelares do processo n.º 1549/07.0PBFUN, onde a pena única foi suspensa na sua execução e já com o prazo de suspensão esgotado, sem aguardar decisão nesse processo sobre a respetiva execução, prorrogação ou extinção, incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
VI - Identicamente, não poderia o tribunal onde a pena foi suspensa sustar a aplicação dos art.ºs 56.º e 57.º do CP com o fundamento de que a mesma iria ser englobada num futuro cúmulo jurídico, quando se verifica que, antes de formulado tal cúmulo, o prazo de suspensão já se esgotou e a pena suspensa pode já estar na situação de, por força da lei, ser declarada extinta.
Ac. STJ de 25-10-2012 (Proc. nº 242/10.00GHCTB.S1, rel.Conselheiro Santos Carvalho)
I - No concurso superveniente de crimes, nada impede que na formação da pena única entrem penas de prisão efetiva e penas de prisão suspensa, decidindo o tribunal do cúmulo se, reavaliados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução.
II - Mas não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.
III - Sendo assim, há que refletir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respetivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão. Na verdade, no caso de extinção nos termos do art.º 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses.
IV - Assim, o tribunal recorrido ao englobar num dos cúmulos as penas parcelares de processos com o prazo de suspensão ou de substituição já esgotado, sem que nesses processos tenha havido (que se saiba) decisão sobre a respetiva execução, prorrogação ou extinção, incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
Razões que determinam que o cúmulo jurídico, pelo menos por ora e enquanto se não definir claramente nos autos o destino de tal pena no respectivo processo, deva excluir a pena aplicada no processo comum nº 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal de Faro - J1, sem prejuízo de o tribunal recorrido poder, naturalmente, pedir a este processo certidão da decisão posterior ao decurso do prazo de suspensão e decidir em conformidade.
Consequentemente concluímos que ocorreu violação do disposto nos artigos 55º, 56º, 57.°, n. 1 e 78.°, n. 1, todos do C. Penal.
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C - Dispositivo
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, determinando a exclusão do cúmulo da pena imposta no processo comum nº 1409/16.3T9FAR do Juízo Local Criminal de Faro - J1, sem prejuízo de o tribunal recorrido solicitar a este processo certidão da decisão posterior ao decurso do prazo de suspensão e decidir em conformidade.
Sem tributação.
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 25 de Setembro de 2018
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso
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[1] - Publicado na Col. Jur. (STJ), 2006, III, 226. Sumariado na base de dados do ITIJ da seguinte forma: ”VII - Em suma: não há razões legais nem teleológicas que se oponham, antes o reclamam, a que em caso de conhecimento superveniente do concurso, a pena única englobe penas parcelares suspensas, e que, no julgamento conjunto, se conclua pela necessidade de uma pena não substitutiva”.