Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1648/14.1T8SLV-B.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
FIXAÇÃO DE PRAZO
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A falta de fixação de prazo para cumprir na sentença exequenda não determinará uma verdadeira e própria inexequibilidade do título, já que essa falta não obsta à sua exequibilidade em absoluto: será, quando muito, uma inexequibilidade provisória (ou temporária, não-definitiva). Essa falta apenas impõe a prossecução da tramitação inerente a um incidente de fixação do prazo para a prestação."
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1648/14.1T8SLV-B.E1-1ª (2015)
Apelação-1ª (2013 – NCPC)
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:

No âmbito de autos de execução comum, fundada em sentença proferida em prévia acção declarativa, em que o R. (…) foi condenado a «libertar a janela tapada demolindo a construção que a obstrui e a abster-se de levantar construção ou edificação a uma distância inferior a um metro e meio da referida janela», deduziu aquele, enquanto executado, oposição à execução.

Na petição de embargos alegou o executado, essencialmente, o seguinte: a demolição ordenada, pelas suas características, implica a elaboração de projecto, autorização e licenciamento camarários, para o que será necessário, pela morosidade própria do respectivo processo administrativo, a concessão de um prazo para execução da decisão não inferior a 12 meses; a decisão exequenda não fixou prazo para a prestação devida (o mesmo sucedendo com a decisão que sobre a mesma se pronunciou em sede de recurso, confirmando-a integralmente), pelo que deve esse prazo ser agora fixado em função das circunstâncias referidas.

Sobre esse requerimento inicial de oposição à execução recaiu então despacho liminar, que apresenta o seguinte teor:

«O Executado vem insurgir-se contra a execução de sentença que deixou transitar. Verificado o elenco de causas de oposição enumeradas pelo artigo 729º do CPCivil em vigor, nenhuma delas se verifica nos autos. Há um afloramento de inexequibilidade do título, mas a questão aí resume-se a demolir, com observância dos preceitos legais urbanísticos, ou sujeitar-se a que a Autora proceda à demolição à custa do Réu. Nada mais. Nada impede o Embargante (Réu) de chegar a acordo com a Embargada (Autora), mas nestes autos verifica-se apenas a inadmissibilidade dos embargos, que por isso não vão recebidos.
Notifique e registe, com custas pelo Embargante.»

É deste despacho de indeferimento liminar do requerimento de oposição à execução que vem interposto pelo executado o presente recurso de apelação, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões:

«I. Estamos perante uma acção executiva cujo fim é o da prestação de um facto, de natureza positiva.

II. Em tema de execução para prestação de facto pode acontecer que o prazo para a realização da prestação não esteja determinado no título executivo.

III. Nessa hipótese a exacta configuração do que é devido exige o seguimento de um procedimento preliminar, prévio à execução propriamente dita, e exactamente destinado a clarificar essa exacta configuração. É este o sentido do que se dispõe no artigo 874º, nº 1, Cód. Proc. Civ..

IV. Em regra, o exequente indicará o prazo reputado por adequado para a prestação do facto e o devedor é citado para, em vinte dias, se pronunciar; cabendo ao juiz estabelecer o prazo concedido ao obrigado para prestar e concedendo-se a este o período de tempo estabelecido, no decurso do qual ele ainda poderá voluntariamente cumprir (artigo 875º, nº 1, Cód. Proc. Civ.); apenas avançando a execução quando, nesse tempo, tal não aconteça (artigo 875º, nº 2, início, Cód. Proc. Civ.).

V. A situação dos autos era exactamente essa; a de um título sem definição exacta do tempo necessário para a prestação do facto; e carente da sua fixação, como modalidade (concessão de derradeira oportunidade) ao executado para ainda poder cumprir no prazo que lhe fosse concedido.

VI. Os autos não permitem dúvida alguma, neste particular. Tanto assim é que foi a própria exequente que no requerimento executivo, verificou a necessidade da fixação desse prazo e do uso do mecanismo preliminar do artigo 874º, nº 1, requerendo a fixação desse prazo, pois sem ele, a obrigação não era exigível (713º e 729º, al. e), do CPC).

VII. Como é notório, e está documentado, o executado é citado para se opor à execução, mas não foi citado para dizer o que se lhe oferecer quanto à fixação do prazo para a prestação do facto, tendo sido completamente omitida.

VIII. Lendo a petição da execução, o executado deduziu oposição pronunciando-se sobre o prazo, já que, não sendo o título exequível, era entendimento do executado que apenas por esta via o poderia fazer, já que a fase seguinte seria a da produção de prova para a realização das diligências necessárias (875º, nº 1) seguida da decisão.

IX. Não havendo motivo para indeferimento liminar da execução, o M.mo Juiz deveria ter ordenado a citação do executado para se pronunciar sobre o prazo indicado pelo exequente.

X. Citação que não foi feita.

XI. Caso o executado tenha fundamento para se opor à execução, deverá no referido prazo de 20 dias deduzi-la e ao mesmo tempo pronunciar-se sobre o prazo – art. 874º/2 CPC. Não pretendendo deduzir oposição, pode por simples requerimento dizer o que achar conveniente sobre o prazo proposto pelo exequente.

XII. Resta ponderar se a circunstância do executado ter-se pronunciado sobre o prazo na fase preliminar da fixação de prazo, por oposição e não por requerimento, implicará o indeferimento liminar da mesma.

XIII. Não parece que esta irregularidade no processamento da execução deva merecer resultado tão drástico.

XIV. Ora o mais (oposição) comporta o menos (requerimento), já que claramente o exequente se pronunciou sobre o prazo, fê-lo expressamente, e fê-lo dentro do prazo, mesmo sem ter sido notificado para o efeito.

XV. Por outro lado, o princípio da economia processual e o dever de gestão processual, salvo melhor opinião, impunha que fosse admitido a pronunciar-se sobre o prazo.

XVI. Isto porque, ou o M.mo Juiz a quo considera a resposta sobre o prazo e embora não admita a oposição tem de admitir a pronúncia sobre a questão; ou indeferindo a oposição teria de notificar o executado para se pronunciar. O que não pode, é decidir, sem ouvir a parte contrária e sem notificar a parte para se pronunciar.

XVII. Dito de outro modo. Ou considera a resposta dada na oposição ou notifica para se pronunciar sobre o prazo. Não pode é decidir sem que a resposta seja tida em conta, podendo inclusive mandar autuar como incidente, e ouvi-lo outra vez ou considerar a resposta já dada.

XVIII. Isto tendo em conta que o executado deveria ter sido citado/notificado para se pronunciar sobre o prazo e não foi, tendo-o feito por sua iniciativa.

XIX. Por outro lado deverá recair uma decisão sobre o pedido de fixação de prazo da exequente e que sofreu oposição/pronúncia do executado, decisão que será precedida da realização das diligências de prova.

XX. Assim, deveria o M.mo Juiz ter-se pronunciado sobre o prazo após a realização das diligências necessárias, e não apenas rejeitar in limine a oposição por não caber em nenhuma das alíneas do artigo 729º, sendo certo que os fundamentos de oposição à execução para prestação de facto mesmo baseada em sentença não se restringem aos previstos no art. 729º CPC, conforme Ac. TR de Évora de 24-01-2008, processo 2865/07-2.

XXI. Por outro lado, mesmo que assim não o entendesse, deveria ter ordenado a notificação do executado para se pronunciar sobre o prazo nos termos do 874º, nº 1, do CPC.

Foram violados os artigos 713º, 729º, 874º, 875º, Código do Processo Civil.»


Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações do executado-oponente resulta que a matéria a decidir se resume a apurar se haveria fundamento para o indeferimento liminar da oposição à execução deduzida pelo executado, fundada em (aparente) inexequibilidade do título executivo-sentença, por alegada falta de fixação de prazo para a prestação no próprio título – sendo que, em caso negativo, se imporá o prosseguimento dos presentes autos em substituição do indeferimento liminar decretado, designadamente mediante a prévia prolacção de despacho que determine a realização do procedimento de fixação de prazo previsto nos artos 874º e 875º do NCPC.

Cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO:

Para efeitos do presente recurso, há que considerar, além dos elementos já enunciados no relatório, e que se encontram assentes, ainda os constantes dos documentos entretanto juntos (cfr. fls. 66-90) a solicitação deste Tribunal de recurso, conforme nosso despacho de fls. 62-63, de que se extrai: a) ter a exequente (…), no seu requerimento inicial de execução, declarado que na sentença exequenda «não foi fixado prazo para o cumprimento da prestação de facto positivo que cabe ao executado» e formulado pedido no sentido de ser considerado um prazo de 30 dias, «por suficiente», ou «caso assim não se entenda, (…) que o prazo seja fixado judicialmente, conforme o disposto no artigo 874º do Código de Processo Civil»; b) não ter sido fixado, na sentença exequenda, prazo para a concretização da demolição aí ordenada; c) ter havido recurso dessa decisão de 1ª instância e aí ter sido proferido acórdão que confirmou integralmente a sentença recorrida, sem qualquer aditamento, designadamente quanto à fixação de prazo para o cumprimento da prestação de facto positivo aí ordenada.

Cabe, então, com base nesses elementos, aferir do acerto da prolacção do despacho de indeferimento liminar sob recurso.

Tais dados devem ser confrontados com as disposições legais respeitantes à execução para prestação de facto (artos 868º a 877º do NCPC). Determina, em concreto, o nº 1 do artº 874º do NCPC: «Quando o prazo para a prestação não esteja determinado no título executivo, o exequente indica o prazo que reputa suficiente e requer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente (…). E acrescenta o nº 2 do mesmo preceito: «Se o executado tiver fundamento para se opor à execução, deve logo deduzi-la e dizer o que se lhe ofereça sobre o prazo». Por sua vez, dispõe o nº 1 do artº 875º do NCPC: «O prazo é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias».

No caso dos autos, verifica-se claramente a hipótese prevista no citado artº 874º, nº 1: o prazo para a prestação não está determinado no título executivo. Precisamente por isso, cumpriu a exequente aquilo que a lei lhe impunha (na 2ª parte desse artº 874º, nº 1): indicar o prazo que reputava suficiente – que concretizou em 30 dias – e, ao mesmo tempo, requerer que o prazo fosse fixado judicialmente. Apesar de o tribunal de 1ª instância não ter ordenado a citação do executado para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer sobre a fixação de prazo (como lhe impunha o disposto no mesmo artº 874º, nº 1), o certo é que o executado fez uso da prerrogativa concedida pelo nº 2 do artº 874º: deduziu oposição à execução e pronunciou-se sobre o pedido da exequente de fixação de prazo (pedindo um prazo mais alargado, concretamente de 12 meses, com base em alegados obstáculos burocráticos à realização da obra devida).

Mas se já era estranha a omissão do tribunal de 1ª instância quanto ao cumprimento do disposto no nº 1 do artº 874º, que acabou por ser suprida pela própria iniciativa do executado (pronunciando-se sobre a questão da fixação de prazo suscitada pela exequente), mais surpreendente é o que se lhe seguiu: em 1º lugar, o tribunal de 1ª instância não tomou qualquer posição sobre a matéria da fixação de prazo (e sobre a necessidade de tal fixação, atenta a inexistência de tal prazo no título executivo, e sobre a formulação de pedido nesse sentido por parte da exequente), numa flagrante omissão de pronúncia sobre questão de que tinha de tomar conhecimento; e, em 2º lugar, esse mesmo tribunal não deu início às «diligências necessárias» com vista à fixação do prazo para a realização da prestação de facto, contrariando o que lhe impunha o nº 1 do artº 875º. Ao invés, o tribunal de 1ª instância proferiu o despacho de indeferimento liminar sob recurso, julgando verificada a inadmissibilidade dos embargos, por não verificação de qualquer fundamento de oposição à execução baseada em sentença (cfr. artº 729º do NCPC) – mas sem nada dizer sobre a questão prévia que se lhe apresentava e que se lhe impunha decidir: fixar o prazo para o cumprimento da prestação de facto positivo ordenada pela sentença exequenda.

Em bom rigor, a falta desse prazo na sentença exequenda não determinará uma verdadeira e própria inexequibilidade do título, já que essa falta não obsta à sua exequibilidade em absoluto: será, quando muito, uma inexequibilidade provisória (ou temporária, não-definitiva). Essa falta apenas impõe a prossecução da tramitação inerente a um incidente de fixação do prazo para a prestação. Mas ainda que não se verificasse tal fundamento (inexequibilidade, a título definitivo), seguramente a decisão do tribunal a quo não poderia ser a do indeferimento liminar dos embargos de executado.

É de admitir que o executado se pudesse opor à imediata execução da sentença (e suscitar a questão da necessidade de intervenção do tribunal para a fixação do prazo de cumprimento da prestação de facto) por outra via que não a dedução de embargos de executado – mas o certo é que foi essa a forma escolhida pelo executado, a qual não lhe estava absolutamente vedada, como parece resultar do disposto no nº 2 do artº 874º, em que se permite que a questão da fixação do prazo seja dirimida em sede de embargos de executado.

Mais relevante que o formalismo processual é manifestamente a questão substantiva – e esta impunha que o tribunal a quo tivesse actuado de modo diverso: não através do indeferimento liminar sob recurso, mas antes dando início ao processado adequado à fixação daquele prazo, a culminar com uma decisão que estabeleça o concreto prazo para o cumprimento da prestação (sendo certo que só após essa fixação, e em caso de subsequente incumprimento, se poderão extrair as consequências previstas para o efeito no nº 2 do artº 875º do NCPC).

De tudo isto se conclui que carecia de justificação bastante o indeferimento liminar da petição de oposição à execução – pelo que (suprida que está a falta de expressa citação/notificação para o executado se pronunciar sobre o pedido da exequente de fixação de prazo, pela própria iniciativa do executado de se pronunciar sobre tal pedido) apenas cumpre agora ao tribunal de 1ª instância dar seguimento ao procedimento de fixação de prazo para a prestação de facto em causa (demolição de construção), mediante a prolação de despacho que ordene a realização das «diligências necessárias» a que alude o nº 1 do artº 875º do NCPC.

Em suma: merece provimento o presente recurso – por se considerar que não havia motivo para o indeferimento liminar da petição de oposição à execução decretado pelo tribunal a quo –, devendo ser revogado o despacho de indeferimento liminar sob recurso, que será substituído por outro despacho que dê seguimento aos trâmites processuais estabelecidos para o incidente de fixação do prazo para a prestação de facto positivo, previsto nos artos 874º e 875º do NCPC, mediante a realização das «diligências necessárias» a que alude o nº 1 do citado artº 875º, nos termos que o tribunal de 1ª instância entender mais adequados.
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III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a presente apelação, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro despacho que dê seguimento aos pertinentes trâmites processuais, em conformidade com o disposto no artº 875º, nº 1, do NCPC, nos termos acima descritos.

Sem custas, por a exequente apelada a elas não ter dado causa (artº 527º, nos 1 e 2, a contrario, do NCPC).

Évora, 05 / 11 / 2015

Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)