Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
451/21.7T8ENT.E1
Relator: GRAÇA ARAÚJO
Descritores: PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Uma carta em que a instituição bancária comunica ao cliente que o PERSI em que o mesmo havia sido integrado se extinguiu por terem decorrido 91 dias, sem qualquer outra menção, não tem eficácia extintiva desse procedimento.
(Sumário pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

O Banco Comercial Português, S.A. instaurou contra A.P.O.R. execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, para dela haver o montante de 16.729,97€, titulado por livrança subscrita pela executada, com vencimento em 17.12.2020, acrescido de juros à taxa de 4% desde tal data e respectivo imposto de selo.
O tribunal convidou o exequente a esclarecer a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança e, sendo caso disso, a juntar os documentos comprovativos do cumprimento do PERSI quanto à executada.
O exequente juntou cópia do contrato de crédito pessoal celebrado com a executada em 23.10.2018 e cartas a ela dirigidas com datas de 7.4.2020 e 10.7.2020, reportando-se a primeira à sua integração no PERSI e a segunda à extinção do mesmo.
O tribunal proferiu a seguinte decisão:
Por intermédio de requerimento executivo datado de 11-02-2021, o "Banco Comercial Português, S.A." deduziu execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, contra A.P.O.R., melhor identificada nos autos, tendo apresentado como título executivo uma livrança alegadamente subscrita pela executada, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
Sob a ref.ª 86865622 de 07-04-2021 foi proferido despacho do seguinte (transcrito) teor:
«Face ao alegado no requerimento executivo, releva, para efeitos de apreciação da eventual sujeição ao disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, aferir da concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução e, a partir da~ se o exequente, sendo caso disso, deu cumprimento ao ali estipulado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
De facto, e na esteira do decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016 e do Tribunal da Relação do Porto de 09-05-2019 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt sob, respectivamente, Processos n.ºs 4956/14.8T8ENT-A.E1 e 21609/18.0T8PRT-A.P1), entendemos que sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável de conhecimento oficioso - artigos 573.º n.º 2, e 578.º do Cód. Proc. Civil».
Nessa medida, foi o exequente convidado a esclarecer qual a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução e, sendo caso disso, a juntar aos autos documentos comprovativos do cumprimento do PERSI relativamente à executada.
Em resposta junta sob a ref.ª 7628939 de 19-04-2021 veio esclarecer «que a livrança que constitui título executivo teve por base o contrato de crédito pessoal celebrado entre as partes», cuja cópia juntou, juntando ainda dois documentos que traduzem cartas enviadas no âmbito do PERSI.
Cronologicamente, a primeira dessas cartas, datada de 07-04-2020, dá conta à agora executada da respectiva integração no PERSI, fornecendo-lhe toda a informação relevante a esse propósito, considerando-se aqui o respectivo teor integralmente reproduzido.
A segunda carta é datada de 10-07-2020 e, no que aqui releva, tem o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Responsabilidade em incumprimento
N/Refª.: 00182443698DEX2
(…)
Vimos por este meio informar que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração de V. Ex. a no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, consideramos extinto o referido procedimento.
Assim, se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos.
(…)».
*
Resultando os factos relevantes do relatório vindo de enunciar, cumpre apreciar e decidir, enfrentando nomeadamente a questão de saber se a supra citada missiva datada de 10-07-2020 é ou não apta a comprovar o cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, sendo certo que deve ter-se por assente, na economia da decisão que importa tomar, a obrigatoriedade da inclusão - aliás expressamente reconhecida e levada a cabo pelo exequente - da executada no PERSI, a qual resulta nítida do confronto entre a natureza do contrato de crédito pessoal junto sob a predita ref.ª 7628939 de 19-04¬2021 e o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea c), daquele mesmo diploma legal.
Dito isto, dispõe aquele artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, nos seguintes termos:
«3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3».
Em cumprimento deste n.º 5, foi dado à estampa o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012), de cujo artigo 8.º, sob a epígrafe «[c]omunicação de extinção do PERSI», decorre o que segue:
«A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
b) Consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos;
c) Quando esteja em causa um contrato de crédito à habitação, informação acerca do regime constante do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro, na redação da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, relativamente à resolução e ao direito à retoma do contrato de crédito;
d) No caso de o cliente bancário estar abrangido pelo regime extraordinário de regularização do incumprimento de contratos de crédito à habitação, referência, quando tal decorra do referido diploma legal, ao direito do cliente bancário à aplicação de medidas substitutivas, bem como aos termos em que poderá solicitar a sua aplicação;
e) Identificação das situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito mantendo as garantias associadas ao PERSI;
f) Indicação dos elementos de contacto da instituição de crédito através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento».
Revertendo à situação dos autos, e salvaguardando o devido respeito por melhor opinião, estamos em crer que a supra citada comunicação alegadamente dirigida à executada em 10-07-2020 dando-lhe conta da extinção do PERSI em que havia sido integrada não satisfaz os requisitos enunciados, mormente os que foram objecto de sublinhados nossos.
Na verdade, à executada foi transmitido que o procedimento se extinguiu por «terem decorrido 91 dias da integração (…) no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito abaixo identificadas», mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-la em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, descrevendo os factos que determinaram a extinção do PERSI ou que justificaram a decisão de pôr termo ao mesmo.
Repare-se que na comunicação em causa o exequente se limitou a transcrever o que em parte resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º em apreço, omitindo por completo quaisquer «factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento».
Ora, tal como decorre do preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 227/2012, «[a} concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril
(…)
Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas».
Nessa medida, «define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor».
Num tal quadro, em que ali também são ponderadas as «assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito», o cumprimento do PERSI não pode, do nosso ponto de vista, ser olhado de soslaio ou como mero pró-forma, o que seria o caso dos autos se porventura o tribunal aceitasse como validamente cumprida a obrigatória comunicação de extinção daquele procedimento nos sobreditos termos que que foi levada a cabo pelo exequente.
Tudo ponderado, entendemos estar diante de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição da executada da instância executiva.
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Na defluência do exposto, decido julgar oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pelo exequente Banco Comercial Português, S.A.2 dos termos da obrigatória comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver a executada A.P.O.R. da instância executiva, indeferindo liminarmente o requerimento executivo - artigos 726.°, n.º 2, alínea b), 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
*

O exequente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
a) O Recorrente é Exequente nestes autos, pelos quais reclama da Executada a quantia de €16.836,75 proveniente da celebração de um contrato de crédito pessoal;
b) O Exequente deu entrada da respetiva ação executiva em 16 de Fevereiro de 2021;
c) Conforme resulta do teor do Requerimento Executivo, a livrança que constituía título executivo, foi preenchida em 17/12/2020, pelo valor de €16.729,97;
d) Em 08/04/2021, o Exequente foi notificado para em 10 dias "esclarecer qual a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução, bem como, juntar aos autos documentos comprovativos do cumprimento do PERSI relativamente à executada";
e) Em 19/04/2021, o Exequente juntou aos autos o contrato de crédito pessoal subjacente à emissão da referida livrança, bem como, as cartas enviadas à executada no âmbito do PERSI;
f) Em 30 de Abril de 2021 foi proferida sentença em que foi proferida a decisão em que se considerou verificada uma exceção dilatória inominada e consequentemente se decidiu pela absolvição da instância;
g) Ora, é justamente quanto a esta Decisão que se apresenta o recurso;
h) Não podendo o Recorrente conformar-se com a Sentença proferida, com os fundamentos que se explanarão seguidamente;
i) Conforme consta dos autos e se comprovou pela junção da respetiva carta enviada à executada, o Banco Exequente procedeu à integração da mesma em PERSI em 07/04/2020, tendo fornecido à executada toda a informação relativa ao respetivo Procedimento em que a mesma se encontrava agora integrada, conforme lhe é exigido por Lei;
j) Em 10/07/2020, o Banco Exequente remeteu nova carta, desta feita a informar a executada que o procedimento em que havia sido integrada (PERSI) se encontrava extinto por terem decorrido 91 dias desde a sua integração sem que as responsabilidades tivessem sido liquidadas ou renegociadas, nos termos a seguir transcritos:
"(…)";
k) Ora, no que respeita à extinção do PERSI dispõe o artigo 17.º do Decreto-Lei 227/2012 de 25/10 o seguinte:
1 - O PERSI extingue-se:
c) No 91.° dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação;
l) Ora, entendeu o Tribunal a quo que o Exequente não cumpriu adequadamente a extinção do PERSI;
m) Assenta o Tribunal a quo a sua decisão no facto de a carta enviada à executada não cumprir os requisitos enunciados no acima transcrito artigo 17.°, nomeadamente não cumprir com a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
n) Ora, tal não corresponde à verdade e a carta enviada cumpre, sim, os requisitos legais exigidos;
o) Ora, como resulta do citado artigo 17°, um dos motivos para que o PERSI se extinga é simplesmente o decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do PERSI;
p) Nada mais é aqui exigido para que a extinção deste Procedimento ocorra, isto é, basta que tenham decorridos 91 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI para que o procedimento se extinga, salvo se as partes acordarem por escrito a respetiva prorrogação, o que aqui não sucedeu;
q) Ora, da carta enviada é bem explícito que o motivo da extinção do PERSI é o decurso do prazo legal exigido desde a data da integração da executada em PERSI;
r) Isso resulta de imediato da leitura do primeiro parágrafo da carta, ou seja, o PERSI está extinto, pois ultrapassou os 90 dias em que o cliente obrigatoriamente tem de estar integrado neste procedimento;
s) Com este fundamento de extinção do PERSI, que é simplesmente o decurso do prazo legal, não existem quaisquer outros factos que determinem a sua extinção ou que justifiquem a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento que tivessem de ser explicados;
t) Não se tratou de uma decisão da Instituição, mas sim de uma imposição legal, ou seja, o PERSI extingue-se no 91º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento;
u) É este o fundamento legal indicado na carta e que culmina com a extinção do referido Procedimento, não existindo quaisquer outros factos que tenham determinado esta extinção e que assim tivessem de ser explicados na referida carta à executada;
v) A decisão do Tribunal a quo de considerar que estamos perante uma exceção dilatória inominada insanável é, com o devido respeito, excessiva e desproporcional;
w) Não estamos perante uma situação em que o Exequente não tenha cumprido com o que lhe é exigido como Instituição Bancária que é, por Lei, no que ao PERSI respeita;
x) A integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento são, sem dúvida, condições objetivas de procedibilidade da ação executiva e esta só pode ser instaurada verificadas as referidas condições, isto é, integração do mutuário devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este em suporte duradouro (designadamente, carta ou email);
y) Caso tal não se verifique, aí sim estamos perante uma exceção dilatória inominada;
z) Não foi de todo o que ocorreu no presente caso, pois como acima se demonstrou, o Recorrente cumpriu quer com a integração, quer com a extinção do PERSI;
aa) Entendeu, porém, o Tribunal a quo que a carta de extinção do PERSI enviada não cumpria os requisitos legalmente exigidos, o que também não corresponde à verdade;
bb) Conforme se verificou, a carta identifica claramente o motivo pelo qual foi o procedimento extinto, pelo que não existe qualquer exceção dilatória inominada insanável que determine a absolvição da executada da instância executiva;
cc) Instaurada execução sem que se mostrem verificadas as aludidas condições, tal virá a redundar na verificação de uma exceção dilatória inominada ou atípica, que necessariamente desembocará na absolvição do executado da instância executiva;
dd) O que não sucedeu no presente caso, pois o Recorrente demonstrou o respetivo cumprimento do PERSI nos termos em que lhe são legalmente exigidos.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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A única questão a tratar é a de saber se a carta datada de 10.7.20, alegadamente enviada à executada, extingue validamente o PERSI em que a mesma terá sido integrada pela carta datada de 7.4.20.

A) Conforme se diz no respectivo preâmbulo, o DL 227/2012, de 25.10 criou “procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias” e visou “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”.
Nesse contexto, pretendeu-se “estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
Definiu-se, nomeadamente, “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.
Os objectivos que nortearam a implementação do PERSI justificam que a actuação das instituições bancárias se paute por especiais esforços, diligência, celeridade e lealdade na sua actuação (artigos 4º nº 1 e 5º nº 2 do DL 227/2012).
Deveres que se concretizam na fase preliminar e de integração do cliente bancário no PERSI (artigos 12º, 13º e 14º), na fase de recolha de informações e documentos e de avaliação das razões do incumprimento, da situação financeira do cliente e da (im)possibilidade de regularização da dívida (artigo 15º nºs 1, 2 e 3), na fase de comunicação ao devedor do resultado dessa avaliação e, nomeadamente, da/s proposta/s de regularização que considere viáveis (artigo 15º nºs 4 e 5), na fase de negociação dessas eventuais propostas (artigo 16º) e na fase de extinção do procedimento (artigo 17º).

B) Sendo indispensável que o PERSI tenha início e fim definidos, já os demais actos podem ou não verificar-se consoante a situação concreta do devedor. A título meramente exemplificativo, pode ocorrer que a instituição bancária não necessite de documentos e/ou informações do devedor (porque, por hipótese, já deles dispõe); pode ocorrer que a instituição não conheça a situação financeira do cliente (porque, por hipótese, ele não forneceu as informações e documentos solicitados) e, por isso, não possa proceder a uma avaliação da situação; podem não existir negociações, (porque, por hipótese, o devedor nada respondeu à proposta apresentada).

C) As específicas vicissitudes que podem ocorrer no decurso de um concreto PERSI reflectem-se na causa de extinção do mesmo.
Assim, nos termos do artigo 17º, o PERSI extingue-se:
1º - por se ter revelado desnecessário, o que sucede quando a situação de incumprimento deixou de existir (nº1-a)), quando se alcançou um acordo de regularização da dívida (nº 1-b)) ou quando esse acordo é legalmente impossível (nº 1-d));
2º - por não se ter alcançado uma solução consensual para regularizar a dívida, o que sucede quando, pese embora a existência de propostas de regularização, as mesmas não colhem o acordo da parte contrária (nº 2-f) e g));
3º - por ser inviável qualquer plano de regularização, o que ocorre quando o devedor não dispõe de capacidade financeira, avaliada pela instituição bancária ou indiciada através de certos factos (nº 2-a), b) e c));
4º - por não se perspectivar a adesão do cliente bancário a qualquer eventual hipótese de regularização (e se considerar não ser ele merecedor da protecção legal), o que sucede quando ele omite a devida, necessária e atempada colaboração (nº 2-d)) ou quando pratica actos que evidenciam o oposto (nº 2-e).
Sendo certo que a instituição bancária pode obter vantagens com a implementação do procedimento em análise (maxime, quando consegue que o cliente cumpre a sua obrigação ou acorde num plano de regularização da dívida, até porque evita o recurso aos tribunais), não menos certo é que o PERSI representa para ela um compasso de espera no exercício dos seus direitos (vd. artigo 18º do DL 227/12). E, assim, estabeleceu a lei um período máximo para a pendência do procedimento (artigo 17º nº 1-c)).
A extinção do PERSI pelo decurso do prazo de 90 dias é aplicável a qualquer das situações previstas no nº 2 do artigo 17º do DL 227/2012, desde que a instituição bancária não tenha lançado mão da faculdade de extinção antecipada.
Mas, tendo em conta os objectivos que presidiram à criação do PERSI – e que acima enunciámos – o funcionamento da mencionada válvula de escape pressupõe que a instituição bancária desenvolveu os esforços que lhe cabiam, com diligência, celeridade e lealdade ou, dito de outro modo, pressupõe que não lhe possa ser imputado o insucesso do procedimento. Compreende-se que assim seja, bastando pensar na situação-limite em que uma instituição bancária comunicasse a um dado cliente incumpridor a sua integração no PERSI, não lhe pedisse qualquer informação ou documento nem nada mais fizesse, limitando-se a aguardar o decurso do tempo.
Mesmo atendo-nos ao caso dos autos – em que o exequente, quando comunica a integração da executada no PERSI, lhe solicita elementos – basta pensar na hipótese de tais elementos terem sido remetidos pela executada, sem que o exequente tenha desenvolvido qualquer diligência ulterior.
E é por isso que, mesmo que a extinção tenha como fundamento próximo o decurso do prazo, sempre terá de existir uma causa remota que exclua a imputação do insucesso do PERSI à instituição bancária.

D) A eficácia da extinção do PERSI depende da sua comunicação ao devedor, declaração receptícia essa que deve conter, na parte que agora nos interessa considerar, quer as razões de facto, quer a norma jurídica que fundamentam tal extinção (artigo 17º nºs 3, 4 e 5 e Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012).
Só assim, pode o cliente bancário aferir da regularidade e legalidade de todo o procedimento, em particular quando é demandado judicialmente pela instituição. E, tratando-se da extinção do PERSI, só conhecendo os concretos motivos que levaram à decisão da instituição bancária se podem, efectivamente, defender, seja no plano factual, seja em sede de cabimento legal.
Acresce que, estando em causa razões de interesse público, também se impõe que o tribunal conheça oficiosamente da questão.
Ora, comunicar que decorreram 91 dias deste a data da integração da executada no PERSI, sem qualquer outra menção fáctica e sem sequer indicar o dispositivo legal pertinente – como fez a apelante – é, como explicámos em C), praticamente o mesmo que nada dizer.
Não é, aliás, difícil para a instituição bancária comunicar ao cliente esses concretos fundamentos de extinção, uma vez que é suposto existir um processo para cada cliente, com toda a informação relevante (artigo 20º do DL 227/12).
Em consequência, temos por ineficaz a extinção do PERSI.
E tal acarreta, como se escreveu na decisão recorrida, o indeferimento liminar do requerimento executivo (artigo 726º nº 2-b) do Cód. Proc. Civ.).
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Por todo o exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação e, em consequência, mantemos a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Évora, 7 de Abril de 2022
Maria da Graça Araújo

Anabela Luna de Carvalho

Maria Adelaide Domingos