Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
73602/19.0YIPRT.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não resultando dos autos que a mutuante interpelou o mutuário para proceder ao pagamento das prestações em atraso, dentro de determinado prazo, sob pena de vencimento imediato das prestações restantes ou de resolução do contrato, em conformidade com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, do D/L n.º 133/2009, de 02.06, diploma legal que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores, não se pode considerar que a obrigação de amortização fracionada do capital em dívida e respetivos juros remuneratórios se transformou numa obrigação de pagamento do capital em dívida e juros respetivos, sujeita ao prazo prescricional de 20 anos.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 73602/19.0YIPRT.E1

(1.ª Secção)

Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…), Europe, Limited, autora na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias movida contra (…), interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Olhão, juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou que o capital e juros peticionados na ação prescreveram em 30 de maio de 2019 e, em conformidade, absolveu o réu do pedido.

A decisão sob recurso tem o seguinte teor:
«Exceciona a Ré a prescrição das prestações de amortização de capital e dos juros peticionados relativos ao período compreendido entre 30/09/2010 até 30/05/2014 tendo em conta que a Requerente interpôs o presente procedimento de injunção em 04.09.2019 e o prazo de prescrição das referidas obrigações se previsto no artigo 310.º do CPC.
Em resposta veio a Autora, alegar que se trata de um contrato de crédito pessoal, onde foi concedido um crédito de € 5.510,44, e que o Requerido não pagou as rendas vencidas após 30/09/2010, sendo que a última se venceu a 30/05/2014. O contrato de mútuo em referência é um documento, cujo montante é determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, razão pelo qual foi admitido na Injunção e a mesma só foi à distribuição por oposição do Requerido, caso contrário a Injunção seria um título Executivo, razão pela qual vale, no caso, o prazo de prescrição de 20 anos.
Cumpre decidir.
"O tempo é também na vida do direito um importante fator, um grande modificador das relações jurídicas" (Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4a edição, Almedina, 1995, pago 729), o que claramente se comprova com o instituto jurídico da prescrição.
Esta será "o meio por que, havendo decorrido o tempo fixado na lei e verificando-se as demais condições por esta exigidas, se adquirem direitos pela posse, ou extinguem obrigações por não se exigir o seu cumprimento (Albano Ribeiro Coelho, Prescrições de Curto Prazo, Jornal do Foro, Ano 27, 142-143-144, Jan-Set., 1963, pág. 54): "pela prescrição o devedor adquire o direito de se libertar do cumprimento da obrigação, alegando-a e paralisando consequentemente a ação do credor" (Guilherme Moreira, Instituições de Direito Civil Português, II, pág. 239).
O fundamento dominante deste instituto jurídico, assenta na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciado ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de proteção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)" (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7.ª reimpressão, Almedina, 1987, página 445; Paolo Vitucci, La Prescrizione, Tomo primo, Art. 2934-2940, Giuffré Editore, Milano, 1990, págs. 20 a 28).
Repare-se, por outro lado, que nele são também relevados interesses de ordem pública (Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, Lisboa, 1988, pág. 63), ligados à certeza e segurança jurídicas ("as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida" – Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 446), à proteção dos devedores ("contra as dificuldades de prova a que estariam expostos no caso de o credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido" – ob. loc. cit.; Karl Larenz, ob. cit., págs. 328¬329), de estímulo e pressão educativa sobre "os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles" (Manuel de Andrade, ob. loc. cit.).
A situação é particularmente clara no caso da prescrição negativa ou extintiva ("instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos" – Manuel de Andrade, ob. cit., pago 445), caracterizada "pelo facto de, não havendo sido pedido o cumprimento duma obrigação durante o prazo fixado na lei, o credor PERDER o direito respetivo" (Albano Ribeiro Coelho, ob. cit., pág. 54).
Assim e concretizando, podem sistematizar-se como requisitos deste conceito: "a existência dum direito; o seu não exercício por parte do titular; e o decurso do tempo" (Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4.ª edição, Almedina, 1995, pág. 729; Rubén Stiglitz, Contratos-Teoria General, I, Ediciones Depalma, 1994, págs. 769-770), sendo que, "verificados estes elementos, a prescrição procede" (Albano Ribeiro Coelho, ob. cit., pág. 54), perdendo o direito alegado, a sua eficácia.
Em concreto, no Código Civil Português, a matéria vem regulada nos artigos 298.° e 300.° a 327.°, do Código Civil e ainda em normas especiais deste (artigos 430.°, 482.°, 498.°, 500.°, 521.°, 530.°, 636.°), sendo evidente a dicotomia criada entre prescrições extintivas (artigos 309.° a 311.°, 498.°, CC) e presuntivas (artigos 312.° a 317.°, CC; as quais não produzem, como nas anteriores, "a extinção do direito, dando lugar apenas a uma presunção de cumprimento, que pode ser ilidida, embora só pelo meio previsto no artigo 313.°", tendo como ratio "a presunção de cumprimento de obrigações, nascidas de relações da vida quotidiana, cujo pagamento costuma ocorrer sem demora" – Rodrigues Bastos, ob. cit., págs. 76 e 77).
Como se viu, o crédito reclamado pela Autora nesta ação emerge de um contrato de crédito ao consumo celebrado com o Réu, contrato esse que à data da sua celebração – 30.05.2010 – era regido pelo DL n.º 133/2009, de 02/06, ainda em vigor, o qual procedeu à transposição para o direito interno da Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores.
Como refere o Acórdão da RE de 08.06.2017, "Tal diploma regula um fenómeno característico da sociedade hodierna que permite ao consumidor recorrer ao crédito para fazer face à maioria das aquisições que pretenda efetuar.
Aliás, o crédito é uma operação que permite a uma pessoa obter imediatamente uma prestação e pagar o respetivo valor mais tarde.
O reembolso do crédito é efetuado com acréscimo da remuneração juros remuneratórios) e outros encargos, regra geral segundo um plano prestacional de restituição acordado entre as partes.
O crédito ao consumo caracteriza-se por estar afeto a necessidades pessoais ou familiares – de aquisição de produtos ou serviços – por oposição ao que é concedido para fins profissionais ou empresariais.
Para cada uma destas prestações acordadas, as partes convencionaram que a respetiva liquidação se faria mensalmente."
São indícios que revelam a existência de quotas de amortização do capital pagáveis com os juros: i) a circunstância de as quotas serem integradas por duas frações – uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; ii) o facto de serem acordadas prestações periódicas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente e que se vencerão uma após outra.
E, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização de capital pagáveis com os juros.
O credor pode optar por aguardar pelo decurso temporal convencionado de acordo com o programa contratual inicialmente estabelecido, procedendo então à cobrança da integralidade das prestações em dívida, que foi o que fez a Autora, sendo que, como se refere no acórdão citado, não se pode deixar de considerar que o crédito reclamado está contemplado na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil e, por conseguinte, sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos.
Alegou a Autora, na petição inicial, que o R. deixou de liquidá-Ias a partir de 30.09.2010 (no decurso da vigência do contrato em apreço) e que o montante reclamado corresponde às prestações que se venceram desde essa data até ao vencimento da última das prestações a 30.05.2014, subsistindo por pagar, nessa data, do capital mutuado a quantia total de € 5.335,10, a que acrescem juros, que, na presente ação, reclamou.
Ora, considerando que a ação foi interposta a 04.09.2019, não temos dúvidas de que a dívida peticionada quer a título de capital quer de juros se encontra prescrita.
Adiante-se que o alegado pela Autora, de caso o Ré não se opusesse à injunção o referido contrato de mútuo seria título executivo e que se aplicaria ao caso o prazo ordinário de 20 anos é tese descabida e sem suporte lega, pois se o contrato de mútuo fosse titulo executivo, a Autora não intentaria a injunção mas sim a execução e é um direito do Ré deduzir oposição à injunção.
A verdade é que a Autora não invocou a perda de benefício do prazo, nos termos do artigo 200.º do diploma legal que disciplina o crédito ao consumo, caso em que poderia aplicar-se o prazo ordinário de 20 anos.
Pelo exposto, quer o capital, quer os juros, prescreveram em 30 Maio de 2019, procedendo, assim, a invocada exceção de prescrição alegada pelo réu, devendo o réu, em consequência, ser absolvido do pedido.
Registe e notifique.»

I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A) Entende assim, a Autora, ora Recorrente, não existir prescrição invocada pelo R.
B) A Autora peticionou o pagamento da dívida relativa contrato de mútuo com o n.º (…), vencida em 30/09/2010, no valor de € 5.335,10, acrescido de juros.
C) No caso em apreço estamos perante uma obrigação única decorrente da resolução de um contrato de mútuo, sendo que o vencimento de todas as prestações referentes ao mesmo se efetivou numa Única data (30/09/2010).
D) Assim, o montante peticionado pela Autora não corresponde ao valor respeitante a várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomo, mas sim, ao total do capital em dívida à data do incumprimento em 30 de Setembro de 2010, acrescido dos juros vencidos.
E) Face ao incumprimento verificado do pagamento de uma das prestações acordadas, verificou-se o vencimento imediato das restantes e, logo, a consequente perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações.
F) No caso concreto o que é considerado é o valor em dívida desde o incumprimento, que assume a natureza de obrigação unitária, que engloba não só o capital, mas também os juros e, por isso, encontra-se sujeito a um prazo de prescrição ordinário.
G) Porquanto, o valor em dívida não corresponde a “… obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações …”, como se esclarece no Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 29-09-2016, Processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
H) Pelo que, resulta do artigo 309.º do Código Civil que a obrigação de restituição do capital mutuado encontra-se sujeita ao prazo geral de 20 anos, acrescido dos respetivos juros.
I) Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-04- 2016, no âmbito do Processo n.º 525/14.0TBMGR-A.C1, onde decidiu que “Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.”
J) Entende assim, a Autora, ora Recorrente, não existir razão para que sejam considerados prescritos quer o capital quer os juros,
K) Devendo, para o efeito, ser o Réu condenado ao peticionado pela Autora.
L) O Tribunal recorrido efetuou uma errada interpretação das normas legais relativas à prescrição de obrigações.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada e o R. ser condenado no pedido, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

I.3.
Na sua resposta às alegações de recurso, o recorrido sustentou a improcedência do recurso.
I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
No caso em apreço a única questão que cumpre decidir é saber se o crédito peticionado nos autos está sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no art. 309.º do Código Civil.

II.3.
Resulta dos autos a seguinte factualidade:
1 – Em 30 de maio de 2010, o Banco (…) celebrou com o (…) um contrato de crédito pessoal, nos termos do qual foi o primeiro concedeu ao segundo um crédito no montante de € 5.510,44, com uma taxa de juro de 13%, à qual acresceria uma taxa de 3%, em caso de mora.
2 – Nos termos do acordado, a quantia acima mencionada seria liquidada em 48 prestações.
3 – (…) deixou de pagar as rendas vencidas após 30.09.2010.
4 – Mediante contrato de cessão de créditos celebrado em 29.06.2017, o Banco (…) cedeu à autora um conjunto de créditos de que era titular, incluindo o peticionado nos autos.
5 – A autora apresentou requerimento de injunção em 26.07.2019, peticionado o pagamento de juros desde a data do último vencimento, no montante de € 2.598,76, bem como o valor de capital de € 5.335,10.

II.3.
Mérito do recurso
Está em causa no presente recurso o acerto da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância o qual julgou procedente a exceção de prescrição invocada em sede de oposição pelo réu/recorrido relativamente às prestações de amortização de capital e dos juros peticionados relativos ao período compreendido entre 30.09.2010 e 30.05.2014 e, em conformidade, absolveu o mesmo do pedido.
Resulta da decisão recorrida que o tribunal considerou que o prazo de prescrição da obrigação imputada ao réu/recorrido é o previsto no art. 310.º, alínea e), do Código Civil – e não o prazo de prescrição ordinário de 20 anos contemplado no art. 309.º do mesmo diploma normativo – porquanto o crédito invocado pela autora/apelante consiste em quotas de amortização de capital pagáveis com os juros.
A apelante, por sua vez, defende que «no caso em apreço estamos perante uma obrigação única decorrente da resolução de um contrato de mútuo, sendo que o vencimento de todas as prestações referentes ao mesmo se efetivou numa única data (30.09.2010). Assim, o montante peticionado pela autora não corresponde ao valor respeitante a várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomo, mas sim ao total do capital em dívida à data do incumprimento em 30 de setembro de 2010, acrescido dos juros vencidos. Face ao incumprimento verificado do pagamento de uma das prestações acordadas verificou-se o vencimento imediato das restantes e, logo, a consequente perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações. No caso concreto, o que é considerado é o valor em dívida desde o incumprimento, que assume a natureza de obrigação unitária, que engloba não só o capital, mas também os juros e, por isso, encontra-se sujeito a um prazo de prescrição ordinário». Ou seja, o apelante entende que com o incumprimento do plano de amortização da dívida, ocorrido em 30.09.2010, todas as demais prestações se venceram de imediato, pelo que o valor em dívida deixou de ser o valor de cada uma das prestações restantes, com diferentes datas de vencimento, mas antes todo o capital em dívida àquela data e juros respetivos, portanto uma obrigação única, sujeita ao prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O crédito que foi reclamado pela autora/recorrente resulta de um contrato de crédito pessoal, celebrado em 30.05.2010, o qual é regulado pelo D/L n.º 133/2009, de 02.06[1], diploma legal que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores.
Para efeitos da aplicação do diploma acima referido, entende-se por “contrato de crédito” «o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forme de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante» (cfr. art. 4.º, n.º 1, al. c)) e por “custo total do crédito para o consumidor” «todos os custos, incluindo juros, comissões, despesas, impostos e encargos de qualquer natureza ligados ao contrato de crédito que o consumidor deve pagar e que são conhecidos do credor, com exceção dos custos notariais. Os custos decorrentes de serviços acessórios relativos ao contrato de crédito, em especial os prémios de seguro, são igualmente incluídos se, além disso, esses serviços forem necessários para a obtenção de todo e qualquer crédito ou para a obtenção do crédito nos termos e nas condições de mercado» (art. 4.º, n.º 1, al. g)).
A autora/recorrente alegou que o Banco (…) concedeu ao recorrido um financiamento no montante de € 5.510,44, com uma taxa de juros de 13% acrescida de uma sobretaxa de 3%, em caso de mora, e que a restituição do crédito seria liquidada em 48 prestações. Isto é, como contrapartida do financiamento que lhe foi concedido, o réu/recorrido obrigou-se à restituição do valor mutuado, acrescido dos respetivos juros remuneratórios calculados à taxa de 13%, valor repartido em 48 prestações que deveriam ser pagas com uma periodicidade mensal e no montante previamente acordado entre os outorgantes.
A obrigação contratualmente assumida pelo réu/apelado é, portanto, uma obrigação de prestação fracionada ou repartida, em que a obrigação de pagar o valor mutuado e os respetivos juros remuneratórios se cumpre em frações sucessivas durante um certo período de tempo, mas em que este último não exerce influência no seu montante[2]. Cada uma das frações faz parte de um plano de amortização, abrangendo capital e os juros remuneratórios, e cada uma delas tem um prazo de vencimento autónomo, sendo a dívida amortizada na medida em que se vai cumprindo cada uma das prestações.
Resulta dos autos que o recorrido deixou de liquidar as prestações acordadas após 30.09.2010.
Dispõe o art. 781.º do Código Civil, sob a epígrafe Dívida liquidável em prestações, que:
«Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma elas importa o vencimento de todas».
Este regime diz respeito às obrigações de prestação fracionada, pressupondo que o incumprimento seja imputável ao devedor.
Como refere Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Volume II, 4.ª Edição 1990, Almedina. Coimbra, p. 52, «o inadimplemento do devedor, quebrando a relação de confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações previstas para futuro. O credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido». E adianta aquele autor: «O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor. A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui».
Como acima assinalámos, o regime jurídico relativo ao contrato dos autos está regulado no D/L n.º 133/2009, de 02.06, em cujo preâmbulo se lê: «na linha do disposto nos arts. 934.º a 936.º do Código Civil, estabelecem-se novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações, impedindo-se que, de imediato, o credor possa invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato» (itálico nosso). Em conformidade, dispõe o art. 20.º, n.º 1 daquele diploma legal, sob a epígrafe Não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o seguinte:
«1 – Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito;
b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas de eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contato.»
Assim, de acordo com o referido normativo legal, em caso de incumprimento contratual do mutuário, o mutuante só pode exigir ao primeiro a satisfação imediata de todas as prestações restantes ou resolver o contrato se o tiver previamente interpelado para que proceda ao pagamento das prestações em atraso, no prazo (suplementar) que lhe fixar e com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
Acontece que, in casu, no requerimento de injunção e também no seu articulado de resposta à exceção de prescrição, a apelante nunca alegou que o mutuário foi interpelado para proceder ao pagamento das prestações em atraso, dentro de determinado prazo, sob pena de vencimento imediato das prestações restantes ou de resolução do contrato. Consequentemente, não se pode considerar, como pretende a apelante, que a obrigação de amortização fracionada do capital em dívida e respetivos juros remuneratórios se transformou numa obrigação de pagamento do capital em dívida e juros respetivos, sujeita ao prazo prescricional de 20 anos.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar que as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, prescrevem no prazo de cinco anos. Cita-se o Acórdão do STJ de 29.0.2016, proferido no processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt e citado nas alegações de recurso e contra alegações, no qual se escreveu o seguinte: «note-se que, efetivamente, no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fracionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações. Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310.º, já que, por explícita opção legislativa, esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada alínea e) que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelar ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para a amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310.º».
E, mais recentemente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.01.2020, processo n.º 4518/17.8T8LOU.A.P1.S1, escreveu-se no respetivo sumário que: «I. Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização. II. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e) do Código Civil».
Decorrendo da factualidade provada que ficou contratualmente previsto que o financiamento concedido ao réu/recorrido seria por este pago mediante o pagamento de 48 prestações, de valor predeterminado, as quais incluíam não apenas o capital mutuado mas também os juros remuneratórios, a cada uma das prestações incumpridas aplica-se o prazo prescricional previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, o qual se começa a contar-se a partir da exigibilidade da obrigação, de acordo com o disposto no artigo 306.º do CC.
Assim sendo, na data em que a ação foi proposta, as prestações de amortização de capital e juros peticionados e relativos ao período compreendido entre 30.09.2010 até 30.05.2014 já se encontravam prescritas, por força do disposto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, não merecendo censura a decisão sob recurso.

Sumário:
(…)

III. DECISÃO
Em face do exposto, julgam improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas de parte pela recorrida na presente instância recursiva, nos termos dos arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do CPC).
Notifique.
Évora, 3 de dezembro de 2020
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato

_________________________________________________
[1] O qual entrou em vigor em 01.07.2009 (cfr. art. 37.º).
[2] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mora Pinto, Coimbra Editora, p. 660.