Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3/14.8GAPSR.E2
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: REENVIO DO PROCESSO
TRIBUNAL COMPETENTE
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário:
I – A participação do Juiz em julgamento é causa de impedimento de intervenção no julgamento do reenvio decretado pelo tribunal da Relação.

II - A realização do novo julgamento pelo mesmo colectivo que interveio no julgamento anterior, integra a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. a) do CPP.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
No Processo Comum nº 3/14.8GAPSR, que correu termos no Tribunal da Comarca de Portalegre, Instância Central, Secção Cível e Criminal, por acórdão do Tribunal Colectivo depositado em 8/3/16, foi decidido (suprimindo-se referências a outros arguidos, já que, conforme se refere no respectivo relatório esta só afecta o arguido A.):

a) Absolver os arguidos A., (…) como co-autores, da prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente, p. e p. pelo art. 24º, al.s. a), b) e c), com referência ao art. 21º, nº 1, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e à Tabela C-I, anexas ao referido diploma, e arts. 26º e 27º do Cód. Penal.

b) Absolver o arguido A. da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, al. d), com referência ao art. 2º, nº 1, al. m), art. 3º, nº 2, al. f), e art. 4º, nº 1, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

c) Condenar o arguido A. pela prática, como autor, de um crime de tráfico de produto estupefaciente, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
(…)
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados (com omissão dos relativos às condições pessoais e ao Registo Criminal de arguidos não recorrentes):

1 - Os arguidos A. e B., não exercem atividade profissional, não auferindo salário ou outro modo de pagamento por serviços que prestem pelo exercício do seu trabalho de forma regular, nem têm rendimentos provenientes de direitos lícitos.

2 - Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Dezembro ano de 2013 e até ao dia 12 de junho de 2014, os arguidos A. e B. dedicavam-se à venda de produtos estupefacientes, designadamente canábis, folhas, sumidades floridas ou frutificadas secas de canábis, vulgo “erva”, que o primeiro cultivava e à venda de cabanis resina, haxixe, conforme infra descrito.
*
3 - O arguido A., no periodo temporal referido em 2, adquiria canábis resina e haxixe em local e a pessoa não identificados, com uma periodicidade pelo menos quinzenal, em placas de 100 gramas, com o custo de € 200,00.

4 - Após, procedia à divisão do produto em tiras, com um peso que oscilava entre as 4 e 5 gramas cada uma, destinando-as à venda a consumidores por € 5, € 10 ou € 20, de uma ou duas gramas cada uma, fazendo com cada placa 20 ou 25 tiras, auferindo € 400,00 ou € 500,00, respectivamente e no total, resultando um lucro entre os € 200,00 e os € 300,00 por cada placa de produto.

5 - Para o desenvolvimento da sua actividade, designadamente para a aquisição e venda de produto estupefaciente, o arguido A. deslocava-se para fora da sua residência utilizando um veículo de marca Opel, modelo Astra, com a matrícula ---QM, da sua propriedade, fazendo a venda direta a consumidores.

6 - O arguido B. utilizava a viatura de marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula ---MQ, adquirida por si ao arguido A., para fazer a entrega de produto estupefaciente a consumidores em Galveias, Tramaga, Domingão, Água Todo-o-Ano e Vale da Bica, fazendo a entrega de produto estupefaciente a consumidores.

7 - Os arguidos A. e B. recebiam as encomendas directamente dos consumidores, por via dos respectivos telemóveis, sendo o pedido do produto efetuado quer através de chamada, quer através de mensagem escrita, utilizando-se códigos para identificar o produto e quantidade pretendida.

8 - Estes arguidos, que residiam na mesma casa, também procediam à entrega do estupefaciente na sua residência, após o prévio contacto telefónico dos consumidores, sendo que, por vezes, estes não batiam à porta nem tocavam à campainha.

9 - Diariamente recebiam diversos consumidores para proceder ao fornecimento do produto estupefaciente.

10 – Em data não concretamente apurada, no mês de Maio de 2014, o arguido C., porque o arguido A. assim lhe pediu, entregou o equivalente a € 5 de estupefaciente a JS, que entregou o dinheiro directamente ao arguido A..

11 - No dia 12 de junho de 2014, os arguidos A. e B. possuíam, no interior da residência comum, sita no Bairro…, Ponte de Sor:

3 pedaços de haxixe (resina), com o peso líquido de 11,280 gramas, correspondente a 34 doses, com um grua de pureza de 15,3%;
Parte de uma placa de haxixe (resina), com o peso bruto de 82,560 gramas, correspondente a 242 doses, com um grau de pureza de 15%;
1 bolota de haxixe (resina), com o peso bruto de 9,720 gramas, correspondente a 32 doses, com um grau de pureza 18,8%;
3 computadores;
2 trituradores manuais e 1 cachimbo com resíduos de canábis;
3 telemóveis;
€ 280,00 em notas;
4 pedaços de plástico destinados a embalar produto estupefaciente.

12 - No mesmo dia, na residência do C., sita na Rua…, Ponte de Sor, encontravam-se os seguintes objetos:

2 plantas de canábis com um altura entre os 15 e os 25 cm, com o peso líquido de 8,350 gramas, correspondente a 4 doses, com um grua de pureza de 2,9;
1 telemóvel.

13 - Paralelamente, e também no mesmo período temporal referido em 2, o arguido A. dedicava-se ao cultivo de plantas canábis, o que fazia, pelo menos, na residência dos arguidos MD e JM, os quais vivem em condições análogas às dos cônjuges, em Vale das Mós.

14 - Nesta atividade de cultivo, este arguido utilizava estufas adequadas e equipadas para o efeito, bem como outros produtos necessários e essenciais para o tratamento das plantas.

15 - Todo o equipamento utilizado no cultivo das plantas canábis, incluindo as sementes, encontrava-se guardado e acondicionado na residência dos arguidos MD e JM, que conhecendo bem a natureza das plantas, a proibição do seu cultivo, nunca se opuseram à atividade e, ainda, forneciam água e energia elétrica para o desenvolvimento da produção.

16 - Atingida a maturidade das plantas, o arguido A. procedia à sua secagem e introduzia-as no circuito de tráfico de produtos estupefacientes, vendendo-as em partes secas por macerar, como por exemplo, cabeças floridas ou frutificadas, de peso variável e pelo valor de € 5, € 10 ou € 20.

17 - No dia 12 de junho de 2014, na residência dos arguidos MD e JM, sita na Rua…, Vale das Mós, encontravam-se os seguintes objetos relacionados com a actividade do tráfico:

6 sacos e uma caixa contendo sementes de canábis, com o peso líquido de 13,364 gramas, acondicionados numa caixa de madeira;
um saco de sementes acondicionada numa caneca, com o peso líquido de 0,145 gramas;
um pedaço de haxixe acondicionado numa caneca, com o peso líquido de 0,222 gramas, inferior a uma dose, com um grau de pureza de 4,4%;
folhas e sumidades secas de liamba acondicionadas numa caixa de cartão com o peso líquido de 229,950 gramas, correspondente a 13 doses, com um grau de pureza de 0,3%;
folhas e sumidades de liamba acondicionadas numa caixa de madeira, com o peso líquido de 10,350 gramas, correspondente a uma dose, com um grau de pureza de 0,5%;
6 caixas de cartão destinadas a secar ramos de canábis, com resíduos de liamba no interior;
1 caixa de cartão destinada a secar ramos de canábis;
1 caixa com um fragmento de haxixe com o peso líquido de 1,080 gramas, correspondente a uma dose, com um grau de pureza de 7,1%;
1 pulverizador, 5 caixas com fertilizantes, 1 medidor de temperatura e 1 tomada eléctrica com programador, todos destinados ao auxílio no cultivo dos plantas de canábis;
1 estufa portátil que se encontrava em funcionamento, contendo no interior 1 lâmpada de aquecimento, 1 transformador de corrente eléctrica, 1 extrator/exaustor e 2 mangas de fumos, bem como 12 plantas de canábis em vaso com cerca de 25 a 50 centímetros cada uma, com o peso líquido de 155, 770 gramas, correspondente a 31 doses, com um grau de pureza de 1%;
1 estufa portátil desligada e equipada de forma a funcionar, contendo 2 lâmpadas de aquecimento e 3 extensões eléctricas;
24 vasos vazios, 28 pratos vazios, 1 caixa de carvão vulcânico para retirar humidade e um extrator de humidade, tudo destinado a ser utilizado no cultivo de plantas canábis;
1 navalha, de marca Opinel – Savoi – France, com 12,1 centímetros lâmina.

18 - Para a venda deste tipo de produto, este arguido agia em conjugação de esforços com o arguido JH, nos mesmos termos em que procedia à venda do outro produto.

19 - Com esta atividade, os arguidos A. e B. auferiam quantias monetárias, que resultam da diferença entre o preço da aquisição e produção do produto e o preço da venda do mesmo aos consumidores.

20 - Estes arguidos agiam vigiando em redor do local onde se encontravam e com cautela nas conversações telefónicas, nunca se referindo explicitamente ao tipo de produto, às quantidades e ao preço.

21 - A descrita conduta apenas cessou devido às apreensões efetuadas e à detenção do arguido A..

22 - Os arguidos conheciam bem a natureza estupefaciente dos referidos produtos e sabiam que a sua aquisição, cultivo, detenção, transporte e comercialização é proibida.

23 - Ainda assim, os arguidos A. e B. quiseram adquirir o produto para proceder à sua venda, e o arguido A. quis cultivar canábis para vender, auferindo proveito monetário, o que conseguiram.

24 - Os arguidos MD e JM quiseram e conseguiram prestar ajuda material ao arguido A. para o fomento da atividade de cultivo de plantas canábis, e o arguido C. quis e ajudou materialmente o mesmo arguido na venda descrita em 10.

25 - Todos os arguidos, A, B, MD, C. e JM, agiram de forma livre, deliberada e consciente, apesar de conhecerem a proibição e punição penal da conduta.

26- Os arguidos A, B, C, MD e JM não apresentam antecedentes criminais.
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32 - O arguido A. viveu até aos 25 anos em Alverca; tendo crescido num agregado familiar estruturado e com condições económicas favorecidas; frequentou ao 7º ano de escolaridade, tendo abandonado a escola com 13/14 anos; no âmbito do programa “Novas Oportunidades” concluiu o 12º ano de escolaridade; inicio o consumo de estupefacientes com 14 anos de idade, inicialmente haxixe e depois heroína; ajudava a mãe no restaurante por esta explorado e submeteu-se sem êxito a diversos tratamentos à toxicodependência; a sua actividade laboral é inconsistente e ocorreu na área da restauração e em trabalhos sazonais na agricultura; tem um filho com 28 anos com o qual mantém laços de afectividade; aos 40 anos voltou a constituir família com a co-arguida C; tem sido acompanhado, estando o seu problema aditivo controlado; apresenta deficiente capacidade para assumir responsabilidades e apresenta riscos assentes na ausência de projectos pessoais e tem fraco juízo critico.

O mesmo acórdão julgou os seguintes factos não provados:

1- Que os arguidos MD e C. não exercem actividade profissional, e que os arguidos A e B não têm rendimentos provenientes de direitos lícitos.

2 - Que a actividade descrita no nº 2 dos factos provados se desenvolvesse desde 2012 e também o fosse pelos arguidos MB e C.

3 - Que o arguido A., nas circunstâncias descritas no nº 3 dos factos provados adquirisse com uma periodicidade semanal.

4 - Que nas circunstâncias referidas em 5 o arguido A. fizesse a venda especificamente a consumidores da sua faixa etária e alguns mais novos, e nomeadamente em Vale de Açor, Montargil, Vale das Mós e Brunheirinho.

5 - Que a viatura de matricula ---MQ nas circunstâncias referidas em 6 dos factos provados pertencesse a A. e que o arguido A, fizesse entregas especificamente a consumidores da sua faixa etária e alguns mais jovens, designadamente menores de idade.

6 - Que a arguida MB tivesse intervenção no descrito em 7 dos factos provados e que fosse utilizado o telefone da rede fixa.

7 - Designadamente, nos dias 10 de maio de 2014, 13 de maio de 2014, 14 de maio de 2014, 01 de junho de 2014, 07 de junho de 2014 e 11 de junho de 2014, a arguida MB vendeu produto estupefaciente ao consumidor N, tendo este efetuado a encomenda através de mensagem escrita proveniente do telemóvel com o número 93----, utilizando como código para identificação do produto “vinte azevias” e “quarenta azevias”.

8 - Que nas circunstâncias referidas em 8 dos factos provados os consumidores demoravam-se naquela residência apenas o tempo necessário para fazer a troca do produto pelo pagamento.

9 - Quando os arguidos A.e B. recebiam encomendas de produto estupefaciente de um grupo de consumidores que não pretendiam receber na sua residência, nem contactar noutro local, entregavam o produto correspondente à encomenda ao arguido C. para que este fizesse a entrega diretamente àquele grupo de consumidores.

10 - O arguido C. recebia, assim, o produto doseado e destinado a ser entregue a consumidores que os demais identificavam, procedia à entrega e recebia o pagamento.

11 - Que os objectos apreendidos descritos em 11 também pertencessem à arguida MB.

12 - Que os objectos apreendidos referidos em 12 se destinassem à actividade de tráfico.

13 - Que a actividade descrita em 13 se desenrolasse desde junho de 2013.

14 - Que os arguidos MD e JM soubessem que as plantas se destinavam a ser vendidas a consumidores daquele tipo de produto mediante contrapartida económica.

15 - Que na actividade descrita em 18 interviessem os arguidos MB e C..

16 - Que na actividade de venda de estupefacientes os arguidos A. e B. auferissem de avultadas quantias monetárias, e que essa actividade fosse a sua única fonte de rendimento.

17 - O arguido A. conhecia igualmente a natureza da navalha que possuía, bem sabendo que a sua detenção era proibida e que ao possuí-la incorria em responsabilidade penal. Contudo, quis e conseguiu ser possuidor da mesma.

Do acórdão proferido o arguido A. veio interpor recurso devidamente motivado, tendo formulado as seguintes conclusões:

1.Objecto do Recurso – O presente recurso vem interposto de acórdão depositado em 08 de Março de 2016, por via do qual os juízes que constituem o tribunal colectivo de Portalegre, se decidiram pela condenação do ora recorrente A., pela prática como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão. Na verdade e salvaguardado o devido respeito, o ora recorrente com tal condenação não se pode de maneira alguma conformar. Aliás, neste particular cumpre afirmar que para o ora recorrente, a presente condenação que ora se impugna é, salvo melhor opinião, injusta.

2.Questão Prévia.

A) Dispõe o artigo 426º do Código de Processo Penal que, sempre que existirem os vícios referidos nas alíneas do nº2 do artigo 410º do CPP, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio. E se é verdade que o vício existe apenas na decisão e não nos meios de prova que sustentaram a respectiva decisão de facto. Não é menos verdade, que num quadro de reenvio em que a actividade judicativa está plena e diafanamente definida, em ordem a averiguar os factos relativos à duração temporal das condutas do arguido, tal só é alcançável por via da produção dos meios de prova, em audiência de julgamento. Donde, ao reputar desnecessário a produção dos meios de prova em audiência de julgamento, no quadro da actividade judicativa, definida em sede de reenvio, em ordem a averiguar tais factos, mal interpretou o tribunal de 1ª instância, o sentido normativo plasmado no nº1 do artigo 426º do CPP. Pelo que somos a afirmar que o nº1 do artigo 426º do CPP é inconstitucional na interpretação normativa (implícita no acórdão recorrido) de que, no âmbito da decisão de reenvio para novo julgamento, no quadro da actividade judicativa, definida pelo Tribunal da Relação de Évora, não ser necessário a produção dos meios de prova em audiência de julgamento, em ordem a averiguar os factos relativos à duração temporal das condutas do arguido. Em nosso modo de ver, tal entendimento normativo é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20º e 32° nº1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, no quadro de um processo justo e equitativo. Inconstitucionalidade, que a defesa vem prontamente invocar, para os devidos e legais efeitos.

B) De acordo com a Lei nº48/2007, de 29/8, que alterou profundamente o sistema de reenvio, a declaração dos vícios do artigo 410º nº2, visa agora a repetição do julgamento pelo mesmo tribunal, embora com composição pessoal diferente. E tal interpretação decorre por força do artigo 40º alínea c) do CPP. Donde, esse novo julgamento da matéria de facto, com correspondente implicação na decisão de direito, e abrangendo a totalidade do objecto do processo (como é o caso presente, quanto ao arguido A.), deverá ser realizado no tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do eventual impedimento resultante do disposto no artigo 40º do CPP. Somos pois a sustentar que esta repetição não pode ser levada a cabo pelos juízes que procederam ao julgamento anterior.

Donde, entendemos por verificada a nulidade insanável consagrada no artigo 119º alínea e) do CPP, por violação do artigo 40º alínea c) do CPP, o que vem a defesa do arguido prontamente arguir para os devidos e legais efeitos. Mais se alega que as garantias de imparcialidade objectiva, integram o núcleo fundamental de um processo equitativo, garantido pelo artigo 20º da CRP, pelo artigo 6, n°1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo art.14, do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos e reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Pelo que somos a afirmar que o artigo 40º alínea c) do CPP é inconstitucional na interpretação normativa de que, no âmbito da decisão de reenvio para novo julgamento determinada pelos vícios do artigo 410º nº2, à competência para novo julgamento ditada no quadro do artigo 426º-A do CPP, não ser de se aplicar o impedimento legal constante da alínea c) do artigo 40º do CPP. Tal entendimento normativo é inconstitucional por violação do disposto no artigo 20º da CRP, enquanto garantia de imparcialidade fundamental no quadro de um processo justo e equitativo. Inconstitucionalidade, que a defesa vem prontamente invocar, para os devidos e legais efeitos.

3. Da contradição insanável da fundamentação (artigo 410º nº2 alínea b) do CPP) - Inicia a defesa do arguido ora recorrente, neste ponto, por tentar demonstrar, um dos possíveis vícios de que enferma este douto acórdão. Ora, compulsando a materialidade fáctica constante do acórdão ora recorrido, detecta-se que, em si mesma, tal decisão, contém uma dificuldade de compreensão, susceptível de redundar em conclusão ilógica e irracional. Tal enunciado tem a ver com a circunstância do tribunal recorrido ter consignado a montante, como provado, no seu ponto nº1, que o arguido A., não exerce actividade profissional, não auferindo salário ou outro modo de pagamento por serviços que preste pelo exercício do seu trabalho de forma regular, nem tem rendimentos provenientes de direitos lícitos. E a jusante, nos factos não provados, no ponto 16, in fine, ter consignado que não resultou provado que a actividade de venda de estupefacientes por parte do ora recorrente A., “fosse a sua única fonte de rendimento”. A dificuldade de compatibilização da descrita factualidade não fica, por sua vez, esclarecida através da leitura atenta da fundamentação da decisão de facto, a qual é omissa no que concerne à referida matéria considerada como não provada. Isto é, a de saber se a actividade de venda de estupefacientes, era ou não, a sua única fonte de rendimento. Não o tendo feito, a decisão padece do vício de contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do aludido art.º 410.º do CPP, já que concluiu verificarem-se provados e não provados, na parte indicada, factos de sentido contrário, ou pelo menos, de sentido ininteligível perante as normais regras de experiência comum, o que, não obstante ser de conhecimento oficioso, vem a defesa prontamente invocar, para os devidos e legais efeitos.

4. Do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º nº2 alínea c) do CPP) - Inicia a defesa do arguido ora recorrente, neste ponto, por tentar demonstrar, outro dos possíveis vícios de que enferma este douto acórdão. Ora, só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum, resulta com toda a evidencia que a conclusão a que chegou o tribunal contraria o facto que deu como provado, numa apreciação manifestamente ilógica e de todo incorrecta, que não passa despercebida à observação comum do homem médio. O que acontece in casu, porquanto a decisão recorrida, ao definir como provado que a actividade de venda de estupefacientes levada a cabo pelo arguido ora recorrente Rui Henriques, o era desde Dezembro de 2013, não pode à luz das regras da experiencia comum, enquadrar juridicamente essa mesma actividade de venda de estupefacientes, como tendo sido “desenrolada pelo menos desde o ano de 2012”. Donde temos por verificado, com base nas razões acima aduzidas, que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta o erro notório na apreciação da prova. E que por conseguinte se tem por verificado no acórdão recorrido o vício constante do artigo 410º nº2 alínea c) o que, não obstante ser de conhecimento oficioso, vem a defesa prontamente invocar, para os devidos e legais efeitos.

5. Da insuficiência da prova produzida para a matéria de facto dada como provada (artigo 412º nº3 e 4º) - Consabidamente, os recursos são configurados como remédios jurídicos e não como meios de perfeccionismo jurisprudencial. E dizemo-lo porquanto no que tange a prova produzida e essencial para a formação da convicção do tribunal, a defesa entende que se verificam pontos concretos da matéria de facto que no nosso modesto entender foram incorrectamente julgados e que tais provas impõem decisão diversa da decisão recorrida. Atente-se pois na matéria de facto dada como provada e nos factos que em concreto se considera incorrectamente julgados: Ponto 2 da matéria de facto dada como provada. Desde data não concretamente apurada mas pelo menos desde Dezembro ano de 2013 e até ao dia 12 de Junho de .2014, os arguidos A. e B., dedicavam-se à venda de produtos estupefacientes, designadamente canábis, folhas, sumidades floridas ou frutificadas secas de canábis, vulgo “erva”, que o primeiro cultivava e à venda de canábis resina, haxixe, conforme infra descrito. Tal facto afigura-se-nos incorrectamente julgado a luz dos seguintes meios de prova: - Declarações do arguido A.. Por referencia ao registo da gravação da prova conforme acta de dia 24/02/2016. Isto é, a razão pela qual em nosso entender, o facto acima considerado foi incorrectamente julgado por provado, compulsada e analisada toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, resulta do facto do arguido, em sede de declarações prestadas em audiência (de repetição) de julgamento, ter esclarecido que, no que concerne ao cultivo das plantas de canábis, o mesmo somente começou a acontecer a partir de Março, Abril de 2014. Pelo que inexistindo prova que infirma o sentido destas declarações, e não tendo o tribunal oficiosamente tentado apurar probatoriamente a confirmação deste facto, tal separação e definição temporal, quanto a actividade desenvolvida pelo arguido, acabou por ficar definida nas suas palavras. O que não podia ter feito o tribunal, era englobar, por facilidade de raciocínio, toda a actividade no quadro temporal, que lhe era mais conveniente. Por conseguinte, somos forçados a concluir que tal facto foi erradamente dado por provado, porquanto a prova produzida impunha decisão diversa. Donde, inexistindo fundamentação objectiva para a conclusão como provado do facto acima apontado, poder-se-á concluir que o mesmo foi dado por provado sem prova, consubstanciando essa interpretação do principio da livre apreciação da prova uma clara violação do principio in dúbio pró reo (enquanto limite endógeno a livre apreciação da prova), e como tal, essa interpretação é claramente violadora da lei ordinária e constitucional. Razão pela qual a prova especificadamente assinalada deverá ser renovada.

6. Da Qualificação Jurídica dos Factos - O arguido Rui Henriques, ora recorrente, foi acusado pelo Ministério Publico, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, nos termos do art. 24º do DL 15/93 de 22/1. Em sede de julgamento, foi o arguido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido, no artigo 21º nº1 do DL 15/93 de 22/1. Entende a defesa do arguido, que atendendo aos meios utilizados pelo agente, a modalidade e as circunstâncias da acção e a qualidade e quantidade do produto envolvido, a conduta que resulta provada em juízo, é susceptível de configurar o tipo privilegiado, e como tal, ser a conduta do arguido subsumível ao artigo 25º do DL 15/93 de 22/1. O que alega e sustenta em função da prova produzida e tida por assente, em audiência de julgamento. Senão vejamos, O Recorrente não tinha empregados a quem incumbia as vendas. O Recorrente não auferiu de avultadas quantias monetárias. O Recorrente não operava de forma a escamotear as transacções ilícitas. O Recorrente não possuía qualquer esquema organizado, e inclusivamente, falava de tudo ao telemóvel, nomeadamente de encontros, quantidades, qualidade e preços. A alegada actividade ilícita desenvolvida pelo recorrente prolongou-se por poucos meses de duração. O estupefaciente transaccionado é, dentro da tabela existente no DL 15/93, aquele que é menos prejudicial para a saúde pública. Tudo sopesado, entendemos que a “ imagem global do facto” consente um ajuizamento, em que a ilicitude da conduta se situa num patamar sensivelmente inferior à normalidade. Razão pela qual pugnamos, face à factualidade julgada provada e constante do acórdão, que a conduta do arguido é subsumível aos pressupostos do privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes. Razão pela qual sustentamos que, a conduta do arguido ora recorrente deverá ser enquadrada juridicamente nos termos do artigo 25º do DL 15/93 de 22/1. E que assim, sendo melhor se fará justiça.

7. Da Dosimetria da Pena - Quanto a este ponto somos simplesmente a afirmar, sem conceder e por mero dever de patrocínio, que a pena infligida ao arguido ora recorrente é, no nosso modo de ver, naturalmente, desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama. Neste particular, o art. 71º, nº1 do Código Penal, estabelece um critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Critério que é precisado depois no nº2: na determinação da pena há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Ora analisando à luz do caso concreto, militam a favor do agente, desde logo, o grau de ilicitude que se apresenta claramente diminuída em função do lapso de tempo que durou a actividade, o tipo de produto envolvido nessa actividade, a inexistência de avultados ganhos pecuniários e o número de pessoas envolvidas. Militam também a favor do arguido, o facto de o seu problema aditivo ter sido já ultrapassado, com base em tratamentos a que o arguido se sujeitou voluntariamente; o facto de o arguido expressar um profundo e serio arrependimento face a toda esta situação em que se viu envolvido; o facto de o arguido se encontrar a frequentar um curso superior, denotando a uma vontade inequívoca de agir de acordo com os padrões de conduta exigidos em sociedade; o facto de ter uma promessa de trabalho, reveladora de uma postura conforme ao direito. Posto este enquadramento, e reportando-nos ao caso concreto, sustentamos que o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas será encontrado de um modo mais justo e equitativo de molde a saciar por um lado, o imprescindível, para realizar a necessidade de prevenção geral sob a forma de defesa da ordem jurídica. E por outro, de modo a satisfazer as necessidades de prevenção especial.

Perante tudo isto, embora não descartando a importância da tutela do bem jurídico em causa, não obstante, acreditamos convictamente que outra pena em concreto, mais benévola seria adequada a satisfazer as premissas de tutela acima indicadas, não se frustrando a justiça com isso. Razão pela qual também neste campo discordamos da dosimetria da pena aplicada, e pugnamos no essencial, por outra mais adequada aos critérios de justiça que o caso em concreto reclama.

Termos em que,
Procedendo os vícios assacados seja a decisão anulada e, no limite, reenviado o processo para novo julgamento;

Ou, sendo o acórdão recorrido substituído por outro que altere a matéria de facto anteriormente indicada, e/ou consequentemente seja revista a decisão de direito;

Ou ainda que assim não seja, somente se considere por alterada a medida da pena, diminuindo-se a mesma.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

O MP respondeu à motivação do recorrente, firmando as seguintes conclusões:
A decisão do Tribunal “a quo” não violou qualquer norma legal e foi correctamente aplicada face à prova existente.

Revelando cuidadosa fundamentação, quer quanto à matéria de facto quer no que concerne à matéria de direito.

Expressando uma acertada subsunção dos factos à lei.

E optando por uma pena que se julga justa e adequada face aos critérios consignados nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal.

Louvando-nos, pois, no bem fundado do douto acórdão recorrido somos de parecer que o recurso dele interposto não merece provimento.

O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso, em que defendeu a respectiva procedência, na parte relativa à «questão prévia» suscitada, tendo pugnado pela declaração da nulidade insanável do julgamento efectuado em sede de reenvio e pela descida dos autos à primeira instância, com a finalidade de se proceder a novo julgamento, desta vez por Tribunal Colectivo de composição diversa daquele que levou a cabo os anteriores.

O parecer emitido foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se pronunciarem, tendo o recorrente exercido o seu direito de resposta em sentido concordante.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da decisão impugnada expressa nas conclusões do arguido Rui Henriques é multiforme e abrange as seguintes questões:

a) Arguição da nulidade insanável do julgamento em que foi proferido o acórdão recorrido;
b) Invocação dos vícios da decisão previstos nas als. b) e c) do nº 2 do art. 410 do CPP;
c) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
d) Impugnação do juízo de enquadramento jurídico-criminal dos factos, no sentido da sua recondução ao tipo privilegiado do art. 25º do DL nº 15/93 de 22/1;
e) Impugnação do juízo de fixação de determinação da medida da pena, visando a sua redução.

Conheceremos sucessivamente das questões suscitadas pelo recorrente, pela ordem de prioridade lógica da sua apreciação, que é aquela pela qual foram enunciadas.

O nº 1 do art. 426º do CPP estatui:
Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.

Em caso de reenvio, rege o art. 426º-A do CPP:
1 - Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.

2 - Quando na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição

O art. 40º do CPP é do seguinte teor:

Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:
a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200.º a 202.º;
b) Presidido a debate instrutório;
c) Participado em julgamento anterior;
d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior.
e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.

Finalmente, em matéria de nulidades insanáveis, o art. 119º do CPP, com eventual interesse para a questão em apreço, dispõe:

Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:

a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição;
(…)
e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º.

Importa que recapitulemos o contexto processual em que surge o acórdão agora sob recurso:

- Em 19/6/15, foi proferido acórdão do Tribunal Colectivo que decidiu, além do mais, condenar o arguido A., pela prática, como autor, de um crime de tráfico de estupefaciente p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93 de 22/1, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão (fls. 1734 a 1764);

- De tal acórdão, o arguido A. interpôs recurso para esta Relação, o qual foi admitido (fls. 1794 a 1838 e 1840);

- Sobre o recurso interposto, recaiu o acórdão desta Relação, proferido em 3/12/15, que decidiu declarar verificado no acórdão recorrido o vício de contradição na fundamentação previsto na al. b) do nº 2 do art. 410º do CPP e determinar o reenvio do processo para novo julgamento, limitado às finalidades enunciadas na fundamentação (fls. 1901 a 1943);

- Em execução do decidido no acórdão desta Relação de 3/12/15, procedeu-se a audiência de julgamento, no termo da qual foi proferido o acórdão do Tribunal Colectivo, agora sob recurso, que foi depositado em 8/3/16 (fls. 2040 a 2043, 2063 a 2097 e 2100);

- O Tribunal Colectivo, que proferiu o acórdão de 8/3/16, foi integrado pelos mesmos Exºs Juízes, que integraram o Colectivo, que proferiu o acórdão de 19/6/15, incluindo nas qualidades respectivas de Juiz Presidente e Juízes Adjuntos (em particular, actas de fls. 1775, 1776 e 2097).

Pelo interesse que reveste, passamos a reproduzir parte do douto parecer emitido pelo Digno PGA, no âmbito do recurso «sub judice»:

«O artº 426º-A, do CPP, ao aludir "ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior', reporta-se, não à composição do próprio Tribunal, mas à Instância onde o mesmo deverá ter lugar, sendo certo que, ao ressalvar "sem prejuízo do disposto no art» 40º" do CPP, manifestamente dispõe que a composição, in casu, do Tribunal Colectivo, não pode ser a mesma.

É este, igualmente, o entendimento, de Paulo Pinto de Albuquerque (1) esclarecendo que "Só no caso de ser impossível o julgamento pelo mesmo tribunal, com composição pessoal diversa, a Lei n. º 48 / 2007, de 29.8, determina que o segundo julgamento se faça, após o reenvio, no tribunal que se encontra mais próximo, de categoria e composição idênticas à do tribunal que proferiu a decisão recorrida.

Apesar do silêncio da lei, o mesmo deve acontecer no caso de ser impossível o segundo julgamento, pelo mesmo tribunal com composição diversa, quando o primeiro julgamento tenha sido anulado nos termos do artigo 410.º, n.º 3. O art.º 40.º, alª c), impõe a aplicação analógica do artigo 426.º-A, também nos casos de nulidade do primeiro julgamento, ficando excluído apenas o caso de nulidade da sentença do primeiro julgamento que não implique novo julgamento, pois neste caso os membros do tribunal que proferiu a primeira sentença não se encontram impedidos.".

O Parecer do MºPº, de 4-04-2014, do MºPº no TRL (subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Lopes da Mota), proferido no âmbito do proc.nº1102/07.8JDLSB-A.L2, 3ª Secção (2), concluiu que “A situação colocada à apreciação e decisão deste tribunal não configura um conflito de competência a dirimir nos termos do artigo 36.º do CPP; O impedimento resultante da participação em julgamento anterior, incluído na previsão da al. c) do artigo 40.º do CPP, relevante para efeitos de constituição do tribunal para novo julgamento, em conformidade com o disposto no artigo 426.º-A do CPP, só se verifica nos casos em que haja lugar a repetição (renovação) da prova produzida no julgamento anterior, de acordo com o juízo formulado, em concreto, pelo tribunal recorrido, que, neste caso, não foi produzido".

Poder-se-ia, então, argumentar que não tendo sido produzida qualquer prova suplementar na sequência do reenvio determinado pelo TRE e da reabertura da audiência, nada obstaria a que a composição do Colectivo se mantivesse.

Discordamos, em absoluto, de tal interpretação.

A razão de ser do impedimento previsto na c), do artº 40º, do CPP, prende-se com um potencial pré-juízo que se tenha formado no espírito do(s) Julgadore(s), o qual, em nossa opinião, não se cinge à decisão propriamente dita, mas, ao invés, à prévia decisão relativamente à necessidade, ou não, de produção de prova.

Ainda que sub-conscientemente, a convicção pode ter-se sedimentado, influenciando todo o decurso do novo julgamento, que não apenas o sentido último da nova Sentença ou Acórdão a proferir.

Esse o perigo que o legislador quis prevenir, obrigando - ocorra, ou não, prova suplementar -, a que a composição do Tribunal exclua os Senhores Juízes que intervieram no primeiro julgamento.

A este respeito, cumpre precisar uma afirmação do MºPº, na Iª Instância, o qual, na sua bem elaborada Resposta ao Recurso do Arguido, a este respeito e além do mais, consigna o seguinte:

"É certo que esta norma legal remete para o artigo 40.º do mesmo diploma, mos existem certamente dúvidas quanto à sua aplicação no caso dos autos, pois que o Tribunal do reenvio se limitou a proferir decisão sem nova produção de prova." - destaque e sublinhado de nossa responsabilidade.

A Relação, no Acórdão de 03.12.2015, como já tivemos oportunidade de assinalar, determinou, expressamente, que "Para a prossecução das finalidades agora enunciadas, o Tribunal do reenvio poderá determinar a produção dos meios de prova que entender necessários e adequados, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 340º do CPP." (sublinhado de nossa responsabilidade), assim deixando ao critério do Colectivo a decisão sobre a necessidade, ou não, de produção de prova suplementar, que não, como parece resultar da posição do MºPº, na Iª Instância, impondo qualquer restrição a essa produção de prova.

Daí que, na sequência do reenvio determinado por esta Relação, ao ser composto o Tribunal Colectivo com os mesmos Magistrados Judiciais que haviam integrado o Colectivo, no primeiro julgamento, configurou-se a nulidade insanável prevista na a), do artº 119º, do CPP ("Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declarados em qualquer fase do procedimento: a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição." - destaques de nossa responsabilidade).

Seguros de que assim não deixará de entender esta Relação, a procedência desta questão prejudica, naturalmente, a apreciação de todas as restantes questões suscitadas no Recurso.

Em conformidade, somos de parecer que o Recurso interposto pelo Arguido, na parte referenciada, deve ser julgado parcialmente procedente, declarando-se a nulidade insanável do julgamento a que se procedeu na sequência do reenvio determinado por esta Relação, bem como do Acórdão respectivo subsequente, determinando-se a remessa do processo à Iª Instância, para os fins consignados no Acórdão de 03.12.2015, devendo o Tribunal competente ser determinado sem que, em qualquer caso, o Tribunal Colectivo seja integrado por qualquer dos Magistrados judiciais que intervieram no primeiro (e no segundo) julgamento».

Reproduzimos também as referências de rodapé das duas citações constantes do trecho agora transcrito:

(1) ln "Comentário do Código de Processo Penal", UCP, 3ª Edição, Abril 2009, pág. 1.153. anotação "6." ao artº 426º-A.

(2) Consultável em www.pgdlisboa.pt em anotação ao artº 426º-A, do CPP:

Abreviando razões, diremos que concordamos com a posição assumida pelo Digno PGA, no parecer parcialmente transcrito, por se nos afigurar convincente a argumentação jurídica nele desenvolvida.

Em apoio da tese jurídica sufragada pelo MP junto desta Relação e por nós acolhida, apenas se nos oferece acrescentar uma ou outra breve achega.

Neste contexto, somos de entender que o elemento histórico da interpretação da lei também milita a favor da orientação interpretativa perfilhada.

A actual redacção do nº 1 do art. 426º-A do CPP foi introduzida pela Lei nº 48/07 de 29/8, sendo o texto até então vigor o seguinte:

Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo.

O mencionado diploma legal de reforma do CPP tão pouco deixou incólume o art. 40º do mesmo Código, dele tendo feito passado a constar, entre as causas de impedimento dos Juízes, aquela que figura na al. c) de tal normativo, que não existia no texto anterior.

No CPP anterior à reforma aprovada pela Lei nº 48/07 de 29/8, o nº 1 do art. 426º procurava garantir a parcialidade do julgador no segundo julgamento, em caso de reenvio dos autos à primeira instância, deferindo a competência para a sua realização, a um Tribunal diverso, em sentido orgânico ou institucional, daquele que efectuou o primeiro julgamento.

Paradoxalmente, a solução adoptada na lei antiga poderia conduzir, no limite a que segundo julgamento viesse a ser levado a efeito pelo mesmo Juiz, pessoa singular titular do órgão Tribunal, que tivesse proferido a primeira sentença, bastando, para tanto, que estivesse a prestar serviço, na altura do reenvio,, no Tribunal «mais próximo» daquele onde o processo originariamente correra termos, impasse que era inultrapassável, pois o regime de impedimento dos Juízes então em vigor não reconhecia, pelo menos na letra da lei, a participação em julgamento anterior como obstáculo à intervenção do Juiz no processo.

Diferentemente, no texto introduzido pela reforma de 2007, o nº 1 do art. 426º-A do CPP passou a deferir a competência para julgamento do reenvio ao Tribunal, sempre no aludido sentido orgânico ou institucional, que realizou o primeiro julgamento e a fazer depender a garantia da imparcialidade do segundo julgamento do funcionamento do regime de impedimentos dos Juízes, o qual passou a incluir como causa de impedimento a participação Juiz em julgamento anterior (no mesmo processo, entenda-se).

Neste contexto, foi evidente o propósito do legislador da reforma de 2007 do CPP de harmonizar o regime dos impedimentos dos Juízes, com o da competência para o julgamento do reenvio, em termos de garantir a imparcialidade do Tribunal encarregado de o efectuar.

Conforme o Digno PGA justamente salientou, aquilo que normativo do art. 40º pretende garantir é que a causa penal não seja julgada por um ou mais Juízes que tenham já formado um prejuízo sobre o seu objecto.

Como tal, não vemos razão para distinguir, para o efeito do funcionamento em sede de reenvio da causa de impedimento do Juiz prevista na al. c) do art. 40º do CPP, entre os casos que comportem produção de prova e aqueles que a não comportem, pois a experiência demonstra que a formação de pré-juízos sobre o objecto da causa tanto pode suceder ao nível do juízo probatório, como do tratamento das questões jurídicas, que tenham de ser dirimidas.

Por fim, em consulta à base de dados www.dgsi.pt, pudemos recensear algumas decisões de Tribunais da Relação, colegiais ou singulares, sufragando a tese segundo a qual a participação do Juiz em julgamento é causa de impedimento de intervenção no julgamento do reenvio, não tendo encontrado decisões em sentido oposto, a saber: Acórdãos da Relação do Porto de 26/11/08, proferido no processo 0845184 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Ernesto Nascimento e da Relação de Coimbra de 6/7/11, proferido no processo nº 196/06.8GHCTB.C2 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Alberto Mira; Decisão Sumária da Relação de Coimbra de 27/11/13, proferida no processo nº 250/10.1JALRA.C1, pelo Exº Desembargador Dr. Abílio Ramalho; Despacho do Exº Conselheiro Presidente da 4ª Secção da Relação de Coimbra, Dr. Sérgio Poças, proferido no processo nº 287/08.0GBOBR-A.C1; Despacho do Exº Desembargador Presidente da Secção Criminal da Relação de Évora, Dr. Fernando Ribeiro Cardoso, proferido no processo nº 133/13.3YREVR (as duas últimas decisões foram tiradas no âmbito de conflitos de competência).

Em consequência, importa concluir que os Exºs Juízes, que integraram o Tribunal Colectivo, que proferiu o acórdão agora sob recurso, encontravam-se impedidos de o fazer, por força do disposto no art. 40º al. c) do CPP, em virtude de term participado no anterior julgamento da causa, que culminou na prolação do acórdão proferido em 19/6/15, sobre o qual recaiu o acórdão desta Relação de 3/12/15, que determinou o reenvio dos autos para novo julgamento.

Alega o recorrente que a situação verificada é de molde a integrar a nulidade insanável prevista na al. f) do art. 119º do CPP.

Tal asserção não se nos afigura correcta, porquanto os autos, na sequência do nosso acórdão de 3/12/15, foram remetidos ao Tribunal competente para o julgamento do reenvio, nos termos do nº 1 do art. 426-Aº do CPP.

Contudo, não foram observadas, na composição do Colectivo de Juízes, que procedeu ao julgamento do reenvio, as normas legais relativas aos impedimentos dos Magistrados Judiciais, o que se reconduz à nulidade insanável da al. a) do art. 119º do CPP.

Sobre os efeitos da declaração de nulidade dispõe o art. 122º do CPP:
1-As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.

2-A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.

3-Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.

A nulidade agora detectada afecta directamente a audiência de julgamento, realizada no âmbito de reenvio ordenado pelo acórdão desta Relação de 3/12/15, e o acórdão proferido no termo dela, agora sob recurso.

Em consequência do agora decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo recorrente.

III.Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a)Conceder provimento parcial ao recurso e declarar a nulidade da audiência de julgamento realizada no âmbito do reenvio do processo ordenado pelo acórdão desta Relação de 3/12/15 e do acórdão proferido no termo dela;

b)Determinar, após trânsito em julgado, a descida dos autos à primeira instância para as finalidades previstas no reenvio ordenado pelo nosso acórdão de 3/12/15, desta vez sem intervenção dos Exºs Juízes, que tomaram parte no primeiro e no segundo julgamentos.

Sem custas.
Notifique.

Dado que o arguido recorrente se encontra preventivamente preso à ordem dos autos, determino se comunique por meio célere à primeira instância o conteúdo decisório do presente acórdão, para os fins tidos por convenientes

Évora, 12/7/16 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Póvoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)