Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
291/20.0T8PSR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
UNIVERSALIDADE
ACÇÃO DECLARATIVA
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Também as acções declarativas propostas contra o insolvente (e não apenas as executivas) são afectadas pela instauração do processo de insolvência (e não apenas apensadas).
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 291/20.0T8PSR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


No presente processo foi proferido o seguinte despacho:
Conforme emerge dos presentes autos, foi declarada a Insolvência do Réu – ora Insolvente – … (cfr. cit. Refª 1755153), a qual corre termos no Processo n.º 706/16.2T8FND, no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo do Comércio do Fundão.
Assim sendo e por força do princípio da universalidade do procedimento de insolvência, a presente forma de processo deixou de ser a própria para fazer valer quaisquer direitos de natureza patrimonial contra o ora réu, assistindo essa idoneidade apenas ao respetivo processo de insolvência (artigo 88.º, n.º 1, do CIRE).
Por conseguinte, nos termos dos artigos 88.º/3 e 234.º/3, ambos do CIRE, torna-se impossível prosseguir a presente instância (ação de processo comum), pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 277.º/e), do CPC, se declara a mesma extinta por impossibilidade superveniente da lide.
*
Deste despacho recorre a Autora (…), alegando, no essencial, que a acção, que assenta no incumprimento de um contrato promessa, não configura uma acção executiva, nem era susceptível de afectar os bens que constituem a massa insolvente, nos moldes em que foi formulada, pois entre os pedidos não consta a execução específica do contrato.
*
O recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
*
O pedido desta acção é o da condenação do Réu a pagar à Autora:
a) A quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), valor da cláusula penal, a título de indemnização pelo incumprimento do contrato;
b) Se assim não for entendido, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, deverá o Réu ser condenado a pagar à Autora a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), valor do enriquecimento sem causa deste à custa desta.
A causa de pedir é, como se disse, o incumprimento de um contrato promessa.
*
O artigo 88.º do CIRE tem por epígrafe «acções executivas»: Isto porque é este tipo de acções que tem por objecto a apreensão de bens da massa insolvente e o que a lei pretende é que tais bens se submetam à universalidade do processo de insolvência. O n.º 1 do preceito traça a sua previsão: quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores que atinjam os bens integrantes da massa insolvente.
Devemos ainda ter em conta que o artigo 85.º do CIRE que permite a apensação (desde que requerida) das acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente.
Tendo isto em mente, foi proferido o Acórdão Uniformizador Jurisprudência n.º 1/2014 em cujo sumário de pode ler o seguinte:
Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil.
Em função disto, passou a decidir-se que também as acções declarativas propostas contra o insolvente são afectadas pela instauração do processo de insolvência (e não apenas apensadas). Indicamos, por exemplo, o ac. da Relação de Évora, de 15 de Dezembro de 2016. No respectivo sumário lê-se que «com o trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência do devedor, com carácter pleno, a acção declarativa proposta pelo credor contra aquele, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal, cumprindo decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil».
Os motivos desta conclusão estão expostos neste dois acórdãos; realçaremos apenas que «transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação – frisa-se, sempre no âmbito do respectivo processo de insolvência – deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência. De nada servirá, assim, a sentença proferida na acção instaurada contra o devedor, se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência, porquanto jamais poderá tal decisão ser dada à execução para cumprimento coercivo, até porque, de acordo com o dito artigo 88.º, a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência».
Queremos com isto frisar a impossibilidade de a recorrente obter a satisfação do seu crédito fora do processo de insolvência e é esta impossibilidade que acarreta a inutilidade da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
Foi isto mesmo o que se decidiu no despacho recorrido.
*
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Évora, 13 de Janeiro de 2022
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos