Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2301/16.7T8FAR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE
SEPARAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O requisito da separação de facto por mais de um ano para fundamentar o divórcio [art.º 1781.º, al. a), Cód. Civil] é autónomo do requisito previsto na alínea d) e não se integra nele.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2301/16.7T8FAR.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) intentou a presente acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra (…), pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos, com fundamento na ruptura definitiva do casamento.
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A ré contestou pugnando pela improcedência da acção.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a R. do pedido.
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Desta sentença recorre o A. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
Argui também a nulidade da sentença.
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A R. contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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Não se compreende a arguição da nulidade.
Nas alegações, o recorrente critica o modo como o tribunal julgou a matéria de facto, ora considerando ora desconsiderando alguns depoimentos.
Logo se seguida, conclui:
«Ao deixar de pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado convenientemente, violou o Douto Tribunal recorrido o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) – o que conduz a nulidade da Douta Sentença de que ora se recorre».
Manifestamente, não há aqui qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia mas apenas discordância quanto ao julgamento que foi feito.
Assim, improcede a arguição.
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Em relação à impugnação da matéria de facto, o recorrente não indica quaisquer dos factos submetidos à consideração do tribunal (os que este declarou provados e não provados) que tenham sido erradamente julgados. Além das considerações de ordem genérica sobre o valor dos depoimentos prestados, avança com uma declaração da R. (que «o seu coração pertencia a outra pessoa») que em parte alguma encontra resposta do tribunal: não consta de qualquer parte da sentença.
Também avança com o nome de um terceiro quando é certo que sobre isso nada se alegou.
Para se chegar a esta conclusão (de que o que se pretende aditar nada tem que ver com o que foi alegado), basta ter em conta os factos que o tribunal considerou não provados:
Em Dezembro de 2015, a Ré contou às filhas do casal que “andava” com outro homem. No entanto pretendia manter tal situação em segredo para que não afectasse o ora Autor. A Ré trabalha em regime de turnos, sendo que nos dias em que trabalha no turno da noite e sai à meia-noite habitualmente chegava a casa cerca da meia-noite e meia. Em meados de Janeiro de 2016, em dia que não sabe precisar, mas em dia que a Ré saia do seu trabalho à meia-noite, o Autor apercebeu-se que a mesma apenas chegou a casa cerca das três horas da madrugada. Nessa noite o Autor verificou que a Ré chegou a casa num carro, que ele desconhecia e acompanhada por um senhor, que o Autor também não conheceu. No dia seguinte ficou a aguardar a chegada da Ré a casa, o que ocorreu novamente cerca das três horas e vinte minutos da manhã e verificou que a mesma voltou a chegar a casa, no mesmo veículo automóvel e acompanhada pelo mesmo senhor. Na noite seguinte o Autor foi até ao trabalho da Ré e esperou no seu carro pela saída da Ré à meia-noite e confirmou que a mesma quando saiu, pela meia-noite e dez minutos entrou para o mesmo carro que já tinha visto nas noites anteriores junto da sua casa e que era conduzido pelo mesmo senhor. O carro onde seguia a Ré cruzou-se com o do Autor, tendo-se ambos visto mutuamente. Nessa noite a Ré não foi dormir a casa. Conhecendo os horários da Ré, o Autor sabia que no dia seguinte ao referido no artigo anterior a Ré entraria ao serviço pelas dezasseis horas e então foi até perto do local de trabalho da mesma e verificou que ela chegou no mesmo carro em que tinha saído no dia anterior e acompanhada com o mesmo senhor. Nesse dia e quando a Ré saiu do trabalho à meia-noite foi dormir a casa. Não houve qualquer conversa e/ou discussão entre o casal constituído pelo Autor e Ré. Na manhã seguinte, a Ré levantou-se e arrumou um saco com roupas e bens pessoais e comunicou ao Autor que a vida em comum “tinha acabado”.
O que o recorrente pretende que se dê por provado não é nada do que, por sua vez, o tribunal deu por não provado.
Assim, mantém-se a versão que o tribunal fixou.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. O autor (A.) e a ré (R.) contraíram casamento em 16 de Janeiro de 1993 na Conservatória do Registo Civil de (…).
2. Da constância desse matrimónio nasceram duas filhas.
3. A ré deixou de viver com o autor na casa de morada de família em Janeiro de 2016.
4. Desde essa data que nunca mais a Autora e o Réu retomaram a vida conjugal.
5. O Autor não tem o propósito de reatar a vida em comum.
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Em relação à solução jurídica, o recorrente entende que a questão que se coloca é a de saber se, não tendo ocorrido a separação de facto por mais de um ano, se tal facto, não poderá mesmo assim ser valorado para se aferir se existe ou não ruptura do casamento.
Com efeito, a sentença considerou que existe separação de facto (desde Janeiro de 2016) mas que esta não completou um ano, conforme exige o art.º 1781.º, al. a), Cód. Civil; por outro lado, não se tendo provado a relação extra-conjugal alegada, não há outros factos que mostrem a ruptura do casamento.
Ora, a alegação do recorrente, no sentido de a separação de facto ser já um sinal inequívoco para afirmar a ruptura do casamento, visa, precisamente, ultrapassar aquele prazo de um ano.
Mas tal não é possível.
E não o é por a lei exigir claramente um lapso de tempo em que exista a separação dos cônjuges.
Por outro lado, este requisito é autónomo do indicado na al. d) do preceito legal citado. Como resulta do seu texto (quaisquer outros factos), a lei trata duas situações diferentes a que dá relevo mas sem que elas se confundam uma com a outra, uma não se integra na outra.
O que queremos dizer é que a separação de facto apenas se integra na al. a) e não na al. d).
Diz o recorrente que esta é uma «visão formalista»; preferimos chamar-lhe uma visão legalista porque é aquela que resulta do texto da lei e ao qual não podemos deixar de nos referir para uma decisão (cfr. art.º 9.º, n.º 2, Cód. Civil).
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Coisa diferente é o caso de haver separação de facto por tempo inferior a um ano e, ainda assim, o divórcio poder ser decretado.
O recorrente cita em abono da sua tese o ac. da Relação de Coimbra, de 7 de Junho de 2011. Mas a situação é bem diferente uma vez que aqui, além da separação havia outros factos que revelavam bem a violação de deveres conjugais e de falta de confiança que indicavam que a ruptura era definitiva. E para este tipo de casos, vale a cláusula geral da al. d), sem dúvida.
Na nossa acção apenas temos a separação de facto.
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O recorrente argumenta ainda nestes termos: «o que releva é que estamos perante uma prolongada violação do dever de coabitação em todas as suas vertentes e, por outro lado, dela decorre que os cônjuges deixaram de assumir em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram, ou seja, não cumprem também o dever de cooperação».
Claro que, havendo, separação, não há vida em comum e disto logo decorre que os deveres quotidianos do casal não são cumpridos. Mas esta violação dos deveres conjugais que resulta directamente do simples facto de os cônjuges estarem separados não se integra na previsão do art.º 1781.º, al. d), Cód. Civil (cfr., para mais desenvolvimentos, o ac. desta Relação, de 7 de Dezembro de 2017).
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 22 de Março de 2018
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho