Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ RAMIÃO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL REGISTO PREDIAL NULIDADE RECTIFICAÇÃO DE REGISTO | ||
Data do Acordão: | 03/22/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | 1. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir. 2. Decorre da petição inicial que os Autores pedem a declaração de nulidade do registo pedido pelos réus e lavrado na C. R. Predial, por insuficiência de título para prova da aquisição, nos termos da alínea b) do art.º 16.º do C. R. Predial, e condenanação destes a entregar-lhes 1/2 dos prédios referenciados, livres de ónus ou encargos. 3. Tendo em conta a causa de pedir e o pedido formulado, trata-se de uma ação judicial de declaração de nulidade do registo, nos termos do citado art.º 17.º do C. R. Predial. 3. Sendo pedida a declaração de nulidade, e não a retificação, do registo, será em função deste pedido que se deve aferir da competência do tribunal, ainda que eventualmente não se trate de nulidade mas de inexatidão do registo, sob pena de se conhecer do mérito da pretensão, em vez de questão processual prévia, a competência do tribunal, pois esse julgamento pressupõe a necessária competência para o efeito. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Relatório. 1. AA, BB, CC, e marido DD, e EE, melhor identificados nos autos, intentaram a presente ação declarativa de simples apreciação positiva, sob a forma de processo comum, contra FF, e mulher GG, HH e II, com os sinais dos autos, requerendo a declaração de nulidade dos atos praticados pelos Réus na repartição de Finanças e na Conservatória do Registo Predial que determinaram que a totalidade do prédio urbano, composto por edifício de rés-do-chão, sótão e quintal, destinado a habitação, situado na Rua D. …, n.º …, em Santana da Serra, Ourique, com a área total de 312 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santana da Serra sob o artigo número …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique sob o n.º …, ficasse registado a favor do Réu FF, mediante um primeiro registo a seu favor de ½ do prédio, e mais tarde com o registo da outra ½. Nessa sequência, requerem que também seja ordenada a retificação dos registos efetuados. Pediram ainda a condenação dos réus a entregar aos Autores ½ do referido prédio, livre de ónus e encargos e a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre a referida metade. Mais requereram que seja anulada a desanexação do prédio operada através da Ap. 05/990225, da qual resultaram dois prédios distintos. Por fim, a título subsidiário, requerem a condenação dos Réus, em solidariedade, no pagamento aos Autores de uma indemnização no valor de 49737,28 € pelo dano da privação do uso do terreno e pela apropriação de ½ do prédio. Alegaram, para tanto, que o prédio urbano n.º … foi deixado por testamento de JJ aos seus dois sobrinhos LL e MM, em partes iguais, sendo os Autores herdeiros legítimos de MM, e o Réu FF herdeiro de LL. Mais alegaram que após a morte de LL, o Réu FF foi habilitado por escritura notarial como o único herdeiro deste, tendo de seguida procedido ao registo a seu favor de ½ do prédio n.º …, por via da aquisição por sucessão “mortis causa”. Acontece que, cerca de 10 anos mais tarde, o mesmo Réu requereu à Conservatória do Registo Predial que fosse registado a seu favor a outra ½ do prédio n.º …, alegando que no primeiro registo foi cometido um lapso por apenas ter sido registado a seu favor ½ do prédio em vez da sua totalidade. A Conservatória atendeu ao pedido e registou a favor do Réu a outra metade do prédio n.º …, com base no mesmo título da sucessão “mortis causa”. Desta forma, todo o prédio ficou registado a favor do Réu FF. Pela conduta descrita, os Autores acusam o Réu FF de se ter apropriado indevidamente de ½ do prédio, porquanto sabia que a mesma pertencia aos Autores, atuando assim com manifesta má-fé. Alegam, por fim, que após este segundo registo, uma parte do prédio foi desanexada (dando origem a um novo prédio) e depois vendida à Ré HH que, por sua vez, depois o vendeu à Ré II, sendo que todos eles sabiam ½ do prédio n.º … pertencia aos Autores por sucessão “mortis causa” de MM. 2. Regularmente citados, os Réus II e FF e mulher GG apresentaram as respetivas contestações. A Ré II defendeu ter comprado validamente o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º … (prédio que resultou da desanexação do prédio n.º …) e de as nulidades arguidas pelos Autores não poderem afetar a sua compra por força da proteção conferida pelo art. 291.º do Código Civil a terceiros adquirentes de boa-fé. Os Réus FF e mulher GG também contestaram a ação, excecionando a ilegitimidade dos Autores por a ação não ter sido intentada pela herança jacente, como devia ter sido no presente caso. Negam que se tenham apropriado ilicitamente do prédio n.º … pois o imóvel sempre pertenceu a LL, pai do Réu FF. Os Réus FF e mulher GG também deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos Autores/Reconvindos no reconhecimento do seu direito de propriedade, pleno e exclusivo, sobre o prédio urbano n.º …, bem como a condenação dos mesmos a absterem-se de praticar qualquer ato que possa violar o seu direito de propriedade. Alegam, para tanto, que o referido prédio adveio à posse e titularidade dos Réus/Reconvintes por sucessão “mortis causa” de LL, falecido em 1969, e que desde há mais de 50 anos que, por si e por intermédio dos seus ante possuidores, andam na posse do mencionado prédio, sem oposição de ninguém e ininterruptamente, pelo que o adquiriram por usucapião, e que os Réus nunca exerceram quaisquer atos de posse sobre o referido prédio. Concluíram pugnando pela improcedência da ação e pela procedência da reconvenção. 3. Os Autores/Reconvindos responderam à matéria das exceções e da reconvenção deduzidas pelos Réus FF e mulher GG. 4. Findos os articulados, foi designada data para uma tentativa de conciliação, e após o aperfeiçoamento da petição inicial, foi designada data para a audiência prévia. 5. Após foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu “declarar a incompetência, em razão da matéria, do Juízo de Competência Genérica de Ourique para a apreciação da presente ação e, em consequência, decido absolver todos os Réus da instância (art. 278.º, n.º 1, al. c) do CPC)”. 6. Inconformados com esta decisão, vieram os Autores interpor o presente recurso, terminando as suas alegações com as conclusões seguintes: 1. Os AA. peticionaram a declaração de nulidade dos atos praticados pelos RR na Rep. de Finanças e do registo efetuado na CRP. 2. O registo da propriedade da segunda metade do prédio com base num título que apenas conferia direito à parte já registada consubstancia uma nulidade do art. 16.º b) do CRP. 3. Não se trata pois de simples desconformidade entre o título e o registo, mas sim de título insuficiente pelo que constitui nulidade. 4. Teremos pois de atender ao disposto no art. 17.º do CRP que impõe a declaração de nulidade por decisão judicial transitada. 5. Mas ainda que assim não fosse sempre estaríamos em presença de uma questão prejudicial a resolver nos termos dos arts. 92.º n.º 1 e n.º 2 do CPC. 6. Atirar o processo “às urtigas” depois de todo o caminho percorrido e de tudo o processado, é um ato inútil, proibido pela lei processual e violador dos direitos conferidos aos AA. pela lei substantiva, processual e constitucional pois todos têm direito à boa administração da justiça! 7. A douta decisão viola o disposto nos arts. 16.º, 17.º, e 121 e segts. do CRP, art. 92.º e demais do CPC, e bem assim a Constituição da República que garante o direito à boa administração de justiça! Terminam pedindo a revogação da decisão, ordenando-se o prosseguimento dos autos. *** O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do Recurso.Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que a questão essencial decidenda consiste em saber se Juízo de Competência Genérica de Ourique é, ou não, incompetente, em razão da matéria, para conhecer a presente ação. *** III – Fundamentação fáctico-jurídica.1. A matéria de facto a considerar é a que consta do antecedente relatório. 2. Vejamos pois, qual a resposta à questão colocada. No despacho recorrido exarou-se a seguinte fundamentação: “Os Autores vieram peticionar, a título principal, a declaração de nulidade dos atos praticados pelos Réus na repartição de Finanças e na Conservatória do Registo Predial que determinaram que a totalidade do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo número …, ficasse registado a favor do Réu FF, mediante um primeiro registo a seu favor de ½ do prédio, e mais tarde com o registo da outra ½. Nessa sequência, requerem que seja ordenada a retificação dos registos efetuados na Conservatória, no sentido de ficar registado a favor dos Autores ½ do prédio n.º …. Uma vez retificados os registos nos termos pretendidos, vêm os Autores ainda peticionar, como decorrência lógica dessa retificação, que os Réus sejam condenados a entregar aos Autores ½ do referido prédio, livre de ónus e encargos e a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre a referida metade. O fundamento da requerida retificação dos registos prende-se com o facto de o referido prédio n.º … ter sido deixado aos dois irmãos LL e MM, por testamento de JJ, falecida em 1959. Cada um dos irmãos ficou com ½ do referido prédio. Após a morte de LL, o Réu FF, seu único filho, foi habilitado por escritura notarial como único e universal herdeiro de LL. Munido dessa escritura notarial, o Réu FF requereu à Conservatória do Registo Predial de Ourique que se registasse a seu favor “a aquisição de ½ – um meio indiviso do prédio infra identificado, por o haver adquirido por sucessão aberta por óbito de seu pai LL, tendo sido este legatário de JJ, (…), conforme prova com fotocópia de escritura de habilitação e testamento, lavrados, respetivamente, a fls. 68 e 25 verso do livro de notas para Escrituras Diversas número 36-B e livro para Testamentos número 21, do Cartório Notarial de Ourique” (cfr. fls. 14 e 15 dos autos). O prédio a que o Réu se referia era o prédio urbano n.º …. Tal como requerido, o Conservador registou a favor do Réu FF a aquisição de ½ do prédio urbano n.º …, por via da sucessão “mortis causa”, tendo por base os seguintes documentos: o testamento de JJ; e a escritura notarial de habilitação de herdeiros. Abrimos aqui um parêntesis para destacar que os Autores não põem em causa este registo, efetuado em 1982 através da AP. 2, de 1982/11/18. Da mesma forma que também não põem em causa a validade e eficácia do testamento de JJ e da escritura de habilitação do Réu FF como único e universal herdeiro de LL. O que os Autores põem em causa é o registo que foi efetuado em 1992 através da AP. 2, de 1992/08/18, mediante o qual ficou registado a favor do Réu FF a outra ½ do prédio n.º … por virtude de um alegado lapso verificado no registo efetuado em 1982 (cfr. fls. 17). Assim, com este segundo registo, todo o prédio n.º … ficou registado a favor do Réu FF. Os Autores vêm agora questionar como é que foi possível efetuar o registo desta segunda metade do prédio n.º …, quando a análise dos documentos que serviram de base a estes registos revela claramente que o Réu FF apenas adquiriu ½ daquele prédio por sucessão “mortis causa” – pertencendo a outra ½ aos herdeiros de MM –, sendo que o Réu FF não apresentou na Conservatória qualquer outro título de onde resultasse a aquisição derivada ou originária desta segunda metade do prédio n.º …. Aqui chegados, importa fazer o devido enquadramento da pretensão dos Autores, à luz da causa de pedir invocada. Está liminarmente afastada a hipótese de se tratar de uma ação de reivindicação fundada na presunção de titularidade do direito conferida pelo registo ou fundada no exercício de uma posse com certas características por determinado tempo (usucapião). Também já vimos que os Autores não põem em causa o título (sucessão “mortis causa”) com base no qual foram feitos os dois registos a favor do Réu FF. Antes pelo contrário, tanto reconhecem a validade e eficácia do testamento de JJ como da escritura notarial de habilitação do Réu FF como único e universal herdeiro de LL, sendo estes os dois documentos que serviram de base aos registos de aquisição das duas metades do prédio n.º … a favor do Réu FF por sucessão “mortis causa”. A única questão que os Autores colocam é que o registo da aquisição da segunda metade do prédio a favor do Réu FF não está sustentada no título aquisitivo que foi apresentado ao Conservador (aquisição por sucessão “mortis causa”), porquanto da análise àquele testamento e àquela escritura notarial resulta claramente que o Réu FF adquiriu por sucessão “mortis causa” apenas ½ do prédio n.º …, e não a sua totalidade como erroneamente considerou o Conservador. Acresce que nenhum outro título aquisitivo (aquisição derivada ou originária) foi apresentado ao Conservador para fundar o registo daquela segunda metade do prédio a favor do Réu FF. Portanto, podemos afirmar que a causa de pedir invocada pelos Autores se traduz numa situação de desconformidade entre o título e o registo. Podemos acrescentar, em abono dessa interpretação, que o próprio pedido formulado pelos Autores de ordenar a retificação dos registos é a constatação de que a situação de facto que sustenta o pedido é uma alegada divergência entre o título que serviu de base ao registo e o registo efetuado. Importa também sublinhar que os Autores não vieram a arguir a nulidade dos registos efetuados. As causas de nulidade dos registos estão taxativamente previstas no art. 16.º do Código do Registo Predial, e nenhum dos factos alegados pelos Autores, explicita ou implicitamente, se subsumem a qualquer um dos fundamentos de nulidade ali previstos. Em suma, não estando em causa a nulidade do título que serviu de base aos registos nem a nulidade dos registos efetuados, torna-se óbvio, se dúvidas ainda houvesse quanto aos factos que constituem a causa de pedir e aos pedidos formulados, que os factos alegados pelos Autores apontam para uma situação de inexatidão entre o registo e o título que lhe serviu de base. Ora, nos termos do art. 18.º, n.º 1 do Código do Registo Predial, “O registo é inexato quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade”, sendo que os registos inexatos são retificados nos termos dos arts. 120.º e seguintes (n.º 2). Com efeito, o processo de retificação de registos encontra-se regulado no Capítulo II do Título VI do Código do Registo Predial. Nos termos do art. 121.º, n.º 1 do Código do Registo Predial, “Os registos inexatos e os registos indevidamente lavrados devem ser retificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito”. O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que “A retificação do registo é feita, em regra, por averbamento a lavrar no termo do processo especial para esse efeito previsto neste Código”. Portanto, a retificação dos registos prediais segue a forma de processo especial prevista no Código do Registo Predial. Ora, nos termos desse código, o processo de retificação dos registos é decidido pelo próprio conservador, e não pelo tribunal (art. 130.º do CRP). Qualquer interessado, ainda que não inscrito, pode iniciar o processo de retificação mediante a apresentação de um requerimento dirigido ao conservador competente, em razão do território, devendo ser especificados os fundamentos e a identidade dos interessados (art. 123.º, n.º 1). O requerimento deverá ser instruído com os meios de prova necessários e com o comprovativo do pagamento dos emolumentos devidos (art. 123.º, n.º 2). Porém, se a retificação for requerida por todos os interessados, o registo é retificado, sem necessidade de qualquer outra formalidade, quando se considere, em face dos documentos apresentados, estarem verificados os pressupostos da retificação pedida (art. 124.º). A decisão do conservador sobre o pedido de retificação pode ser impugnada mediante interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence o serviço de registo (art. 131.º, n.º 1). Portanto, só em caso de impugnação da decisão do conservador é que pode haver recurso aos meios judiciais. Verifica-se, assim, que é aos Conservadores do Registo Predial que compete conhecer, em primeira instância, da matéria em causa na ação intentada pelos Autores e não aos Tribunais Judiciais. Veja-se, nesse sentido, o seguinte Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/05/2004, de onde se extrai o seguinte excerto: “A pretensão dos recorrentes constitui um pedido de retificação do registo, o qual deve seguir o regime legal da retificação do registo previsto nos arts. 120º e segs. do C.R.P. Há erro na forma de processo porque os recorrentes não cumpriram tais dispositivos legais que preveem a intervenção prévia do Conservador do Registo Predial na retificação dos registos inexatos, logo que tenha conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, realizando-se uma conferência para tal retificação se esta não for requerida por todos os interessados. Como se refere na acórdão da Relação de Coimbra, C.J., ano XVIII, tomo 5, pág. 26, «II- Constitui erro na forma de processo intentar ação sumária a solicitar diretamente do Tribunal a retificação de um registo predial, sem se levar a efeito tal solicitação ao conservador. III- A retificação judicial só tem lugar na impossibilidade da conferência de interessados promovida pelo conservador ou na falta de acordo em conferência.»”[1]. Os atos processuais praticados nesta ação não podem ser aproveitados porque não integram o processo adequado, havendo que fazer intervir previamente o Conservador do Registo Predial nos termos referidos. Também assim foi decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 09/11/1993, citado no Acórdão do STJ a que acima fizemos referência: “Em correspondência com o interesse alegado, deveriam, antes, os autores ter lançado mão do processo de retificação do registo, na tramitação atrás exposta, ou seja, com o seu início na Conservatória do Registo Predial. Assim, não o tendo feito, também aqui incorreram em erro na forma de processo, sem possibilidade de aproveitamento de quaisquer atos processuais já praticados”[2]. Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 64.º, 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, julgo este Tribunal materialmente incompetente para a apreciação da presente ação por tal competência caber aos Conservadores do Registo Predial”. ** Os recorrentes discordam desta interpretação por considerarem estar em causa não uma simples desconformidade entre o título e o registo, mas de uma verdadeira nulidade do registo, por ter sido lavrado com base em título insuficiente, nos termos do art. 16.º b) do CRP, sendo que peticionaram a declaração de nulidade dos atos praticados pelos RR na Rep. de Finanças e do registo efetuado na CRP. E, face ao regime prescrito no art.º 17.º do CRP, impõe-se a declaração de nulidade por decisão judicial transitada.Como é sabido e consabido, e como este coletivo já teve oportunidade de se pronunciar no acórdão de 11/01/2018, proferido no processo n.º 778/17.2T8FAR.E1, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir [3]. Por isso, a competência material do tribunal determina-se pelo pedido formulado pelos autores e pelos fundamentos que são invocados. Neste preciso sentido se tem pronunciado o Tribunal de Conflitos, nomeadamente no seu recente Acórdão de 8/3/2017, proc. 034/16 (Ferreira Pinto), disponível em www.dgsi.pt, afirmando que “ A competência do tribunal afere-se, como é doutrinal e jurisprudencialmente aceite, inclusive por este Tribunal de Conflitos, pelo pedido formulado pelo Autor/Requerente e pelos fundamentos invocados (causa de pedir) — Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 07.02.2013, processo n.° 024/31, in www.itig.pt” Assim, a competência material do tribunal deve aferir-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada pelos autores na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir. *** IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.1. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir. 2. Decorre da petição inicial que os Autores pedem a declaração de nulidade do registo pedido pelos réus e lavrado na C. R. Predial, por insuficiência de título para prova da aquisição, nos termos da alínea b) do art.º 16.º do C. R. Predial, e condenanação destes a entregar-lhes 1/2 dos prédios referenciados, livres de ónus ou encargos. 3. Tendo em conta a causa de pedir e o pedido formulado, trata-se de uma ação judicial de declaração de nulidade do registo, nos termos do citado art.º 17.º do C. R. Predial. 3. Sendo pedida a declaração de nulidade, e não a retificação, do registo, será em função deste pedido que se deve aferir da competência do tribunal, ainda que eventualmente não se trate de nulidade mas de inexatidão do registo, sob pena de se conhecer do mérito da pretensão, em vez de questão processual prévia, a competência do tribunal, pois esse julgamento pressupõe a necessária competência para o efeito. *** V. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, declarando o tribunal materialmente competente para conhecer a pretensão dos autores, devendo os autos prosseguir os seus normais termos. Sem custas. Évora, 2018/03/22 Tomé Ramião Francisco Xavier Maria João Sousa e Faro __________________________________________________ [1] Disponível em www.dgsi.pt. [2] Disponível em Coletânea de Jurisprudência, Ano XVIII, 1993, Tomo V, pgs. 26 a 29. [3] Neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de março de 2012, www.dgsi.pt, referindo “como constitui entendimento pacífico, a competência em razão da matéria deve primacialmente aferir-se pela natureza da relação jurídica tal como o autor a configura na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido formulado e a materialidade que integra a causa de pedir”. |