Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
18/12.0GDMMN.E1
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: AMEAÇA COM PRÁTICA DE CRIME
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 07/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Para efeitos do preenchimento do tipo legal previsto no artigo 155º do Código Penal, a ameaça com a prática de um dos crimes de referência do artigo 153º não é típica se ocorrer em simultâneo com a sua execução, ou se a execução do crime prometido ainda não se iniciou mas está iminente.
II - A desconsideração do desvalor da ameaça pressuposta pelo legislador só se verifica nos casos em que a ameaça é seguida ou acompanhada da execução do crime prometido ou por ele consumido.
III - O critério determinante, para aferição da incriminação autónoma da “ameaça”, é que da conduta global do agente, praticada em dado momento, resulte que o desvalor contido na ameaça não se esgote no desvalor do ilícito típico executado na mesma ocasião, aferida esta pelo critério da unidade de sentido do acontecimento ilícito-global.
IV - Ainda que se possa considerar como iminente o mal anunciado (“eu mato-te”) - reforçado pelo facto de a arguida ter pegado numa machada (conduta inequivocamente apta a provocar receio pela vida e integridade física do ofendido, bem como inquietação, objetivo, aliás, alcançado) -, certo é que a arguida não prosseguiu com os intentos (reais ou não) anunciados, ou seja, a ameaça não foi, no caso, seguida ou acompanhada da execução do crime prometido, não estando, por isso, excluída a sua punição.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. Relatório

No 2º juízo do Tribunal Judicial de Montemor-O-Novo, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento os arguidos ( também ofendidos e assistentes ) BMGJ e MJB, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu absolver, a arguida dos crimes de ameaça agravada, dano, difamação e ofensa à memória falecida, e o arguido do crime de ameaça, que a cada um deles vinham imputados, e condenar cada um deles pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º do C. Penal, dispensando-os de pena.
Na procedência parcial dos pedidos de indemnização civil que, enquanto ofendidos, haviam deduzido um contra o outro, foi cada um deles condenado a pagar ao outro a quantia de 300 €, a título de compensação por danos não patrimoniais, indo absolvidos do mais peticionado.
Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o arguido/ofendido, pugnando pela sua revogação e substituição por decisão que condene a arguida por todos os crimes cuja prática lhe vinha imputada e, bem assim, na totalidade ( 3.999€, dos quais 899 € a título de danos patrimoniais e o restante a título de danos não patrimoniais ) do pedido indemnizatório que contra ela havia deduzido e o absolva do crime pelo qual foi condenado, para o que apresentou as seguintes conclusões:

1. Os factos que são objecto do processo e da sentença que se impugna ocorreram no dia 14 de Novembro de 2012, pelas 10h00, numa pequena propriedade situada na povoação de Santiago do Escoural: o assistente e arguido MJB, acompanhado da testemunha AC e também de MJB, estavam nessa propriedade a apanhar azeitona, quando foram abordados pela arguida BMGJ que insultou os três, chamando-lhes ladrões e dizendo que estavam a roubar os seus filhos, tendo posteriormente dirigido os seus insultos particularmente ao MJB, enquanto co-herdeiro da referida propriedade, chamando-lhe paneleiro e cabrão.
2. O que acabamos de relatar é considerado provado até na sentença recorrida e resulta inequivocamente da prova produzida em audiência, designadamente dos depoimentos do arguido MJB ( sessão de 11-02-2014, com início às 11horas e 21 minutos e termo às 11horas e 38 minutos); do depoimento da testemunha AC, que esteve sempre no local e teve até intervenção nos acontecimentos ( sessão de 11-02-2014, com início às 11horas e 41 minutos e termo às 11horas e 58 minutos). A arguida BMGJ ( depoimento na sessão de 11-02-2014, com início às 11horas e 39 minutos e termo às 11horas e 41 minutos ( segundo a acta) negou ter chamado paneleiro ao arguido MJB. A testemunha MZC, cujo depoimento foi prestado também na sessão de 11-02-2014 ( com início às 11horas e 58 minutos e fim às 12horas e 27 minutos –( e que em nosso entender nada viu) – anuíu com um “sim”, à pergunta do Senhor Procurador adjunto que a arguida BMGJ chamou paneleiro e cabrão ao arguido MJB.
3. Os factos foram objecto de dois inquéritos: o que dá o número a este processo (18/12.0GDMMN) resultou da queixa/denúncia apresentada pelo assistente MJB contra a arguida BMGJ, em 23 de Novembro de 2012, segundo o respectivo auto; o outro teve o número 1/13.9GDMMN e resultou da queixa apresentada pela arguida BMGJ contra o arguido MJB, no dia 2 de Janeiro de 2013, ou seja, no mesmo dia em que a arguida BMGJ foi constituída arguida e foi ouvida, como tal. Nessa queixa, aparece pela primeira vez o nome da testemunha MZC, mas não a de qualquer outra testemunha presencial. Esta queixa, apresentada nas circunstância já referidas e um mês e dezoito dias após os acontecimentos, é uma tentativa de defesa, como qualquer pessoa avisada e minimamente experiente compreende e como resulta evidente do seu teor e circunstâncias em que é formulada. Este inquérito foi incorporado no inquérito 18/12.0GDMMN ( nº deste processo), sendo a proposta do senhor Comandante da GNR de 21 de Fevereiro de 2013.
4. A audiência de Julgamento teve lugar, como resulta do que se disse, no dia 11-02-2014, pelas 9horas e 30 minutos, segundo a acta, e no dia 27-02-2014, pelas 11horas e 30 minutos, também segundo a acta. A sentença foi “lida” no dia 11-03-2014, pelas 14 horas, segundo a acta, mas só foi disponibilizada pela secretaria na sexta feira, dia 14-03-2014. Na sessão de 27-02-2014 foram acareadas, a requerimento do advogado do recorrente MJB formulado na sessão anterior, as testemunhas AC e MZC. A referência à acareação consta da respectiva acta com a menção de que foi gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal. Mas nada é dito sobre a hora nem a duração. Acrescentaremos, no entanto, que a gravação da acareação estará logo no início. Após a acareação, estão gravados os depoimentos das restantes duas testemunhas (JC e BP), que declararam nada saber, pelo que nenhuma outra referência se fará aos seus depoimentos.
5. Houve acusação pública e acusações particulares. A acusação pública imputa ao arguido MJB a prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153º, nº 1 e um crime de injúria, p.e p. pelo artº 181º, nº 1, ambos do Código Penal. À arguida BMGJ, a acusação pública imputa um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a), um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º, nº 1, um crime de ofensa à memória de pessoa falecida, p.e p. pelo artº 185º, nº 1 e um crime de dano, p.e p. pelo artº 212º, nº 1, todos do Código Penal. A acusação particular formulada por MJB acrescenta o crime de difamação aos ilícitos enumerados na acusação pública. A acusação formulada por BMGJ nada acrescenta à acusação pública, a este respeito.
6. A sentença que se impugna, no Relatório, começa por sumariar as acusações, exarando erradamente que a acusação pública apenas imputaria à arguida BMGJ um crime de ameaça agravada e um crime de dano e ao arguido MJB um crime de ameaça. Atribui à acusação particular de BMGJ a imputação ao arguido MJB de um crime de injúria e á acusação formulada por MJB a imputação à arguida BMGJ de um crime de difamação, de um crime de injúria e de um crime de ofensa à memória de pessoa falecida. Não entendemos a “correcção” do teor da acusação pública, nem o hipotético critério. Desde logo porque não compete à sentença, no Relatório, proceder a qualquer correcção deste tipo e depois porque não é sequer claro que se tenham mantido como constando da acusação pública os crimes públicos e os crimes particulares nas acusações particulares. Por outro lado, e pelo que fomos notificados, as acusações, pública e particulares, foram recebidas em 28-11-2013, nos seus precisos termos, de facto e de direito(…).
7. A sentença que se impugna está deficientemente fundamentada. A enumeração dos factos provados e não provados é feita sem um exame crítico minimamente coerente e lógico, pese embora enunciar o contrário. Contém contradições manifestas e insanáveis bem como erros notórios na apreciação da prova ( artº 374º, nº 2 e alíneas a),b) e c) do nº2 do artº 410º do CPPenal). Mas também é incorrecta a interpretação e aplicação do Direito, no que diz respeito ao crime de ameaça ( artºs 153º,nº1 e 155º, nº 1, a) do Código Penal), bem como aos pressupostos da aplicação da dispensa da pena, prevista no artº 186º, designadamente no seu nº 3. É o que nos propomos demonstrar seguidamente.
8. Como pode verificar-se da Fundamentação, designadamente da Motivação da decisão de facto, a Senhora Juíza atendeu sobretudo aos depoimentos da arguida BMGJ e da testemunha por esta indicada MZC. Por incrível que possa parecer afirma-se que a arguida BMGJ descreveu o recorte histórico em apreço substancialmente como demonstrado e de forma coerente com o depoimento espontâneo, linear, desinteressado e coerente, logo convincente, de MZC, o qual descreveu o episódio em apreço como demonstrado (?).
9. Com referência á testemunha AC e ao arguido e assistente MJB afirma-se, na sentença, repetidamente, que a testemunha corroborou integralmente o depoimento deste arguido (:..), mas que não logrou convencer o Tribunal para além da duvida razoável (…). A sentença afirma e pressupõe, quer na fundamentação, quer na decisão: (…) estranha-se, atentas as regras da experiência e da normalidade do devir que o arguido não tivesse reagido às palavras da arguida, tanto mais que a reacção/ expressão “aí vem a puta” é coerente com o episódio do dia anterior a que aludiu AC.
10. Tudo isto é verdadeiramente espantoso. O AC foi a única testemunha presencial da ocorrência e que interveio, por duas vezes, a pedido do assistente e arguido MJB: uma para impedir que a arguida continuasse a rasgar os panos de recolha da azeitona; outra para retirar a machada com que a arguida ameaçou o MJB. Que a arguida ameaçou o MJB com a machada dizendo-lhe eu mato-te, consta até do nº 5 dos factos provados.
11. Todo o depoimento da testemunha AC é claro, categórico, sem uma única hesitação ou contradição, como V. Exas, Senhores Desembargadores, poderão verificar ( sessão de 11-02-2014, com início às 11horas e 41 minutos). Tal depoimento só é efectivamente possível a quem viveu os factos e neles teve até de intervir. Para a Senhora Juíza, o pecado deste depoimento foi o de corroborar inteiramente o do arguido MJB. A sentença diz estranhar que o arguido MJB não tivesse reagido às palavras da arguida. Mas, contraditoriamente, dá como provado que foi este arguido que terá começado com a expressão “vem aí a puta”. E dá como provado que o mesmo arguido tenha reagido ( afinal) aos insultos da arguida, em coerência com o facto de ter uma vara na mão, tendo dito… “que lhe enfiava a vara pela cona a cima e a abria ao meio” ( factos provados nºs 2 e 4).
12. Ao contrário do que a Senhora Juíza entende como a normalidade do devir, o episódio do dia anterior – onde o arguido MJB não esteve – mas que consistiu em insultos a quem estava já a apanhar azeitona no mesmo local ( AC e MJB), levaria naturalmente a tentar evitar a correspondente repetição. E é totalmente ilógico que, de dentro de um terreno onde estão a trabalhar, avistem a arguida a aproximar-se e o arguido MJB tenha comentado, de forma audível, aí “vem a puta”. Isto é que é completamente ilógico e não o contrário. Há pessoa que estão a trabalhar num determinado local, e há uma outra que para lá se dirige. Com que objectivo? Meramente provocatório, como ela própria admitiu. Chamando nomes a quem está ( ladrões e bandidos e dizendo que estavam a roubar os filhos.) Nem isto é dado como provado, e todavia é admitido pela própria arguida BMGJ ( sessão de 11-02-2014, gravação com início às 11horas e 39, segundo a acta.)
13. Do depoimento da testemunha AC, cuja localização já foi indicada ( 11-02-2014, 11horas e 41 minutos), resulta de forma clara e categórica- repete-se – que a arguida BMGJ se aproximou das pessoas que estavam a trabalhar na propriedade Rachadinha ( uma pequena leira no interior de uma povoação e não uma herdade ) e insultou-os chamando-lhes bandidos e ladrões e dizendo que estavam a roubar os filhos. Resulta ainda sem margem para quaisquer duvidas, ao contrário das afirmações que constam da sentença (Motivação da decisão de facto) que:
- este episódio durou bastante tempo, talvez uma meia hora, visto que a arguida BMGJ veio ao local, regressou a casa, voltou ao local, continuando os insultos e as provocações, sendo que este ir e vir se repetiu várias vezes;
- Numa dessa vezes a arguida levou a sua provocação ao ponto de rasgar os panos onde caía e era recolhida a azeitona varejada, só tendo deixado de o fazer porque a testemunha interveio, a pedido do MJB;
- numa outra, pegou numa machada que estava junto ao muro e correu para onde estava o MJB ameaçando que o matava e chamando-lhe paneleiro e Cabrão.
- O arguido MJB nunca insultou a arguida com os termos que são dados como provados e aguentou – é a expressão da própria testemunha, por ter compreendido que a arguida pretendia obter resposta às suas provocações.
- A testemunha é perfeitamente clara e categórica a este respeito, quando interrogada pelo Senhor Procurador adjunto, nunca tendo sequer hesitado e dizendo até que ele próprio não teria conseguido manter esta atitude.
14. A que propósito poderá isto ter sido tão difícil de entender, quando se dá todo o crédito a uma testemunha ( MZC) que mais ninguém viu, que se manteve quieta e calada todo o tempo, que a única preocupação que manifestou foi em dizer que “ouviu” e depois conta como tendo “visto”. Será que a experiência comum nos diz ser natural que a escassos metros ninguém veja uma testemunha? Será que é normal que essa testemunha não tenha tido a mais pequena manifestação perante acontecimentos graves, nada tenha dito e se tenha mantido como um verdadeiro fantasma? Será que resulta da experiência comum que uma testemunha saiba que ninguém a viu, apesar de se posicionar a escassos metros da ocorrência? Será que é normal que a própria arguida BMGJ saiba que ninguém viu a testemunha MZC e se apresse a dizê-lo em Tribunal? Pois bem: é isto que resulta como sendo convincente para a Senhora Juíza na motivação de facto. Já o indicámos, mas repetimos agora: o depoimento da testemunha fantasma MZC, segundo a acta, está gravado na sessão de 11-02-2014, tendo o seu início às 11horas e 58 minutos e o termo às 12 horas e 27 minutos. O depoimento da arguida BMGJ foi gravado na sessão de 11-02-2014 com início às 11horas e 39 minutos e termo às 11horas e 41 minutos. Segundo a acta, evidentemente.
Ao contrário do que se diz na Fundamentação ( Motivação da decisão de facto), os depoimentos de uma e de outra são evasivos, hesitantes e totalmente inconsistentes. E nem sequer coerentes um com o outro são, ao contrário do que se afirma na sentença. A arguida diz que não viu panos nenhuns e a testemunha diz que os panos estavam no muro. A arguida diz que não chamou paneleiro ao MJB e a testemunha admite que sim, que chamou paneleiro e cabrão, designadamente a instâncias do Senhor Procurador adjunto, como V. Exas poderão confirmar e se transcreve, aliás, como várias outras passagens, no corpo das alegações. Mas sejamos justos. Há uma coisa em que são unânimes: ninguém viu a testemunha MZC. Como é que ambas sabem? Eis o mistério que o Julgamento não resolveu.
15. Já o dissemos: é evidente que a testemunha MZC não assistiu a nada. Isso ressalta com toda a evidência do seu depoimento e da acareação com a testemunha AC ( gravada na sessão de 27-02-2014, logo no início, sendo que a acta não menciona a hora nem a duração). Nessa acareação, que deveria ter sido feita apenas pela Meritíssima Juíza, como nos parece resultar do artº 146º do CPP, a testemunha AC, cuja presença no local e intervenção nos acontecimentos ninguém pode por ou põe em dúvida, é categórica em afirmar que a MZC não poderia estar no local e nada viu. Diz clara e categoricamente que a MZC mente -até demonstra que era impossível à MZC ver tudo o que se passou ou ter assistido aos factos. Já no final da acareação, a questão parece também linear, mesmo quando a Senhora Juíza a interroga com o propósito de terminar a acareação. Por isso a fundamentação é incoerente e contraditória ( artº 410º, nº 2), o que acarreta um erro notório e para nós incompreensível, na apreciação da prova.
16. Da prova produzida na audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos descritos na acusação pública e também na acusação formulada pelo assistente MJB:
a)1. A arguida BMGJ, para evitar que o MJB e o AC continuassem a apanhar azeitona puxou os panos onde caem as azeitonas provocando-lhe dois rasgões, um com 11cm e outro com 43cm.
a)2. A arguida BMGJ pegou numa machada e correndo em direcção do arguido MJB disse: “ a minha vida está perdida, meu paneleiro, meu cabrão, eu mato-te.
a)3. Não satisfeita, dirigindo-se á mãe do arguido MJB disse que a sua mãe “era a maior puta do Escoural”.
( todos os factos acabados de enumerar constam dos nºs 5 a 7 da acusação pública).
17. Devem ser considerados como não provados os factos descritos nos nºs 2 e 4 dos Factos Provados mencionados na sentença, a saber:
“2. No momento em que a arguida vinha a chegar ao local, o arguido, dirigindo-se à mesma, disse: “ aí vem a puta”.
4. Na sequência do supra descrito encetaram uma discussão no âmbito da qual o arguido, munido de uma vara, disse à arguida “que lhe enfiava a vara pela cona acima”.”
A testemunha presencial - única testemunha presencial – desmentiu categoricamente que o arguido MJB tenha dito tais coisas e ninguém mais, a não ser a própria arguida o afirmou de forma clara.
18. Como consequência da prova produzida em audiência, analisada correcta e criticamente, o arguido e assistente MJB deverá ser absolvido das acusações contra ele formuladas, visto não se ter provado que tenha cometido qualquer crime de ameaça ou de injúria, e deve também ser absolvido do pedido de indemnização contra ele formulado pela arguida BMGJ.
19. Deve ser considerada inteiramente provada a acusação pública e parcialmente a acusação particular formuladas contra a arguida BMGJ devendo ser condenada como autora material e em concurso real de um crime de ameaça agravado, injúria, dano e ofensa à memória de pessoa falecida, previstos e punidos pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1 al. a), 181º, nº 1, 212º, nº1 e 185º, nº 1, todos do Código Penal.
Deve ainda a arguida ser condenada na totalidade do pedido de indemnização cível formulado pelo assistente, no valor de €3.999,00, sendo que € 912,00 são imputáveis a danos patrimoniais (os panos rasgados- €60,00 - e as despesas suportadas com o processo (€912,00) e €2.487,00 a danos não patrimoniais, decorrentes do vexame e da humilhação que a arguida voluntária e conscientemente quis infligir ao assistente.
20. Diremos ainda, a terminar, que consideramos incorrectamente interpretados os artigos 153º, nº 1 e 155, nº 1, al. a) do Código Penal, tal como resulta da sentença. As normas foram objecto de um acórdão de fixação de Jurisprudência ( o acórdão 7/2013) e também muito recentemente do acórdão dessa Relação de 25-02-2014 ( Proc. nº 491/12.7GAOLH.EL). Todavia, a questão em discussão foi determinar que o crime de ameaça é um crime público, quando a ameaça atente contra qualquer dos bens enunciados no nº 1 do artº 153º do Código Penal. Provado que está ( até na sentença) que a arguida BMGJ ameaçou o assistente e arguido MJB com uma machada, dizendo “ a minha vida está perdida, eu mato-te”, julgamos não fazer sentido absolver a arguida deste crime com o argumento de que a ameaça pressupõe um mal futuro e não iminente. Tal interpretação deixaria impunes todos os comportamentos, por mais graves que fossem, desde que não consumados nesse momento. De resto, tal entendimento exigiria sempre a dificílima definição do que deveria entender-se como futuro: o minuto seguinte, cinco minutos, um dia, um mês? Não vemos qualquer fundamento doutrinal ou jurisprudencial para essa posição que a sentença adopta, e nela também não se citam quaisquer fundamentos.
21. O mesmo sucede com a dispensa da pena, de que a sentença impugnada se socorre, numa interpretação do nº 3 do artº 186º do Código Penal que não nos parece consistente e adequada ao caso presente. Note-se que nos colocamos temporariamente na perspectiva factual da sentença. Mesmo assim, não estão reunidos os pressupostos que entendemos legitimarem a aplicação do nº 3 do mencionado artigo 186º do CP. Claro que, em virtude da decisão que esperamos desse Tribunal Superior e em conformidade como que acabamos de defender, não há qualquer dúvida sobre a impossibilidade legal de a arguida BMGJ ser dispensada da pena do crime de injúria.

O recurso foi admitido.
Apenas foi apresentada resposta pelo MºPº, que defendeu a manutenção integral da sentença recorrida, concluindo como segue:

1. O “erro notório na apreciação da prova”, contemplado na alínea c) do nº2 do art. 410° do C. P. P., trata-se de um vício decisório que tem a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e cuja verificação há-de necessariamente ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos, mesmo que constem do processo, sendo o referido vício intrínseco à decisão como peça autónoma.
2. Verifica-se este vício quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se aperceba de que o Tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorreta, designadamente, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios; verificando-se igualmente este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das “leges artis”.
3. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao comum cidadão, homem médio, ou talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restrito, na senda do entendimento do Conselheiro José Sousa Brito, na declaração de voto do Acórdão n0322/93 “in” www.tribunalconstitucional.pt ou do entendimento do acórdão do STJ de 30/01/2002, proc. 3264/01 - 3asecção, sumariado em SAST J) ao juiz “normal” dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-­se contra o que se provou ou dar-se como provado o que não podia ter acontecido.
4. Ora, como o recorrente certamente reconhecerá, sendo (como é) a versão dos factos apresentada no texto da sentença impugnada perfeitamente admissível à luz das regras da lógica e da experiência comum, não é possível falar-se em erro notório na apreciação da prova, tal como o instituto está desenhado na lei processual penal portuguesa.
5. Quanto à alegada contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, para se verificar tal vício é necessário que do próprio texto da decisão recorrida constem, sobre a mesma questão, posições antagónicas ou inconciliáveis, que não possam ser ultrapassadas pelo Tribunal de Recurso - vide Acórdão do STJ de 22/05/1996 ­Proc. 306/96, situação que manifestamente não ocorreu no que concerne à decisão ora impugnada.
6. Convém, no entanto, salientar que da motivação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida não resulta que. o Tribunal formou a sua convicção somente com base nas declarações da arguida BMGJ e da testemunha de acusação MZC, consideradas isoladamente; o que dali resulta é que tais declarações foram importantes para a formação da convicção do Tribunal, que é coisa bem diferente,
7. É que as declarações daquelas, como qualquer outro meio de prova, foram apreciadas pelo Tribunal “a quo” no confronto com os demais meios de prova e de acordo com as regras da experiência comum.
8. Por outro lado, acreditar na arguida BMGJ e na testemunha MZC ou antes no arguido e na testemunha AC é uma questão de convicção.
9. E quem está numa posição privilegiada para o fazer é sem dúvida, o tribunal de 1° instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova
10. O tribunal da 1ª instância é que viu a assistente, as várias testemunhas e o arguido, teve-os à sua frente, olhou-os nos olhos, notou as hesitações ou serenidade com que depunham, como titubeavam ou foram peremptórios.
11. O art. ·127° do C. P. Penal dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente. .
12. Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva; mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável (cfr. Acórdão do STJ de 04/11/1998, publicado na CJ - Ac STJ - 1998 - Tomo III, pág. 201).
13. Mas quando a atribuição de credibilidade a fontes de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum (cfr. a este propósito o Acórdão do STJ de 06/03/2002, “in” CJ - ACST J 2002, Tomo II, pág. 44).
14. Ora, verificando o conteúdo da prova produzida em julgamento, conjugada entre si com as regras da experiência e da normalidade, nada se pode criticar à matéria de facto dada como provada.
15. Nos termos previstos no art. 374° nº2 do C. P. Penal, constitui requisito da sentença, no segmento atinente à fundamentação, além dos mais enunciados, a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
16. Adiante, nos termos prevenidos no art. 379° nº1 al. a) do C. P. Penal, é nula a sentença que não contiver, designadamente, as menções referida no mencionado nº2 do art. 374° do C. P. Penal.
17. Importa assim que, por via de um tal exame das provas, que a Lei pretende exposto, aberto-proclamado, de forma expressa, pela revisão do C. P. Penal operada pela Lei nº 59/98, de 25/8 e, como é sabido, por referência à questão do duplo grau de jurisdição em matéria de facto ­se apreciem criticamente os meios de prova, por forma a explicitar o processo de formação de convicção pelo Tribunal.
18. E assim, de modo, designadamente, a garantir que se não operou uma ponderação arbitrária.
19. Isto é, impõe-se um exame crítico das provas que viabilize a «transparência da decisão» - vide neste sentido Michelle Taruffo «Note sulla garanzia constituzionale della motivazione» “ln” Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - vol./V - pág. 29. Domesmo autor pode ver-se, com particular interesse, “Conascenza Scientifica e Decisione Giudiziaria e Veritá Scientifica, Giuffré Milão - 2005”.
20. Uma vez que a Lei não materializa o conceito de «exame crítico das provas», há-de o mesmo ancorar-se a regras e a critérios de razoabilidade, figurando-se o “punto nodens” em permitir a avaliação cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
21. Com efeito, a fundamentação da sentença destina-se, consabidamente, por um lado, a permitir o controlo da legalidade do acto e, de outra banda, destina-se a convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça.
22. Ora, olhando o texto da sentença recorrida de forma objectiva e imparcial, afigura-se-nos que a mesma garante a transparência do julgado, na medida em que oferece, minimamente, os elementos que, por via de regras da experiência e de critérios lógicos, abonaram a convicção do Tribunal na emissão de um julgamento positivo relativamente à demonstração dos factos acusados e à valoração das provas produzidas.
23. Não se vislumbrando, pois, que a douta sentença recorrida esteja inquinada do vício referenciado.
24. São três as características do conceito “ameaça”: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.
25. O mal tanto pode ser de natureza pessoal (por exemplo lesão da saúde ou da reputação social), como patrimonial (por exemplo destruição de um automóvel ou danificação de um imóvel).
26. O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-à diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal.
27. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência.
28. Assim, por exemplo, haverá ameaça quando alguém afirma “hei-de matar-te”, já se trata de violência quando alguém afirma “vou matar-te já”.
29. Que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que referindo-o, este seja curto ou longo, é irrelevante.
30. Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido que esta expressão é tomada para efeito de tentativa (cfr. neste sentido, Comentário Conimbricense do C. Penal- Parte Especial- Tomo I, pág. 343).
31. Ora, in casu, resultou provado na douta sentença recorrida que a arguida BMGJ pegou numa machada e correndo na direcção do assistente MJB disse “eu mato-te”.
32. De tal realidade demonstrada resulta evidente que a arguida se limitou a anunciar ao assistente o propósito imediato de atentar contra a sua vida e integridade física, o que aliás, se extrai inclusive da concretização do meio de realização de tal propósito coincidir com o objecto que a arguida tinha na mão.
33. Isto é, o mal anunciado não é futuro, mas iminente, pelo que os factos praticados pela arguida não integram o elemento objectivo do tipo de crime de Ameaça.
34. O nº3 do art. 186º do C. P. Penal contempla uma solução normativa para os casos da chamada retorsão.
35. Está-se perante a situação clássica de resposta a um insulto com outro insulto, o que parece tornar claro que a retorsão só deve ter lugar quando se desencadeia uma injúria.
36. Para além disso é também evidente que as ofensas têm de ser compreendidas numa relação de reciproca dependência, onde o carácter imediato parece ser uma pedra do toque,
37. Isto é: a imediatidade aqui convocada tem, por certo, uma menor elasticidade quando cotejada com aquele exigido, por exemplo, pelo instituto de “provocação”.
38. Dir-se-á que para a retorsão como que há uma relação de causa efeito, parecendo dominante a ideia de não ser exigível a proporcionalidade entre injúrias reciprocas.
39. Na situação de retorsão estamos perante dois ilícitos, em si mesmo autónomos e absolutamente preenchidos e que, em princípio, deveriam desencadear correspondentes penas sem se recorrer a um instituto de manifesto entono benevolente.
40. Pura e simplesmente, por razões de política legislativa, entendeu o legislador que se devia aplicar a dispensa da pena, a qual, no fundo, tem a sua razão de ser na pequena gravidade das ofensas e ainda em razões psicológicas e sociais que aceitam favoravelmente a representação de uma disputa que se autocompensa.
41. Ora, “in casu”, resultou provado na douta sentença recorrida, que no dia 14/11/2012, pelas 10 horas, na Herdade da Rachadinha, em Santiago do Escoural, o arguido MJB dirigindo-se à arguida BMGJ disse “aí vem a puta”.
42. De imediato a arguida BMGJ abordou o arguido MJB e acusou-o de estar a roubá-la e aos seus filhos e chamou-lhe paneleiro e cabrão.
43. Mais resultou provado na douta sentença recorrida que a arguida não possui antecedentes criminais e que se encontra familiarmente e profissionalmente integrada.
44. Atenta a realidade demonstrada, designadamente a sucessão imediata e reciprocidade das injúrias, e por não se vislumbrar que a tal se oponham razões de prevenção, afigura-se-nos estarem preenchidos os pressupostos para que à arguida BMGJ seja aplicada, como foi, o instituto de dispensa da pena, contemplado no art. 186° nº3 do C. Penal.
45. A douta decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, nem merece censura, devendo, pois, ser integralmente mantida”.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer igualmente no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º C.P.P., sem que tivesse sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.


2. Fundamentação
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:

1. No dia 14 de Novembro de 2012, cerca das l0h00, o arguido MJB encontrava-se na Herdade da Rachadinha, da qual é co-herdeiro e que situa na Rua Vasco da Gama, em Santiago do Escoural, a apanhar azeitona.
2. No momento em que arguida vinha a chegar ao local, o arguido, dirigindo-se à mesma, disse “aí vem a puta”.
3. E abordando-o, a arguida BMGJ, intitulando-se dona, acusou-o de estar a roubá-la e aos seus filhos e chamou-lhe paneleiro e cabrão.
4. Na sequência do supra descrito encetaram uma discussão no âmbito da qual o arguido, munido de uma vara, disse à arguida “que lhe enfiava a vara pela cona acima e a abria ao meio”.
5. Acto seguido, a arguida pegou numa machada e na direcção do arguido disse “eu mato-te”.
6. O arguido MJB ao proferir a expressão descrita em 2., sabia que a mesma era idónea a atingir a dignidade, honra e consideração cia arguida BMGJ, não obstante agiu com esse propósito, conseguido.
7. A arguida BMGJ ao proferir as expressões referidas em 3. sabia que as mesmas eram idóneas a atingir a dignidade, honra e consideração do arguido MJB, não obstante agiu com esse propósito, conseguido.
8. O arguido MJB ao proferir a expressão referida em 4. agiu com o propósito conseguido de provocar receio pela integridade física e inquietação à arguida BMGJ.
9. A arguida BMGJ ao proferir a expressão referida em 5. agiu com o propósito conseguido de provocar receio pela vida e integridade física e inquietação ao arguido MJB.
10. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei, ainda assim não se inibindo de actuarem corno actuaram.
11. A arguida sabia que a mãe do arguido MJB já havia falecido.
12. A arguida BMGJ é reformada, auferindo a título de pensão de reforma cerca de €288,00 mensais e a título de pensão por morte do marido €500,oo mensais.
13. A arguida vive em casa dos filhos.
14. O arguido MJB é pedreiro, auferindo cerca de €400,00 a €500,00 mensais.
15. O arguido recebe €250,00 mensais a título de renda.
16. O arguido vive em casa própria.
17. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

Considerou-se como não provada qualquer outra factualidade relevante para a boa decisão da causa e nomeadamente:

a) chamando-lhe ladrões e gatunos; b) por sua vez, a arguida para evitar que aquele e os demais indivíduos que ali se encontravam continuassem a apanhar azeitona puxou os panos onde caem as azeitonas provocando-lhe dois rasgões, um com 11 cm e outro com 43 cm; c) A arguida ao puxar os panos destinados a apanhar as azeitonas representou como possível que da sua conduta pudessem resultar danos nos mesmos, ainda assim conformou-se com tal possibilidade; d) e correndo na direcção do arguido disse “a minha vida está perdida, meu paneleiro e cabrão”; e) Não satisfeita, dirigindo-se à mãe do arguido MJB disse que a sua mãe “era a maior puta do Escoural” e que ele não era filho do seu pai mas sim do ZC, pessoa que também já faleceu; f) A arguida ao proferir a expressão referida em e) sabia que ao assim actuar estava a denegrir a sua memória e a causar angustia e sofrimento ao arguido MJB; g) humilhado perante os seus amigos e, tendo tais factos sido conhecidos e comentados numa pequena vila como é Santiago do Escoural, maior e mais profunda é a humilhação e o vexame que a arguida quis provocar e provocou no queixoso; h) os insultos à memória da sua mãe são do conhecimento de toda a povoação; i) o arguido MJB tem evitado cruzar-se ou encontrar-se com a arguida; j) o arguido calcula que a deterioração dos panos da azeitona importe em €30,00; k) teve de deslocar-se quatro vezes a Montemor; 1) ainda hoje o arguido se sente humilhado no meio em que vive e onde toda a gente o conhece; m) bem como o trabalho do seu advogado (€750,00); n) “sempre foi uma puta até no tempo do marido” e “És uma puta, toda a vida foste uma puta”.

A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:

O tribunal fundou a sua convicção na apreciação e análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, segundo juízos de experiência comum e o princípio da livre apreciação (art.127°CPP). Concretizando,
a) Quanto à responsabilidade criminal e civil do arguidos/demandados a convicção do tribunal fundou-se, atentas as regras da experiência e da normalidade do devir, nas declarações da arguida BMGJ, a qual descreveu o recorte histórico em apreço substancialmente como demonstrado e de forma coerente com o depoimento, espontâneo, linear, desinteressado e coerente, logo convincente, de MZC, a qual descreveu o episódio em apreço como demonstrado. Sendo que, e em conformidade, o depoimento de AC só logrou convencer o tribunal na medida da sua coerência com o depoimento de MZC, a qual desde logo esclareceu, acredita que nenhum dos intervenientes no evento que sustenta os presentes a tivesse visto, quer pelo local onde se encontrava quer pela sua concentração no mesmo. De notar, só o arguido, que negou integralmente a prática dos factos imputados, e a referida testemunha (AC), que o corroborou integralmente, referem que a arguida BMGJ rasgou os panos da apanha da azeitona, o que, note-se, inclusive tendo presente a idade da arguida e a textura dos referidos panos (foto de fls. 102), não logrou convencer o tribunal para além da dúvida razoável, decidindo-se em conformidade com o princípio in dubio pro reo, o mesmo sucedendo no que concerne às palavras dirigidas contra a memória da mãe do arguido MJB, atento que só o arguido, que nega integralmente a prática dos factos imputados e a referida testemunha, que o corroborou integralmente, aludiram a tais palavras. Sendo que, note-se, para além do referido, estranha-se, atentas as regras da experiência e da normalidade do devir, que o arguido não tivesse reagido às palavras da arguida, tanto mais que a reacção/expressão “aí vem a puta” é coerente com o episódio do dia anterior a que aludiu AC, no âmbito do qual a arguida aludia ao seu direito sobre a herdade e à violação do mesmo, assim como a expressão referida em 4. dos factos provados é coerente com a circunstância de o arguido ser encontrar, como assumiu, a fazer a apanha da azeitona e, como também referiu AC, de vara na mão. Finalmente, retenha-se, da própria dinâmica factual e concretas palavras proferidas, resulta o forte compromisso entre a vontade dos arguidos e os factos. Para além do já referido, a realidade não demonstrada resulta da ausência de produção de qualquer prova capaz de convencer da sua realidade. Sendo que, as testemunhas JC e BP, não tendo presenciado os factos, como afirmaram, nada puderam esclarecer sobre os mesmos.
b) quanto às condições sociais e económicas dos arguidos, nas declarações dos mesmos, por espontâneas, lineares e convincentes;
c) quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, nos certificados de registo criminal juntos aos autos,


3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- deficiente fundamentação do exame crítico da prova;
- contradição insanável, erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento;
- erro de subsunção jurídica quanto ao crime de ameaça agravada cuja prática vinha imputada à arguida;
- falta de preenchimento dos requisitos para a dispensa da pena.

3.1. O recorrente considera que a sentença recorrida se encontra deficientemente fundamentada, não se encontrando a enumeração dos factos provados e não provados sustentada por um exame crítico minimamente coerente e lógico.

Como é sabido, a estrutura de uma sentença comporta três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo, que devem obedecer aos requisitos enumerados no art. 374º do C.P.P.[3]
No que concerne à fundamentação[4], a mesma deve conter, sob pena de nulidade ( cfr. al. a) do nº 1 do art. 379º ), a especificação dos factos provados e não provados, bem como a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, com realce para aqueles em que assentou a convicção do tribunal, sendo “ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto[5]. A estas exigências legais subjazem, pois e por um lado, objectivos de transparência e de credibilização das decisões. Num Estado de Direito democrático, o poder judicial tem de se afirmar perante os interessados e a própria sociedade, nomeadamente, pela justificação das suas decisões, afastando suspeitas de arbítrio ou de leviandade. Por outro lado, permitem o controlo das decisões pelas instâncias superiores, em caso de recurso, viabilizando a correcção de falhas clamorosas.
Os motivos de facto que fundamentam a decisão, aludidos no nº 2 do art. 374º, “não são nem os factos provados ( thema decidendum ) nem os meios de prova ( thema probandum ) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova. (…)
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz (…). E extraprocessualmente deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade[6], [7].
Não estabelecendo a lei um modelo rígido e uniforme de fundamentação, traçando apenas as linhas gerais a que deve obedecer, o grau de exigência e aprofundamento na exposição dos motivos de factos e de direito que fundamentam a decisão fica dependente, na prática, de um critério de razoabilidade aferido em função das particularidades de cada caso concreto[8]. No que toca à motivação de facto, não se exige que o tribunal de julgamento proceda à reprodução das declarações e depoimentos produzidas na audiência ( porque para isso serve a documentação das declarações )[9], nem que esmiúce detalhadamente cada meio de prova, porque também nas decisões judiciais é recomendável alguma racionalidade na gestão dos meios, não fazendo sentido desperdiçar tempo e esforços em explicações muito detalhadas acerca daquilo que é facilmente inferível, inquestionável ou por demais óbvio. Por isso mesmo, o nº 2 do aludido art. 374º refere “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa”, bastando, pois, que seja precisa e sucinta. Por isso também, “a indicação das provas que serviram para formar a convicção apenas é obriga­tória na medida do que é necessário” e “não se exige ao julgador que exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se encontra na base da sua convicção de dar como provado um determinado facto, especialmente quando, relativamente a tal facto, se procedeu a uma dada inferência mediata a partir de outros dados como provados[10],[11].
O que se exige, sim, é que, a partir da indicação das provas que serviram para formar a sua convicção num determinado sentido, proceda à enunciação das razões de ciência das testemunhas e ao esclarecimento cabal, ainda que conciso, dos motivos por que optou por uma das versões em confronto, quando as houver, dos motivos pelos quais conferiu credibilidade a determinados declarações e depoimentos, das razões pelas quais documentos ou exames foram privilegiados na formação da convicção, tudo por forma a permitir a reconstituição e conferência do percurso lógico que seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados e, assim, possibilitar aos destinatários da decisão, à comunidade jurídica em geral e às instâncias de recurso que sejam chamadas a fiscalizar e controlar a actividade decisória, a apreensão e compreensão dos juízos valorativos que lhe subjazeram[12]. A exigência legal basta-se, pois, com a exteriorização clara e inequívoca do raciocínio seguido pelo tribunal na formação da convicção, de forma adequada a demonstrar que a ponderação das provas não foi arbitrária, ilógica, contraditória ou violadora das regras da experiência comum[13].

A simples leitura da motivação da decisão recorrida demonstra à evidência que não assiste razão ao recorrente quando pretende que o exame crítico não se coaduna com a decisão da matéria de facto. Na verdade, o tribunal recorrido explicou, de forma satisfatória e perfeitamente perceptível, as razões pelas quais formou a sua convicção no sentido que vem reflectido na distribuição que fez da factualidade como provada e não provada. Demonstrou claramente ter ponderado a prova na sua globalidade e em particular as declarações dos arguidos/ofendidos, intervenientes directos no episódio que esteve na origem dos autos e os depoimentos das testemunhas que afirmaram tê-lo presenciado, a MZC e o AC. E também resulta claro ter sido considerado como testemunho-chave o prestado pela testemunha MZC, que logrou merecer à julgadora inteira credibilidade, não lhe sobrando dúvidas de que a mesma presenciou os factos – foi aceite como explicação para que não tenha sido vista pelo recorrente e pela testemunha Almerinda, como estes afirmaram, o ( preciso ) local onde ela se encontrava ( subentende-se que não lhes permitiria facilmente aperceber-se da presença dela ) e o facto de eles se estarem concentrados ( no que estava a acontecer ) - e no essencial falou com verdade. Em particular no que concerne à expressão que vinha descrita como tendo sido dirigida pelo recorrente à arguida logo que esta se aproximou do local, a verosimilhança dessa conduta foi justificada pela pré-existência de um episódio, na véspera, em que já eram patentes os desentendimentos acerca dos direitos sobre a propriedade ( abre-se aqui um parêntesis para dizer que não está, nem esteve em momento algum, em causa determinar se se tratava ou não de uma “herdade”, sendo esta a expressão com que foi designada na acusação e passou para a decisão precisamente porque nada em contrário foi demonstrado e, a bem dizer, a sua dimensão em nada interessava ao objecto do processo ) onde, no dia dos factos, o recorrente andava a apanhar azeitona, assim como o facto de o recorrente se encontrar com uma vara na mão emprestou verosimilhança acrescida à afirmação feita pela arguida/ofendida e pela MZC de que o recorrente proferiu efectivamente a expressão que foi dada como assente no ponto 4. dos factos provados. Ademais, foram indicadas as razões pelas quais não foi possível formar convicção segura em relação aos factos considerados como não provados, e em particular quanto ao rasgar dos panos pela arguida/ofendida, em concreto porque subsistiram dúvidas ou não foi produzida prova bastante capaz de convencer que aconteceram realmente.
Temos, assim, que o exame crítico da prova, permitindo reconstituir o percurso lógico trilhado pela julgadora na formação da convicção cumpre na medida do exigível o dever de fundamentação e adequa-se perfeitamente à forma como foi decidida a matéria de facto. Contrariamente ao que o recorrente veio sustentar, sendo bem perceptível que as razões da sua discordância não se prendem tanto com a alegada falta de fundamentação, mas sim com a forma como foi decidida a matéria de facto, o que nada tem a ver o vício arguido, sendo “contas de outro rosário”, o que de seguida se irá apreciar.

3.2. O recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto, sustentando, por um lado, que deveriam ter sido considerados como provados o facto vertido na al. b) dos não provados, que, ao pegar numa machada ( ponto 5 dos factos provados ), procedeu conforme vertido na al. d) dos não provados, e que se referiu à mãe do recorrente com a expressão vertida na al. e) dos não provados, e, por outro, que não deveriam ter sido considerados como provados os factos vertidos nos pontos 2. e 4. dos factos provados, alteração que teria como consequência a sua absolvição em termos criminais e civis e a condenação da arguida/ofendida pelos crimes de ameaça agravada, de dano e de ofensa à memória de pessoa falecida cuja prática lhe vinha imputada e de que foi absolvida, bem como a procedência integral do pedido indemnizatório que contra ela havia deduzido. Como suporte da sua pretensão, e para além de contestar a leitura que o tribunal recorrido afirmou ter feito à luz das regras da experiência comum, indica aquela que, em seu entender, deveria ter sido feita, em particular dos depoimentos das testemunhas MZC e AC, socorrendo-se de algumas passagens dos mesmos, que transcreve, procurando demonstrar que, ao contrário da apreciação feita pelo tribunal recorrido, o do segundo é que deveria ter merecido credibilidade e não o da primeira, que afirma não ter assistido a nada. E remata, apontando à fundamentação da sentença os vícios do erro notório na apreciação da prova e da contradição insanável.

Uma vez que o recorrente invocou expressamente dois dos vícios prevenidos no art. 410º do C.P.P. e é frequente a persistente confusão que impera entre estes vícios e o erro de julgamento relativo à apreciação da prova, justifica-se que aqui deixemos algumas considerações mais alongadas em ordem a esclarecer em que termos pode ser, através dos primeiros, alterada a decisão da matéria de facto.
A sindicância da matéria de facto pode, ( apenas ou mesmo simultaneamente com a impugnação da matéria de facto nos termos previstos nos nºs 3 e 4 do art. 412º do C.P.P. ), obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão ( desta, e não do julgamento ) - de resto, de conhecimento oficioso -, que podem constituir fundamento do recurso “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” como expressamente permitido no nº 2 do art. 410º do C.P.P. Esses vícios, os três que vêm enumerados nas alíneas deste preceito ( insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova ), terão de ser ostensivos e passíveis de detecção através do mero exame do texto da decisão recorrida ( sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo ), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.
Vejamos com maior detalhe os dois que o recorrente invocou.
Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, tanto pode existir ao nível da factualidade, como ao nível do direito que é apreciado na decisão proferida; pode reportar-se quer à fundamentação da matéria de facto, quer à contradição na matéria de facto com o consequente reflexo no fundamento da decisão de direito, quer aos meios de prova que serviram para formar a convicção do juiz.
Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente[14].
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, trata-se de vício que é frequentemente ( e o presente recurso não é excepção ) confundido com o erro de julgamento[15] e nada tem a ver com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência que o recorrente entenda serem as correctas[16].
Este vício verifica-se “quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida[17]. Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida.
Verifica-se, igualmente, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
A notoriedade do erro ( sendo este a ignorância ou falsa representação da realidade ) exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)”[18], [19], [20].

O recorrente não indica, de per si, os segmentos da decisão recorrida em que se verificariam os vícios invocados – fá-lo apenas por confronto com a prova que foi produzida e a leitura que da mesma entende ser a correcta - e, lido atentamente o seu texto ( e só este, porque, como acima já se referiu, o despiste dos vícios desta natureza se circunscreve à análise, singela, do texto da decisão ), resulta por demais evidente que o mesmo não padece de nenhum deles. Ao invés, todos os factos provados e não provados se harmonizam entre si, a decisão da matéria de facto é coerente com a respectiva motivação, sendo a decisão de direito o respectivo corolário lógico e legal, e não se detecta qualquer conclusão arbitrária ou contrária às regras da experiência comum, assim como não foi valorada qualquer prova proibida.
Mas o que ressalta da argumentação desenvolvida pelo recorrente é a impropriedade da invocação dos vícios da decisão, sendo evidente que o que ele verdadeiramente contesta é a apreciação que a julgadora fez da prova produzida. Ou seja, o que o recorrente verdadeiramente pretendeu dizer quando afirmou que houve erro notório na apreciação da prova foi, antes e apenas, que a prova não foi apreciada da forma que ele considera que seria a correcta; e, quando afirmou que houve contradições insanáveis, quis dizer que as explicações vertidas na motivação não batem certo com a leitura da prova que veio defender como sendo a correcta. O que excede obviamente o campo de aplicação dos aludidos vícios e nos reconduz ao erro de julgamento, que é inequivocamente o cerne deste fundamento do recurso.
Vamos, então, centrar-nos na, correntemente designada, impugnação ampla da matéria de facto, começando por deixar claros os contornos da intervenção correctiva que nesta matéria é cometida, e consentida, ao tribunal de recurso.

Na decisão da matéria de facto assume capital importância a regra geral contida no art. 127º do C.P.P., de acordo com a qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Assim, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, a livre apreciação da prova “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica[21]. Sendo a “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material»[22] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional -, impõe a lei ( cfr. nº 2 do art. 374º do C.P.P. ) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção[23] ( indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância ), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.
Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção[24] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[25].
É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355º do C.P.P., pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova[26]. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais[27].
No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido ( ou deverem ter subsistido ) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum[28]. Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, "a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão"[29]. É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si[30]. Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas”.[31] Além disso, a reponderação de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias concretizadas pelo recorrente “já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.[32]
Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas ( ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível ) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1ª instância tem suporte na regra estabelecida no art. 127º do C.P.P. e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Por outro lado, a possibilidade de sindicação da matéria de facto, quando assente na impugnação da decisão que sobre ela foi proferida, depende da observância, por parte do recorrente, dos requisitos formais indicados no nº 3 do art. 412º do C.P.P., em concreto da delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas que, em seu entender, impõem[33] decisão diversa da recorrida, e ( quando disso seja o caso ) das que devam ser renovadas, especificações estas que hão-de ser feitas de acordo com o estabelecido no nº 4 do preceito acima referido.

Tendo o recorrente dado cumprimento satisfatório aos ónus de especificação a que aludimos, vamos analisar as objecções que apresentou, tendo em mente as considerações que antecedem.
Começando pela que pretende atacar a credibilidade que foi reconhecida ao depoimento da testemunha MZC, dir-se-á que este tribunal, não beneficiando da imediação e da oralidade, não está em condições de apreciar se a forma como esta testemunha depôs foi espontânea, desinteressada e convincente, sendo que, ouvida a gravação, nada se vislumbra que contrarie a apreciação da julgadora que os argumentos do recorrente também não infirmam. A MZC forneceu explicações para o facto de nem o recorrente nem a testemunha AC a terem visto na ocasião, radicadas nas características do local onde se encontrava, com uma árvore e vegetação de permeio, e no facto de aqueles dois estarem concentrados no que estava a acontecer. Se tivermos em linha de conta que essa testemunha reside nas imediações do local, como ninguém pôs em causa, e que é bem natural que se tenha aproximado, seja porque se apercebeu da presença das pessoas que ali se encontravam e, prevendo a eventualidade de alguma confusão, se tenha aproximado para ver o que se ia passar, seja alertada pelo barulho das vozes, a discussão que afirmou ter ouvido e que o próprio AC admitiu que ela podia ter ouvido de sua casa, menos estranheza ainda causa o facto de a julgadora ter acreditado que ela assistiu aos factos. Assim como o desinteresse apontado se pode retirar do facto de ter mencionado factos desfavoráveis à arguida/ofendida, referindo nomeadamente que ela chamou cabrão e paneleiro ao recorrente e pegou na machada, pousando-a depois no muro. Coincidindo no essencial o relato que deles fez com o que foi dito pela arguida/ofendida, compreende-se e aceita-se que a conjugação de ambos tenha sido considerado como suporte adequado à convicção que foi formada a respeito dos factos que foram considerados como provados. Diga-se, ademais, que do facto de a arguida/ofendida só ter decidido apresentar queixa mais de um mês depois da data dos factos, concretamente em 2/1/13 ( cfr. fls. 74 ) e de, coincidentemente, o ter feito no mesmo dia em que foi ouvida na GNR ( cfr. fls. 53 ), não se pode extrapolar, necessariamente, uma ausência ou menor verosimilhança da versão que apresentou. Essa demora pode ter-se devido a várias razões, nomeadamente as de ainda não ter tido oportunidade de o fazer ou de ainda não ter decidido se iria ou não apresentá-la, admitindo-se mesmo que só tenha decidido fazê-lo como forma de se defender, quando tomou conhecimento de que o recorrente já havia apresentado queixa contra ela. Como é bem sabido, não é raro que pessoas ofendidas, e até ofendidas por crimes de maior gravidade, não apresentem queixa, seja por não quererem suportar os incómodos, os custos e as perdas de tempo que um processo judicial normalmente acarreta, seja porque receiam que o procedimento criminal venha a agudizar conflitos e extremar posições, seja por qualquer outra razão humanamente compreensível. Aliás, ao estabelecer um prazo para o exercício do direito de queixa nos crimes particulares e semi-públicos, teve o legislador como objectivo, além de outros, proporcionar ao ofendido um período de tempo razoável, que lhe permitisse ponderar se a apresentação de queixa correspondia aos seus interesses pessoais. Assim, sendo inquestionável que a queixa foi atempadamente apresentada e porque nada se vislumbrou nem vislumbra que pudesse pôr em crise a sua verosimilhança, são totalmente inconsequentes as suspeitas que o recorrente pretende retirar do hiato temporal que decorreu entre os factos e a apresentação da correspondente queixa.
E, se não sofre dúvidas, até porque todos o afirmaram, que a testemunha AC se encontrava no local, certo é que ela não foi, na leitura que da prova foi feita pela julgadora e contrariamente ao que o recorrente sustenta, a única testemunha presente. E nem o seu depoimento se revestiu das características com as quais o recorrente pretendeu adorná-lo, não tendo logrado convencer o tribunal recorrido quanto a pontos essenciais, nomeadamente quando negou que o recorrente dirigiu à arguida/ofendida a expressão vertida no ponto 2 dos factos provados. Sendo indiscutível que a arguida/ofendida já manifestara na véspera dos factos, na presença do AC e sem que o recorrente se encontrasse presente, a sua discordância quanto à apanha da azeitona naquele local, é perfeitamente verosímil que este último, sabedor do sucedido, discordando da oposição à actividade que no momento estava a levar a cabo e prevendo que a aproximação da arguida/ofendida iria degenerar em conflito, tenha efectivamente proferido tal expressão. Muito menos crível é que tenha “aguentado” mudo e quedo os insultos que ela lhe dirigiu, como ele e o AC pretenderam fazer crer. Pelo que também se compreende e aceita que a versão por eles veiculada não tenha logrado convencer a julgadora.
As disparidades registadas nas declarações e depoimentos e a inconciliabilidade das versões quanto ao rasgar dos panos, à afirmação injuriosa relativa à mãe do recorrente atribuídas à arguida/ofendida, bem como ao seu comportamento enquanto segurou a machada, levantaram dúvidas que a julgadora não conseguiu ultrapassar, levando-a a considerar como não provados os factos atinentes, em estrita homenagem ao princípio in dubio pro reo, em termos que não vemos razões para censurar.
Assim, e admitindo embora que outra convicção tivesse sido possível, também a convicção formada pela julgadora se mostra possível e razoável em face da prova produzida, em relação à qual não evidencia qualquer erro de percepção ou atropelo injustificado das regras da experiência comum. Tendo sido formada dentro da latitude consentida pelo princípio da livre apreciação da prova, assente em provas permitidas e devidamente fundamentada, é evidente que a pretensão do recorrente de ver alterada a decisão da matéria de facto nos moldes propostos não pode ser acolhida, porque redundaria na simples substituição da convicção do tribunal por uma outra, a que convém aos interesses do recorrente e que ele veio defende no recurso, não se destinando este a dar acolhimento a semelhante objectivo, mas sim, e apenas, a remediar decisões imperfeitas porque incorrectas.
Mantida a decisão da matéria de facto, e reservando a apreciação que concerne ao crime de ameaça agravada para o ponto seguinte - cai pela base a pretensão do recorrente em ver alterada a decisão de direito no que concerne à sua condenação e à absolvição da arguida/ofendida pelos ( demais ) crimes em causa, o mesmo sucedendo em relação à decisão do pedido indemnizatório, que não admite recurso autónomo, fora do contexto previsto no nº 3 do art. 403º, por não se mostrar preenchidos o segundo dos requisitos, cumulativos, que vêm enunciados no nº 2 do art. 400º.

3.3. O recorrente aponta, ainda, como incorrectamente interpretados os arts. 153º nº 1 e 155º nº 1 al. a) do C. Penal, sustentando que a absolvição apoiada no argumento de que a ameaça pressupõe um mal futuro e não iminente, levaria à impunidade de todos os comportamentos, por mais graves que fossem, quando não fossem consumados no momento, além de implicar uma dificílima definição do que deveria entender-se como “futuro”, não vislumbrando fundamento doutrinal ou jurisprudencial para o entendimento que a respeito foi seguido na sentença recorrida.

Começaremos por dizer que o AUJ nº 7/2013, que o recorrente invoca, em nada nos serve à resolução da questão enunciada, desde logo porque, aliás como ele não deixa de reconhecer, a questão que ali foi definitivamente decidida[34] não tem paralelo com a presente. E tão pouco o Ac. RE 25/2/14[35] a que também alude.
Mas a verdade é que, não obstante o assumido desconhecimento do recorrente, existe abundante jurisprudência ( no seio da qual, aliás, se registam divergências ), que a aborda, como veremos no breve excurso que faremos de seguida para a contextualizar.
O tipo legal do crime de ameaça, que tutela a liberdade de decisão e de acção, tem como elementos constitutivos o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitui crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, a adequação[36] da ameaça a provocar ao visado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, e o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades.
São três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente: O mal tanto pode ser de natureza pessoal (…) como patrimonial (…). O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. (…) Necessário é só (…) que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa (cf. Art. 22º-2 c) ). Indispensável é, em terceiro lugar, que a ocorrência do “mal futuro” dependa (ou apareça como dependente (…) da vontade do agente). Esta característica estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso da advertência. (…)[37]
O pomo da discórdia reside, precisamente, na interpretação que se faz da destrinça entre o que se considera como mal futuro e como mal iminente. Enquanto que uns consideram que, quando o anúncio é de um mal iminente, não há crime de ameaça[38], outros entendem que o mal iminente, embora esteja próximo, é ainda um mal futuro e a pedra-de-toque para distinguir o que é ameaça e o que são actos de execução de outro ilícito criminal que o agente tenha decidido cometer[39] ( art. 22º nº 1 do C. Penal ) estará na intenção que presidiu à conduta em questão[40].
O entendimento que perfilhamos quanto a esta questão é aquele que também foi seguido no Ac. RE 17/3/15[41], explanado no trecho que dele retirámos e de seguida vamos transcrever (sendo nossos os sublinhados):
Independentemente de questões de pormenor, parece-nos que o ponto essencial para a compreensão do tipo de ameaça reside na consideração de que a exigência do caráter futuro do mal prometido tem subjacente a ideia, pressuposta pelo legislador, de que o desvalor da ameaça já estará contido na efetiva incriminação pelo crime prometido, entendimento que nos parece igualmente presente no citado acórdão da RL de 09-03.2010[42], ao afirmar-se aí que a não punição da mera ameaça com mal iminente resulta de a conduta unitária onde aquela se insere integrar a prática de crime mais grave.
Para efeitos do preenchimento do tipo legal previsto no art. 153º do C. Penal a ameaça com a prática de um dos crimes de referência do artigo 153º não é típica se ocorrer em simultâneo com a sua execução, sob a forma tentada ou consumada, ou se a execução do crime prometido ainda não se iniciou mas está iminente, pois em ambas as situações, ou seja, quando se verifique identidade do crime prometido com o crime concretamente executado, o desvalor inerente à ameaça é desconsiderado pelo legislador por estar abrangido pela incriminação do crime prometido.
Isto é, a execução iminente do crime prometido não se distingue da efetiva execução do mesmo, a título tentado ou consumado, para efeitos da exclusão da tipicidade da ameaça a que se reporta o art. 153º do C.Penal, merecendo o mesmo tratamento jurídico-penal.
Na verdade, apesar de ser autonomizável o desvalor contido na ameaça com a prática de um crime cuja execução se lhe segue de imediato - pois a experiência mostra que em muitos casos (vg aquando da inflição de ofensas à integridade física que se prolongam no tempo) a potencialidade da ameaça para provocar medo ou inquietação (grosso modo) não deixa de verificar-se enquanto dura a execução respetiva ou no curto período de tempo que medeie entre a ameaça e a sua concretização - , o legislador pressupõe já a punição por aquele mesmo desvalor na punição do crime cometido, como referido.
Isto é, se bem vemos a questão, a desconsideração do desvalor da ameaça pressuposta pelo legislador só se verifica nos casos em que a ameaça é seguida ou acompanhada da execução do crime prometido ou por ele consumido – e não outro -, tanto na forma consumada como tentada, ou seja, quando se verifique identidade do crime prometido com o crime concretamente executado.
Significa isto, que o critério determinante para aferição da incriminação autónoma da “ameaça” é que da conduta global do agente praticada em dado momento resulte que o desvalor contido na ameaça não se esgota no desvalor do ilícito típico executado na mesma ocasião, aferida esta pelo critério da unidade de sentido do acontecimento ilícito-global adiantado e explicado pelo Prof. F.Dias (vd, Direito Penal, parte Geral, Tomo I, 2ª ed., 2007, especialmente o § 18 do cap. 43º a pp. 1016 e sgs.). Isto é, o desvalor da ameaça estará contido na punição do crime prometido quando, por se verificar aquela mesma punição, façam parte de um mesmo acontecimento ilícito-global.
2.3.4. A ser assim, como nos parece ser, daí resultam dois importantes corolários (…).
Por um lado, nas hipóteses em que a ameaça não se esgota no acontecimento ilícito-global em que se insere, projetando-se para além dele, quer por reportar-se a momento futuro, quer por referir-se a crime diferente não consumido pelo crime praticado, a ameaça não deixa de ser típica.
Por outro lado, a punição pela ameaça não é excluída (desde que preenchidos os demais elementos de ordem objetiva e subjetiva, naturalmente), pela simples circunstância de ser proferida num contexto de execução iminente do crime prometido ou de crime por ele consumido - , ou seja, quando, objetiva e subjetivamente, o agente promete a prática de um dos crimes de referência reportando-se ao momento imediato ou presente e não a uma hipotética situação futura - , desde que a execução deste crime não chegue a ter lugar ou se a mesma execução não for punível, como sucede no caso de tentativa não punível de crime contra a integridade física.
Do mesmo modo, a ameaça com mal iminente, naquele mesmo sentido, não deixa de ser típica se naquele momento o agente pratica um outro crime (quer preencha o mesmo ou diferente tipo legal), tentado ou consumado, e não o crime prometido, como sucede no caso presente em que o arguido prometia a prática (imediata, como melhor veremos) de crime contra a vida enquanto executava crime contra a integridade física.
Daí que não possa dizer-se, sem mais, que a ameaça só é típica quando tenha por objeto um mal futuro, pois mesmo quando o mal prometido se apresenta como iminente, isto é, com o sentido de que o agente pretende executar imediatamente o crime objeto da ameaça, o desvalor inerente à potencial provocação de medo ou inquietação na vítima mantém-se intacto se o agente não iniciar ou continuar a execução daquele crime mas de um outro que não consuma aquele, como referido. Consumi-lo-á, por exemplo, se o agente profere ameaça contra a integridade física mas acaba por cometer homicídio, não sendo punível a ameaça.
Em ambas as hipóteses, porque a ameaça (enquanto elemento objetivo do tipo) não se integra com o crime prometido num mesmo acontecimento ilícito-global, mantém-se a autonomia do desvalor da ameaça e a consequente necessidade de tutela penal.

Assim sendo, resulta evidente que não acompanhamos as razões indicadas na sentença recorrida para fundamentar a conclusão que ali foi alcançada no sentido de que a factualidade considerada como provada não preenche o crime de ameaça agravada cuja prática vinha imputada à arguida/ofendida – e só deste cuidamos, na medida em que, no que respeita à responsabilidade ao recorrente pelo crime de ameaça cuja prática também lhe vinha imputada, a decisão transitou por dela não ter sido interposto recurso -, em concreto que “da realidade demonstrada resulta que qualquer dos arguidos se limitou a anunciar ao outro o propósito imediato de atentar contra a sua vida e integridade física, o que, aliás, resulta inclusive da concretização do meio da realização de tal propósito coincidir com o objecto que cada tinha na mão. Ou seja, o mal anunciado não é futuro, mas iminente. Logo, tais factos não consubstanciam a prática do crime de ameaça, previsto e punido nos termos do artigo 153º do Código Penal, impondo-se, nesta medida, a absolvição dos arguidos.
Ao invés do que ali foi considerado, a descrição factual vertida nos pontos 5. e 9. dos factos provados preenche integralmente a previsão típica do crime de ameaça agravada. Ainda que se possa considerar como iminente a ameaça ( “eu mato-te” ) dirigida ao recorrente e reforçada pelo facto de a arguida/ofendida ter pegado numa machada – conduta inequivocamente apta a provocar naquele receio pela sua vida e integridade física, bem como inquietação, objectivo, aliás, alcançado, tal como foi considerado como assente -, certo é que ela não prosseguiu com os intentos ( reais ou não ) anunciados, ou seja, a ameaça não foi, no caso, seguida ou acompanhada da execução do crime prometido, não estando, por isso, excluída a sua punição. Em decorrência, não se pode manter a decisão recorrida, na parte em que a absolveu da sua prática.

Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se, revogada ( no caso, parcialmente ) a sentença absolutória, deve ser este tribunal a proceder à determinação da medida da pena ou se tal tarefa deve ser devolvida ao tribunal a quo.
São conhecidas as respostas divergentes[43] que a jurisprudência tem dado a esta questão, havendo notícia de que, a seu respeito, se encontra pendente recurso para fixação de jurisprudência.
Nesta matéria temos seguido[44] o entendimento de acordo com o qual o duplo grau de jurisdição só fica plenamente assegurado com a baixa dos autos à 1ª instância para aí ser escolhida a pena e determinada a sua medida concreta, se e quando necessário com reabertura da audiência ( art. 371º do C.P.P. ).
Será, pois, o que, em consonância, iremos determinar, não sem que antes se deixe consignado que, da condenação da arguida/ofendida pela prática do crime de ameaça agravada, também deverão ser retiradas as devidas consequências em termos de reapreciação do pedido indemnizatório que contra a mesma foi deduzido.
Não obstante, iremos conhecer do último fundamento do recurso, por o mesmo não ficar prejudicado por esta decisão.

3.4. As últimas razões da discordância do recorrente dirigem-se à dispensa da pena, considerando que, mesmo na perspectiva factual da sentença, não se mostram reunidos os pressupostos que legitimam a aplicação do nº 3 do art. 186º do C. Penal, e por maioria de razão na eventualidade de acolhimento da alteração factual que pretende.

A decisão recorrida optou pela dispensa de pena com base nas seguintes, sucintas, considerações:

(…) dispõe o artigo 186º, n.º 3, do Código Penal que “Se o ofendido ripostar, no mesmo acto, com uma ofensa a outra ofensa, o tribunal pode dispensar de pena ambos os agentes ou só um deles, conforme as circunstâncias.”.
Ora, atenta a realidade demonstrada, que se dá por reproduzida, o contexto em que ocorreram as ofensas, a sua sucessão imediata e reciprocidade, e por a tanto não se oporem razões de prevenção, já que nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais e qualquer deles se encontra familiar e profissionalmente integrado, decido dispensá-los de pena.

Neste ponto a decisão recorrida não é merecedora das censuras que o recorrente lhe dirige, pois da factualidade considerada como assente extrai-se que as expressões proferidas pela arguida/ofendida e vertidas no ponto 2. dos factos provados o foram logo na sequência daquela outra, também inquestionavelmente injuriosa, que o recorrente lhe dirigiu a ela e constante do ponto 1. dos factos provados. Estamos, claramente, perante a figura da retorsão, que “consiste na resposta imediata (“no mesmo acto”) com uma injúria a outra injúria[45]
Não existindo uma significativa desproporção entre elas, em particular se atentarmos no contexto conflitual em que os factos ocorreram, ao qual subjazeram desentendimentos relacionados com a fruição dos produtos das árvores existentes no terreno ( do qual, segundo foi referido na gravação, ambos serão comproprietários, juntamente com vários outros herdeiros ) que, como é sabido, assumem proporções agigantadas nos meios rurais, justifica-se plenamente que, relativamente aos crimes de injúrias que um e outro praticaram, ambos tivessem sido dispensados de pena, e tanto mais que se trata de delinquentes primários, com inserção familiar, social e meios de vida lícitos, como também foi devidamente ponderado.
Inexiste, pois, fundamento para alterar a decisão recorrida na parte em que, quanto ao crime de injúria praticado pela arguida/ofendida, a dispensou de pena.


4. Decisão
Por todo o exposto, julgam parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
- revogam a decisão recorrida na parte em que absolveu a arguida/ofendida BMGJ do crime de ameaça agravada por cuja autoria vinha acusada, declarando que a factualidade assente integra a prática, pela mesma, do mencionado crime; e
- ordenam a remessa dos autos à 1ª instância para se proceder à determinação da pena e consequente fixação de indemnização que se mostre devida pelos danos que hajam decorrido da prática daquele ilícito criminal, de preferência pela magistrada que elaborou a sentença recorrida, e eventualmente com a reabertura da audiência se a realização de alguma diligência suplementar para tal se mostrar necessária.
Em tudo o mais, julgam o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Sem tributação.

Évora, 14 de Julho de 2015

Maria Leonor Esteves

António João Latas

__________________________________________________
[1] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Diploma ao qual pertencerão os preceitos adiante citados sem menção especial.
[4] A fundamentação das decisões dos tribunais – excepção feita às que sejam de mero expediente -, na forma prevista na lei, constitui exigência que decorre em primeira linha da própria lei fundamental ( art. 205º nº 1 da C.R.P. ) - e, no âmbito do processo penal, constitui uma das garantias constitucionais de defesa, aludidas no nº 1 do art. 32º da nossa Lei Fundamental -, e em segunda linha da lei ordinária ( art. 97º nº 4 do C.P.P.).
[5] Maia Gonçalves, CPP anotado e comentado, 12ª ed., p. 709
[6] Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 229-230
[7] “A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos – para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular seu próprio juízo.” cfr. Ac. STJ 21/3/07, proc. nº 07P024.
[8] “O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.” – Ac. STJ 21/3/07, proc. nº 07P024.
[9] “A disposição do art. 374.º, n.º 2, do CPP, sobre o exame crítico das provas não obriga os julgadores a uma escalpelização de todas as provas produzidas e muito menos a uma reprodução do tipo gravação magnetofónica dos depoimentos prestados na audiência, o que levaria a uma tarefa incomportável com sadias regras de trabalho e eficiência, e ao risco de falta de controlo pelos intervenientes processuais da transposição feita para o acórdão.” - Ac. STJ de 30/1/02, proc. n.º 3063/01 da 3.ª Secção.
“A fundamentação da enumeração das razões da convicção probatória não se basta com uma indicação “ seca“ e exígua, mas também se não confunde, e nem esse é o espírito do legislador, com uma prática corrente, que transforma a predominância da oralidade em um quase sistema de processo escrito, na forma de enumeração exaustiva, longa, fastidiosa, pouco sintética, fonte de incertezas, reparos e contradições, logo desnecessária, do que os intervenientes processuais – arguidos, testemunhas, declarantes, peritos e partes civis -, trouxeram à audiência, antes de quedar-se na cedência a uma explicitação seleccionada, racionalizada e minimamente englobante do substracto lógico-racional , ou seja de um núcleo firme de sustentabilidade, que convença o “iter“ probatório seguido, excludente da sucumbência a um ideário de capricho e arbítrio, comunitariamente intoleráveis.” - Ac. STJ 4/11/09, proc. nº 97/06.0JRLSB.S1
[10] Conforme judiciosamente vem salientado no Ac. STJ 29/6/95, CJ Acs. STJ, III, t. 2, pág. 254.
[11] Note-se que o TC ( Ac. n° 258/2001 ) já se pronunciou no sentido de que : "não é inconstitucional a norma do n.° 2 do art. 374.°do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente".
[12] “O acto de julgar é um acto de opção, da melhor opção à luz da consciência do julgador e da lei positivada, numa perspectiva de descoberta da verdade material, que há-de impor-se, em primeira linha, aos destinatários directos da decisão, e, depois, aos demais membros da colectividade, que exigem dos órgãos de administração da justiça, para inspiração de confiança neles, que estes prestem contas da sua missão de julgar. ” – Ac. STJ 4/11/09, já cit.
[13] V.g., entre muitos outros, o Ac. STJ 3/10/07, proc. nº 07P1779 ( “I- A fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
II- A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
III- A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.” ).
[14] cfr. Simas Santos, Recursos em Processo Penal., 5ª ed. págs. 63-64.
[15] Como se refere no Ac. RG 5/6/06, proc. nº 765/05-1, “o erro de julgamento verifica-se:
- ou quando é dado como provado um facto sobre o qual não tenha sido feita qualquer prova e que, por isso, deveria ser dado como não provado;
- ou quando é dado como não provado um facto que, perante a prova produzida, deveria ser dado como provado.
Dito de outro modo, há erro de julgamento quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei expressa.”
[16] cfr. Ac. STJ de 24/3/99, C.J. ano VII, t. I, p. 247 :“…o erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, nº 2, al. c) do CPP, como se vem reafirmando constantemente, não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente ( carecendo esta de qualquer relevância jurídica, é óbvio que aquela desconformidade não pode deixar de ser, também ela, juridicamente, irrelevante ), e só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal.”
[17] cfr. Simas Santos e Leal Henriques, CPP, 2ª ed. V. II, pág. 740.
[18] Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª ed., págs. 1036 ss.
[19] “O conceito de erro notório na apreciação das provas tem que ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório” ( Ac. STJ de 6/4/1994, CJ, ano II, t.2, p. 186.
[20] Menos exigente ainda é a corrente representada pelo Ac. STJ 30/1/02 Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, ("http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Criminais/Criminais2002.pdf" ) , segundo o qual “para que se verifique o requisito da notoriedade do vício não é indispensável que o erro não passe despercebido ao comum dos observadores, isto é, que seja por eles facilmente apreensível. Atentos os fins judiciários visados com a previsão do vício e a regulação dos seus efeitos, a sua evidência deve ser aferida por referência à possibilidade de não passar despercebido, de ser facilmente detectável, por julgador com a preparação e a experiência pressupostas pelo exercício da função. Aquela visão de maior exigência para a verificação do vício - resultante de se referenciar a sua evidência à possibilidade da sua fácil percepção pela pessoa comum - diminuiria injustificadamente o efeito pretendido com a previsão do seu conhecimento, mesmo oficiosamente; efeito esse radicado no objectivo de evitar tanto quanto possível decisões de facto não consentâneas com a prova produzida, de forma a limitar o risco de decisões injustas.”
[21] cfr. CPP de Maia Gonçalves, 12ª ed., pág. 339.
[22] cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º vol., pág. 202.
[23] Com interesse neste particular, veja-se este trecho retirado do Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, DR, II S., de 2/6/04: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, pp. 135 e segs.), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
A recolha de elementos — dados objectivos —, sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
Sobre esses dados recai a apreciação do tribunal —que é livre — artigo 127.º do Código de Processo Penal mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.”
[24] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. Idem, Ibidem, pág.298.
[25] “ (…) há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” Ac. RG 20/3/06, proc. nº 245/06-1.
[26] Como se refere, entre muitos outros, no Ac. STJ de 20/9/2005, proc. nº 05ª2007, “a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos". Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe”.
[27] cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º Vol., págs. 233-234.
[28] cfr. Ac. RC de 6/3/02, CJ, ano XXVII, t. II, pág. 44, “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
[29] cfr. Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, acima citado.
[30] cfr. Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28
[31] cfr. Ac STJ 7/6/06, proc. nº 06P763.
[32] cfr. Ac. STJ 12/6/08, proc. nº 07P4375 .
[33] “Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” - Ac. STJ 17/2/05, proc. nº 04P4324
[34] E que consistia em “saber se a agravação do crime de ameaça prevista no artigo 155º, n.º 1, alínea a), se verifica quando o crime objecto da ameaça (obviamente um dos previstos no n.º 1 do artigo 153º), é punível com pena de prisão superior a três anos ou, ao invés, quando a ameaça (obviamente de um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º) é feita mediante o anúncio da utilização de meios que constituem crime punível com pena de prisão superior a três anos”, tendo sido fixada jurisprudência no sentido de que «A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal».
[35] Proc. nº 491/12.7GAOLH.EL, em que apenas se curou de determinar a natureza do crime de ameaça agravada, tendo-se concluído que o mesmo tem natureza pública, não sendo por isso relevante a desistência da queixa por parte do ofendido.
[36] Com a reconfiguração do tipo legal operada pela reforma de 1995, o crime de ameaça deixou de ser um crime de resultado, passando a crime de perigo, não se exigindo, portanto, que a ameaça provoque efectivamente medo ou inquietação no ofendido ou prejudique a sua liberdade de determinação, bastando ao preenchimento do tipo objectivo a adequação em concreto da ameaça para afectar a liberdade de decisão e acção, ainda que tal afectação ( ou o perigo de afectação ) não venham a ocorrer. Independentemente, também, de o agente ter ou não o propósito de cumprir a ameaça.
[37] cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, t. I, pág. 343
[38] cfr. Acs. RP 25/9/02, proc.º 0240259, 22/1/03, proc.º 0210754, 17/11/04, proc.º n.º 0414654, 23/2/05, proc.º 0510031, 30/3/05, proc.º 0510587, 25/1/06, proc.º n.º 0544124, 17/5/06, proc.º n.º 0411428, 22/11/06, proc.º n.º 0614091, 20/12/06, proc.º n.º 0645320, 28/11/07, proc.º n.º 0712156, 28/5/08, proc.º n.º 0841544, 22/6/11, proc nº 41/10.0GAVMS.P1 e 7/3/12, proc nº 625/10.6GBVNG.P1, RG 1/2/10, proc. nº 495/05.6GBMR.G2 e RC 7/3/12, proc. nº 110/09.9TATCS.C1 e 30/5/12, proc. nº 366/10.4GCTND.C1.
[39] Casos claros em que não há ameaça, mas sim tentativa da prática de outro crime são os que foram analisados nos Acs. RP 28/5/03, proc.º 0340713, RL 11/12/03, proc. nº 7569/2003-9 e 3/11/09, proc. nº 1092/02.3PBOER.L1-5, e RE 4/11/10, proc. nº 13/07.1GLBJA.E1.
[40] Na órbita deste entendimento, cfr. Acs. RP 16/2/00, proc.º n.º 9910861, 7/1/08, proc. nº 1798/07-2 e 13/7/11, proc nº 416/10.4TAOAZ.P1 ( este com a nuance de considerar que o critério distintivo se dever ir buscar a razões teleológicas ligadas à especificidade dos bens jurídicos tutelados pelas normas em equação, podendo o tradicionalmente usado, da temporalidade, funcionar como adjuvante ), RG 18/5/09, proc. nº 349/07.1PBVCT, RC 9/9/09, proc. nº 363/08.0OGAACB.1 e 23/9/09, proc. nº 541/04.0GBPBL.C1, RL 11/2/10, proc. nº 105/08.0PCPDL.L1-9 e 9/3/10, proc nº 1713/06.9TALRS.L1.5, e RE 6/9/11, proc nº 428/09.0PBELV.E1.
[41] Proc. nº 1857/11.5PCSTB.E1, relatado pelo colega que ora intervém como adjunto.
[42] Proc. nº 1713/06.9TALRS.L1-5.
[43] Vejam-se, entre muitos outros, e em sentidos opostos, os Acs. RP RP 5/3/2008, proc. nº 0746465, e 13/10/10, proc. nº 55/08.0GCCHV.P1.
[44] Tendo a relatora revisto a posição que em tempos havia seguido.
[45] cfr. P.P. de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 507.