Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
381/11.0TBBNV.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: BENS COMUNS DO CASAL
BENS PRÓPRIOS
AQUISIÇÃO
PREÇO
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O contrato de compra e venda é um contrato consensual, em que o acordo das partes determina a formação do contrato, não dependendo a sua consumação da entrega da coisa, nem do pagamento do preço, transferindo-se assim a propriedade do bem ou direito adquirido para o comprador, independentemente do pagamento do preço e da entrega da coisa.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 381/11.0TBBNV
Apelação
Comarca de Santarém (Cartaxo – SCG- J1)
Recorrente: (…)
Recorrida: (…)
R18.2015


I. (…), intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra (…), pedindo que se declarem como bens comuns do A. e R. os bens constantes da relação de bens junta ao processo n.º …/03.8TBVFX-C do 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira.
Alegou para o efeito, em síntese, o facto de A. e R. terem sido casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, tendo-se divorciado em 04.01.2006, no referido processo. Por apenso foi instaurado inventário, tendo sido relegado para os meios comuns a questão relativa a determinadas verbas, que o A. alega serem comuns por terrem sido adquiridas na constância do matrimónio.
A R. contestou, impugnando os factos alegados pelo A., tendo, em síntese, alegado que os referidos bens ou foram doados ou foram adquiridos antes do casamento ou com bens próprios da R.
A R. deduziu reconvenção, respeitante a verbas que integram o passivo, isto é dívidas do casal à R., a qual foi admitida.
O A. impugnou a versão apresentada pela R., tendo alegado que as dívidas foram pagas pelo casal e não pela R..

Realizado julgamento, foi proferida sentença em que foi decidido o seguinte:
1 – Em face do exposto, decide-se declarar que:
a) a verba n.º 3 é bem próprio da R., sem prejuízo da necessária compensação ao património comum do casal na proporção de 95%;
b) as verbas n.º 4 a 6 são bens que integram a verba n.º 3 e como tal são bens próprios da R.;
c) as verbas n.ºs 7 a 13, 15 a 18, 22, 24 e 28 são também bens próprios da R. porque pertencem ao estabelecimento de farmácia;
d) as verbas n.ºs 29, 30, 31, 35, 36 e 41 são bens próprios da R.;
e) a R. é credora do A. em metade do valor indicado nas verbas n.ºs 1 e 2 da secção III;
f) a R. é credora do A. do valor indicado na verba n.º 5 da secção III;
2 – Absolver a R. do demais peticionado;
3 – Absolver o A. do demais peticionado;
…”

Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1. Atento o pedido do Autor e da Reconvinte e a parte decisória relativa à verba n.º 3 e à verba n.º 5 da secção III, o Tribunal a quo não poderia nunca ter determinado compensação ao património comum sem especificar qual o procedimento concreto de compensação e o valor a ter em consideração para este efeito, nem ter decidido que a Reconvinte é credora do Autor quanto à verba n.º 5 da secção III depois ter considerado não provado que o crédito pessoal em apreço serviria apenas para proveito próprio do Autor, pelo que a decisão da 1.ª Instância é, manifestamente, obscura e contraditória, o que consubstancia nulidade da Sentença, atentas as considerações supra referidas e em obediência ao espírito do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
2. A solução da sentença é ilegal por contrariar a norma do artº 1726º, n.º 1 e o princípio da prevalência da parte maior para qualificação do bem.
3. A prestação dos bens comuns na contribuição para a aquisição da farmácia é superior à prestação do bem próprio, pelo que a aquisição da farmácia é um bem comum, apesar de, e nos termos do n.º 2 do artº 1726º do CC, a recorrida deverá ser compensada pela deslocação que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal, na proporção de 5%.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
a) Ser declarada a nulidade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo; ou
b) Caso assim não se entenda, ser revogada a Sentença ora em crise, de acordo com os fundamentos supra expostos.

A Ré deduziu contra-alegações em que pugna pela manutenção do julgado.

Cumpre decidir.

II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
1. A. e R. contraíram um com o outro, casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 10 de Março de 1981.
2. Este casamento viria a ser dissolvido por sentença de 2006.01.04, proferida pelo Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira, 1º Juízo de Família e Menores, Processo nº …/03.8 TBVFX, sendo a R. declarada a principal culpada.
3. O A. instaurou inventário / partilha de bens em casos especiais contra a R., na sequência do respectivo divórcio - Processo n.º …/03.8TBVFX-C.
4. No processo referido em 3. foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:
“Atenta a impossibilidade de apreciar nos autos, relegamos para os meios comuns a questão relativa às verbas:
i) nn 29, 30, 31, 35, 36 e 41
ii) nn 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 22, 24 e 28.
iii) nn 1, 2, 5 e 6 da Secção III relativa à reclamada omissão de dívidas do casal à interessada”.
5. Estas verbas correspondem aos seguintes bens:
a) Verba nº 3 – Estabelecimento de Farmácia designado por Farmácia (…), sita na Rua (…), nº 31, em (…);
b) Verba nº 4 – Posto de Farmácia sito na Rua (…), nº 9, r/c, em (…), extensão do Estabelecimento de Farmácia designado por Farmácia (…), supra referido;
c) Verba nº 5 – Direito ao arrendamento e trespasse da “Farmácia (…)”, sita na Ruas (…), nº 31, em (…);
d) Verba nº 6 – Direito ao arrendamento e trespasse do posto de farmácia em (…), extensão da “Farmácia (…)”, sito na Rua (…), nº 9, r/c, em (…);
e) Verba nº 7 – Uma máquina de lavar loiça da marca Míele Anniversary – G, com o valor de € 150,00;
f) Verba nº 8 – Uma torradeira da marca Moulinex, com o valor de € 40,00;
g) Verba nº 9 – Uma máquina de café da marca Krups, com o valor de € 40,00;
h) Verba nº 10 – Um micro-ondas da marca Míele – MG25EG, com o valor de € 100,00;
i) Verba nº 11 – Um forno da marca Míele, com o valor de € 100,00;
j) Verba nº 12 – Uma máquina de secar roupa Míele Anniversary – C, no valor de € 100,00;
k) Verba nº 13 – Uma máquina de lavar roupa de marca Míele Anniversary – W, com o valor de € 100,00; l) Verba nº 15 – Um frigorífico da marca Míele Anniversary Combinado, com o valor de € 300,00;
m) Verba nº 16 – Um televisor a cores com comando da marca Sony, com o valor de € 100,00;
n) Verba nº 17 – Um DVD da marca Jocel, com o valor de € 100,00;
o) Verba nº 18 – Uma mini-aparelhagem da marca Sony, com o valor de € 100,00;
p) Verba nº 22 – Um aparelho de televisão de marca Sony, no valor de € 80,00;
q) Verba nº 24 – Um televisor a cores da marca Samsung com comando, no valor de € 150,00;
r) Verba nº 27 – Um televisor a cores com comando da marca Sony, com o valor de € 70,00;
s) Verba nº 28 – Uma cómoda em madeira, cor castanho-escuro com 5 gavetas, com o valor de € 175,00;
t) Verba nº 30 – uma mesa rectangular em madeira castanho-escuro, com o valor de € 400,00;
u) Verba nº 29 – Dois móveis, um com 2 portas em madeira trabalhada e outro com 4 portas em madeira trabalhada e outro com 4 portas em madeira trabalhada de cor castanho, com o valor de € 1.000,00;
v) Verba nº 30 – Uma mesa rectangular em madeira castanho-escuro com o valor de € 400,00;
w) Verba nº 31 – Doze cadeiras em madeira trabalhada, forradas, com almofadas de cor azul, com o valor de € 600,00;
x) Verba nº 35 – Uma mesa quadrada com tampo em vidro com o valor de € 100,00;
y) Verba nº 36 – Uma mesa pequena, em madeira, castanho com o valor de € 70,00;
z) Verba nº 41 – Sete quadros com gravuras diversas com o valor de € 410,00.
6. As verbas da secção III correspondem a:
a) Verba n.º 1 – 1.490,76 € pelo pagamento do IMI relativo ao imóvel constituído pela fracção autónoma designada pela letra “BH” sito na Rua (…), em (…), inscrito na matriz sob o art. (…) e descrito na Conservatória do Registo predial concelhia sob o nº …/19860919-BH;
b) Verba n.º 2 – 1.253,28 € pelo pagamento da contribuição autárquica e IMI, relativo ao imóvel constituído pela fracção autónoma designada pela letra “F” sito no Largo da (…), em (…), inscrito na matriz sob o art. (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº …/19860516-F de 2005 a 2008;
c) Verba n.º 5 – 5.275,58 € pelo pagamento (18/06/2004) de dívida contraída pelo cabeça de casal;
d) Verba 6 – Pagamento a partir de 10/07/2003 da amortização do empréstimo contraído pela aquisição do imóvel constituído pela fracção autónoma correspondente ao 4º andar direito, designado pela letra “BH” do prédio sito na Rua (…), em (…), inscrito na matriz sob o nº (…) e descrito na CRP concelhia sob o nº …/19860919.
7. As verbas descritas sob os n.ºs 7 a 13, 15 a 18, 22, 24 e 28 foram oferecidas ao estabelecimento Farmácia (…).
8. As verbas sob os números 29, 30, 31, 35, 36 e 41 indicadas no número 5 são bens próprios da Ré.
9. Não foi a Ré quem adquiriu o direito a ser-lhe adjudicado o posto de farmácia descrito na verba nº 4 da relação de bens, mas sim o estabelecimento comercial Farmácia (…).
10. Só foi atribuído à Farmácia (…) o posto de Farmácia de (…), porque era a Farmácia (…) quem, unicamente, preenchia os requisitos legais para a sua adjudicação, nomeadamente, o requisito de proximidade.
11. O posto de farmácia de (…) descrito na verba nº 4 da relação de bens é uma extensão da Farmácia (…) descrita na verba nº 3.
12. Os sucessivos contratos de arrendamento dos locais onde a Farmácia (…) desenvolveu a sua actividade (inicialmente na Rua …, nº 42, em … e, também, na Rua …, igualmente em …), encontram-se outorgados pelo A., na qualidade de arrendatário.
13. Através de escritura pública de dia 23 de Fevereiro de 1979, (…), marido (…), (…), mulher (…), como primeiros outorgantes, e (…), como segunda outorgante, declararam trespassar à segunda outorgante o estabelecimento comercial de farmácia, instalado no rés-do-chão do prédio urbano cito na Rua (…), em (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número 42, o qual inclui a cedência da respectiva chave e de todas as licenças e alvarás, e ainda a venda da armação, utensílios, mercadorias e demais coisas móveis pertencentes ao estabelecimento e nele existentes nesta data, pelo preço de cem mil escudos.
14. No dia 22.11.2011, no âmbito do processo de inventário referido em 3., A. e R. chegaram a acordo, o qual foi homologado por sentença, já transitada, nos seguintes termos:
“1 – O C. Casal (…) e a Interessada (…) reconhecem o passivo à Caixa de Crédito Agrícola e ao Banco (…).
2 – O C. Casal (…) e a Interessada (…) consideram partilhados os bens móveis, sendo adjudicados ao C. Casal as verbas n.º 1 e 2.
3 – A verba n.º 49 é adjudicada ao C. Casal, pelo respectivo valor matricial € 19.183,55.
4 – A verba n.º 50 é adjudicada à Interessada (…) pelo valor matricial € 57.224,88.
5 – A verba n.º 1 do passivo, dívida à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), relativa à habitação sita na Rua (…), em (…), no valor de € 32.040,54, fica à responsabilidade da Interessada (…).
6 – A verba n.º 2 do passivo, dívida ao credor Banco (…), relativa ao crédito da habitação sita no (…), em (…), no valor estimado de € 7.838,81, fica à responsabilidade do C. Casal (…).
7 – As partes acordam que os empréstimos se mantenham com as garantias actuais, mantendo o C. Casal e a Interessada os pagamentos dos empréstimos nos termos deferidos pelos bancos.
8 – Em resultados das adjudicações efectuadas e das inerentes responsabilidades, resulta a favor do C. Casal um crédito de tornas que este declara ter já recebido por compensação de um crédito que a Interessada tem sobre ele”.
15. No dia 27 de Março de 1984, A. e R. entregaram a (…), marido (…), (…), mulher (…), um cheque no valor de dois milhões de escudos para pagar o remanescente do preço da farmácia.
16. O cheque indicado em 15, o cheque nº (…) da CGD, no valor de PTE 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), é sacado sobre a conta conjunta de A. e R. naquela instituição de crédito.
17. As verbas nº 1 e 2 da secção III referem-se a pagamentos aos serviços da Administração Fiscal devidas pelo dissolvido casal, mas suportadas integralmente pela R..
18. A verba nº 5 reporta-se ao pagamento efectuado pela R., em 18/06/2004, ao Banco (…), Agência de (…), daquela quantia (€ 5.275,58).
19. Tal crédito pessoal foi contraído pelo A..
***
III. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

A questão a decidir resume-se, pois, a saber:
a) Se a sentença padece das arguidas nulidades;
b) Qual a solução a dar ao pleito.

Arguiu o Apelante a nulidade da sentença, alegando que a mesma “é, manifestamente, obscura e contraditória, o que consubstancia nulidade da Sentença, atentas as considerações supra referidas e em obediência ao espírito do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.”
… resulta claro do peticionado que o objecto da lide, quanto à verba em questão, era aferir se a mesma deveria ser considerado um bem comum. O Tribunal a quo considerou que a verba em apreço era bem próprio da Ré, acrescentando, contudo, que existe a necessidade de compensação ao património comum do casal na proporção de 95%.
Nestes termos, ficou o Recorrente sem compreender como será feita a necessária compensação pela Recorrida ao património comum do casal e com base em que valor. Com efeito, entende o Recorrente que a Sentença ora em apreço não esclarece quais os meios pelos quais será feita a compensação, e bem assim, não indica qual o valor que deve ser tido em consideração para esse efeito.
Assim, no que concerne à verba n.º 3 não se compreende o procedimento pelo qual será possível a concretização da decisão proferida a este respeito.
E mais adiante …resulta claro do peticionado que o objecto da lide, quanto à verba em questão, era aferir se a mesma deveria ser considerado um bem comum. O Tribunal a quo considerou que a verba em apreço era bem próprio da Ré, acrescentando, contudo, que existe a necessidade de compensação ao património comum do casal na proporção de 95%.
Nestes termos, ficou o Recorrente sem compreender como será feita a necessária compensação pela Recorrida ao património comum do casal e com base em que valor. Com efeito, entende o Recorrente que a Sentença ora em apreço não esclarece quais os meios pelos quais será feita a compensação, e bem assim, não indica qual o valor que deve ser tido em consideração para esse efeito.
Assim, no que concerne à verba n.º 3 não se compreende o procedimento pelo qual será possível a concretização da decisão proferida a este respeito”.
Por via da presente acção, o Tribunal “a quo” foi chamado a decidir se a verba n.º 3 era bem comum, ou bem próprio da Ré, tendo decidido no sentido de que é bem próprio da Ré, mas que esta terá que compensar o património do casal, na proporção de 95% do seu preço.
É o que se deduz, do seguinte extracto da sentença “Ora, transmitindo-se a propriedade por mero efeito do contrato entendemos que o estabelecimento de farmácia é bem próprio da R. (…). Todavia, considerando que cerca de 95% do preço foi pago com dinheiro que se presume do casal, uma vez que foi pago em 1984, através de cheque sacado sobre uma conta conjunta das partes, entendemos que deverá haver uma compensação ao património comum do casal na mesma proporção. Isto é, o estabelecimento de farmácia, apesar de ser um bem próprio da R., por ter sido adquirido antes do matrimónio, foi pago na sua maioria, cerca de 95%, já depois do matrimónio com dinheiro do casal, pelo que deverá existir uma compensação ao património comum do casal na mesma proporção”.
Pelo que não verificamos a existência de qualquer obscuridade.
Não estando o Tribunal “a quo” obrigado a ir mais além do que decidiu, pois a parte, representada pelo seu mandatário, deve saber qual a tramitação processual a que deve deitar mão, para proceder à compensação de créditos definidos pela sentença em apreço.

Arguiu ainda o Apelante, que a sentença padece de nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão, no que toca à decisão sob a verba n.º 5, porque, em seu entender, “o Tribunal a quo decidiu de forma contraditória nos termos da alínea f) do ponto 1 da Decisão.
Com efeito, relativamente à verba n.º 5 da secção III, a mesma foi definida em sede de reconvenção pela Recorrida como sendo uma dívida contraída pelo Recorrente, paga pela Recorrida, por um crédito pessoal contraído pelo Recorrente e no seu exclusivo interesse.
Em sede de Sentença, a juiz do Tribunal a quo decidiu que não foi provado que “o crédito pessoal referido na verba n.º 5 foi contraído no exclusivo interesse do A.” (vide alínea c) dos Factos não Provados).
Mas mais: em sede de motivação da decisão da matéria de facto esclareceu a Sentença que “não foi dado como provado que tal crédito tivesse sido feito no exclusivo interesse do A. (al. c) dos factos não provados), uma vez que se desconhece em que data tal crédito foi contraído e bem assim a R. não produziu qualquer prova sobre esta matéria, conforme lhe competia, art. 342.º do CC.”
Não obstante, na Decisão, condenou o Autor, ora Recorrente, ao pagamento do valor indicado na verba n.º 5 da secção III, referindo que a Ré Recorrida é credora do primeiro, quanto a este valor”.
Como ensina Alberto dos Reis (CPC Anotado vol. V, em nota ao art.º 668º), estamos perante uma nulidade da sentença consagrada na alínea c), do citado dispositivo, “quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete”. “A construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao resultado oposto”.
“Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento e não perante uma oposição geradora de nulidade” (Lebre de Freitas in CPC Anotado, Vol. 2º, na nota 3 ao art.º 668º).
Por outro lado, não se deve olvidar que do facto de o Tribunal não dar como provado um determinado facto, não se pode retirar que o facto contrário está provado.
Dito isto, como sustenta a Sr.ª Juíza “a quo” no seu despacho de fls. 469 e 470, em que apreciou as invocadas nulidades, e no que respeita à nulidade ora em apreço, “o tribunal entendeu, com base no disposto no art.º 1691º, n.º 3, que se tratava de uma dívida do A., que a R. liquidou, pelo que ela é credora do A., tendo em conta os factos dados como provados nos pontos 18 e 19, …”.
O que se nos afigura um raciocínio lógico-dedutivo coerente que não padece de qualquer contradição.
Improcedendo assim a arguida nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Resta definir a solução a dar ao pleito
O ora Apelante trouxe à colação o disposto no n.º 2 do art.º 1726º do Cód. Civ., para fazer valer a sua tese de que a Farmácia em apreço é bem comum do casal, uma vez que grande parte do preço foi pago pelo dissolvido casal na constância do matrimónio.
No entanto, parecer olvidar o Apelante que tal dispositivo visa apenas regular a aquisição de bens ou direitos, na constância do matrimónio, em parte pagos com dinheiro próprio de um dos cônjuges e na outra parte com dinheiro comum.
O que não é a situação dos autos, uma vez que a Farmácia foi comprada pela Ré, antes de contrair matrimónio com o Autor.
Na verdade, o contrato de compra e venda é um contrato consensual, em que o acordo das partes determina a formação do contrato, não dependendo a sua consumação da entrega da coisa, nem do pagamento do preço, transferindo-se assim a propriedade do bem ou direito adquirido para o comprador, independentemente do pagamento do preço e da entrega da coisa (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III. Pág. 14 e 28), pelo que a propriedade da Farmácia se transferiu para a esfera jurídica Ré, por via do referido contrato, antes da celebração do casamento com o A., apesar de grande parte do preço ter sido pago já na constância do matrimónio do dissolvido casal.
Daí que improceda, também nesta parte, o presente recurso.

Concluindo, improcede o presente recurso.

***

IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.

Évora, 26 de Março de 2015
Silva Rato
Assunção Raimundo
Abrantes Mendes